domingo, 4 de julho de 2010

ENTREVISTA/FLÁVIO CARNEIRO

Fonte: o popular 04/07

'O escritor sonha seu leitor'

Escritor premiado, o goiano Flávio Carneiro revela os segredos de quando está do outro lado desse diálogo entre criador e público. Em O Leitor Fingido, o autor fala de suas referências e de como encara a leitura sob a ótica de seu ofício.

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O poeta é um fingidor. O leitor também?

Sim. Quando Fernando Pessoa, no poema já famoso, associa o poeta ao fingidor, está se referindo à capacidade do poeta de imaginar sobre o que é real (chega a fingir que é dor a dor que deveras sente), de lidar com o artifício (a arte) e ao mesmo tempo com a vida de cada dia. O leitor também vive nesse entrelugar. Quando lê é levado a imaginar e muitas vezes a viver de novo - sempre de modo diferente - coisas que já viveu e que agora retornaram, pela mágica literatura.

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Em seu novo livro, você afirma que o leitor é um enigma. O autor tem como decifrá-lo?

O autor, enquanto escreve, convive com um leitor virtual, um leitor que não é de carne e osso. O escritor precisa desse fantasma para poder escrever, é ele que o guia. Depois do livro pronto, vem oleitor real, que vai pegar o livro, vai gostar ou não, vai criar suas próprias interpretações. O primeiro leitor, o escritor consegue decifrar, caso contrário não conseguirá escrever uma linha. Mas o outro, o real, esse não, esse é pura incógnita.

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Não dá ciúmes ao autor quando o leitor inventa algo inimaginável para quem escreveu?

Depende. Se esse algo inimaginável tiver a ver com a história, se for de fato uma leitura criativa e não um delírio do leitor, o escritor não tem por que sentir ciúme, pelo contrário, deve se sentir realizado por ter conseguido despertar em alguém o desejo de ser inventivo.

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Citando Umberto Eco, você pontua que o século passado mostrou haver uma relação dialógica forte entre texto e leitor. Mas essa relação pode ocorrer se o "leitor" não consegue "ler"?

Essa relação não aconteceu só no século passado; acontece desde sempre, desde que se criou o primeiro texto e que este foi lido. Sobre a outra questão, é importante sim que o leitor esteja preparado. E essa preparação nem sempre é de natureza intelectual, embora isso também ajude bastante. O leitor precisa estar preparado para dialogar com o texto, para desconfiar dele e, sobretudo, criar junto com ele. O leitor que não consegue ler não é apenas aquele que não consegue decodificar o texto, mas aquele que quer tudo de mão beijada, aquele que quer ser "doutrinado" pelo texto. Aí não há diálogo.

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Em seu livro, você fala de Jorge Luis Borges, Edgar Allan Poe, Clarice Lispector. Como não se perder em, para continuar citando Umberto Eco, "bosques da ficção" tão densos?

Não há como se perder. Foram autores que fui lendo vida afora, em épocas diferentes, com desejos diferentes e há lugar para todos, sem problemas.

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Você acredita na "arte de não ler"?

No livro eu falo disso, da arte de não ler. Aí eu pretendia, sobretudo, desmontar esse mito de que o bom leitor é o que lê tudo. Não, não é. O bom leitor precisa saber escolher. Assim como o escritor não pode escrever tudo, já que seu ofício é muito mais de cortar do que o de acrescentar - quem se lança a escrever tudo é bem provável que não consiga escrever nada -, também o leitor deve exercitar o corte, até porque a vida é curta e os livros são muitos.

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Ler é paixão, hábito, prática, vocação?

Tudo isso junto. E mais alguma coisa que não saberia definir.

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Como você avalia o leitor da internet, que muitas vezes não tem a prática da leitura fora dela? A rede mundial de computadores ameniza ou agrava o problema do analfabetismo funcional?

Esse é um tema complexo, que não dá para analisar aqui. O que posso dizer, muito rapidamente, é que a internet oferece ao leitor a diversidade, como nunca foi oferecida antes. Mas oferece também a mesmice, na mesma proporção. Cabe ao leitor, como disse, saber escolher o que ler. E essa escolha implica o risco, o perigo. Acho que o leitor que lê apenas na rede e não vê interesse nenhum fora dela está buscando não a diversidade, mas a mesmice, a segurança de estar entre pares. A leitura não é isso, é uma aventura que pede coragem, ousadia, como a de, por exemplo, trocar um dia diante do monitor por uma tarde na biblioteca.

