domingo, 18 de julho de 2010

DRAUZIO VARELLA

FSP 17/07

Depois da cheia As águas baixaram tão depressa como subiram, mas já não havia o que recuperar

O PIOR está por vir. Fiquei com essa certeza depois de visitar as cidades inundadas pelo rio Mundaú, em Alagoas.
O Mundaú corre entre as montanhas que um dia abrigaram o quilombo de Zumbi, paisagem que enche os olhos de beleza. Várias cidades foram construídas no vale à beira do rio, como reza a tradição brasileira. Plantações de cana e de laranja, um pouco de gado e nada mais; riqueza de alguns, pobreza e desemprego universal.
Um homem que tem a sorte de conseguir trabalho na colheita de laranjas nesta época do ano ganha R$ 40 por semana. Sai mais barato do que um escravo do século 18, com casa e comida por conta do fazendeiro.
No meio de junho choveu sem parar. No dia 18, as águas subiram ameaçadoras; mulheres, homens e as crianças graúdas se apressaram em levar os pertences para as partes mais altas das casas.
Entretidos nessa operação, de repente perceberam que desta vez a cheia não era como as anteriores: em cinco minutos as águas chegaram até a cintura. Não houve tempo para nada, só lhes restou agarrar os filhos e as pessoas de idade e fugir.
Poucos minutos mais, um tsunami passou por cima de tudo transformando ruas inteiras em montes de tijolos, ferros retorcidos, postes derrubados, árvores e coqueiros arrancados pela raiz.
Saíram com a roupa do corpo. Nem documentos levaram.
As águas baixaram tão depressa como subiram, mas já não havia o que recuperar: 19 cidades estavam arrasadas; 80 mil pessoas ficaram sem ter para onde ir. Com os encanamentos destruídos, as ruas cobertas de lama se transformaram em esgoto a céu aberto, e a água potável desapareceu. Começaram os saques e os roubos; instalou-se o caos.
Aqueles com parentes e amigos em áreas mais seguras puderam ser acolhidos, ainda que de forma precária. Os demais foram encaminhados para igrejas, escolas e os poucos prédios públicos que resistiram à enxurrada.
Chegou o Exército para impor ordem, controlar a distribuição das doações e ajudar com máquinas a retirada do entulho. A Defesa Civil tratou de garantir o suprimento de água, alimentar e abrigar os que haviam perdido tudo. Os bombeiros do Rio de Janeiro montaram um hospital de campanha em Santana do Mundaú. O Ministério da Saúde tomou as primeiras providências para atender a população. A ajuda não tardou, mas foi insuficiente.
Semana passada, quando cheguei à região com uma equipe da TV Globo para chamar a atenção sobre as epidemias que se disseminam depois das enchentes, fiquei chocado: ao vivo, a devastação era mil vezes mais assombrosa do que as imagens dos telejornais. O drama humano, mais grave ainda.
Sem ter para onde ir, as pessoas perambulavam pelo que restou das ruas. Alguns cavocavam os escombros à procura de algum objeto utilizável, enquanto outros formavam fila nos centros de distribuição de alimentos e agasalhos.
Em Murici, cidade situada a 48 km de Maceió, a situação em que se encontram os desabrigados ilustra o despreparo das autoridades e a falta de solidariedade humana com que tratamos tragédias desse tipo em nosso país.
A maior parte dos que ficaram sem casa foi alojada em quatro galpões recém-construídos à beira da estrada que liga a Maceió. Para chegar a eles é preciso atravessar uma área enlameada, com lixo amontoado à espera de recolhimento, cachorros imundos e crianças brincando com os pés atolados no lodo contaminado.
Em cada galpão espremem-se cerca de cinquenta famílias, que delimitam seu espaço com lençóis, cobertores velhos e pedaços de cortinas. No interior desses cubículos, pessoas saudáveis, doentes e um mundo de crianças dormem amontoadas em colchões doados e camas imprestáveis.
Para as cinquenta famílias, apenas dois banheiros em condições indescritíveis, sem água corrente. Para dar a descarga, é preciso ir buscá-la com um balde nas caixas d'água dispostas na beira da estrada, abastecidas por caminhões-pipa.
No interior dos galpões, o cheiro azedo que adquirem as aglomerações humanas em ambientes mal ventilados.
Já vi essa cena e senti o mesmo cheiro nas celas apinhadas da antiga Casa de Detenção. Com a diferença de que no Carandiru as cortinas delimitavam o espaço individual de cada ladrão, enquanto em Murici abrigam famílias inteiras, com cinco ou seis crianças.

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Brasil respeitado pelas nações

MOHSEN SHATERZADEH

Fsp 18/07

A Declaração de Teerã foi o ponto de partida para um desenvolvimento nas relações internacionais e é um ponto culminante em sua história

