segunda-feira, 28 de junho de 2010

Grito de liberdade

Correioweb 28/06

Criada em uma brincadeira de carnaval, a instituição Menino da Ceilândia consolida-se como Ponto de Cultura que transforma a vida de jovens e adultos da cidade. Alguns abrem o próprio negócio

Uma filipeta mudou a vida do jovem Geovani Marques, 25 anos. Naquele pequeno papel, havia o convite para participar de oficinas gratuitas. Ele seguiu o chamado e foi parar no Ponto de Cultura Menino de Ceilândia, localizado na QNM 3, de Ceilândia Sul. Lá, fez o curso de serigrafia e, dois anos depois, estava diante de um sonho realizado: ter o próprio negócio. “Criei a minha marca de skate, a ZNC. Além da confecção de adesivos, camisetas e logomarcas, passei a investir na produção de eventos, como a realização de campeonatos da modalidade na cidade”, comemora.

Vilanir Cardoso, 36 anos, também trilhou o mesmo caminho do novato empresário Geovani. Mal ela acabou de terminar os cursos de estilismo e corte e costura, ministrados pelos monitores da instituição, e viu os clientes duplicarem. “Os três meses de oficina aperfeiçoaram um trabalho que eu já executava. Senti o ânimo para abrir o meu próprio negócio”, aponta.

Geovani e Vilanir são dois de centenas de jovens e adultos beneficiados pela instituição Menino da Ceilândia, que nasceu de uma brincadeira de carnaval. Em 1995, amigos se reuniram para botar o bloco na rua. Sentiram a necessidade de atividades culturais e descobriram no festejo popular a chance para trocar conhecimentos. Formaram então uma espécie de oficina para criar bonecos mamulengos, fantasias e adereços. Discutiram também a história do carnaval e as diferenças entre as regiões brasileiras. Além do desejo de brincantes, havia uma preocupação social e política. “A ideia de batizar o bloco de Menino da Ceilândia era para chamar a atenção sobre a quantidade de “meninos” e “meninas” que se tornavam pais na adolescência”, conta o presidente Airton Velez.

Até virar Ponto de Cultura, uma década depois, o trabalho foi de formiguinha. Airton lembra que esse processo foi empolgante. “Ficamos espantados com a quantidade de gente que chegou no primeiro momento. Vieram 60 pessoas. Fizemos uma festa empolgante. Depois, as próximas turmas aconteceram, por meio da participação em editais lançados por instituições públicas e empresas privadas”, aponta.

Carnaval de rua
Como os desfiles das escolas de sambas de Brasília ocorrem em Ceilândia, a instituição pautou as ações no carnaval de rua. O título de Ponto de Cultura permitiu a sistematização dos trabalhos. Desde a oficialização, mais de mil alunos foram beneficiados com os cursos oferecidos. “Antes de sermos aprovados no programa Cultura Viva, não tínhamos sede fixa. Por isso, os trabalhos eram realizados nas casas dos fundadores da associação. A falta de equipamentos para ministrar as oficinas era outra dificuldade. Depois que ganhamos esse edital, tivemos condições de oferecer mais do que somente o bloco de carnaval e alguns trabalhos com os moradores de Ceilândia”, conta Ailton.

Um exemplo é a Orquestra Menino da Ceilândia, projeto que tem chamado a atenção tanto dos organizadores quanto da comunidade. Criado há um ano, o grupo de instrumentistas de sopro é formado por 15 alunos do curso de musicalização. Os aprendizes, alguns encaminhados para o mercado, contam com a regência do maestro Fabiano Medeiros. “Não haveria condições de termos essa orquestra se não tivéssemos a estrutura que o Ponto de Cultura nos deu”, ressalta Ailton Velez.

Ao longo dessa década, o Menino da Ceilândia realizou, sobretudo, parcerias, como ferramenta chave para oferecer oportunidades aos moradores da Ceilândia. A ONG Programando o Futuro, por exemplo, procurou o Ponto de Cultura para a criação da incubadora Economia de Cultura. O projeto piloto permitiu a formação de empreendedores culturais. A iniciativa de um ano reuniu 400 participantes. Eles aprenderam sobre logística, captação recursos financeiros, negociação com fornecedores, tipos de locais para a realização de eventos.