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O escritor é hoje muito mais confrontado pelo leitor do que antes, sobretudo em ambientes digitais. Isso é bom ou é ruim? É inspirador ou intimidador?

Não sei se concordo que ele seja mais confrontado. Houve várias épocas de confronto, sobretudo quando se tratava de questões morais. Quantos escritores foram confrontados por leitores indignados com um personagem, uma cena que consideravam ofensivos, imorais? Hoje ele é confrontado virtualmente, mas houve épocas em que isso era cara a cara. O confronto - ou, melhor dizendo, o encontro - não é em si bom ou ruim. Pode ser maravilhoso quando você encontra leitores que realmente leram seus livros e estão querendo conversar sobre eles. E pode ser uma chatice sem tamanho se o leitor quiser falar mais dele mesmo do que de literatura.

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O leitor sonha o mundo construído pelo autor. E o autor, ele sonha o leitor que irá lê-lo?

Sim, o escritor escreve movido por uma imagem do leitor. O escritor sonha seu leitor. E o leitor sonhado (ou fingido) é a garantia de que o leitor vai chegar ao final do seu livro.

Interpretação e superinterpretação

"Para a leitura, o texto nunca é outro, ele é múltiplo." O teórico Tzvetan Todorov sinaliza dessa forma o papel que o leitor deve desempenhar na apreensão de uma obra literária. O pensador Roland Barthes, por sua vez, adverte que a escrita "é a parte privada do ritual, ergue-se a partir das profundezas míticas do escritor, e se expande para fora de sua responsabilidade."

Portanto, a obra, para fazer referência a um terceiro autor que se debruçou sobre o assunto, Umberto Eco, é aberta por natureza, vulnerável a toda sorte de interpretações e compreensões. Mas o mesmo Eco, no famoso trabalho Interpretação e Superinterpretação, salienta que o leitor deve seguir "o caminho do texto", o que equivale a dizer que para tudo há limites, até para a leitura.

O que se visualiza é uma equação delicada. O não cerceamento da leitura precisa se adequar aos sentidos mais básicos do texto. Caso isso não seja observado, há o risco de o enunciado ser totalmente distorcido e o que era criação por parte do leitor passa a ser mera destruição da obra. Marcel Proust, no pequeno e influente ensaio Sobre a Leitura, admite que a tendência do leitor é querer que o autor lhe dê todas as respostas, mas ele reconhece que, caso isso ocorresse, a magia da literatura se esvairia. Para Proust, o papel do escritor é "dar-nos desejo". O teórico russo Mikhail Bakhtin aponta a "inconclusibilidade" como característica das obras de Dostoiévski, Rabelais e Goethe, o que lhes conferem maior valor literário. Uma inconclusão que cabe ao leitor resolver.

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ARTES VISUAIS
Brasilienses indicados ao Prêmio Pipa

Correioweb 04/07

Gê Orthof e Milton Marques foram selecionados em uma lista de 101 artistas que concorrerão a R$ 100 mil e bolsa de residência no exterior

Gê Orthof e Milton Marques pouco sabem sobre o Prêmio Pipa. Ouviram falar e leram a respeito em alguns jornais, mas surpresos ficaram mesmo quando descobriram estarem entre os 101 artistas indicados para concorrer ao prêmio de R$ 100 mil e a uma bolsa de residência no exterior. Organizado pelo Investidor Profissional, empresa administradora de fundos de investimento, e pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), o prêmio é o maior do país para artes plásticas e foi criado para mapear talentos em todas as regiões brasileiras. “Um dos objetivos do Pipa é incentivar a arte. No Brasil é difícil viver de arte e muitos dos artistas primeiro fazem uma carreira profissional para depois se dedicar à arte” explica Roberto Vinhaes, sócio da Investidor Profissional.

Um júri formado por 32 pessoas — entre artistas, galeristas, críticos e historiadores espalhados por todo o país — indicou até cinco nomes. Do total de 101 indicados, apenas os quatro mais votados vão integrar a lista de finalistas que participam de exposição no MAM/RJ entre setembro e novembro. Até lá, um júri de premiação ficará responsável por escolher o vencedor e um júri popular vai indicar o ganhador de prêmio de R$ 20 mil.

