terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Ceilândia em
alta
Com o longa A cidade é uma só?, o cineasta Adirley
Queirós arrematou o principal prêmio da 15ª Mostra de Tiradentes. CORREIO BSB 31/01
-
Cena do filme A cidade é uma só?: a Ceilândia sob o
olhar de Adirley Queirós
Fosse o cineasta Adirley Queirós um cara vingativo,
ele estaria por cima da carne seca: como sentiu desrespeito, no tratamento
reservado aos diretores, no mais recente Festival de Brasília do Cinema
Brasileiro, preferiu retirar o longa A cidade é uma só? da Mostra Brasília. Deu
o destino as suas voltas, e, pronto: o filme, exibido na 15ª Mostra de
Tiradentes (Minas Gerais), levou o prêmio principal, despertando representantes
da curadoria de eventos fílmicos como Cannes, Veneza e San Sebastián (Espanha).
“Abriu portas que a gente ainda nem tem noção”,
comemora o “autêntico ceilandense” (nascido, na verdade, em Morro Agudo de
Goiás). “Foi um filme que explodiu na tela. A coisa mais fantástica que já
vivi. Algo parecido com a repercussão do curta Rap, o canto da Ceilândia,
quando parou o Cine Brasília, na época. Fui aplaudido, em Tiradentes, por 800
pessoas do festival mais crítico do país”, observa o diretor de 41 anos.
Um ponta de vaidade aflora — ou melhor, de
pertencimento, quando Adirley percebe que “a crítica começa a falar que existe
um cinema diferente em Ceilândia, em relação ao cinema de Brasília”.
Explica-se: A cidade é uma só? se atém a dado verídico, de cisão, “no filme, há
a música tema que retirou Ceilândia de Brasília. Jogaram as pessoas para cá
(Ceilândia), expulsaram”, como ele diz.
Alheia ao contexto socioeconômico da medida do
governo, nos anos 1970, em que “crianças foram recolhidas em escolas públicas
para integrar um coral que, pelo canto, deu base para aliviar a remoção”, uma
menina acalentou o sonho de projeção, por meio da música. Nancy Araújo, do
grupo Natiê, era a criança que agora dá depoimento para a fita de Adirley
Queirós. Num misto de ficção e realidade, entram em cena os atores Wellington
Abreu (do Hierofante) e Dilmar Durães. Feito pelo rapper Marquim (do grupo
Tropa de Elite), um personagem marqueteiro completa a trama de A cidade é uma
só?.
“Crio aquela confusão nos espectadores sobre quem são
os atores”, explica, ao falar da trama que tem de candidato a distrital
passando por corretor de lotes na periferia e apropriações fictícias de
documentos verdadeiros. “Com o filme mostrado em Tiradentes, houve demanda
muito grande de pessoas interessadas, lá fora. Para circular, vou ter que
colocá-lo no suporte de película”, explica Queirós, em torno da produção que
derivou de um projeto para a tevê (em edital que ofertou R$ 400 mil). Um ano e
meio depois da fagulha inicial da fita, a perspectiva é a de que a versão
abreviada seja exibida, via TV Brasil, em canal aberto, no aniversário de
Brasília (em 21 de abril).
Tarantino
Atualmente, Adirley Queirós se aplica ao documentário
(com pegada irreal) Branco sai, preto fica, em torno do popular baile
Quarentão, uma referência da noite dos anos 1980. “Não será tão histórico, já
que vai ter até ficção científica. A gente vai apostar na estética. A história
traz pessoas amputadas que fazem o percurso de futuro para o passado”, adianta.
Algo de Quentin Tarantino? “Não sei bem se é meu Tarantino. Centralizarei mais
em perdas físicas, em pessoas, por exemplo, com pernas mecânicas que queiram
reconstruir, buscar recuperação. Será uma metáfora de momento histórico, da
amputação cultural de uma cidade. A minha geração foi amputada, em termos de
valores de identidade”, pontua.
Saído de uma área rural próxima a Brazlândia, em 1977,
Adirley Queirós chegou a Ceilândia, onde atua como agitador cultural, vez por
outra, patrocinado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC), “um privilégio para a
classe artística do DF, em termos de política pública”. Uma meta para 2012 é a
oficina, com duração de quatro meses, voltada a 20 ceilandenses interessados em
formatar roteiro experimental.