FIQUE DE OLHO

» Atualmente, 200 jovens estão matriculados nos cursos de música, serigrafia e corte e costura. O Ponto de Cultura já capacitou também alunos nas áreas de artes plásticas e estilismo. Em julho, haverá oficinas diversas como frevo, música, corte e costura e serigrafia. Informações: 3373-2741.

AS OFICINAS

» LITERATURA DE CORDEL — O conteúdo abrange história do cordel no mundo e no Brasil, introdução à literatura de cordel, rima, métrica silábica, soneto e prática da escrita em cordel.

» ESTILISMO — Oferece aulas de história da moda, introdução de traços e desenho, conceitos básicos de moda, teoria das cores e pesquisa de moda.

» ARTES PLÁSTICAS E CONFECÇÃO DE BONECOS — Os dois cursos ocorrem simultaneamente. Os alunos aprendem sobre modelagem de rosto, de corpos humanos, misturas das tintas para obter as tonalidades de cores.

» DANÇA — O frevo é a base da oficina. Os alunos terão aulas de dança popular brasileira e treinamento dos passos que compõe a dança.

» SERIGRAFIA — Introdução à serigrafia, elaboração e criação, higiene e segurança, conhecimento de cada tipo de cor, práticas de gravação de telas e impressão nos tecidos.

» CORTE E COSTURA — O curso é composto por disciplinas como tipos de tecidos, modelagem e corte e costura em malha.

domingo, 27 de junho de 2010

Ponto a ponto - José Antonio Dias Toffoli

Mais novo ministro entre os titulares do STF dá a receita para modernizar o Judiciário e integrar a administração pública

Fonte: correio brasiliense 27/06

Como uma fábrica, o sistema judicial sustenta-se em engrenagens. Essa linha de produção é complexa e funciona, muitas vezes, impulsionada por interesses, preconceitos. Leva tempo para ganhar agilidade. Nas palavras do ministro Dias Toffoli, o mais novo dos 11 que compõem o Supremo Tribunal Federal (STF), é preciso acabar com a cultura do litígio, estimular as soluções administrativas e integrar as carreiras que fazem a interface com o mundo real. Só assim o país terá uma estrutura jurídica melhor.

Apesar disso, Toffoli diz que o acesso aos tribunais garantido no Brasil deve ser visto como referência no mundo. A burocracia no sentido virtuoso, também. É o que ele vai pregar durante o II Congresso Brasileiro das Carreiras Jurídicas de Estado, marcado para acontecer entre os dias 6 e 9 de julho em Brasília. “Será um debate de integração de carreiras voltado a um resultado: a própria integração”, resume. Ex-advogado-geral da União, Toffoli defende a conciliação do Estado com o Estado e das carreiras que dão sustentação à Justiça com elas próprias.

Inquieto, o ministro também propõe soluções que aprimorariam a relação da máquina com seus funcionários. Para ele, o Poder deve ser visto como um só: carreiras horizontais, irmãs no DNA e nas funções, pensadas como uma solução de futuro para minimizar as disputas que congestionam o funcionalismo no Executivo, no Judiciário e no Legislativo. A seguir, os principais pontos da entrevista concedida por Toffoli ao Correio.

Cultura do conflito precisa ter um fim

Vocação para a briga
No Brasil, temos a cultura do conflito: qualquer problema que leva para o Judiciário. Por que não discutir outras maneiras? As corporações gostam disso porque dá poder, dá demanda, dá justificativa para existência, dá explicação para ter bons salários etc. Não estou aqui criticando, mas é preciso parar para ver que existem outras maneiras de resolver conflitos. Desenvolveu-se a cultura de que o Judiciário é o que resolve tudo. Costumo dizer que tanto na iniciativa púbica quanto na iniciativa privada, os gestores no Brasil, seja um executivo de uma grande empresa privada, seja um executivo da área pública, um ministro de Estado, um secretário, quando ele não sabe o que fazer com um problema, manda para o jurídico. E o jurídico manda para o Judiciário. Só que o Judiciário tem várias instâncias e vários procedimentos e não vai resolver aquilo no dia seguinte. Então é uma decisão errada aquela que leva para o Judiciário aquilo que não devia estar no Judiciário. Por que a cultura jurídica no Brasil é formatada para o conflito e não para a solução? Nós, na escola, na faculdade de Direito, queremos aprender a litigar. Não se ensina a solucionar.