Como a intenção era apostar em artistas promissores ainda pouco conhecidos no circuito, mas reconhecidos por especialistas, a lista de 101 indicados gerou polêmica por incluir veteranos reconhecidos internacionalmente como José Bechara e Eduardo Frota. “Entre os indicados há vários estágios de reconhecimento”, avisa Vinhaes. “E o que quer dizer reconhecido? O barato é levantar essa discussão. Outra coisa é a dispersão, isso pode levar a vários pontos de vista relevantes.” A lista incluiu artistas de todas as regiões brasileiras, detalhe necessário para confirmar a intenção do Pipa de descentralizar as escolhas entre Rio de Janeiro e São Paulo.

Gê Orthof ficou surpreso com a indicação. “Para mim é super bacana, seu nome entra na roda. A indicação já é um prêmio, especialmente não estando no Rio nem em São Paulo. Acho que eles realmente olharam para o país inteiro”, acredita. Professor do Instituto de Artes Visuais da Universidade de Brasília (UnB), Orthof costuma realizar mais exposições no exterior do que no Rio e em São Paulo. Este ano, o artista tem mostras agendadas em Houston e Berlim. Em Brasília, Orthof está em duas mostras. Em Brasília: síntese das artes (Centro Cultural Banco do Brasil), o trabalho Son(H)adores propõe uma metáfora sobre sonhos e utopias, e em O poder não pode, criado para a coletiva Cidade imaginária (Galeria Marcantonio Vilaça), uma instalação questiona o visitante sobre as barreiras do poder público.

Para Milton Marques, cujas engenhocas já estiveram expostas na Bienal do Mercosul e na Bienal de Artes de São Paulo, a indicação para o Pipa não provocou surpresa nem curiosidade. “É só uma indicação, não espero muita coisa, não crio expectativa. O que tem gerado preocupação são os trabalhos que tenho desenvolvido. Não tenho espírito competitivo e prêmio é uma coisa meio de ego”, diz Marques. “Ando meio desiludido, a arte fica muito dentro de um métier, o artista vive isolado. E as pessoas têm cada vez menos interesse em arte. Achei que a indicação para o prêmio fosse pegadinha.”

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A sedução das livrarias

Com a economia em alta, a leitura entra no dia a dia do brasileiro. Grandes e pequenas lojas fazem de tudo para atrair clientes

Correioweb.com.br

Dez anos depois do surgimento das primeiras megastores, frequentar livrarias virou hábito de boa parte da população brasiliense. Com um mix sedutor nas prateleiras — músicas, filmes, atrações culturais e gastronômicas —, as gigantes atraíram uma boa parcela das classes A e B, ajudando a alavancar a leitura de livros no Brasil, que na última década passou de 1,8 livro ao ano para 3,7 livros. “As livrarias têm papel preponderante no crescimento do índice de leitura no país, mas estão muito concentradas nos grandes centros”, alerta Rosely Boschini, presidenta da Câmara Brasileira do Livro.

A oferta do mix música-livros-filmes começou na década de 1990, inspirada em um modelo americano para atrair clientes. As livrarias passaram a oferecer CDs, DVDs, cafés expressos, palestras e peças teatrais. Também não se esqueceram do público infantil, para quem existe internet, contadores de histórias e até pequenos shows de rock.

Espalhadas pelas grandes cidades, as gigantes esvaziaram as pequenas e tradicionais livrarias de quadras e bairros, levando parte delas à falência — principalmente as que não acompanharam as mudanças no mercado. No entanto, o conceito de livrarias cheias de atrativos também foi diretamente responsável pela reestruturação, pela modernização e pela sobrevivência de muitas outras de pequeno e médio portes.

“Quem não mudou, morreu. Nós nos recriamos”, afirma Cida Caldas, coproprietária do Sebinho, da 406 Norte. Cida ampliou a loja, passando a oferecer CDs, DVDs e HQs usados, e incorporou um espaço gastronômico, com internet, além de café ao ar livre. “Hoje temos novos clientes, gente que vem aqui trabalhar, e os antigos estão mais satisfeitos. Financeiramente, a mudança também foi positiva em relação à venda de livros”, diz.