No plano da cena cultural local, “um acúmulo
histórico” incomoda o diretor: “Temos a necessidade de uma sala pública de
cinema, em Ceilândia. Como a gente pode se conformar com o fato de um perímetro
urbano que abriga Ceilândia, Samambaia, Águas Lindas e Santo Antônio do
Descoberto não ter uma sala de cinema? Até temos o espaço do Sesc, mas que não
passa filme aqui — passa uma mostra, de vez em quando”. Nos últimos cinco anos,
aliás, a bandeira de um espaço para escoar a efervescência de “atores,
diretores, músicos e escritores” tem sido uma constante. “O espaço público é
intocável, e deve ser gerido pelo público”, conclui.
"Temos a
necessidade de uma sala pública de cinema, em Ceilândia. Como a gente pode se
conformar com o fato de um perímetro urbano que abriga Ceilândia, Samambaia,
Águas Lindas e Santo Antônio do Descoberto não ter uma sala de cinema?”
>>>
Novidade na
escola. (...)o uso de tablets nas escolas
está disseminado em países com altos índices de leitura e investimentos maciços
no ensino tradicional. Ainda é uma incógnita o impacto desse instrumento em
realidades como a brasileira, com históricos problemas de acesso à educação (...) Correio Braziliense - 31/01/2012
Neste início de ano letivo, uma controvérsia agita o
ambiente escolar: o uso de tablets em sala de aula. As instituições de ensino
brasileiras, notadamente as particulares, reproduziram uma tendência nos países
desenvolvidos e incluíram os equipamentos eletrônicos na lista de material
didático. Há uma extensa lista de argumentos favoráveis ao uso dos aparelhos:
os estudantes estariam dispensados de carregar pesadas mochilas com livros;
haveria uma economia de papel na produção dos livros didáticos; as aulas se
tornariam mais dinâmicas, com ampliação das possibilidades na aprendizagem. Uma
questão, entretanto, permanece em aberto: os alunos aprenderão melhor com a
novidade tecnológica?
Um dos impactos mais impressionantes proporcionados
pelo avanço da tecnologia reside no acesso à informação. Qualquer internauta
hoje tem ao alcance dos olhos uma quantidade incomparável de dados em relação a
um cidadão comum de 150 anos atrás. A armadilha do mundo digital se revela,
porém, no momento em que se analisa os supostos benefícios sociais trazidos
pela nova realidade. É antiga a discussão sobre os riscos da internet, refúgio
de toda ordem de criminosos e prática de delitos, da pirataria à pedofilia.
A popularização dos telefones celulares não
necessariamente significa que a humanidade se expresse melhor. A humanidade
tampouco aprendeu a fotografar melhor graças às máquinas digitais. É legítimo
perguntar, pois, se um aparelho que utilize simultaneamente textos, sons e
imagens representará o passaporte para a aquisição de conhecimento mais
qualificado.
No universo infinito da rede mundial de computadores,
constitui tarefa fácil acompanhar o debate sobre as características da geração
digital. Vários autores acreditam que ela é mais antenada, faz conexões em
diferentes níveis sobre determinado assunto, adquire conhecimento de forma
multimídia. Outra corrente, no entanto, alerta para a superficialidade típica
da geração que conhece tudo de computadores, mas estranha o hábito milenar de
se concentrar na leitura. Especialistas alertam até mesmo para o fim do pensamento
abstrato e da habilidade de atenção, características fundamentais a quem
pretende evoluir nos estudos formais.
Outro aspecto
merece reflexão:o uso de tablets nas escolas está disseminado em países com
altos índices de leitura e investimentos maciços no ensino tradicional. Ainda é
uma incógnita o impacto desse instrumento em realidades como a brasileira, com
históricos problemas de acesso à educação e enormes desigualdades no ensino. Os
tablets, no fim das contas, poderão apenas aprofundar os contrastes nos bancos
escolares nacionais.
>>
Filmes chilenos
saem com dois prêmios de Sundance
Longa sobre Violeta Parra ganha prêmio de melhor drama
internacional
Diretora-executiva do festival diz ver boa perspectiva
para o cinema independente no próximo ano.