Acesso ao Judiciário
O acesso à Justiça em outros países é caríssimo. No Brasil, é barato. O acesso às instâncias superiores em outros países é quase somente acessível a quem tem condições econômicas. No Brasil, qualquer cidadão pode. Tem países que para se advogar em cortes supremas você tem que ter um exame específico e cobra-se uma aprovação específica para atuar naquela corte. No Brasil, qualquer advogado atua da primeira instância ao Supremo Tribunal Federal.

Linha de produção
Somos uma linha de produção de solução de conflitos em nome do Estado. O sistema judicial, seja o promotor, o advogado público ou privado, é função essencial à Justiça, ou seja, o defensor ou mesmo a polícia judiciária traz elementos para que na área criminal seja feita uma ação penal, uma investigação e uma punição, todos esses integrantes de carreiras jurídicas que compõem uma linha de produção de resolução de conflitos em nome do Estado. Eles não agem para si mesmos. Se ficar olhando só sua atividade e não ver que faz parte de uma linha de produção, vai ser um trabalhador alienado naquela mesma visão dita por Marx. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ao estabelecer metas, como fez na gestão do ministro Gilmar Mendes, preocupou-se com isso. Ora, nós temos uma razão de ser, de dar uma resposta à sociedade. Ninguém pode ser promotor, juiz ou advogado público para si mesmo. As demandas não podem ficar aí sem solução.

Análise prévia
Na França, há análise prévia de constitucionalidade, mas não para todas as leis. No nosso caso, quais são as maiores demandas? Lei tributária e lei do serviço público. Onde estão os maiores problemas do ponto de vista dos chamados esqueletos? Lei tributária e lei do serviço público. Por que não há uma chancela sobre isso de imediato, para evitar milhares de demandas? Porque se a lei é inconstitucional não vai dar tempo de gerar o esqueleto para uma outra geração pagar, para outro governo pagar.

Avanços do sistema
O sistema já está se aprimorando, não há dúvida. Se você pegar o Judiciário desde a Constituição de 1988, é outro Judiciário. Com o controle prévio, o Judiciário ficará mais rápido. Para estancar os problemas da Justiça, é preciso estar sempre se falando sobre o tema. Dou dois exemplos: os judeus nunca param de falar do Holocausto. Dizem, ‘Ah, mas foi há tanto tempo!’ E algum dia a Coca-Cola ficou sem fazer a divulgação do seu produto na televisão? Todo dia que você liga a televisão estão falando da Coca-Cola. Ela não faz propaganda porque gosta de jogar dinheiro fora, mas porque é necessário. Às vezes, você tem que ser repetitivo naquilo que você pensa, que parece ser o óbvio, mas o óbvio tem que ser dito, repetido e todo dia lembrado.

Valor da moeda
Se o Estado era incapaz de dar certeza do valor da moeda, quanto mais do da Justiça. Então as pessoas não confiavam no Estado gestor, administrador, legislador. Elas buscavam o Estado juiz. A ideia de se procurar o Judiciário foi alimentada pela falência do Estado administrador no Brasil no sentido econômico, de você ter um mínimo de seriedade no valor da moeda. Não tenha dúvida de que a estabilização monetária a partir de 1994 repercute no sentido de poder ter uma diminuição da litigiosidade na medida em que, com o passar do tempo, as certezas jurídicas passam a ser maiores.


Estabilidade
Com a estabilidade econômica, muitas vezes não vale a pena ficar recorrendo porque, com os juros de mora que vai pagar, vai acabar ficando mais cara a dívida do que comprar e pagar de imediato o valor. E tem situações em que a própria União estava condenada em decisões judiciais que tinham 12% ao ano de juros de mora, sendo que em outras circunstâncias ainda tem a taxa Selic (juros básicos da economia) A litigiosidade é fruto da incerteza do resultado. Por que não se fazia acordo? Porque ninguém tinha ideia do que valeria aquilo. Vamos supor que a gente tenha um litígio ali de um aluguel de prédio que comprei e você não entregou no prazo, e aquilo está em litígio há três ou quatro anos. No passado, não havia como ter ideia de quanto valia aquilo. Não tenho ideia de quanto vai valer aquilo no mês que vem, quanto mais nesse período todo. Então você vai jogando para frente, para ver se com um plano econômico como isso vai ficar. Essa cultura do conflito tem a ver com a cultura inflacionária.


