Bienal de Berlim busca o real sem ser óbvia
Mostra é inspirada na obra do realista Adolph Menzel e reúne trabalhos marcados pelo caráter documental
fsp 06/07
O que é real, hoje? Essa é a questão central da sexta edição da Bienal de Berlim, que apresenta trabalhos que relacionam arte contemporânea a algo que se pode chamar de real.
"O que nos Espera Lá Fora" reúne obras de 43 artistas, em sua maioria trabalhos com caráter documental, com curadoria de Kathrin Rhomberg.
Até 8 de agosto, seis espaços distintos reúnem a Bienal, que tem como inspiração a obra de Adolph Menzel (1815-1905), um realista que se contrapôs ao grande ícone da arte alemã, Caspar David Friedrich (1774-1840).
Cerca de 60 trabalhos de Menzel estão expostos na suntuosa Alte Nationalgalerie (antiga galeria nacional), gravuras e aquarelas com detalhes do cotidiano. Mais do que mera representação, seus desenhos estão carregados de uma percepção do real que escapa do tradicional e do óbvio.
Essa tônica é enfatizada especialmente num edifício em restauração em Kreuzberg, bairro boêmio de estudantes e imigrantes turcos. Lá estão obras de 30 artistas, a maior parte da Bienal.
Por terem quase todos a mesma temática, a mostra ganha um discurso exageradamente retórico.
Lá, por exemplo, Minerva Cuevas apresenta um vídeo sobre manifestações de rua no México, Mohamed Bourquissa registra os imigrantes na periferia de Paris e Bernard Bazile é visto num filme sobre protestos de rua, também na França.
Ou seja, há um forte enfoque político na mostra, mas a repetição enfraquece o tema.
No entanto, isso não ocorre no Kunst-Werke, onde a Bienal de Berlim nasceu. De maneira audaciosa, a curadora deixa que o jovem Petrit Halilaj, 24, subverta totalmente a arquitetura do local, a partir da obra "Elas Têm Sorte em Serem Galinhas Burguesas", transformando o KW num galinheiro.
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OPINIÃO
FSP 06/07
Fumar tornou-se hábito primitivo e sem lugar no século 21
Acendo um cigarro. É horrível o aroma que ele exala. São infernais os males que produz.
Por favor, não fume. Fumar é hábito primitivo, sem lugar no século 21.
O fumante é um sujeito arcaico, um órfão ridículo dos romantismos modernos e das utopias malsãs, emparedado entre duas épocas.
Acabou a época em que fumar ajudava a viver a vida, feita de misérias incontornáveis, confrontos ideológicos sangrentos e paixões inúteis.
Vejo a foto dos soldados fumando no front inútil da Guerra de 1914, quando o hábito do cigarro se espalhou como peste. Vejo Faulkner e Kerouac, com o cigarro à boca, na inútil tarefa de fazer a literatura abarcar o mundo.
Era um tempo de urgências, pois a vida não valia grande coisa e não compensava medi-la na extensão, mas sim na intensidade dos atos, das palavras e das lutas.
Fumar significava suspender o tempo e criar um intervalo de bonança. Ou acelerar o tempo e sonhar, entre tragadas, que o futuro se precipitava sobre o presente, soprando revoluções.
Agora, fumar é anacronismo. Vivemos na melhor das épocas: os remédios corrigem os desesperos, as ideologias só propagam felicidades, a liberdade é problema da saúde pública. Fomos todos maravilhosamente "pervertidos pelo conforto", como previu Rimbaud.
Acendo um cigarro.
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OPINIÃO LITERATURA
Piva deixa obra marcada pela provocação
FSP 06/07
Poesia belicosa do escritor paulistano, morto no último sábado, se declara pela "violência" contra a "lógica"
Em momentos assim, quando fica claro que tudo é um haver da morte, me ocorre dizer publicamente o quanto me sinto grato a Roberto Piva por me ter dado a chance de editar a sua obra, ainda longe do reconhecimento devido.
Até agora, incluindo o que escrevi sobre ela, foram apenas arranhões na grandeza da sua poesia.
Os seus livros, vistos em conjunto, parecem resultar de três surtos produtivos. O primeiro, alimentado pela intertextualidade com os beats e a poesia modernista, inclui "Paranóia" (1963) e "Piazzas" (1964).
O segundo, de traços psicodélicos e experimentais, reúne o melhor da obra de Piva: "Abra os Olhos e Diga Ah!" (1975), "Coxas" (1979), "20 Poemas com Brócoli" (1981) e "Quizumba" (1983).
