quarta-feira, 16 de junho de 2010

Meneses depois do pesadelo

FSP 16/06

Recuperado de cirurgia no pulso, o violoncelista inclui o Brasil em sua intensa agenda de concertos

De um tumor no pulso direito, Antonio Meneses extraiu um livro de memórias.
Mais celebrado instrumentista brasileiro de cordas de todos os tempos, o pernambucano radicado na Basileia (Suíça) resolveu narrar a história de seus 52 anos de vida.
"A ideia não é fazer uma biografia, mas contar coisas importantes que me aconteceram", diz. O músico está sendo auxiliado na empreitada pelos jornalistas João Luiz Sampaio, de "O Estado de S.Paulo", e Luciana Medeiros, assessora de imprensa.
"O livro é uma mistura de memórias pessoais e reflexões sobre música", diz Sampaio. A primeira parte da obra -ainda sem título- conta a trajetória de Meneses da infância à consagração.
Há episódios como a vitória no Concurso Tchaikovski, de Moscou, as gravações com a Filarmônica de Berlim, do mítico regente Herbert von Karajan, e o período com o Beaux Arts Trio.
A segunda metade do livro trata do violoncelo e seu repertório e das atividades pedagógicas de Meneses.

TUMOR BENIGNO
Tudo começou no final do ano passado. "Havia a previsão de operar um tumor benigno que estava crescendo no pulso direito, e a Rosana Lanzelotte [cravista e parceira musical] sugeriu que eu aproveitasse o período que ficaria sem tocar para escrever o livro", conta o músico.
Feita a cirurgia em 29/12, Meneses deu seu depoimento aos jornalistas no começo deste ano. Acompanhada de um CD que está sendo gravado, a obra deve sair pela Algol Editora no final de outubro, quando ele toca na Sala São Paulo, com a Osesp.
Restabelecido da operação e em plena atividade de concertos, ele vem ao Brasil em julho. Estreará no Festival de Inverno de Campos do Jordão um duo com a pianista portuguesa Maria João Pires e lançará um disco gravado com a orquestra britânica Northern Sinfonia.
"O duo com Maria João começou meio por acaso. Eu ia tocar no Brasil com [o pianista] Menahem Pressler [de 86 anos, que foi seu parceiro no Beaux Arts Trio]. Glória Guerra, que é a agente de ambos, fez a intermediação entre nós", conta.
Meneses só vai encontrar a futura parceira em Campos do Jordão. "Minha expectativa é a melhor possível, porque a Maria João tocou música de câmara a vida inteira, e isso faz a diferença."
O concerto marcará o lançamento de seu disco com um par de concertos do mestre austríaco do classicismo Joseph Haydn (1732-1809), ao lado do concertino do pernambucano Clóvis Pereira.
A ser editado internacionalmente pela Avie Records, e aqui pelo selo Clássicos, o CD não tem maestro -Meneses é o diretor musical. "Não faço isso muito, porque as oportunidades não aparecem. De qualquer forma, se houver um bom regente, prefiro trabalhar com ele."
Para 2011, ele prevê o lançamento de um DVD com sonatas do compositor barroco veneziano Antonio Vivaldi (1678-1741), acompanhado do cravo de Lanzelotte e do violoncelo de David Chew.
Ao interpretar o repertório desse período, Meneses emprega seu violoncelo montado da maneira moderna, mas lança mão de um arco barroco, e algumas técnicas interpretativas aprendidas da escola da música "de época".
"Aprendi muito com as ideias do barroco, mas seria falso tentar fazer meu violoncelo imitar o da música antiga", diz. "Eu diria que faço um barroco
moderno."

