sexta-feira, 2 de julho de 2010

Supremo dá liminar a senador "ficha suja"

Decisão autoriza candidatura de Heráclito Fortes (DEM), condenado pelo TJ-PI por "conduta lesiva ao patrimônio público"

FSP 02/07

Gilmar Mendes entende que, como o caso já está em análise no Supremo, condenação não pode prejudicar o político



Pela primeira vez, o STF (Supremo Tribunal Federal) proferiu uma decisão que suspendeu os efeitos da Lei da Ficha Limpa em relação a um candidato que possui, em sua ficha criminal, uma condenação por colegiado (mais de um juiz).
O beneficiado é o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), que já foi condenado em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Piauí por "conduta lesiva ao patrimônio público" quando era prefeito de Teresina (1989-1993).
Ele, porém, recorreu da decisão ao Supremo. O caso começou a ser analisado pela 2ª Turma do tribunal no fim de 2009, mas foi paralisado por um pedido de vista do atual presidente Cezar Peluso.
O senador, então, entrou com um pedido para suspender sua condenação até que o julgamento termine, sob o argumento de que ele poderia ter seu registro eleitoral negado agora, mas ser absolvido pelo Supremo depois.
A lei prevê a inelegibilidade de políticos condenados por um colegiado, mas permite que recorram e obtenham recurso suspensivo. Fortes teme ser enquadrado.
Ontem, o ministro do STF Gilmar Mendes acolheu o pedido ao entender que, como o caso já está em andamento, a condenação não pode prejudicar o senador, que tentará a reeleição.
Mendes decidiu suspender a condenação de Fortes, livrando-o, momentaneamente, da inelegibilidade. "A urgência da pretensão cautelar parece evidente, ante a proximidade do término do prazo para o registro das candidaturas", disse o ministro.
A decisão de Mendes vale até que o STF termine de julgar o recurso do senador.
Conforme a lei, fica inelegível por oito anos a partir da punição o político condenado por crimes eleitorais (compra de votos, fraude, falsificação de documento público), lavagem e ocultação de bens, improbidade administrativa, entre outros.
Também ontem, o ex-deputado estadual Carlos Gratz (PSL-ES) entrou com uma reclamação no STF pedindo a inconstitucionalidade da lei. Com ao menos duas condenações por colegiado, ele deve ficar inelegível.
A ação foi distribuída para a ministra Cármen Lúcia. Se o tribunal concordar, a decisão valerá apenas para ele.
Gratz argumenta que a lei contraria o entendimento do STF, que considerou, em 2008, que só pode ficar inelegível aquele que tiver contra si uma condenação sem possibilidade de recurso.

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A lei que trava a ciência brasileira

RUBENS NAVES

FSP 02/07

É bem possível que outra invenção gerada no Brasil seja engavetada, até que empresa estrangeira nos venda tratamento similar


A capacidade criativa da ciência nacional pode beneficiar os brasileiros de forma mais profunda que qualquer conquista esportiva, mas está praticamente impedida de competir. Por isso, nestes dias em que tanto discutimos nossos talentos, vale a pena olhar além dos gramados africanos.
Tomemos o exemplo de um novo tratamento de lesões nas articulações com a utilização de células-tronco, aperfeiçoado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tão comuns no futebol, lesões no joelho e tornozelo estão entre as que poderão ser curadas por essa técnica, desde que ela se mostre viável, segura e eficaz ao longo de um processo de aprimoramento tecnológico e testes clínicos.
Esse processo demanda investimentos consideráveis e sujeitos a riscos, uma vez que nessa atividade, como no esporte, não há garantia de sucesso. É aí, na hora em que precisam fazer parcerias para desenvolver e comercializar invenções, que nossas equipes de ciência e tecnologia se deparam com "regras de jogo" desfavoráveis. O alvo principal do novo tratamento é o grande contingente de brasileiros que sofrem com problemas articulares. O sistema público de saúde é, portanto, seu grande comprador potencial.
Ocorre que o tratamento vem sendo desenvolvido por uma pequena empresa incubada no Polo de Biotecnologia do Rio de Janeiro (Bio-Rio), e a legislação de compras e contratações públicas, em especial a lei nº 8.666/93, faz exigências que, na prática, quase sempre eliminam a possibilidade de pequenas empresas vencerem licitações.
É bem possível, portanto, que mais uma invenção gerada no Brasil seja engavetada, até que uma grande empresa estrangeira nos venda um tratamento similar registrado em países onde a legislação mais estimula a inovação.
A exigência de pregões, nos quais o único critério de escolha é o menor preço, ou de licitações burocráticas e morosas trava o setor de ciência e tecnologia, que demanda flexibilidade, agilidade e critérios específicos. Nos casos em que a lei autoriza a dispensa da licitação, a interpretação restritiva dos órgãos de controle desestimula ou impede o uso da exceção legal.
Para transformar essa situação, um grupo liderado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências, do qual tive a honra de participar, elaborou proposta simples, mas de grande impacto. Trata-se de autorizar as instituições de ciência e tecnologia e as agências de fomento a realizar suas compras, contratações e parcerias com base em regulamento próprio.
A proposta libera os agentes da inovação das amarras da lei nº 8.666/93, preservando a atuação dos órgãos de controle; concede maior autonomia em troca de mais transparência e prestação de contas.
Se transformada em lei, a proposta, apresentada na 4ª Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação, permitirá que o potencial inventivo da ciência nacional sirva efetivamente ao desenvolvimento do país. Uma meta que merece torcida e apoio de todos nós.

