domingo, 25 de abril de 2010

Sucesso literário requer talento para performance

Lobo Antunes assume que, atualmente, os autores, além de escrever, devem exibir habilidade para o stand-up comedy

Um dos maiores nomes da literatura contemporânea, português acha que leitores temem as obras que os obriguem a olhar para si

O poder da escrita António Lobo Antunes descobrira ainda criança, nos versos que ouvia o pai recitar e nos poemas que ele próprio, menino, viu saírem de sua mão. Foi bem mais recentemente, porém, após 30 anos de literatura, que descobriu um outro poder: o da fala.
Estrela da festa de Paraty, em 2009, o escritor mostrou, nesta entrevista, concedida de Lisboa, que tão aprimorado quanto sua escrita é seu discurso. O mesmo homem que põe o personagem a perguntar "Achas que a vida foi vida?", ensina, ao telefone, que "não temos tempo para ouvir o outro, pois perdemos a vida a ganhá-la". Em "O Arquipélago na Insônia", lançado esta semana, Antunes volta a escrever um livro que, entre a poesia e os fantasmas que o habitam, não se presta a sinopses. "Quando escreve, você está tentando cumprir qualquer coisa impossível, que é transformar em coisas ditas coisas que não se podem dizer, que você apenas pode sentir."

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FOLHA - Esse livro nasceu da ideia da casa habitada por mortos?
ANTÓNIO LOBO ANTUNES
- Você não escreve com ideias, mas com palavras. Uma vez, o Degas foi mostrar um soneto ao Mallarmé. O Mallarmé disse que os sonetos eram uma merda. O Degas: "Mas eu tinha ideias tão boas". E o outro: "Pois, mas você não escreve com ideias". São as palavras que geram as palavras. Nos momentos bons, a mão torna-se feliz e caminha sozinha. Por isso é impossível falar de um livro.

FOLHA - Mas o senhor foi um sucesso ao falar de seus livros na Flip.
ANTUNES
- É porque o jornalista, o Humberto Werneck, era muito bom. Eu estava há muitos anos sem ir ao Brasil, porque , generoso, tinha pensado "Caramba, preciso deixar um país para o Saramago". Vê como sou simpático? Ir a Paraty foi um esforço enorme, mas então decidi me divertir. E fiquei surpreendido. Era tanta gente entusiasmada que tive de sair com seguranças. Agora sou um chuchu, o que é também incômodo. Quando começa a haver unanimidade, você se pergunta: o que fiz de errado?

FOLHA - O senhor se pergunta isso?
ANTUNES
- Me pergunto se todo sucesso não é um fracasso adiado. Há muitos artistas e pouca arte. Em qualquer bar há uma série de pintores que não pintam, escritores que não escrevem. É a era da performance.

FOLHA - O senhor acompanha a literatura contemporânea?
ANTUNES
- Gosto muito de Virgílio, Ovídeo, Horácio. O que eles escreveram não tem uma ruga. Os grandes poetas da nossa língua, no século 20, são os brasileiros. Cabral, Drummond, Jorge da Lima. O Fernando Pessoa a mim me aborrece. Como é que um homem que nunca trepou pode ser bom escritor? Mas a idade de ouro do livro acabou. No século 19, havia 30 gênios escrevendo ao mesmo tempo. Agora, se encontrar cinco bons escritores no mundo já não é nada mau.

FOLHA - Talvez os autores se dispersem em viagens, jantares...
ANTUNES
- Resolvo o assunto de maneira simples: aceito quatro convites por ano. Se sai o tempo todo, você não tem tempo para escrever. Tem que ser uma galinha a proteger seus ovos. A jantares não vou porque as pessoas ficam à espera de que eu diga coisas inteligentes. É como esperar que um acrobata ande na rua dando saltos mortais.

FOLHA - Essa falta de escritores se deveria também à falta de leitores?
ANTUNES
- As pessoas vivem mal. Quando têm que parar e olhar para elas, ficam assustadas. E a literatura pede esse olhar. Mas é uma alegria tão grande achar um livro bom. Eu, como leitor, quero que o autor me comova, que me dê a alegria de uma frase bem feita. Um livro tem que ser aquilo que um procurava e não achava.


O ARQUIPÉLAGO DA INSÓNIA

Autor: António Lobo Antunes
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 44,90 (256 págs.)