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Antonio Meneses toca na medida exata, sem excessos

Músico se dedica a repertório tradicional, evitando compositores recentes

FSP 16/06

Antonio Meneses é um artista que coloca a perfeição à frente da grandeza.
Nesse sentido, é um "clássico", porque nunca se excede: seja numa suíte para violoncelo solo de Bach (1685-1750) ou numa sonata de Beethoven (1770-1827), solando um concerto romântico ou tocando Villa-Lobos (1887-1959), sua arte está sempre na medida exata.
O fraseado é elegante, alongado. Preza a continuidade do discurso, não se detém em minúcias.
Gradua perfeitamente a dinâmica e mantém o som com uma beleza estável, nem muito quente nem muito fria.
Por isso é curioso que tenha gravado -e com excelente resultado- a obra integral para violoncelo e piano de Villa-Lobos justamente com uma musicista de características tão diferentes como a brasileira Cristina Ortiz.
Nascido em Recife, o violoncelista é dois anos mais novo do que Yo-Yo Ma (que, aliás, se apresenta em São Paulo nesta semana), mas, ao contrário do americano, evita o "crossover", assim como experimentalismos contemporâneos: a carreira de Meneses é predominantemente dedicada ao repertório tradicional escrito para o instrumento.
Sua índole camerística permite um saudável contraponto com a frequentemente opressiva agenda de concertos como solista convidado de orquestras ao redor do mundo, trabalho cujo foco está na repetição de poucas obras consagradas (lembremos que o cânone de concertos para violoncelo e orquestra não é muito extenso).
Para um músico que gravou com a tradicional Filarmônica de Berlim aos 24 anos de idade (sob a regência do lendário Herbert von Karajan), é notável como conquistou notoriedade também na música de câmara.
Tradicionalmente, este estilo exige um nível de intimidade, aprofundamento e dedicação nem sempre possível aos virtuoses acostumados a apresentações preparadas com um ou dois ensaios.
Exemplo máximo desse viés foi a sua participação no Beaux Arts Trio, um dos mais importantes conjuntos camerísticos da segunda metade do século 20, no qual atuou durante dez anos.

PARCERIAS
Meneses sempre trabalhou com pianistas de grande qualidade: entre os brasileiros, Gilberto Tinetti, Cristina Ortiz e Celina Szrvinsk, e, entre os estrangeiros, Michael Uhde e Gérard Wyss.
Vale destacar também a colaboração com o Menahem Pressler (líder do Beaux Arts desde 1955), com quem gravou a obra completa de Beethoven para a formação, que rendeu justamente um de seus melhores CDs.
Não há novidades no programa que será apresentado com Maria João Pires no Festival de Inverno de Campos do Jordão, já que todas as obras com violoncelo fazem parte da discografia de Antonio Meneses.
Retornar a certos repertórios em diferentes fases é comum na trajetória dos intérpretes, mas o interesse aumenta quando a presença de um novo parceiro propicia a descoberta de detalhes e nuanças. E ter Maria João ao piano é um excelente ponto de partida nessa direção.

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Livraria amplia catálogo de e-books em português

Cultura faz contrato com editoras para atenuar lacuna do novo mercado

Página da empresa na internet terá cem novos títulos nacionais até o fim do mês, entre eles Graciliano e Drummond

FSP 16/06

Até o fim do mês, a Livraria Cultura terá à venda em sua página na internet cerca de cem novos títulos de livros eletrônicos em português de autores como Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Luis Fernando Verissimo, James Hunter e Javier Moro.
O acréscimo é resultado de um contrato assinado anteontem entre a livraria paulistana e sete editoras. Cinco delas integram a recém-criada DLD (Distribuidora de Livros Digitais): Record, Objetiva, Rocco, Sextante e Planeta. As outras são Moderna e Salamandra.
O catálogo de e-books da Cultura tem mais de 1.200 títulos estrangeiros, mas só 700 em português. É um reflexo do nascente mercado nacional, que tem na dificuldade de conversão de formato e na renegociação dos contratos de direitos autorais os seus principais entraves.
Os títulos custam cerca de 30% menos que os de papel.
Os editores admitem que há um longo caminho a percorrer -a própria plataforma de operações da DLD, que entre outras coisas controlará o número de e-books vendidos, só funcionará em dezembro. Até lá, a empresa usará tecnologia da Cultura.
"A sensação que tenho é que estamos fazendo como naquela história do [Assis] Chateaubriand: ele resolveu montar uma emissora de TV com os equipamentos mais modernos, mas, quando perguntaram onde aquelas imagens iriam passar, ele se deu conta de que não havia TVs no país e comprou três aparelhos", diz Marcos Pereira, da Sextante.

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