RUBENS NAVES, 67, advogado, é professor licenciado da Faculdade de Direito da PUC/SP. Foi presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente de 2002 a 2006.

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Custos da burocracia

FSP 02/08

Estudo da Fiesp quantifica os prejuízos calamitosos causados ao país por excesso de normas tributárias e velhos entraves cartoriais

Manicômio tributário: a expressão, utilizada por um especialista em direito administrativo, não soa exagerada para caracterizar um país em que convivem 63 tributos diferentes, regidos por um conjunto de normas que, nos últimos 20 anos, tem sofrido a média de 34 alterações por dia.
"O que acaba ocorrendo", diz o professor Carlos Ari Sundfeld, da Fundação Getúlio Vargas, "é um parasitismo nosso, dos advogados, para se aproveitar dessa confusão". O parasitismo, para utilizar o mesmo termo, replica-se na própria estrutura do poder público, criando camadas e mais camadas de funcionários encarregados de zelar pela observância -ou de facilitar a desconsideração- das regras que produzem sem cessar.
A dimensão dos custos com burocracia no Brasil foi quantificada em recente estudo da Fiesp. São R$ 46,3 bilhões por ano, mais do que todos os gastos com saneamento básico previstos no PAC 2 para os próximos quatro anos.
Num cálculo mais dramático, pode-se dizer que o prejuízo anual devido à fúria dos regulamentos públicos é aproximadamente mil vezes maior do que o total dos gastos emergenciais provocados pela recente calamidade das enchentes no Nordeste.
Desses R$ 46,3 bilhões, quase a metade (R$ 20 bilhões) corresponde ao que se perde com o tsunami tributário. Mas o pesadelo se estende, como é notório, para as incontáveis autorizações, alvarás, processos e impedimentos que, do mero registro de uma empresa familiar até fabulosas obras governamentais, emperram qualquer iniciativa econômica e colocam o Brasil entre os países mais burocráticos do mundo.
Segundo o Banco Mundial, a terra do "jeitinho" e dos bacharéis está na 129ª posição, entre os 183 países pesquisados.
Não se trata apenas da herança cultural ibérica, ou de alguma cisão entre a mentalidade, digamos, latina e a tradição anglo-saxônica. Portugal e Itália, apesar do folclore que possa cercá-los, situam-se em muito melhor colocação nesse levantamento.
Outras circunstâncias, como o desdobramento administrativo nas esferas municipal, estadual e federal, ou a própria importância do investimento estatal na economia do país, contribuem para solidificar tal situação.
O mais perverso é que todo mecanismo burocrático, de qualquer modo, sempre aparenta ter alguma razão para existir; no mínimo, destina-se a sobrepor um novo controle sobre a ineficiência dos que o precediam.
Grandes doses de ousadia, portanto, e mesmo de voluntarismo, seriam necessárias para que alguma liderança política decidisse adotar uma agenda transformadora nessa questão.
Por diferentes motivos, o perfil dos principais candidatos à Presidência não parece corresponder a esse desafio -o que torna ainda mais oportuno o estudo da Fiesp agora divulgado.
Tanto a reforma tributária quanto uma reforma ainda maior do próprio Estado dependem de esforços de mobilização e pressão que não dizem respeito apenas às entidades empresariais, mas aos interesses de toda a população.

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