segunda-feira, 23 de abril de 2012


1ª BIENAL BRASIL DO LIVRO E DA LITERATURA »  literatura brasileira, ontem e hoje
Debate com os escritores Deonísio da Silva, Mario Prata e Alcione Araújo sobre a época de ouro dos livros e a produção atual é um dos destaques do último dia da Bienal Brasil. CORREIO BSB 23.04
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Deonísio da Silva: %u201CAs pessoas podem discordar, mas entediadas não sairão%u201D
           
Alcione Araújo reclama do %u201Cafastamento esquizofrênico entre educação e cultura%u201D: %u201CVocê forma médicos que nunca leram um romance%u201D
           
As pessoas veem os escritores como seres iluminados, de onde saem faíscas da cabeça, com musas nuas voando pelo escritório. Isso não é verdade%u201D Mario Prata, escritor e jornalista
           
Luis Pimentel lança livro e conversa sobre a importância do conto

A 1ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura começou com uma ode ao Nobel de Literatura Wole Soyinka, poeta e dramaturgo nigeriano. Hoje, chega ao fim com louvores ao escritor e ilustrador Ziraldo. A homenagem está marcada para as 20h30, no Auditório Nelson Rodrigues. O mineiro de Caratinga, de 79 anos, teve duas exposições durante a bienal: Zeróis: Ziraldo na tela grande, com 44 pinturas povoadas de super-heróis, e Noções de coisas, em que o artista gráfico divide os limites do papel com textos de Darcy Ribeiro. Durante o dia, a bienal reserva boas atrações aos visitantes.

O mirante provocativo dos escritores Deonísio da Silva, Mario Prata e Alcione Araújo descortina a era de ouro e a produção atual na literatura brasileira. O    olhar diverso subverte temas como censura, cultura e modernidade. Com a promessa de ser a atração principal da noite, o debate tem a mediação do escritor Luiz Fernando Emediato e começa às 18h, no Auditório Nelson Rodrigues.

 “As pessoas podem discordar, mas entediadas não sairão. Essa será uma mesa de arraso”, garante o escritor, professor e ensaísta Deonísio da Silva. Ele coloca em evidência livros proibidos na ditadura militar, tema intenso de pesquisa ao longo de dois doutorados, além de um passeio sobre a produção literária no Brasil, desde o barroco até a atualidade.

Deonísio pinça a expressão “forma paradoxal de propaganda” para falar da censura na década de 1960. “Funcionava como uma propaganda às avessas. Todos partíamos para ler os autores proibidos.” Entre eles, Plínio Marcos, José Louzeiro e duas escritoras que abriram caminho para falar do corpo e da mulher: Cassandra Rios e Adelaide Carraro. “Nenhuma ditadura vence um escritor. Pode colocá-lo na cadeira, matá-lo, mas a obra fica”, acrescenta.

 Qual foi a era de ouro da literatura brasileira? “Barroco do século 17, literatura dos inconfidentes, romancistas de 1930 e, depois de um vácuo produtivo, os escritores dos anos 1960”, responde Deonísio. A Semana de Arte Moderna de 1922 não figura nessa lista. “O modernismo foi um desastre para a literatura brasileira. Eles restringiram a relação entre autor, obra e público a autor e obra”, espicaça ele, que mais cedo abre sua participação com a palestra Lotte & Zweig, às 14h30, no Café Literário.

O escritor reforça sua colocação ao lembrar que o livro Macunaíma, de Mario de Andrade, demorou anos para vender 800 exemplares, assim como a estreia poética de Carlos Drummond de Andrade, com o livro Alguma poesia. “Foram 200 exemplares, no máximo, todos dados. Ninguém comprou nada.”

Passado e presente

O tom polêmico levantado por Deonísio ecoa na ironia mineira de Mario Prata. Escritor, jornalista e criador de telenovelas, Prata defende que as mudanças na literatura caminham de mãos dadas com o tempo. “É outro mundo e outra literatura. Começamos com Vossa Mercê, depois você e agora vc. É a ordem natural das coisas.”

Um dos motivos da visita à Bienal Brasil, como Prata resume, é o contato direto com o público. “As pessoas veem os escritores como seres iluminados, de onde saem faíscas da cabeça, com musas nuas voando pelo escritório. Isso não é verdade”, afirma.

Para o mineiro Alcione Araújo, o debate compara a época áurea da literatura brasileira com a produção atual. Contundente, o escritor posiciona a educação brasileira como formadora restrita de profissionais, e não de cidadãos completos. “O que está acontecendo com o Brasil, desde o século passado, é um afastamento esquizofrênico entre educação e cultura. A educação brasileira se transformou em uma trajetória de adestramento para a produção”, critica.