O terceiro se refere ao período recente, iniciático e mais convencional, constituído por "Ciclones" (1997) e "Estranhos Sinais de Saturno" (2008).
A forma livre do seu verso pode ser associada ao ditirambo dionisíaco: sem regularidades métricas ou rima, tudo se submetendo ao jorro de ritmos exaltatórios e declamativos, que celebram a alegria de viver, os transportes da mesa, o tesão do corpo.
Ainda comum a toda a obra de Piva é o esquema de oposições. Alguns críticos viram nisso sinal de limitação. Não é o caso.
A produção insólita de contrastes e as identificações surpreendentes que decorrem deles desmontam qualquer maniqueísmo e abrem o verso para uma impressionante liberdade semântica. Geram exatamente o que há de mais histriônico, teatral, contundente e arrebatador nos poemas.
PEÇAS DE XADREZ
Assim, "crepúsculo" e "aurora", "maconha" e "licor", "box" e "tênis" tornam-se peças de um xadrez gramatical de escolhas urgentes. D.H. Lawrence ou Valéry? Artaud ou Hegel? De Chirico ou Mondrian? Sade ou Eliot?
Piva elege os primeiros termos das oposições, onde também se alinham "Barrabás" (contra "Cristo"), "corpo" (versus "mente"), "gambás" ("cegonhas" jamais).
A sua poesia belicosa se declara pela "violência" contra a "lógica", pelas "baterias" contra os "violões", em favor do "ânus" contra a "vagina". E justamente porque não há ecumenismo, nem oposições óbvias, os poemas ganham caráter explosivo de manifesto, provocação e nonsense.
Nesse jogo extremo, o leitor está nu: não há lugares comuns que habilitem estratégias de legibilidade. O poema solicita uma experiência real de incompreensão, desamparo, de descolamento dos clichês, os quais, fingindo tudo comunicar, apenas celebram a mediocridade e naturalizam os interditos.
O procedimento empreendido por Piva, muitas vezes simplificado como surrealista, é básico em toda experiência poética radical: despojar-se dos sentidos, para acumular energia suficiente para a percepção de outros sentidos, que rompam brutalmente a inércia cognitiva.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp
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concursos
165 podem ir para a cadeia
Fonte: correioweb 06/07
PF deve pedir a prisão preventiva de acusados de fraudes. Hoje, mais 45 que fizeram provas para a Anac e a Abin prestarão depoimentos. Desses, 12 foram empossados
A Operação Tormenta, investigação que levou a Polícia Federal a identificar um profundo esquema de fraudes em concursos públicos, pode levar para atrás das grades os primeiros culpados. Ao concluir a fase de depoimentos dos envolvidos no escândalo — até agora, 165 pessoas —, a polícia admitiu que há indícios suficientes para que o delegado responsável pelo inquérito, Victor Hugo Rodrigues Alves, peça a prisão preventiva dos suspeitos de comandarem a máfia. Todos deverão responder por estelionato e receptação. Foram detectadas fraudes em pelo menos cinco seleções nacionais: Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Agência Brasileira de Investigação (Abin), Receita Federal(1), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e para a própria PF. As pessoas aprovadas e que tomaram posse perderão os cargos.
Estão marcados para hoje depoimentos de 45 suspeitos de irregularidades. Desses, 36 fizeram provas para a Anac, sendo que 11 tomaram posse — oito como analistas e três como técnicos. Uma dessas pessoas é irmã de um policial rodoviário federal, que desviou cadernos e gabaritos dos testes e já foi defenestrado do serviço público. Outros nove integrantes da máfia participaram do concurso da Abin, dos quais um assumiu como oficial de inteligência, ou seja, como “araponga”. Os dois certames que resultaram em uma nova fase de investigação da PF foram realizadas pelo Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe) da Universidade de Brasília (UnB).
Desencadeada há três semanas, a Operação Tormenta teve início em fevereiro, quando a PF detectou indícios de que 53 candidatos se infiltraram na própria corporação após pagarem até R$ 180 mil para terem acesso às respostas. Na ocasião, as autoridades prenderam 12 pessoas — entre eles o dono de uma universidade em São Paulo e um policial rodoviário federal responsável por fazer o transporte das provas. No entanto, o que deveria ser um corte na própria carne se revelou um dos maiores esquemas já desbaratados no país com alvo em concursos públicos.