FOLHA SP 31.01
-
O Chile saiu com dois prêmios do Sundance Film
Festival, evento que terminou no último domingo após a exibição de mais de cem
filmes ao longo de dez dias.
"Violeta se Fue a los Cielos" (Violeta foi
para o céu), um retrato da cantora folk chilena Violeta Parra (1917-1967), foi
considerado o melhor drama internacional, enquanto "Joven y Alocada",
(jovem e doida) sobre a vida de uma jovem blogueira do mesmo país, ganhou melhor
roteiro de filme internacional.
"Nós crescemos num país durante a ditadura",
disse Marialy Rivas, diretora e corroteirista de "Joven y Alocada",
sobre as aventuras sexuais de uma garota criada numa família evangélica.
"Desde os sete anos, queria ser cineasta para escapar
dessa realidade violenta. Todo filme é um ato de amor."
Andrés Wood, diretor de "Violeta se Fue a los
Cielos" e "Machuca" (2004), não estava presente à cerimônia. O
filme premiado foi feito em coprodução com Argentina, Brasil e Espanha.
Nas categorias para americanos, o júri escolheu melhor
documentário "The House I Live In" (a casa em que vivo), de Eugene
Jarecki, vencedor do mesmo prêmio em 2005 por "Razões para a Guerra".
No novo trabalho, o diretor analisa o combate contra
as drogas nos EUA, que em 40 anos já levou à prisão 45 milhões de pessoas.
Entre os dramas, o vencedor foi "Beasts of the
Southern Wild" (feras do agreste do sul), do diretor e roteirista Benh
Zeitlin, 29, com uma história surreal de animais estranhos e uma garotinha que
vive no fim do mundo.
CINEMA INDEPENDENTE
"Olhamos para o ano à nossa frente com um
incrível otimismo para a comunidade do cinema independente, vendo o esforço de
cineastas para atingir novas alturas no processo de contar histórias",
disse Keri Putnam, diretora-executiva do Sundance Institute, grupo sem fins
lucrativos responsável pelo festival.
"Beasts of
the Southern Wild" foi comprado pela Fox Searchlight, que também
distribuirá "The Surrogate" (o substituto), com John Hawkes. Outros
acordos fechados levarão aos cinemas "2 Days in New York" (dois dias
em Nova York), dirigido, coescrito e estrelado por Julie Delpy, e
"Arbitrage" (arbitragem), com Richard Gere.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Ministério tenta evitar adiamento da 30ª Bienal
Contas
da fundação foram bloqueadas FOLHA 28.01
-
O
Ministério da Cultura divulgou, anteontem, uma nota na qual afirma que busca um
entendimento com a Fundação Bienal para evitar o adiamento da 30ª Bienal,
programada para setembro, como noticiou a Folha, ontem.
"A
direção do MinC tem mantido contato aberto e estreito para que não haja
prejuízos à realização do evento. Diversas alternativas de encaminhamento já
foram discutidas com representantes da fundação, sempre com a observância do
interesse público", diz a nota.
Desde
o dia 2, as contas da fundação foram bloqueadas no sistema do MinC, porque a
instituição foi considerada inadimplente. Isso ocorreu a partir de 13 processos
de malversação de dinheiro público, num total de R$ 32 milhões levantados pela
Controladoria-Geral da União (CGU).
Motivado
pela auditoria da CGU e em atendimento às orientações, o MinC revisou, em 2011,
13 prestações de contas relativas a convênios firmados com a fundação. Entre as
irregularidades, uma nota fiscal era apresentada como justificativa de despesas
em distintos processos, durante a gestão de Manoel Francisco Pires da Costa.
O
setor educativo da Bienal, por sua vez, divulgou nota aos seus parceiros
afirmando que toda a programação do Educativo será mantida.