Integração
Temos uma formação em que tudo é crime hoje. A gestão pública tem a visão seguinte de que quem está fazendo algo está defendendo interesses. Esse é um outro tema que tem que se vencer na cultura brasileira. Quando você é gestor público, em qualquer decisão que você toma alguém ganha e alguém perde. Isso não quer dizer que, necessariamente, o gestor que está tomando a decisão está ganhando ou está perdendo. Então, muitas vezes, esses preconceitos precisam ser superados e só se faz isso quando se coloca as pessoas juntas.


Falsos dilemas
Você tomaria um remédio que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) diz que é ineficaz e inseguro para a sua saúde? Um remédio precisa ter segurança e eficácia. Você compraria um medicamento que a Anvisa vetou e um juiz deu uma liminar liberando? Você voaria em uma empresa aérea que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) disse que não tem condições de voar? Dou esses dois exemplos porque o setor privado não reconhece a legitimidade dos órgãos de Estado de mérito. Não voaria em uma empresa aérea que funciona por liminar, não compraria um medicamento vendido por liminar. E os dois exemplos que eu dei são verdadeiros. No Brasil, já teve medicamento vendido por liminar e até pouco tempo atrás havia empresa aérea que funcionou por três anos com liminar contra decisão da Anac. O setor privado não vê legitimidade nesses órgãos e acaba recorrendo ao Judiciário.


RH ÚNICO
Precisamos acabar com a ideia dos poderes isolados. O poder é um só. E isso vale para a gestão dos recursos humanos também. Esse prédio do STF está registrado onde? Na SPU (Secretaria de Patrimônio do União). Não tem sentido termos analistas e técnicos como carreiras diferentes no Judiciário e no Legislativo. É preciso que seja criada uma secretaria de recursos humanos para todos os poderes, onde as carreiras fiquem sob uma única coordenação. Parece impossível, mas é preciso perseguir este caminho como fizemos com tantas outras coisas na economia e na área social.


Carreiras
O sistema judicial é composto por todas as carreiras jurídicas. O juiz, sozinho, não faz nada se não tiver demanda. Se não tiver um recurso aqui, não tenho trabalho. Para isso tem que ter o advogado, o ministério público, o advogado público, se não a demanda não chega. E essas carreiras nunca tinham tido um evento único, no qual cada um pudesse apresentar suas razões. Qual a ideia? Essas áreas todas não dialogam. Umas ficam disputando com as outras quem é a melhor, quem faz mais pela sociedade brasileira, quem é mais importante. Essa disputa ajuda a quem? Por que não dialogar em conjunto? Essa é a concepção: colocar todos, em conjunto, discutindo o sistema judicial.

sábado, 26 de junho de 2010

“O estudo colocou adeptos do swing entre os grupos com índices mais altos de DSTs, ao lado de jovens e homens homossexuais - que já haviam sido identificados como grupos de alto risco”. Estudo do Serviço de Saúde Pública de Zuid-Limburg, na Província de Limburg, na Holanda BBC Brasil

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Volume reúne palavras e conceitos de Antonio Vieira

Glossários dos sermões do escritor são publicados em um único livro

FSP 26/06

"Deus deu vida a Adão com um sopro, porque a vida do homem é vento."
Enunciados deleitosos assim aguardam o consulente do "Índice das Coisas Mais Notáveis", de Antônio Vieira (1608-1697) -o célebre pregador português que, mais de três séculos após a morte, continua surpreendendo.
Tendo coordenado a edição dos 15 volumes com 206 sermões, publicados em Lisboa a partir de 1679, o próprio Vieira acrescentou ao final de cada um deles uma espécie de glossário. As entradas remetem não só a palavras empregadas mas também a conceitos ou ideias desenvolvidos nos discursos, na maioria das vezes com frases exemplares ou abonações como a que abre esta resenha (verbete "Adão").
Alcir Pécora, organizador do volume e crítico da Folha, é autor também de uma "Introdução", indispensável para ter a exata noção das características e do alcance desse instrumento que simplesmente não existia, a não ser disperso, na editio princips [edição original].

