segunda-feira, 5 de abril de 2010

CIRURGIA PLÁSTICA
Regras para operações

Fonte: Correioweb.com.br 05/04


A morte de Kelma Gomes, sete dias após uma lipo, deve acelerar protocolo de segurança sobre os procedimentos e resultar num acordo que prevê a preservação de provas em clínicas

A morte de Kelma Macedo Ferreira Gomes, 33 anos, provocará alterações nas regras e nos procedimentos cirúrgicos ligados à estética e à reparação corporal. Além de acelerar a redação final de protocolo de segurança voltado para a exigência de medidas básicas em intervenções ocorridas no Distrito Federal, a tragédia em torno da mulher que perdeu a vida sete dias depois de passar por uma operação em Goiânia (GO) promoverá modificações na política de preservação de provas em casos semelhantes. As mudanças serão amadurecidas ao longo da semana.

As duas iniciativas envolvem o Ministério Público do Distrito Federal (MPDF), um dos principais responsáveis pela investigação do caso — a outra apuração segue na 23ª Delegacia de Polícia, no P Sul. A segunda delas será tomada por conta de dificuldades para garantir a realização do exame cadavérico de Kelma. O promotor de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida), Diaulas Ribeiro, impediu a liberação do corpo no mesmo dia da morte, ocorrida na última sexta-feira. Se dependesse de um hospital de Ceilândia e dos parentes da vítima, os restos mortais seriam enterrados sem necropsia.

A interferência da Pró-Vida provocou a revolta dos familiares. Eles acreditam que o desfecho do caso não tem relação com a lipoescultura realizada em uma clínica da capital goiana. Para Diaulas, porém, a situação precisa ser investigada com profundidade — a mulher passou mal quatro dias depois da intervenção e estava internada no Hospital São Francisco, em Ceilândia, desde terça-feira. Laudo preliminar do Instituto de Medicina Legal (IML) aponta para morte em decorrência de pneumonia e embolia pulmonar. O resultado oficial deve ser conhecido em 15 dias.

Para evitar futuras confusões, Diaulas quer que hospitais, clínicas especializadas e sindicatos médicos candangos assinem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPDF para evitar liberações de corpos em casos de morte suspeita. “Vamos fazer isso para segurança e preservação de provas em cirurgias das mais variadas. No caso da Kelma, mesmo havendo suspeita(1), a família quis fazer o enterro. Com esse TAC, vamos impedir a destruição de provas, mesmo que seja feita de boa-fé”, explicou.

A Pró-Vida também se juntou à Vigilância Sanitária do DF, à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e à Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) para a criação de normas a serem usadas em plásticas realizadas no DF e no Brasil. “Hoje, as regras não são muito claras. Existem 17 clínicas especializadas em cirurgia plástica no DF. Vamos fazer um pente-fino em todas elas para ver o certo e o errado”, afirmou. As informações serão incluídas em um protocolo de segurança capaz de exigir procedimentos básicos nas operações estéticas realizadas na capital do país (leia quadro).

Reuniões e debates
A morte de Kelma também mobilizará entidades médicas e sindicais de Goiás ao longo da semana. O Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) entrou em contato com o MPDF e pediu o envio de informações sobre o caso. Não se descarta, assim, uma possível colaboração do órgão na investigação. A vítima se submeteu à operação no Hospital Goiânia Leste, no Setor Universitário, em Goiânia. O médico responsável é membro associado da SBCP. Tem pelo menos 11 anos de experiência profissional e detém o título de especialista em cirurgia plástica.

O Cremego também deve participar de encontro promovido em caráter de urgência pelo

SBCP. A reunião servirá para debater a frequência com que mulheres perdem a vida na Região Centro-Oeste por conta de intervenções estéticas. Pelo menos nove — cinco em Goiás e quatro na capital do país — não resistiram a procedimentos cirúrgicos realizados na última década.

Kelma assessorava o ministro das Cidades, Márcio Fortes, havia oito anos. Era casada e deixou dois filhos, de 3 e 8 anos. A família mora no Setor O, em Ceilândia. Ela se submeteu a uma lipoescultura às 6h30, em 26 de março. Recebeu alta e voltou de carro para Brasília, acompanhada do marido, às 8h do dia seguinte.