>>>>
Mostra | O Amor, a morte e as paixões. Redenção pela poesia
Filme
sul-coreano, um dos destaques do dia, enfoca drama de uma mulher que descobre
um mundo novo pela poesia O POPULAR
29.01
-
Fazer
poesia com imagens é uma das tantas especialidades da sétima arte. Já falar de
poesia no cinema é um caso mais específico. Pois é exatamente ela a
personagem-título de Poesia, um dos seis filmes que estreiam hoje na
programação da mostra O Amor, A Morte e as Paixões, no Cine Lumière (veja
programa completo no quadro). Além dele, os novos destaques são Caro Francis,
documentário sobre o jornalista Paulo Francis; Cartas do Kuluene, docudrama de
Pedro Novaes, uma coprodução goiana, e os dramas europeus L'Apollonide – Os
Amores da Casa de Tolerância, Luzes na Escuridão e As Flores de Kirkuk, este
último coprodução iraquiana.
Nada
mais propício do que um filme sobre poesia para, de certa forma, fazer jus ao
nome da mostra em questão. No centro da trama sul-coreana, está Mija (Jeong-hie
Yun), uma mulher que já passou dos 60 anos e descobre um novo mundo na poesia.
Ela
herdou a responsabilidade de criar o único neto, um garoto-problema acusado de
estuprar uma garota da escola ao lado de colegas. Dividida entre a luta contra
o Alzheimer e trabalhos esporádicos que é obrigada a fazer para juntar dinheiro
(a fim de contribuir para uma espécie de indenização à família da moça atacada,
que se suicidou), ela se matricula em curso de poesia praticamente por acaso.
Em
meio ao drama pessoal, Mija, no entanto, encontra na poesia uma espécie de
escape para pôr para fora todo o horror pessoal que está vivendo. A referência
a um clube de alunos interessados em poesia não deixa de remeter a Sociedade
dos Poetas Mortos, de 1989. Mas as comparações acabam por aí. Mija não é
exatamente uma diletante romântica. É uma velha mulher que tenta lutar contra
sua dor pessoal e ao mesmo contra ímpetos inerentes à condição humana.
Por
essa escolha, o diretor Chang-dong Lee se exime de cair na armadilha de um
filme que apela a emoções fáceis. Ganhador do prêmio de roteiro em Cannes com
Poesia, o diretor se propõe a discutir o feminino e a velhice.
Na
contramão, Caro Francis, um documentário de homenagem ao jornalista brasileiro
morto em 1997, foca uma personalidade masculina, forte e polêmica. Mais
conhecido em todo o País como comentarista do Jornal da Globo no início da
década de 90,Paulo Francis era também afiado fora da telinha. Tanto que entre
os muitos admiradores, conquistou também vários desafetos. Embora seja um
documentário feito por um de seus maiores fãs, o diretor e jornalista Nelson
Hoineff, o filme tem como trunfo o fato de também apresentar a versão de quem
não gostava de Francis, como Caio Túlio Costa, ex-ombudsman da Folha de S.
Paulo, jornal no qual também trabalhou. Francis trabalhou ainda no jornal O
Estado de S. Paulo e também no GNT, no programa Manhattan Connection.
Jornada
lírica
Na
produção goiana Cartas do Kuluene, lançada no passado, o diretor Pedro Novaes
também traz a linguagem documental, mas misturada à ficção. Jornada lírica e
sentimental sobre o universo indígena, o longa faz um relato sobre o encontro
com povos indígenas do Brasil.
A
narrativa é costurada por meio da troca imaginária de cartas entre três
personagens: o próprio diretor, cujo pai, o jornalista Washington Novaes,
documentou os índios do Xingu, e dois nomes pouco conhecidos do indigenismo
brasileiro: o anarquista francês Paul Berthelot, que se aventurou pelo Vale do
Rio Araguaia, na primeira década do século 20, e Buell Quain, um antropólogo
norte-americano que se suicidou no Maranhão, em 1939.
Nesses
diálogos por meio das cartas, esses homens falam da experiência transformadora
que tiveram ao ter contado com o mundo indígena, um universo com valores e
visões de mundo radicalmente diferentes dos do homem ocidental. Diretor,
produtor e roteirista, Novaes já dirigiu cinco documentários e dois curtas de
ficção. Foi diretor de produção e assistente de direção da série Xingu – A
Terra Ameaçada, patrocinada pela Natura e pela Petrobras e exibida pela TV
Cultura e Rede Pública de TV. Seu primeiro longa, agora na mostra no Cine
Lumière, tem feito uma carreira elogiada.