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CRISTOVÃO TEZZA

FSP 24/04

O Brasil de Jorge Amado


Jorge Amado representa nação que ainda sonhava em fundir o universo urbano com a mitologia rural




DURANTE MEIO século, Jorge Amado foi o maior formador de leitores de literatura adulta no país. O Brasil se espelhava nele; em suas obras de temática política e social, Jorge Amado antevia um país utópico-socialista em que o Estado teria alma, tal como a massa dos brasileiros continua a sonhar, e em suas obras-primas de imaginação e costumes (como "Gabriela, Cravo e Canela" e "Dona Flor e seus Dois Maridos"), deu forma viva a uma visão de Brasil que há mais de cem anos vinha tentando se encontrar no caldeirão da nossa cultura.
A miscigenação brasileira, caso único no mundo, se não recebeu ainda uma clara ou hegemônica formulação política ou mesmo teórica (depois de Gilberto Freyre), certamente tem na literatura de Jorge Amado a sua mais completa realização ficcional. E igualmente completa do ponto de vista formal: cada frase de seu texto, com sua sintaxe de bravatas, seu sincretismo retórico, seu rompimento de fronteiras e sentidos, põe as coisas díspares do mundo a serviço de uma narração totalizante que enquadra toda diferença na moldura de mitos populares.
No caso de Jorge Amado, pode-se comprovar o todo pela parte, pelo DNA de seus raríssimos contos, três deles agora relançados numa bela edição em volumes ilustrados e comentados -"O Milagre dos Pássaros", "As Mortes e o Triunfo de Rosalinda" e "De como o Mulato Porciúncula Descarregou seu Defunto".
Os títulos mesmos já se integram em sua utopia narradora, como se Jorge Amado cantasse sempre o mesmo livro em diferentes formas; para ele, a própria distinção entre romance e conto é irrelevante, sendo essa outra fronteira que não resiste à sua voz.
Do mulato Porciúncula casando com sua noiva morta, passando pelo monólogo do assassino de Rosalinda e subindo o adultério aos céus com um saboroso milagre dos pássaros, encontramos uma literatura que cria, canta e afirma uma utopia brasileira como nenhum outro autor foi capaz. Jorge Amado representa o momento único de uma nação que ainda sonhava em fundir o universo urbano com a mitologia rural.
Como todo épico, seu narrador centraliza o mundo colocando-o em praça pública e em altos brados -não há intimidade em Jorge Amado que não seja uma expressão coletiva. E não há diferença que não acabe amansada pelo seu turbilhão narrativo, em que mortos e vivos, letrados e ignorantes, prostitutas e mães, retórica elevada e coloquialismo, preciosismo e palavrão, cornos e casanovas, vão todos se fundindo num painel carnavalesco. A paródia perpétua e devoradora de sua linguagem mantém sempre um eixo de valor positivo, alegre e otimista; é a única fronteira que Jorge Amado respeita, e que jamais ultrapassou.


DE COMO O MULATO PORCIÚNCULA DESCARREGOU SEU DEFUNTO
Autor: Jorge Amado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 33 (80 págs.)
Avaliação: bom

AS MORTES E O TRIUNFO DE ROSALINDA
Quanto: R$ 30 (72 págs.)
Avaliação: bom

O MILAGRE DOS PÁSSAROS
Quanto: R$ 31,50 (64 págs.)
Avaliação: bom

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Empresas respondem a centenas de processos contra terceirização

Fonte: Reporter Brasil 19/04

Cada vez mais usada no processo produtivo como forma de baratear o custo da mão de obra, a prática da terceirização tem levado centenas de empresas a responder a ações civis públicas propostas em todo o país pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). O combate à terceirização que considera ilícita é hoje uma das principais bandeiras do órgão. Os procuradores elegeram como alvo os setores econômicos mais importantes de cada Estado. Em Minas Gerais, as atenções estão voltadas para as siderúrgicas. Na Bahia, o Polo Petroquímico de Camaçari, na região metropolitana de Salvador. E no interior de São Paulo, multinacionais instaladas no Vale do Paraíba. Em muitos casos, já há liminares determinando que as companhias p! arem de terceirizar determinadas atividades. O tema já chegou, inclusive, no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de um recurso ajuizado pela ArcelorMittal.

O Ministério Público alega nas ações que essas empresas terceirizam atividades-fim para pagar menos encargos trabalhistas. A Lei nº 7.102, de 1983, autoriza a terceirização nos serviços de vigilância e limpeza. No entanto, não existe no país uma legislação específica sobre o assunto para as demais atividades. Por esse motivo, hoje o principal parâmetro adotado é a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Por essa orientação, a terceirização pela companhia de serviços especializados ligados à atividade-meio poderia ocorrer, desde que não exista subordinação direta do funcionário com o tomador de serviços. O conceito de atividade-meio, porém, gera inúmeras interpretações na Justiça do Trabal! ho e também entre advogados. "O empregado terceirizado tem menos direitos trabalhistas e geralmente faz o mesmo serviço que o funcionário contratado", afirma Fábio Leal, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). "As terceirizações ilícitas criam um empregado de segunda classe."