O ato do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) no sentido de aprovar uma resolução contra a República Islâmica do Irã foi precipitado, forçado pelas potências dominadoras e não foi tomado em um consenso nesse conselho.
De outra forma, essa ação demonstra também que foi uma precipitação dos Estados Unidos da América, com as suas preocupações de não serem capazes de alcançar um consenso nesse conselho, sobretudo após a assinatura da Declaração de Teerã.
Não foram considerados todos os esforços positivos dos grandes países, como Brasil e Turquia, para se conseguir concluir a Declaração de Teerã, para a troca de combustíveis nucleares, cuja construtiva tentativa foi baseada no respeito aos direitos das nações e na sinceridade.
O Brasil e a Turquia, com seus votos valiosos contra a resolução da ONU, demonstraram sua determinação sobre os princípios da defesa e da conservação dos direitos humanos, respeito aos direitos legítimos das nações, enfrentando a injustiça e a opressão.
Sendo assim, exaltaram sua dignidade e respeitabilidade com as outras nações. Hoje, o Brasil, mais do em que qualquer outro momento, é respeitado pelas outras nações no mundo e considerado como pioneiro e protagonista dentre os países do Sul no caminho da defesa dos direitos das outras nações independentes e na mudança da ordem mundial injusta e dominadora.
Hoje, o Brasil é o centro das atenções das outras nações injustiçadas, com o seu voto corajoso e valioso tornando-se uma referência na nova ordem mundial. O povo brasileiro deve se orgulhar por esse papel importante do Brasil nessa nova ordem mundial e valorizá-lo.
O voto contrário do Brasil e da Turquia à resolução por sanções à República Islâmica do Irã nas Nações Unidas chocou os poderes vitoriosos da 2ª Guerra Mundial. Habilidade dos três países, a República Islâmica do Irã, Brasil e Turquia, na aplicação de uma diplomacia forte, cujo resultado saiu na Declaração de Teerã, foi um dos motivos pelos quais alguns membros permanentes do Conselho de Segurança aprovaram a resolução pelas sanções.
Isso foi feito por negociações a portas fechadas, sem a presença de outros membros não permanentes, muito rapidamente e de modo não transparente, atrapalhando esse novo movimento traçado por poderes emergentes e evitando as consequências da Declaração de Teerã.
A Declaração de Teerã, como um mapa da rota, foi mais um passo positivo por parte da República Islâmica do Irã no sentido de continuar o diálogo e as conversas entre as nações e Estados para estabelecer paz e tranquilidade no mundo, demonstrando forte determinação de Teerã para a interação e a cooperação com os países no mundo.
O Conselho de Segurança da ONU, num jogo de portas fechadas, aprovou uma resolução contra as atividades nucleares para fins pacíficos do Irã. Mas parece muito evidente e claro aquilo que eles, como os países credores da 2ª Guerra Mundial, querem esconder e desviar da atenção da opinião pública mundial.
Alguns membros permanentes desse conselho, sobretudo os Estados Unidos da América, tentam monopolizar importantes assuntos internacionais nos campos de segurança, comércio mundial e até criando vantagens para as suas empresas multinacionais. Sendo assim, evitam e não autorizam qualquer país a entrar nesses campos específicos nas relações internacionais.
Aquilo que ocorreu em Teerã, muito sumariamente, foi um diálogo consistente, sincero, baseado no respeito, na justiça e na seriedade, que durou quase 18 horas, para chegarmos a um entendimento que os Estados Unidos da América e seus aliados, durante meses, não foram capazes de alcançar.
O diálogo, a interação e o respeito, na arena da segurança internacional, são instrumentos inevitáveis e que, daqui em diante, não se pode mais esperar dos poderes dominadores.
Eles próprios são os elementos da insegurança no mundo e, por isso, o expressivo surgimento de grandes países como o Brasil, a Turquia e a República Islâmica do Irã nessa cena, o que foi demonstrado pela Declaração de Teerã, tornou-se um alerta a esses poderes dominadores, sobretudo os EUA. A Declaração de Teerã foi o ponto de partida para um desenvolvimento nas relações internacionais e um ponto culminante em sua história.
No futuro, a história fará dela uma benemérita referência.
A relevante presença dos países em desenvolvimento na cena dos outros assuntos mundiais certamente dirimirá a tentativa de alguns membros permanentes do Conselho de Segurança no sentido de manipulá-lo e de monopolizar o campo da segurança mundial.
O Brasil e a Turquia, ao contribuírem com um ato cujo resultado foi a Declaração de Teerã, estão entrando nos campos tradicionalmente pertencentes aos poderes dominadores. Isso justificará, de certa forma, as preocupações dos Estados Unidos da América e de outros membros permanentes do Conselho de Segurança.
Eles se preocupam com a interferência dos países independentes e emergentes em campos sensíveis como a questão da segurança mundial, que até o atual momento pertenciam aos países com direito de veto. Essa interferência, por sua vez, isolará cada vez mais esses países dominadores e expressivamente aumentará o papel de outros grandes países, como o Brasil.
O que aconteceu com a Declaração de Teerã foi a entrada oficial dos países emergentes nas decisões nas relações internacionais. Essa conquista foi mais significativa do que entrar no Conselho de Segurança como membro permanente.
As autoridades estadunidenses, nos últimos meses, enfatizaram bastante que a condição para entrar no Conselho de Segurança como membro permanente seria a submissão e a aprovação de todos os pontos de vista das potências desse conselho, considerando a soberania no voto como um valor negativo para os países candidatos a integrá-lo.
Hoje em dia, sem dúvida, a opinião pública mundial está mais atenta ao Brasil e aos seus líderes determinados, independentes e populares; os países com direito a veto, especialmente os EUA, são obrigados a aceitar esse novo e forte papel desses países, como o Brasil e a Turquia.
O mundo atual está testemunhando a criação de um cenário em que, de um lado, há os países possuidores de armas nucleares e membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU com direito a veto (considere isso como um privilégio a eles); do outro lado, os demais países que estão contra essa estrutura injusta, cujo manifesto pleno foi a assinatura da Declaração de Teerã. A história registrará o colapso desses dominadores e a submissão ao voto das pessoas de livre pensamento.

MOHSEN SHATERZADEH é o embaixador da República Islâmica do Irã no Brasil.

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