domingo, 13 de junho de 2010

Festival de sugestões

Cineastas e produtores elogiam aspectos do Fica, mas criticam outros e propõem mudanças

Fonte : opopular.com.br 13/06

O maior festival de cinema de Goiás deve continuar, mas há pontos que precisam ser melhorados na organização e condução do Fica. Essa é a opinião preponderante entre cineastas e produtores ouvidos pelo POPULAR na cidade de Goiás durante a realização de mais uma edição do evento, encerrada na noite de ontem. São propostas que visam, por exemplo, democratizar o acesso de produções mais modestas, rever premiações e espantar os oportunistas de plantão. Ainda que haja elogios para muitos de seus rumos, há, por outro lado, várias críticas.

Presidente da Associação Brasileira de Documentaristas, seção Goiás (ABD-GO), Leandro Cunha observa que o Fica teve um papel determinante na criação de outros festivais de cinema no Estado, como o Festcine e o Perro Loco, além de incentivar a área no nível acadêmico. "Praticamente não havia produção cinematográfica em Goiás, com a exceção de alguns guerreiros", avalia. Ele sugere, no entanto, que o evento amplie seu acesso. "Falta interiorizar o circuito de capacitação e exibição."

Quem também critica a atual fórmula do Fica é o diretor Luiz Botosso, que ganhou no festival a categoria de melhor produção goiana em 2006 ao lado do colega Thiago Veiga. "O modelo atual não é satisfatório. Quando chegamos a festivais como o de Tiradentes ou Gramado, sabemos que estamos em um evento de cinema. Essas cidades respiram cinema, coisa que não acontece no Fica. Aqui há um caráter muito político e isso é ruim", avalia.

O consultor e crítico Lisandro Nogueira não compartilha dessa visão. "O Fica tem uma identidade. É um festival denso, que traz reflexões sobre o meio ambiente por meio do cinema. Gramado, por outro lado, sofreu grande perda de sua identidade." Para Marcela Borela, presidente da Associação Goiana de Cinema e Vídeo (AGCV), o Fica precisa desempenhar um papel político. "A discussão sobre a questão ambiental não pode se restringir à estética. É preciso avaliar o impacto do Fica na sociedade e na vontade política para a questão ambiental", diz.

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Naná Vasconcelos
O que eles pensam

Correioweb 13/06



O pernambucano Naná Vasconcelos é um dos mais talentosos percussionistas do mundo. Embora tenha morado 30 anos fora do Brasil, tocando com craques do jazz da qualidade de Collin Walcott e Don Cherry, Naná nunca perdeu o pulso da batida afrobrasileira. No Recife, ele rege um megabatuque com todos os blocos de maracatus da cidade, durante o carnaval. Naná sente o ritmo de várias áfricas que vieram se encontrar no Brasil e desaguar no samba, no maracatu ou no frevo. Numa conversa bem-humorada com o Correio, Naná Vasconcelos fala de percussão, poder de transformação da música, da dança do futebol, do emburrecimento do ouvido brasileiro, da música popular e da música prapular, além da resistência cultural do Recife e da mercantilização da Bahia.


“A percussão é a língua da Vida”

José Carlos Vieira
Severino Francisco

A percussão é a língua do mundo?
A percussão é a língua da vida. Porque se o coração não bater, se não houver percussão, não há vida (risos).

Como usar a percussão no esforço pela inclusão social?
Tocando e não batendo. Às vezes as pessoas me perguntam: “Você bate aquele instrumento?” E eu respondo: eu toco.” Para mim, o primeiro instrumento é a voz e o melhor é o corpo, então a música é mais imediata porque ela mexe com as emoções, ela vai do silêncio ao grito. Ela faz a pessoa dormir, acordar, ficar alegre, chorar, meditar. A música mexe com nossos sentimentos e por isso ela é um instrumento de inclusão, sim. É fácil fazer as pessoas ficarem juntas, ela é muito poderosa. O artista tem o poder de fazer 20 mil pessoas cantarem o que ele quiser.

Caetano Veloso afirmou que o Brasil tem um ouvido musical que não é normal. Mas o ouvido musical brasileiro está emburrecendo com tanto axé music, música breganeja e pagode de mauricinhos?
Esses axé e pagodes de mauricinhos são música “prapular” e não popular brasileira (risos). Mas isso não me incomoda muito, porque a gente tem tantas riquezas musicais neste país que tudo isso é pouco. Acho que essa música prapular é passageira, como foi a lambada, por exemplo.