ARREBATAMENTO
Dito assim, talvez reste a falsa impressão de que o livro interessa apenas a uma restrita confraria de iniciados.
Porém, qualquer leitor de Vieira -sobretudo aquele que, como Fernando Pessoa, quer se entregar ao arrebatamento inefável de lê-lo pela primeira vez-, tem agora como ir muito além do "Sermão da Sexagésima", guiado pela escolha de palavras, temas ou personagens nas prédicas do jesuíta.
Como costumam ser mais eloquentes ou impressionantes, Pécora relaciona números que por si só traduzem a monumentalidade da obra a que o "Índice das Coisas Mais Notáveis" remete: "8.364 abonações distribuídas em 1.178 entradas, sendo que dessas frases de abonação 6.288 delas não se repetem".
Se isso não convenceu o leitor da importância desse repertório, talvez o comova a certeza de que, quanto mais se entende uma linguagem, mais se compreende uma época: com esse instrumento, é possível observar a palavra em seu habitat natural, isto é, no uso que lhe dá sentido -o que pode evitar a sensação de anacronismos.
Pois esse "Índice das Coisas Mais Notáveis" reúne não só o vocabulário mas o também notável -se não o maior- elenco de noções da teologia, da política e da retórica do português escrito do século 18.
Afinal, trata-se do principal orador daquele tempo, o "imperador da língua", para quem "pouco valem as palavras quando quem as pronuncia não entende o sentido delas" ("Palavra").

JOACI PEREIRA FURTADO, doutor em história pela USP, organizou edição das "Cartas Chilenas", de Tomás Antônio Gonzaga (Companhia das Letras)

ÍNDICE DAS COISAS MAIS NOTÁVEIS

AUTOR Antônio Vieira
ORGANIZAÇÃO Alcir Pécora
EDITORA Hedra
QUANTO R$ 29 (390 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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Museu espanhol celebra aniversário com arte latina

FSP 26/06

Mostra reúne trabalhos de 40 artistas para ressaltar presença no acervo

Leonilson e Rivane Neuenschwander são alguns dos brasileiros com obras expostas em León, na Espanha


O Museu de Arte Contemporânea de Castilla e León (Musac), sediado em León, faz hoje seu quinto aniversário e, em comemoração, apresenta apenas obras de artistas latino-americanos.
A exposição "Modelos para Armar" reúne cerca de cem trabalhos de 40 artistas, entre eles os brasileiros Rivane Neuenschwander, Leonilson e Rosângela Rennó.
A exposição é inspirada em "62/Modelo para Armar", livro do escritor argentino Julio Cortázar, e visa ressaltar a forte presença latino-americana na coleção do Musac.
"Há três anos, quando foi feito um balanço das obras da coleção, percebemos que, mesmo diante de outros contextos geográficos como o asiático, o Musac tem uma grande representação latino-americana, ao contrário dos museus espanhóis e mesmo de alguns europeus", conta Agustín Pérez Rubio à Folha por e-mail.
Além de "Modelos para Armar", o museu apresenta também a mostra "Para Ser Construídos", com cinco artistas que vivem no Brasil, mas são de outros países, como os argentinos Nicolás Robbio e Carla Zaccagnini e o americano Marcius Gallan.
Completam ainda a exposição Marcelo Cidade e André Komatsu, ambos nascidos em São Paulo.

LEONILSON SOLO
A exposição "partiu da crença de que o que está se produzindo no Brasil atualmente merece um foco de atenção", diz Rubio.
Essa visada latino-americana tem a ver com a constituição do Musac: sua curadora é a colombiana Maria Inés Rodríguez e, no comitê assessor da coleção, estão José Guirao e Octavio Zaya.
Ambos, em 2000, quando trabalhavam no museu Reina Sofía, em Madri, organizaram "Versiones del Sur", a mais importante mostra de arte latino-americana na Espanha até então.
Em dois anos, o Musac irá apresentar também uma retrospectiva somente com obras do artista brasileiro Leonilson (1957-1993), a primeira na Espanha.
"Acredito que ele seja uma figura tão importante que pode ser revisto do mesmo modo que foi feito com nomes como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. Assim, o Musac pode ter um papel valioso em reposicionar Leonilson no restante da Europa", afirma o diretor.
"Modelos para Armar" fica em cartaz até 9 de janeiro, período considerado longo. O motivo, contudo, é a forte crise econômica que a Espanha atravessa e que levou o museu a reduzir o ciclo de mostras anuais de três para duas.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

CARLOS HEITOR CONY

Pernas de pau e cabeças de bagre

FSP 26/06

Considero Garrincha e Pelé jogadores excessivamente individuais, sem noção de homogeneidade do jogo