O Ministério Público do Trabalho só ajuiza ações civis públicas depois de verificar a existência de inúmeras demandas individuais de trabalhadores terceirizados contra os tomadores de serviço. Os procuradores têm priorizado os grandes centros industriais do país. No interior de São Paulo, que abrange 599 municípios, o MPT da 15ª Região propôs 24 ações civis públicas e firmou 104 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) nos últimos dois anos. Os municípios de Campinas, São José dos Campos e São Carlos, que abrigam diversas multinacionais, foram alvo das principais ações. Em um processo contra a Volkswagen, em São Carlos, o MPT obteve uma liminar, em primeira instância, proibindo a terceirização na fabricação de motores. Por meio de sua assessoria de i! mprensa, a montadora informou que não comenta assuntos que estão sub judice.

Em janeiro, o Ministério Público ajuizou uma ação contra a Basf na Vara do Trabalho de Guaratinguetá. A discussão envolve trabalhadores contratados por uma empresa terceirizada como "ajudantes gerais" de empregados da linha de produção de embalagens da Basf. Os procuradores alegam que, neste caso, há discriminação salarial entre empregados e terceirizados de mesma categoria profissional. "No Brasil, a terceirização é estratégia para baixar custos à custa dos direitos trabalhistas", afirma o procurador do Trabalho em São José dos Campos Luiz Carlos Fabre. De acordo com ele, atualmente não há mais como delimitar de forma precisa o que seria atividade-fim. O procurador diz que o Judiciário tem considerado mais a questão da precarização do ambiente de trabalho. Procurada pelo Valor! , a Basf informou que não terceiriza os serviços de sua atividade fim. Segundo a empresa, a terceirização utilizada em seu processo produtivo atende completamente a legislação em vigor.

Em Minas Gerais, o trabalho do MPT está voltado para as siderúrgicas, na terceirização do processo produtivo de carvão e reflorestamento. O Ministério Público da 3ª Região entende que esses setores estariam diretamente relacionados à atividade-fim das companhias, pois o carvão seria a principal fonte de produção do ferro-gusa, aço e outros metais. Já a produção de carvão seria garantida pelas atividades de reflorestamento desenvolvidas pelas empresas. Nos últimos oito anos, o órgão ajuizou 23 ações civis públicas contra cerca de 40 empresas da área. Uma dessas discussões judiciais envolve a ArcelorMittal - antiga Belgo Mineira. A procuradora do trabalho da 3ª Região, Adriana Augusta de Moura Souza, afirma que foram verificadas péssimas condições de higie! ne nos alojamentos dos trabalhadores, submetidos a jornadas estafantes. Em 2005, o TST determinou que a empresa extinguisse a terceirização naqueles setores. Da decisão, a Arcelor recorreu para o Supremo Tribunal Federal (STF), mas o processo está ainda pendente de julgamento.

Outro grande polo industrial que tem motivado investigações do MPT é o de Camaçari, na Bahia. Desde 2008, o órgão firmou 23 TACs com empresas e ajuizou seis ações. Os processos que envolvem os maiores valores foram ajuizados contra Brasken, DuPont e Oxiteno e tramitam em duas varas de Camaçari. Em agosto, o Ministério Público obteve liminar que determinava à Brasken o término da terceirização de atividades-fim por meio de cooperativas ou de outras empresas. De acordo com a procuradora do trabalho da 5ª Região Virgínia Sena, a terceirização ilícita ocorreria no setor de manutenção. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Braskem informou que recorreu da decisão no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Bahia e obteve uma decisão favorável que permite continuar com a terceirizaç! ão no setor de manutenção. A empresa entende que a área é uma atividade-meio da empresa, cuja finalidade é a produção e comercialização de produtos petroquímicos.

As ações ajuizadas contra a Oxiteno e a DuPont ainda não foram julgadas. Procurada pelo Valor, a DuPont informou estar certa de não existir fato que comprove a precarização dos direitos trabalhistas, e "reforça o seu compromisso, respeito e o cumprimento da legislação". A ArcelorMitall não retornou aos pedidos de entrevista. E a Oxiteno informou que não irá se manifestar sobre o assunto.

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