Como você vê a apropriação de ritmos tradicionais, mas aliciantes, como é o caso do maracatu, pelos jovens em Recife? Por que o Recife resiste e a Bahia se rende às imposições da indústria cultural?
Porque a Bahia tem um olho no mercado (risos), o popular marketing, eles sabem como vender suas coisas, mas exageraram. Estão vendendo tudo, você balança uma árvore e caem 10 percussionistas… cinco mulatas… (risos). É esse negócio do “mercado’, eles venderam tudo. Eles entenderam como vender a música prapular deles. Em Recife não tem esse modelo, é muito mais orgânico, livre. Circula mais dinheiro nos camarotes da Bahia do que em todo carnaval do Recife.

O que poderia ser feito, no plano da educação, para se valorizar os ritmos afro no Brasil? Não falta a música negra entrar nas escolas? Também não sabemos quase nada dos ritmos indígenas...
É necessário a volta de músicas nas escolas. Fazer feriado o Dia do Zumbi, só assim se fará uma cartilha para explicar quem foi Zumbi. O movimento negro é pequeno e muito isolado. Os ritmos indígenas também estão esquecidos nas escolas.

O que representa a música para você? E qual a importância da música para ser brasileiro?
Cada vez que subo no palco é o Brasil que está subindo lá. Apesar de ficar 30 anos fora do meu país — 27 só em Nova York — eu não perdi minha identidade. Música, para mim, é vida. É o que eu sei fazer, meu momento maior. Procuro fazê-la honestamente e com dignidade.

Como você vê a sobrevivência e a recriação dos ritmos afrobrasileiros em um universo virtual?
Esse universo virtual precisa se alimentar da riqueza da música brasileira. Nós é que temos essa riqueza polirítmica. O Brasil é um país formado de várias áfricas. O africano chega aqui e diz: “Esse instrumento é africano, mas nunca vi ninguém tocar dessa maneira, nesse contexto”. Porque muita coisa veio da África para o Brasil e que hoje não existe mais na África, pois a colonização a extinguiu. Também, muitas coisas vieram da África e se encontraram aqui pela primeira vez, porque vieram de diferentes partes daquele continente. A capoeira veio de um lugar e o berimbau veio de outro e se encontraram aqui. O samba é resultado desse encontro. O pandeiro não é africano, é árabe, veio com os ciganos, mas está no contexto do samba, por exemplo. Só no Brasil tem isso.

Você gosta de futebol. Qual a relação de música e futebol brasileiro?
Adoro futebol, não podemos deixar o futebol perder a dança (risos). Eles jogam sorrindo. O Ronaldinho já foi assim… é o futebol moleque. Vejam as comemorações (risos).

Quem joga futebol em ritmo de música hoje no Brasil?
Os meninos do Santos estão esculhambando com todo mundo! (mais risos)

Você foi um dos músicos que acompanhou Geraldo Vandré em 1964. Horas depois do golpe militar, vocês estavam chegando a Brasília para um show no Iate Clube. Como foi a reação de Vandré e do grupo?
Estávamos em Goiânia quando o empresário dele telefonou de Brasília dizendo “caia fora!”. Vínhamos para a cidade em dois carros brancos. Um levava Vandré e o secretário dele e o outro os músicos: eu, Geraldo Azevedo, Nelson Ângelo e Franklin. Cada carro saiu para um lado. Chegamos em São Paulo mais rápido que um avião (risos). Depois não vi mais o Vandré.

Se não houvesse o golpe, Vandré seria político ou artista?
Ele estaria preso! (em tom de brincadeira ao ressaltar a eterna rebeldia do cantor).

Ao lado de Collin Walcott e Don Cherry, você participou do
Codona, um dos grupos mais influentes do jazz moderno norte-americano, chegaram a lançar três álbuns clássicos...
Berimbau com jazz dá liga?

Totalmente, mas não é por causa dos instrumentos, mas dos músicos. É a maneira que o músico faz com o instrumento. O encontro com Collin Walcott e Don Cherry foi a maior experiência que tive musicalmente. Porque Cherry era uma espécie de conservatório ambulante e Collin era outro. Na verdade, o primeiro disco do Codona, seria apenas um disco de Collin Walcott, aí Collin chamou Don Cherry e ele disse para Collin: “Olha, você tem que levar o Naná Vasconcelos. Collin não me conhecia, mas me chamou porque Don Cherry sugeriu. Chegamos um dia antes em Stutgart (Alemanha), ai fomos para o estúdio, gravamos a primeira faixa. Me lembro bem quando Collin disse: “Este disco não é meu, é de todos os três”. Foi aí que surgiu o nome Codona, com as letras iniciais de nosso nomes (Codona). A crítica nos chamava de “acoustic Pink Floyd”, porque as combinações sonoras eram imprevisíveis. Foi uma graça de Deus, porque abriu minha cabeça para tudo.