Tempos atrás qualifiquei Garrincha e Pelé, principalmente Garrincha, como praticantes de um futebol provinciano, de pelada suburbana. Se tivesse metido o malho nas instituições pátrias ou no Verbo Unigênito teria ofendido a menos gente.
Não me preocuparia com isso, não fosse a opinião de alguns amigos a quem muito quero e que passaram a rosnar bons dias cavernosos, de cabeça baixa, sem o calor gostoso e habitual.
Não vou revogar o que disse. Considero Garrincha e Pelé jogadores excessivamente individuais, sem noção de homogeneidade do jogo que é, acima de tudo, associação.
Considero Didi o maior jogador que o futebol brasileiro produziu. Se seu nome não constar na enciclopédia britânica, ela não valerá nada.
Mas além de enciclopédias, há o futebol. E nele, pela observação de alguns anos, quando atravessava a baía para ver Carlyle fazer gol de bicicleta no Canto do Rio ou quando despencava com a arquibancada de Bariri -percebi o que qualquer um perceberia: as duas vertentes do futebol nacional.
Uma, de raízes populares, onde o indivíduo se sobrepõe ao conjunto; outra, onde o indivíduo se sacrifica, e muitas vezes chega à mutilação, em favor do conjunto. Nasci nas proximidades do campo do América, e vi Carola driblar defesas inteiras, voltar ao meio de campo, driblar o time contrário todo.
Vi Tim, Elba de Pádua Lima no civil, driblar toda a defesa da seleção argentina e dar um passe para Hercules digno de antologia. Tomás Soares da Silva, celebrado e famoso como Zizinho, empolgava essa mesma parcela de torcedores que mais tarde dedicaria a Garrincha seu generoso incenso.
Não se pode qualificar de prejudicial o jogo de Garrincha-Pelé. Seria mais que uma injustiça: uma tolice. Mas pode-se contar pelo número de dedos as vezes em que, em partidas duras, com fatores adversos, esses dois resolveram qualquer coisa. Se o jogo é fácil, o show é inevitável, eles fizeram ou ajudaram a fazer um resultado empolgante.
Mas quem nunca viu Pelé inerte no meio do campo diante de um marcador mais rigoroso? Sem o conjunto, Pelé era um pássaro ferido. Em Montevidéu, vi uma vez o Peñarol encher o Santos. Os torcedores uruguaios saíram de campo sem entenderem a fama de Pelé.
Garrincha foi, fora de qualquer dúvida, o maior driblador que o futebol já gerou. Mas futebol e drible são coisas diferentes. Principalmente quando o drible busca as laterais ou procura mais um adversário para mais um drible. Isso é província.
Durante anos ele ia driblando até esbarrar na bandeirinha do corner, depois melhorou, tinha noção de área, quando corria, procurava entrar onde realmente interessava entrar, mas ainda se dispersava em jogadas laterais que empolgavam os torcedores, mas prejudicavam "os soberanos interesses do seu quadro" -como diria um cronista esportivo que gostava de falar difícil.
Esse tipo de futebol está em decadência. As recentes Copas do Mundo provaram, entre outras coisas, uma constatação elementar: futebol é associação. Sou daqueles que consideram este tipo de esporte uma ciência onde devem entrar, pela ordem, a cabeça, o coração e o jeito.
Jeito apenas não basta, ainda que aliado ao coração. Somente com estes três elementos se obtém o verdadeiro jogador, aquele que alia o artesanato específico (o jeito) ao amor e, sobretudo, à cabeça. Quando um jogador é muito ruim, não se diz que se trata de um entrevado ou de um apático. Diz-se que é um "cabeça" de bagre.
Sob certos aspectos, futebol é tão racional quanto o xadrez. Assim o Brasil pode se dar ao luxo de produzir Garrinchas e Pelés. Pois seu futebol já possui uma infraestrutura que coloca um Didi na mesma linha em que há um Garrincha, na mesma linha de um Pelé. (Falo de jogadores antigos para não ferir as preferências atuais.)
E já que estamos com a mão na massa, um lembrete: a coisa na África do Sul não vai ser mole. Todos estão motivados para vencer, joga-se o fino quando se pode e o grosso quando se faz necessário. No fundo, os finalistas serão os mesmos de sempre: Brasil, Itália, Alemanha e Argentina. Haverá sempre um azarão e uma decepção. Que não seja o Brasil.