Outra livraria brasiliense que reciclou após a entrada das megalivrarias foi a Dom Quixote. Ao perceber que o mercado para as distribuidoras estava ficando reduzido, Márcio Castagnaro, 39 anos, decidiu diversificar seu negócio, abrindo lojas em pontos estratégicos da cidade. Deu certo. Nos últimos 10 anos, a empresa inaugurou seis filiais na cidade (entre elas, no aeroporto, na rodoviária e no Centro Cultural Banco do Brasil), trabalhando principalmente com livros de edições mais acessíveis e revistas. “Hoje, só não lê quem não quer”, destaca.

Impulsionada pelos bons números da economia e pela ampliação dos produtos oferecidos, as livrarias foram sendo incorporadas ao programa do brasiliense. “Em nossas lojas, o maior gasto médio por pessoa é do cliente de Brasília”, confirma Pedro Herz, dono da Livraria Cultura (rede com 11 lojas em todo o país, todas em shoppings).

A família do administrador Luciano Fonseca, 43 anos, é um exemplo da nova geração de frequentadores de livrarias na cidade. “Seria capaz de passar um dia inteiro aqui”, diz o carioca que lembra sem saudade do tempo em que ir a uma livraria não era prazeroso. “Era bem burocrático até”, diz. A esposa, Márcia Penna, 34 anos, também aproveita o acervo para conhecer novos livros de direito e legislação. “Bisbilhoto aqui, mas costumo comprar a maioria deles pela internet”, diz, reforçando uma tendência global.

Economia
Outra golias nesse mercado, com quase 100 lojas em todo o país (47 megastores), a Saraiva é um exemplo de empresa que cresceu alavancada pelo aumento de serviços oferecidos aos clientes. Pela internet, a empresa vende 12 mil livros por dia. Nos últimos cinco anos, as vendas aumentaram, em média, 36% ao ano. Um número expressivo e que demonstra que nunca o país esteve tão ligado às letras. Para Marcílio D’Armico, presidente da Saraiva, elas só tendem a crescer. “A economia vai bem, os livros estão mais baratos, o governo ampliou a compra e a distribuição de livros didáticos. Agora, é preciso investir na população, em como tornar a leitura um hábito”, avalia, retomando a questão para o investimento público em educação de base.

Um problema que também é lembrado pelo escritor e jornalista Galeno Amorim, diretor do Observatório do Livro e da Leitura, e coordenador da pesquisa nacional Retratos da Leitura no Brasil. “Mais gente está lendo, e também lendo mais. As grandes livrarias ajudaram nesse processo, mas principalmente entre as classes A, B. Ainda estão alijados dessa nova realidade 77 milhões de brasileiros, leitores de nenhum livro. Para esses — analfabetos e analfabetos funcionais — é necessário um investimento maciço em educação. É preciso acesso a bibliotecas e elas estão em estado precário, sucateadas, fechadas à noite e nos fins de semana”, aponta.

O número
15
Média/ano de livros lidos por um europeu


O número
3,7
Média do brasileiro


Perfil do leitor brasiliense

Consome mais livros de direito e legislação (voltados para concursos)

Gosta de best-sellers (literatura estrangeira)

Entre o público C e D, os religiosos e os de autoajuda têm maiores saídas

Compra mais nos fins de semana

De dia, o maior volume de compra se dá pela internet

No aeroporto, livros de bolso e revistas competem entre os mais vendidos

Em livrarias de centros culturais, livros de arte têm boa saída

Nas livrarias de quadra, os livros de catálogo sobre humanidades — sociologia, psicologia, filosofia, história e antropologia — são bem procurados

A literatura infantojuvenil também é bem comercializada na cidade e tende a crescer

Nos sebos tradicionais, as estrelas são os livros clássicos, os importados e os raros


Números na estante

77 milhões de brasileiros não leem livros

Dos livros lidos, 45% foram comprados em livrarias e 45% foram emprestados

43 milhões de brasileiros leem livros emprestados

22 milhões disseram ler porque ganharam livros de presente

18 milhões receberam livros gratuitos do governo

7 milhões baixaram livros da internet

(fonte: Pesquisa Retratos da Leitura)

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