Uma lei que iguala o país
ELOI FERREIRA DE ARAUJO
FSP 21/07
A implementação da política de cotas para jovens negros nas universidades brasileiras é bom exemplo do alcance das medidas reparatórias |
O Estatuto da Igualdade Racial é um instrumento que oferece uma contribuição substantiva para a consolidação do Estado democrático de Direito.
Tendo como pano de fundo a Constituição da República, se estabelecem, pela nova lei, as possibilidades legais para a superação do racismo, num país em que 50,6% da população é de origem negra.
O Estatuto da Igualdade Racial é, pois, exigência da nação, para que o Estado brasileiro busque reparar as graves desigualdades raciais existentes em nossa sociedade.
A implementação da política de cotas para jovens negros nas universidades brasileiras, que tem obtido resultados extraordinários, é um bom exemplo do alcance das medidas reparatórias.
Contudo, sua adoção tem encontrado resistência em setores minoritários da sociedade, que, com argumentação diversionista, tentam impedir o ingresso da população negra no ensino superior.
O Estatuto da Igualdade Racial define as ações afirmativas como sendo os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. Desse modo, cumpre ao Estado brasileiro estabelecer as políticas públicas para alcançar sua missão constitucional, inclusive com cotas raciais.
Merece destaque também a definição de que os programas de ação afirmativa se constituirão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades raciais e demais práticas discriminatórias adotadas nas esferas públicas e privadas.
Mesmo com todas as evidências sobre a necessidade de inclusão da população negra, trazidas pelo debate contemporâneo, a resistência ainda existe. Portanto, para além do esforço para a conquista de corações e mentes contra o racismo, é preciso ter às mãos uma legislação estabelecendo a igualdade de oportunidades.
As comunidades quilombolas, por exemplo, terão no Estatuto a norma legal que lhes assegura substância na defesa perante o Supremo Tribunal Federal de seu direito à terra, que vem sendo questionado.
O Estatuto da Igualdade Racial garante os direitos das comunidades de religião de matriz africana, além de reconhecer a capoeira como patrimônio cultural imaterial e de reafirmar a obrigatoriedade do ensino da história da África e de cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas, criando ambiente de afirmação da autoestima e de valorização da identidade nacional.
Outros destaques são as diretrizes para a saúde da população negra, assim como para sua presença nos meios de comunicação, seu acesso a crédito, financiamento, moradia, Justiça e segurança, além da criação do Sistema Nacional de Promoção de Igualdade Racial.
Este Estatuto representa o que há de mais moderno em políticas de ação afirmativa. É um documento de reafirmação da democracia, da busca incessante da paz e do progresso social por meio da igualdade de oportunidades, para que negros e negras possam fruir dos bens econômicos, culturais e sociais de forma permanente.
ELOI FERREIRA DE ARAUJO é ministro-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.
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GILBERTO DIMENSTEIN
O mundo é uma biblioteca
FSP 2’1/07
Trocar livros usados pelo mundo é como ter uma biblioteca espalhada por aí, sem sair de casa |
A PROFESSORA de inglês Eunira Galioni está preparando um modo diferente de ocupar o tempo da sua aposentaria: trocar livros usados mundo afora. "É como se eu tivesse uma biblioteca espalhada pelo mundo, sem sair de casa." E, melhor, quase sem gastar dinheiro. Na maioria das vezes, sem gastar nem um centavo. Nem com o correio.
Tudo começou com a paixão de Eunira pela leitura, iniciada nos Estados Unidos, onde morou com os pais quando era menina. Seus pais saíram do Brasil para trabalhar como operários em Nova Jersey. Não tinham família nem amigos por lá. "Além de não conhecer ninguém, eu era muito tímida e, por isso, me refugiava nos livros."
Estava ali não só o encontro do prazer pela leitura mas uma forma de sobrevivência.
Aos 14 anos, ela voltou ao Brasil fluente em inglês. Muito tempo depois, tornou-se secretária bilíngue, casou-se, teve quatro filhos. Como era pouco o dinheiro, dava aulas de inglês para reforçar o orçamento. Conformou-se com a impossibilidade de comprar livros em inglês, proibitivos em seu orçamento. "Eu desenvolvi o hábito de ler o mesmo livro várias vezes."
Assim foi até que descobriu uma tribo planetária que, com a ajuda das tecnologias digitais, criou um sistema de trocas capaz de rastrear os mais diversos livros pelo mundo, cujo slogan é "Faça do mundo uma biblioteca".