1 - Comoção
O velório e o enterro de Kelma ocorreram no fim da tarde de sábado no Cemitério de Taguatinga. A tia da vítima, Leila Cardoso, 47 anos, contou que a sobrinha consultou especialistas em Brasília e em Goiânia antes de realizar a operação. O cirurgião do hospital goiano teria sido o único a concordar com a plástica na barriga de Kelma.

Mudanças previstas

O Ministério Público do DF quer reforçar as regras das cirurgias estéticas e de reparação. Confira alguns pontos em discussão:

As operações de lipoescultura deverão ocorrer somente em clínicas que tenham Unidade de Terapia Intensiva (UTI) à disposição.

O paciente contará obrigatoriamente com dois médicos de prontidão na sala de operação. Além do cirurgião plástico, pode-se exigir a presença de um clínico geral para agir em caso de emergência.

As clínicas terão de reservar um banco de sangue exclusivo para quem for se submeter a qualquer intervenção cirúrgica.

Sociedade
No banco dos réus do Conselho de Medicina

Fonte: Correioweb.com.br 05/04


O casal Laci e Fernando comemora julgamento de neurologistas, psiquiatras e ortopedistas do Exército no CRM do Distrito Federal. Os médicos militares são acusados de cometerem crimes éticos


O julgamento de 18 médicos pelo Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) será acompanhado de perto pelos dois principais personagens que se dizem vítimas de perseguição dos profissionais de saúde. O sargento Laci Marinho de Araújo e o ex-militar Fernando Alcântara de Figueiredo comemoraram a decisão do CRM-DF em avaliar o comportamento de neurologistas, psiquiatras, ortopedistas e clínicos-gerais acusados de crimes éticos. O ato teria ocorrido durante o tratamento de Laci, que ficou conhecido em maio de 2008 depois de ter assumido relacionamento homossexual com Fernando.

Aconselhado por seus advogados a não falar com a imprensa, pois ainda faz parte do Exército e precisa evitar qualquer outro tipo de discriminação, Laci, por meio de seu companheiro, afirmou que essa é uma vitória não só para ele, mas para toda a sociedade. “Eu e Laci acreditamos que o nosso caso é mais do que uma luta pelos direitos dos homossexuais, é um caso de direitos humanos mesmo. E a sociedade tem uma visão deturpada a respeito da atuação dos CRMs, pois eles, dificilmente, ficam contra os médicos, a não ser que envolva morte. E durante reunião do conselho, todos os membros votaram por acatar a denúncia. Isso é inédito”, disse Fernando.

Ele denunciou que por muito tempo os médicos do Exército forjaram laudos, várias vezes sem a presença de Laci, dizendo que ele tinha capacidade plena para continuar na atividade, sendo que médicos civis apontavam para uma possibilidade de ele ter esclerose múltipla. “Os militares inventavam que ele tinha depressão por acreditar que estava sendo perseguido. Mas a gente descobriu que havia uma ordem superior lá dentro mandando dar alta médica. Eu não conseguia entender como uma pessoa que não tinha condições nem de levantar da cama podia ter alta. Descobrimos, depois, que ele tem uma doença rara, esclerose do lobo temporal”, disse. Quando os militares descobriram a relação de mais 10 anos, a perseguição aumentou, segundo Fernando.

“Antes a perseguição existia, pois, eu, Fernando, tinha feito algumas denúncias políticas lá dentro. Depois da descoberta, tudo piorou. Temos gravações em que os médicos afirmam essa perseguição. A coisa é tão suja que os conselheiros consideraram também como uma tortura psicológica”, completou. A intolerância ao fato foi tão grande, segundo Fernando, que o Exército decidiu separar os dois e transferir um para cada estado.

Laci foi para Osasco (SP) e Fernando para São Leopoldo (RS). Portanto, a dupla conseguiu na Justiça o direito de permanecer em Brasília. “Depois de todos esses episódios, temos que comemorar a decisão do CRM. Agora, outras pessoas que vivem a mesma situação lá dentro não vão ter mais medo de denunciar. E nem a gente vai ver mais casos de pessoas que se suicidam, pois não aguentam tanta pressão”, disse Fernando. Ele comemorou também o fato de que a Procuradoria da República no DF já começou a processar os envolvidos.