>>>>
Arte
também é cultura. O Globo - 30/01/2012
-
"O
mercado é um primo rico, ele cuida de si mesmo. A cultura é uma matriarca
respeitada, ela cuida de si mesma. A arte é tão sutil quanto violenta, tão
frágil quanto fundamental. Sempre precisa dos artistas para defendê-la."
Este brado consta da carta aberta enviada pelo grande artista Domingos de
Oliveira a mim e ao Ministério da Cultura, em que defende a arte dentro da
cultura e a importância social da arte.
Aceita
a provocação, cabe buscar seu motivo condutor. Quando as primeiras instituições
públicas de apoio à cultura foram criadas, seu principal foco de atuação eram
as linguagens artísticas. Nos últimos anos, porém, o MinC aproximou-se do
conceito antropológico de cultura e trouxe para si a obrigação de fomentar
outras esferas da atividade intelectual, a produção e preservação de bens
imateriais e a continental diversidade de modos de viver do brasileiro.
Foi
um inequívoco avanço, cujos resultados práticos apenas começam a ser
percebidos, dentro e fora do país. A arte não é supérflua, ela funciona como
motor da economia, gera empregos, serve de matéria-prima para a educação -
esses são apenas alguns de seus efeitos positivos, que vêm sendo defendidos
pelo ministério com a criação da Secretaria da Economia Criativa.
Uma
política consistente para a valorização das artes deve considerar também a
criatividade e a inovação artística como benefícios diretos para a vida de
todos os brasileiros. Arte de qualidade desenvolve a subjetividade e o senso
estético do indivíduo, e consolida os valores da sociedade. Mas, assim como a
própria arte é intangível, também são os seus resultados. Não obstante, sabemos
da sua capacidade de transformação. O sucesso de experiências como o projeto
Interações Estéticas, que permite aos artistas desenvolver parcerias com os
Pontos de Cultura, enfatiza tudo isso.
Defendo
o apoio ao artista como ponto substancial de uma política cultural abrangente.
O artista sem adjetivo (consagrado, iniciante, marginal, pobre, fora do eixo,
independente, profissional ou amador) deve e necessita dividir nossa atenção
com as demais manifestações culturais. A arte de excelência deve integrar a
cesta básica do cidadão brasileiro. Não confundir excelência com consagração,
pois são predicados que nem sempre andam juntos.
Não
são poucos os desafios do gestor público que tem como missão o desenvolvimento
das artes no país, mas talvez seja este o maior deles: encontrar um lugar ao
sol para as linguagens artísticas num novo e sofisticado ambiente em que tudo é
cultura. Árdua também é a tarefa de adaptar uma matéria tão subjetiva às normas
da administração pública. A Funarte continuará de portas abertas a opiniões,
críticas e ideias inovadoras que honrem sua história de principal agência de
apoio ao artista brasileiro.
>>>
Brasileiros
exigem país que funcione. Correio Braziliense - 30/01/2012
-
O
Brasil cresceu, em média, 4,4% nos últimos oito anos, distribuiu renda e
engrossou a classe média em quase uma Argentina com 40 milhões de habitantes.
Mas para o servente de pedreiro Luiz Matias, 62 anos, algo de muito errado está
acontecendo. Ele não vê os investimentos necessários do governo e do setor
privado para que o país dê o mínimo de dignidade aos mais pobres dos cidadãos.
"Sinceramente, se o futuro chegou, ainda não me deparei com ele",
diz.
As
palavras de Matias podem até conter um certo exagero. Mas refletem o cansaço de
suas brigas para ter acesso a um serviço básico — energia elétrica — de
qualidade em pleno ano de 2012. Com endereço fixo a apenas 25 quilômetros do Palácio
do Planalto, ele reclama da constante falta de luz. A mais recente delas durou
seis dias e o resultado foram cinco quilos de carne apodrecidos na geladeira.
"Minha compra do mês foi para o lixo", diz o piauiense, morador de um
loteamento em Ceilândia.