Segundo o delegado responsável pelo caso, a quadrilha atuava há pelo menos 16 anos no país. Em 1994, o grupo deu início ao esquema atuando no conturbado concurso para a Receita Federal, em que 41 pessoas envolvidas no esquema teriam sido aprovadas. A prova foi questionada na Justiça Federal e os concorrentes tiveram ganho de causa. O resultado da seleção seria homologado exatamente uma semana depois que a PF divulgou a Operação Tormenta.
Assim, todos os candidatos aprovados ficaram impossibilitados de receber os salários retroativos a 1994. “Isso daria um prejuízo de R$ 123 milhões aos cofres público”, ressaltou, durante a divulgação da operação, o diretor de Inteligência da PF, Marcos David Salém. A investigação apurou também que a quadrilha fornecia documentos falsos como diplomas a um custo de R$ 30 mil para que os candidatos se tornassem aptos a disputar determinadas seleções.
O diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, afirmou que nenhum concurso público será cancelado devido às fraudes. De acordo com ele, os processos de seleção não precisariam ser suspensos porque todos os fraudadores foram afastados, o que garante a legalidade do concurso. Segundo Corrêa, a intenção da PF é justamente apontar as falhas dos concursos públicos para que os órgãos competentes repensem o atual modelo de seleção.
Silêncio
Até o fechamento desta edição, as instituições organizadoras e os órgãos envolvidos mantiveram silêncio sobre as investigações da Polícia Federal.
A Anac, que fez concurso em 2009, informou, por meio da assessoria de imprensa, desconhecer as fraudes detectadas e que os problemas na seleção para o órgão “poderiam ser melhor respondidos pelo Cespe, entidade contratada para fazer a seleção”. O Cespe, por sua vez, alegou, também por meio da assessoria de imprensa, não haver sido notificado oficialmente sobre as irregularidades detectadas pela polícia e, portanto, não ter condições de comentar sobre a investigação. O mesmo discurso foi apresentado pela Agência Brasileira de Inteligência, que realizou concurso em 2008.
Desde o início da Operação Tormenta, 12 concursos já foram investigados. Desses, 10 foram organizados pelo Cespe, um pela Escola de Administração Fazendária (Esaf) e um pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Até o momento, cinco tiveram irregularidades confirmadas, mas a PF não identificou ligações das fraudes com as empresas contratadas para fazer as seleções. No mês passado, o Cespe chegou a responder que o transporte dos malotes lacrados com os cadernos de questões era feito pela própria empresa e com acompanhamento dos coordenadores de aplicação de prova da organizadora, que são servidores da UnB.
O argumento do Cespe, na ocasião, foi o de que o desvio das provas da PF e da OAB teria ocorrido “nas dependências da Polícia Rodoviária Federal e não no momento do transporte”. As investigações colocaram em discussão as fragilidades do sistema de aplicação de provas para concursos públicos. O ponto fraco da organização está no transporte dos cadernos de provas, momento em que ocorre o desvio dos documentos.
1 - Na Receita, propina maior
Os candidatos a vagas de auditor da Receita Federal, carreira com um dos mais altos salários entre os servidores públicos do país, pagavam até R$ 270 mil à máfia dos concursos para ter acesso as respostas dos cadernos de provas.
Quadrilha desbaratada
A origem
O responsável por encabeçar todo o sistema de fraude pagava propina às pessoas com acesso às provas. Depois, revendia as cópias dos cadernos aos clientes por meio de distribuidores
O desvio
Mediante pagamento, uma pessoa responsável pela segurança e com acesso aos cadernos de questões fazia o desvio das provas um dia antes da realização do exame
Os vendedores
Depois de receber as cópias das provas do líder da quadrilha, os distribuidores as revendiam diretamente para os candidatos ou para aliciadores
Os aliciadores
Esses eram os responsáveis por negociar as provas com os candidatos. Com o esquema já montado, acertavam com os “clientes” e garantiam que o pagamento fosse realizado
O mercado
Confirmado o esquema para uma determinada seleção, os vendedores e aliciadores saíam em busca de candidatos inscritos que desejassem comprar o caderno de perguntas antecipadamente
Os falsificadores
Responsáveis por falsificar diplomas e certificados para candidatos que não contavam com a formação necessária para concorrer para determinada vaga em concurso
Os especialistas
Até professores estariam envolvidos no esquema e muitos deles deram aulas em cursos preparatórios. Ficavam responsáveis por resolver as questões copiadas no caderno de perguntas
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