Decisão inédita
O advogado de Fernando e Laci disse ao Correio que o julgamento do CRM é uma medida inédita. Segundo Lúcio França, os médicos militares ficam sob proteção de uma Lei nº 6.681/79(1) que foi criada na época da ditadura e não são enquadrados no Código de Ética Médica. “Desde aquela época eles assinavam laudos de tortura, por exemplo, a mando dos militares superiores. Pior do que isso era o fato de que eles participavam da tortura para atestar se a pessoa era capaz de aguentar o sofrimento. Como eles tinham essa lei, que vigora até hoje, não se preocupavam com processos éticos”, afirmou. Por isso, ele classificou o ato do CRM como uma vitória. “É sinal que as coisas no país estão avançando”, completou.

Agora, França quer tentar a mesma vitória perante o conselho do estado de São Paulo. De acordo com ele, após participar de um programa de televisão em São Paulo para reafirmar a homossexualidade, Laci foi preso por ter sido considerado desertor das Forças Armadas. Nesse tempo, como destacou o advogado, o sargento foi discriminado da mesma forma. “Se conseguirmos, será mais uma vitória. Não só de Laci, mas de todas as pessoas vítimas desses procedimentos. Os direitos dos pacientes precisam ser respeitados”, completou.

O Correio tentou entrar em contato com os conselheiros do CRM, mas a assessoria informou que até que seja julgado, eles não podem se manifestar sobre o caso. De acordo com o Código de Ética Médica, “o processo ético profissional, nos conselhos de medicina reger-se-a pelo código de ética médica e tramitará em sigilo processual”. A assessoria adiantou que, se condenados, esses médicos poderão receber desde uma simples advertência e censura ou até suspensão ou cassação do registro profissional. Os advogados dos acusados têm um prazo de 30 dias para apresentar a defesa.

1 - Livres de ações
Art. 5º – Os médicos, cirurgiões-dentistas e farmacêuticos militares, no exercício de atividades técnico-profissionais decorrentes de sua condição militar, não estão sujeitos à ação disciplinar dos conselhos regionais nos quais estiverem inscritos, e sim, à da Força Singular a que pertencerem, à qual cabe promover e calcular a estrita observância das normas de ética profissional por parte dos seus integrantes.

Se conseguirmos, será mais uma vitória. Não só de Laci, mas de todas as pessoas vítimas desses procedimentos”

Lúcio França, advogado do sargento Laci Marinho de Araújo



O número
18
Número de médicos militares que serão julgados pelo Conselho Regional de Medicina do DF


Memória
Prisão em rede nacional

Em maio de 2008, numa entrevista bombástica à revista Época, os sargentos do Exército Laci de Araújo e Fernando Figueiredo assumiram que viviam juntos, em união estável, desde 1997. A revelação abriu uma crise dentro das Forças Armadas. Mas a gota d’água ocorreu dias depois, quando o casal apareceu no programa SuperPop, apresentado por Luciana Gimenez, na Rede TV, ao vivo, reafirmando a relação homossexual.

Enquanto a atração televisiva se estendia além do horário normal da programação, devido à grande audiência, a Polícia do Exército cercava o prédio da emissora, em Barueri, Grande São Paulo, para efetuar a prisão do sargento. A apresentadora se disse assustada com a ação. “Em sete anos de SuperPop, é a primeira vez que passo por uma situação dessa”, afirmou na época.

A chegada do carro militar foi mostrada pelas câmeras do programa. O sargento Laci se desesperou ao saber o que estava ocorrendo. “Eu vim em rede nacional para resguardar a minha vida porque a televisão atinge mais pessoas do que a revista. Se eu for preso, eu vou morrer, será queima de arquivo”, declarou o militar, ao vivo. Ao que Luciana respondeu, também demonstrando aflição: “O que eu posso fazer? Você veio aqui por livre e espontânea vontade”.

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