Como
ele, milhões de brasileiros, de todas as classes sociais, são vítimas do
descaso e da incapacidade do país de tirar do papel obras que garantam energia
elétrica 24 horas por dia. Em 2011, justamente pelos frutos do crescimento
econômico, o Brasil passou o maior tempo no escuro — foram 20 horas de apagão.
Não à toa, o sinal de alerta dos especialistas foi ligado. Eles indagam: se o
país com os maiores recursos hídricos do planeta não conseguiu, até agora,
mesmo com toda a propaganda governamental, universalizar o fornecimento de
energia elétrica e evitar transtornos à população, conseguirá dar conta de
realizar dois dos maiores eventos esportivos do mundo, a Copa do Mundo de 2014
e as Olimpíadas de 2016, sem passar por vexames?
Apesar
do temor de fracasso, a maior parte dos analistas prefere dar um voto de
confiança. Mas assinalam que os investimentos pelos quais o Brasil tanto anseia
vão além dos eventos esportivos. O país precisa recuperar o atraso dos últimos
20 anos em áreas vitais, de estradas a aeroportos. "País desenvolvido é
aquele que consegue transferir a renda para seus cidadãos e garantir serviços
públicos de qualidade. É preciso transportar o sucesso econômico para o
bem-estar da sociedade", alerta Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira
da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). "Somos grandes, mas ainda
injustos, inclusive no que se refere à reversão dos impostos pagos pela
sociedade em forma de bons serviços", endossa a professora Margarida
Gutierrez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Não
há dúvidas de que as cobranças são por aeroportos modernos e distantes do caos
que se viu nos últimos anos e estradas bem pavimentadas e sinalizadas. O
consumidor quer ainda internet veloz de
verdade.
Exige tarifa barata para o telefone e não admite mais os caladões. O Brasil
pujante que desponta como potência econômica também precisa superar carências
de serviços básicos, como água e esgoto tratados. Só recentemente, os
investimentos em saneamento começaram a ganhar vulto — passaram de R$ 3,5
bilhões para quase R$ 8 bilhões entre 2003 e 2010.
Extremos
A
expectativa é grande. Mas o Brasil ainda é uma nação de extremos. Tende a se
tornar um dos maiores polos de produção e exportação de petróleo graças à
tecnologia de prospecção nas águas ultraprofundas do pré-sal. A Abdib calcula
que o país está recebendo investimentos de quase
R$
150 bilhões ao ano em áreas como transportes, petróleo, energia elétrica,
telecomunicações e saneamento. Contudo, diante dos anos de atraso, essa cifra
não tem sido suficiente para atender às necessidades do país. O ideal seria
elevar os gastos a R$ 200 bilhões anuais, estima Godoy.
Tal
insuficiência pode ser medida pela taxa de investimento, que não passa dos 20%
do Produto Interno Bruto (PIB). Os emergentes asiáticos aplicam mais que o
dobro. Na China, 40% de toda a riqueza acumulada anualmente vão para obras e
novos projetos. Na Índia, são 32%. A média mundial gira em torno de 23%,
informa a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
O
problema brasileiro ainda é de onde tirar dinheiro para financiar o progresso.
Ao contrário dos orientais, por aqui governo e cidadão não têm tradição de
economizar. A taxa de poupança interna gira em torno de 19% do PIB. E, quando
não se tem recursos para bancar o próprio crescimento, o risco é a dependência
de investimentos externos, que tendem a secar em tempos de crise. Nas
turbulências de 2008 e 2009, a falta de verbas foi compensada, pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas, para isso, o
Tesouro Nacional teve de se endividar em mais de R$ 300 bilhões para
capitalizar a instituição.
"Que
Deus olhe por nós", pede a vendedora Alcinda Pereira de Almeida, 37 anos.
Para ela, já passou da hora de o governo fazer o possível e o impossível para
atender as necessidades dos trabalhadores. O que Alcinda mais quer é, sempre
que possível, deixar a modesta casa às margens da DF-095 e visitar, de avião, a
família no Piauí. "Sei dos constantes atrasos nos aeroportos do país. Já
sofri com eles. Mas não vou desistir", avisa.