A especialização de profissionais, continua o escritor, produz um desequilíbrio de impacto social. “Você forma médicos que nunca leram um romance ou físicos brilhantes que não vão ao cinema: homens que se resumem à vida profissional”, conclui.

A força do conto

Às 16h, no Café Literário, Luis Pimentel conversa sobre a importância do conto na literatura brasileira. O gênero é de textos curtos, menores que romances. Mas, avisa o contista baiano radicado no Rio de Janeiro, o estilo não pode ser classificado como inferior — ou como simples estágio de produção para chegar a narrativas de fôlego. Conto é opção literária. “Desde sempre o conto esteve presente. Grandes romancistas, como Guimarães Rosa, Lima Barreto e Machado de Assis, fizeram contos. Vou falar também sobre os modernos, pós-Semana de Arte Moderna. Falo especialmente do boom do conto, nos anos 1970 e 1980”, adianta.

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Racismo e utopia em debate   » Nahima Maciel.
A escritora norte-americana Alice Walker foi aplaudida por mais de 400 pessoas CORREIO BSB 23.04
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Aplaudida de pé por mais de 400 pessoas em um auditório com lotação esgotada, Alice Walker pediu a conversão de uma plateia formada principalmente por jovens. A escritora e ativista norte-americana, autora de A cor púpura, apresentou sua nova ideia de feminismo, um "mulherismo democrático" no qual as mulheres pudessem assumir papeis de liderança na luta pela igualdade racial e social na preservação do planeta.
Ambientalismo e gênero marcaram a fala de Walker, conhecida por ser uma voz engajada em movimentos pacifistas e socioambientais. A igualdade racial no século 21 também preocupa Alice Walker. "O que é necessário para a igualdade racial, mesmo tendo um presidente negro, é justiça. Ter um presidente negro não significa que, de repente, fica tudo bem e que o que acontecia com os negros desapareceu. Os Estados Unidos ainda são muito racistas, muito sexistas. Nossa luta continua", disse a escritora, que revelou estar lendo a biografia de Dilma Rousseff. "Estamos cansados de ser liderados por psicopatas e estamos preparados para ser liderados pela alegria. Para muitas mulheres negras a experiência de ser mulher é diferente numa sociedade dominada por europeus." Mais lotado que a palestra de Walker, o Seminário Krisis reuniu o sociólogo Emir Sader, o filósofo
Vladimir Safatle e o sociólogo britânico John Gray, com mediação de Paulo Henrique Amorim. O tom político marcou a fala de Sader, que lembrou o fim das utopias e falou sobre a presença brasileira na economia regional latino-americana. "O capitalismo foi construído pelos homens e pode ser desconstruído pelos homens. Muita gente com juventude de esquerda começou a pensar que tinha que conviver com o capitalismo", disse. Já Vladimir Safatle decidiu falar da mercantilização da arte como forma de adaptação dos espaços de reflexão às lógicas de mercado. "Uma das astúcias do capitalismo financeiro é tirar da arte sua capacidade política. Arte nunca é reflexão da vida social. Ela é antes a figura avançada do que a vida social ainda não pode pensar. Bloquear a força política da arte é impedi-la de construir a imagem que ainda não existe", disse Safatle.

           

Bandeira e a ditadura
A polêmica com Manuel Bandeira figurou entre os pontos altos do debate que teve a participação de Thiago de Mello e Carlos Heitor Cony, mediado por Teresa Cruvinel. Bandeira, favorável à ditadura, rompeu relações com Thiago de Mello depois que o poeta dedicou o Estatuto do Homem, seu poema mais luminoso, ao companheiro de resistência Carlos Heitor Cony. “Ele me chamou de cafajeste pra lá”, abreviou Cony, enquanto Mello se deteve nos pormenores. “Bandeira me escreveu uma carta e pediu que não o considerasse mais um amigo. Chorei copiosamente”, lembrou.
A exposição carismática do escritor Mário Prata, com palestra sobre literatura policial, entusiasmou a plateia. Prata traçou uma retrospectiva detalhada do gênero, cuja propriedade é justificada pelo estudo intenso do autor sobre o tema. Desde 2006, devorou 600 títulos policiais, uma média de 60 livros por ano. Sobre a pecha de “literatura menor”, Prata devolveu com elegância. “A academia é uma viadagem.” (Pedro Brandt e Carolina Maria)


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