África dá lições de políticas para a reforma agrária no Brasil
Mesa redonda com especialista africano mostra como a história do Zimbábue pode ajudar à uma melhor distribuição de terras
UnB.br 01/06
O processo de reforma agrária em países africanos, como o Zimbábue, guarda lições para o Brasil. Principalmente no que diz respeito à distribuição mais diversa e democrática de terras, como, por exemplo, aos povos indígenas e quilombolas. O intercâmbio político entre as nações foi a tônica da mesa redonda Desigualdade Urbanas e Lutas por Terra e Transformações do Estado e da Política em Áreas Rurais, realizada nesta segunda-feira, 31 de maio, no Departamento de Sociologia.
Hoje, cerca de 90% das terras rurais do Zimbábue se concentram nas mãos de pequenos produtores rurais e pessoas vindas da cidade, segundo informações do Instituto Africano de Estudos Agrários (Aias). Por outro lado, no Brasil, cerca de 3% das propriedades são latifúndios e concentram 57% das terras agricultáveis, de acordo com dados de 2006 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Para especialistas, boa parte da discrepância se deve às ações do governo com base nas peculiaridades da luta popular.
O professor africano e diretor do Aias, Sam Moyo, destaca alguns aspectos da história da reforma agrária no Zimbábue. “O movimento pela distribuição de terras está diretamente ligado à luta pela independência do país, oficialmente reconhecida em 1980”, afirmou o convidado. Ele conta que, em 1895, começou um processo massivo de expropriação de terras por parte dos colonos ingleses. “Em 1955, praticamente todas as terras tinham sido tomadas, o que gerou uma forte reação popular”.
De 1960 a 1979, a luta armada pela recuperação das terras expropriadas manchou de sangue o chão do país com cerca de 13 milhões de habitantes e localizado no sul da África. No entanto, em três anos e meio, 75% das terras tomadas por colonos haviam sido ocupadas por movimentos populares. “A filosofia era de que ninguém pagaria por terras expropriadas. O governo se viu obrigado e adotar políticas para comprar as terras e redistribuí-las”, destaca o professor da Universidade do Zimbábue.
DIVERSIDADE – O professor Marcelo Rosa, do Departamento de Sociologia da UnB, ressalta que o aprendizado brasileiro não deve se inspirar na luta armada, mas na natureza da reivindicação. “No Zimbábue, a luta pelas terras ocorre por parte dos povos nativos, que tiveram as terras tomadas. No Brasil, até pouco tempo atrás, se limitava às causas do MST, que engloba muitas pessoas que nunca tiveram um pedaço de chão”, compara ele, em relação ao movimento surgido no Rio Grande do Sul, no fim da década de 1970.
Para Marcelo, o principal aprendizado que se deve levar do intercâmbio com os africanos está na diversificação das políticas agrárias. “Indígenas e quilombolas só entraram nas políticas do Incra e foram reconhecidos pelo MST recentemente. Mesmo assim, as ações ainda são muito tímidas nesse sentido”, explica o especialista em estudos agrários, que esteve na África para estudar as relações entre os movimentos de lá e os brasileiros.
Outra divergência entre os modelos de reforma se deve à natureza dos movimentos “sem terra”. O professor Sam Moyo expressou sua desconfiança sobre o que ele chamou de big movements, como o MST brasileiro. “Há uma tendência forte de politização nesses grupos. No Zimbábue temos grupos menores, menos centralizados, o que levou a uma distribuição mais efetiva”, aponta. “No entanto, creio que temos muito a aprender em relação à ideologia da luta brasileira”, ponderou o especialista.
APARTHEID – A mesa redonda contou ainda com a participação da professora Sophie Oldfield, da Universidade de Cape Town, na África do Sul. Especialista em desigualdade urbana e acesso à moradia, ela mostrou como, ainda hoje, resquícios do apartheid – política africana de segregação entre brancos e negros, abolida em 1990 – refletem nas políticas públicas de moradia. “99% das 2 milhões de casas populares construídas em Cape Town são ocupadas por negros ou miscigenados”, destaca ela, informando que a população branca corresponde a cerca de 18% da população local.
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