>>>
O CNJ como legitimador social do Poder Judiciário
-
Correio
Braziliense - 30/01/2012
-
Procurador
da Fazenda Nacional, é presidente do Fórum Nacional da Advocacia Pública
Federal
A
Emenda Constitucional 45/04 alterou e acresceu à Constituição de 1988 diversos
dispositivos, sendo nominada no meio jurídico como a Reforma do Judiciário. O
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi criado no contexto dessa mudança para
exercer papel de fiscalização e "(...) controle da atuação administrativa
e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos
juízes (...)", popularmente consagrado como controle externo do
Judiciário.
Desde
a criação, suas atribuições foram alvo de irresignações (naturais em ambiente
democrático) que contribuíram para a pluralização do debate e evolução da
interpretação constitucional. A diversificação argumentativa como mecanismo de
legitimação da decisão é premissa defendida por Peter Häberle. Ele propõe a
construção de hermenêutica constitucional que leve em conta as variáveis
interpretativas da sociedade, permitindo a democratização do debate, o que
convencionou chamar de sociedade aberta de intérpretes da Constituição.
O
processo de debate é retomado após duas liminares concedidas pelos ministros do
Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Discutir e
repensar o papel do CNJ é fundamental para o amadurecimento das instituições e
do Estado Democrático de Direito. Nesse pormenor, fulcral analisar o CNJ como
verdadeiro controle externo do Poder Judiciário. É certo que, para efetivar
esse papel, impõe-se composição, no mínimo, igualitária. Isso porque o CNJ é
presidido pelo presidente do STF e composto por nove membros advindos do Poder
Judiciário e seis da sociedade.
Interessante
observar que, na composição, deixou-se de incluir duas carreiras integrantes
das funções essenciais à Justiça, Advocacia Pública e Defensoria Pública. O
capítulo referente às funções essenciais à Justiça encontra-se no Título IV, Da
Organização dos Poderes. A sistematização concretizada visa atender os
preceitos modernos do Estado Democrático de Direito, em que o equilíbrio e
harmonia entre os poderes serão efetivados, também, por meio desses órgãos.
Outrossim,
o desígnio "Justiça" não teve alcance restrito, de prestação
jurisdicional, mas de isonomia, imparcialidade, preservação dos direitos,
eliminação da ingerência do Estado, transparência, cidadania e democracia, o
que Diogo de Figueiredo Moreira Neto convencionou chamar de "Estado de
Justiça". Por essas razões, é imprescindível a participação da Advocacia
Pública e da Defensoria Pública na composição do CNJ até como forma de evitar
que decisões sejam tomadas sob o crivo do corporativismo.
De
outro giro, vive-se momento em que o Poder Judiciário interfere em quase todas
as políticas públicas (fenômeno conhecido como ativismo judicial), legisla
(vide o exemplo das decisões do Tribunal Superior Eleitoral em diversas
matérias. Entre elas, número de vereadores e (in)fidelidade partidária. E,
obviamente, presta a tutela jurisdicional, que deveria ser sua única função.
Esse
fenômeno é relatado por Luiz Werneck Vianna no livro Judicialização da política
e das relações sociais no Brasil como resultado da judicialização da política
nacional. Necessita-se, portanto, resgatar o equilíbrio perseguido pelo
constituinte. Para resguardar a congruência do ativismo judicial hoje
existente, que muitas vezes transcende o que determina a lei, é necessário que
o STF decida com coerência.
Entretanto,
não é demais registrar que o art. 103-B, § 4.°, III da Constituição, ao
disciplinar as atribuições do CNJ, além de permitir a reclamação por parte de
qualquer cidadão, determina a competência disciplinar concorrente ao consignar
sua função fiscalizatória e correicional. O Poder Judiciário é o único que não
passa pelo crivo da sociedade, razão pela qual, para lhe resguardar a
legitimidade, é inafastável a transparência, publicidade e eficiência dos atos,
bem como sujeição aos princípios constitucionais administrativos.
Ante
ao exposto, certo é que o esvaziamento das atribuições do CNJ poderá provocar
enormes prejuízos à sociedade e aos magistrados comprometidos com suas funções.
O poder de fiscalizar e punir juízes e servidores contribui para separar o joio
do trigo, resguardando a imagem do Judiciário.
Assinar:
Postagens (Atom)