Ela se cadastrou e logo começou a receber, em sua casa, livros em inglês dos mais diferentes países. Algumas vezes, recebia inesperadamente sacos de livros, por causa de uma parceria do projeto com uma empresa naval que se dispunha a fazer o carregamento sem cobrar nada. "Eu me sentia, sem exagero, abrindo um saco deixado pelo Papai Noel."
A prática virou um misto de hobby com rede social. Ela recebia o livro, devidamente cadastrado, e o passava adiante para alguém que se comprometia a manter a corrente. A pessoa que recebia, em algum lugar da cidade, registrava o livro na página da internet do "Bookcrossing" e, muitas vezes, deixava um comentário ou resenha. Como nem sempre tinha dinheiro para o correio, Eunira montou uma rede de contatos que a avisam quando alguém vai viajar para o exterior. O portador deixa o livro em alguma praça, parque ou café, e ela registra na internet para avisar algum possível interessado.
O virtual até já virou presencial. Numa viagem ao Canadá, encontrou-se pessoalmente com uma das integrantes da tribo -e, é claro, voltou com livros para casa.
Esse tipo de tribo prospera na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, é um hábito desconhecido. Seja porque pouca gente lê, seja porque as pessoas se agarram aos livros.
Mas, agora, o espaço literário mais nobre da cidade vai permitir a troca. A biblioteca Mário de Andrade, que, depois de fechada para reforma, se abre para o público nesta semana, terá um canto para as pessoas deixarem um livro para quem quiser pegá-lo e passá-lo adiante.
Prestes a se aposentar, Eunira ganhou, dessa maneira, um dos melhores lugares para fazer de seu mundo uma biblioteca.
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Autor de obra contra o homossexualismo é absolvido
Conjur.com.br
A livre manifestação do pensamento e a liberdade de consciência e crença, previstas no artigo 5º da Constituição Federal, permitiram a absolvição do aposentado evangélico Naurio Martins França, de 70 anos, autor da obra A Maldição de Deus sobre o Homossexual: o Homossexual Precisa Conhecer a Maldição Divina que Está Sobre Ele!
A 5ª Câmera Civil do Tribunal de Justiça de Mato Grosso reverteu a condenação imposta em primeira instância, em que foi obrigado a pagar indenização por dano moral coletivo a homossexuais e impedido de republicar ou divulgar o livro. Para os desembargadores, a obra foi resultado de uma simples exposição do ponto de vista do acusado, como informou o site Espaço Vital. A ação foi proposta pela Defensoria Pública de Mato Grosso.
O TJ-MT entendeu que “o inconformismo e a intolerância de parte da população com as ideias do autor do livro não podem gerar, por si só, o dano à moral de um grupo de pessoas”. Foi o mesmo argumento pelo qual se serviu o aposentado em sua apelação: ele não poderia ser condenado por todo um histórico de violência contra homossexuais, pois o fenômeno não é novo. Ainda de acordo com o apelante, o livro não fomentava nenhum tipo de violência contra os homossexuais, como o homicídio.
A Comissão de Direitos Humanos Ordem dos Advogados do Brasil do Mato Grosso do Sul (OAB-MS) também não considerou a obra incitadora. Lembrando que a sociadade brasileira vive uma democracia, a comissão declarou que “não se deve amordaçar uma maioria que defende suas convicções, em benefício de uma minoria que também defende as suas (mesmo que sejam equivocadas)”.
Ao menos um ponto da decisão em primeira instância permaneceu. O autor deverá entregar à Promotoria os 289 exemplares da obra, como prevê um termo de ajustamento de conduta. O termo cita também a destruição dos exemplares e conta com o comprometimento do autor em não publicar o livro novamente.
De acordo com o relator dos autos, o desembargador Vladimir Abreu da Silva, o apelante transcreveu ipsis litteris alguns versículos bíblicos, assegurando que seriam destinados aos homossexuais. Após cada citação, uma conclusão pessoal, muitas vezes com pitadas pejorativas. Ao expor sua convicção religiosa por meio de sua opinião sobre as passagens da Bíblia, o réu revelou que são “parcos os conhecimentos gerais”. Ainda segundo o julgador, “em momento algum se observa a intenção de incitar à violência”. O caso ainda pende de julgamento de Recurso Especial.
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