Por que a música instrumental é tão desvalorizada no Brasil?
Porque aqui a palavra é muito importante. As pessoas precisam das palavras. A palavra sempre foi mais forte no Brasil.

Você não acha que é uma questão de mercado?
Não, é cultura mesmo.

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ANTONIO CICERO

Nietzsche e o niilismo


A negação dos valores supremos constitui a segunda etapa do niilismo; a primeira é a depreciação da vida real




NIETZSCHE, em "A Vontade de Poder", pergunta: "Que significa o niilismo?". Responde: "Que os valores supremos estão perdendo valor".
Em "A Gaia Ciência", ele descreve o niilismo como "a desconfiança de que há uma oposição entre o mundo em que até há pouco estávamos em casa com nossas venerações [...] e outro mundo em que somos nós mesmos: desconfiança inexorável, radical, profundíssima [...] que poderia colocar a próxima geração ante a terrível alternativa: ou vocês abolem as suas venerações ou -a si próprios! A segunda opção seria o niilismo -mas não seria a primeira também niilismo?".
Na verdade, o niilismo nesse sentido, isto é, a desconfiança e a negação dos valores supremos, constitui a segunda etapa do niilismo. A primeira consiste na depreciação da vida real em nome da postulação e da valorização de um mundo suprassensível superior a ela.
É o que faz a metafísica platônica, por exemplo. Platão, como se sabe, defende que o mundo que nos é dado pelos sentidos e no qual agimos não passa de um simulacro do mundo verdadeiramente real, que é o mundo das ideias eternas, universais e imutáveis e, em primeiro lugar, da ideia do bem: do bem em si.
"O pior, mais persistente e perigoso dos erros até hoje", diz Nietzsche, "foi um erro de dogmático: a invenção platônica do puro espírito do bem em si". Por quê? Porque desvaloriza o mundo real. O mundo sublunar em que vivemos é tanto menos dotado de realidade e valor quanto mais se afaste do ideal.
Segundo Nietzsche, o cristianismo é um platonismo vulgar, um "platonismo para o povo". Trata-se, portanto, de niilismo para o povo. "O nada divinizado", diz. Que maior degradação do mundo real pode ser concebida? Tal é a primeira etapa do niilismo na Europa.
E como se chega à segunda etapa, isto é, ao niilismo que já se considera como tal? Em "A Vontade do Poder", Nietzsche especula que a moralidade cristã acaba por se voltar contra o próprio Deus cristão.
A valorização da veracidade alimenta uma vontade da verdade que se revolta contra a falsidade das interpretações cristãs. Descobre-se que não se tem o direito de pressupor um ser transcendente ou um em si das coisas que fosse ou divino ou a encarnação da moralidade. A reação contra a ficção de que "Deus é a verdade" é: "Tudo é falso".
A partir disso, negam-se todos os valores supremos. É a morte de Deus. O domínio do transcendente se torna nulo e vazio. O niilista nega Deus, o bem, a verdade, a beleza.
Se antes a vida real era desvalorizada em nome dos valores supremos, agora os próprios valores supremos são desvalorizados, sem que se tenha reabilitado a vida real. Desmente-se o mundo metafísico, sem se crer no mundo físico. Nega-se qualquer finalidade ou unidade ao mundo. Nada vale a pena.
Mas, além desse modo passivo, há o que Nietzsche chama de "niilismo ativo". Representa o aumento do poder do espírito. Nietzsche diz que "seu máximo de força relativa, o [espírito] alcança como força violenta de destruição: como niilismo ativo". E classifica a si próprio como o primeiro niilista europeu perfeito, isto é, "o primeiro niilista europeu que já viveu em si o niilismo até o fim, já o deixou atrás de si e o superou".
Tal niilismo não pode consistir, evidentemente, na destruição física das coisas ou dos seres humanos. Trata-se antes da abertura do caminho para a "transvaloração de todos os valores" através do reconhecimento do caráter meramente relativo, particular e contingente de todas as crenças e valores dados.
Ora, não é exatamente a esse reconhecimento que o ceticismo metódico da filosofia moderna deveria ter conduzido, se tivesse realmente sido levado às últimas consequências? Não teria ele então consistido em niilismo ativo? Nesse sentido, Heidegger tem razão ao pensar que Descartes está menos distante de Nietzsche do que este imagina...

Respondo no blog "Acontecimentos" (antoniocicero.blogspot.com) ao artigo de Maurício Tuffani "Uma Ameaça Maior que o Dogma", de 08/06.

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