Divina Rosa. Em seu 16º disco, a cantora, que já foi chamada de "João Gilberto de saias", recria o repertório de Elizeth Cardoso CORREIO BSB 04/12
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Rosa Passos estava na primeira infância, em 1958, quando Elizeth Cardoso gravou Canção do amor demais, o histórico LP, com músicas compostas por Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que deu origem à bossa nova. Três décadas na frente, depois de lançar Curare, o CD de estreia, a cantora, compositora e violonista baiana foi chamada de “João Gilberto de saias” pelo pesquisador, escritor e biógrafo Ruy Castro.
A bossa nova poderia ter sido um elo entre Rosa e o legado de Elizeth — a quem não chegou a conhecer pessoalmente. Embora seja uma referência para ela, não foi o que a levou a gravar É luxo só, CD no qual recria, em 10 faixas, parte do repertório da Divina (apelido carinhoso dado por Ary Barroso). A quem ouve o álbum, fica claro o porquê da homenagem a uma das mais importantes intérpretes da história da MPB.
“O que me levou a fazer esse disco foi minha admiração por uma artista versátil, por uma cantora de voz e interpretação personalíssimas, que passeou por todas as vertentes da música brasileira, deixando sua marca de forma indelével”, explica. “Vinda da era de ouro do rádio, ela chegou à bossa nova e mais tarde viria a gravar compositores contemporâneos, sempre com classe e brilhantismo”, elogia.
Em É luxo só, 16º disco de carreira, que acaba de ser lançado pela Biscoito Fino, Rosa buscou fugir da obviedade, representada por canções que levariam o ouvinte a imediatamente associá-las a Elizeth, por serem muito representativas na carreira dela. Para chegar ao repertório, pesquisou discos antigos e assistiu a alguns vídeos que recebeu de amigos, com gravações da homenageada. “Vi o vídeo do show Magnífica, que Elizeth fez no Rio de Janeiro, acompanhada só por Raphael Rabello. É uma relíquia. E tem um outro com a gravação do Bossaudade, programa que Elizeth fazia na TV Record, com a participação do Zimbo Trio”, conta.
É luxo só
CD de Rosa Passos, com produção executiva da cantora e arranjos de Lula Galvão. Lançamento Biscoito Fino, 10 faixas. Preço médio: R$ 29,90.
Uma única concessão foi feita: a gravação do samba que dá título ao álbum. “Sei que É luxo só é uma das músicas que mais identificam Elizeth, mas não resisti e a regravei, como já havia feito em Pano pra manga, CD de 1996. Mas agora ganhou outra leitura. E decidi usar como nome do novo álbum consciente de que seria algo a mais nesta homenagem, até por ser uma música feita para ela, por Ary Barroso”, justifica.
Sambas
Talvez até por gosto pessoal (de Rosa), sambas — em suas variações — predominam no repertório, aberto por Olhos verdes, de Vicente Paiva. De Cartola, ela gravou As rosas não falam e Acontece; de Noel Rosa, Último desejo e Três apitos. Marcam presença, também, Antônio Maria e Pernambuco (O amor e a rosa), Haroldo Barbosa e Luis Reis (Palhaçadas) e Zé Keti (Diz que fui por aí). Para complementar, há o registro da clássica Saia do meu caminho (Custódio Mesquita e Evaldo Rui).
Nesse trabalho, apadrinhado por Hermínio Bello de Carvalho e Sérgio Cabral, e dedicado ao neto Guilherme, Rosa teve ao seu lado o violonista Lula Galvão e o contrabaixista Jorge Helder, músicos que tocam com a cantora desde o início da trajetória dela. O outro integrante do trio, o baterista e percussionista Rafael Barata, também já a havia acompanhado em algumas oportunidades.
Lula Galvão assinou todos os arranjos. Rafael Barata ficou com a mixagem, enquanto Amaury Machado cuidou da masterização. As gravações foram feitas entre 1º e 5 de março, no estúdio Beco da Coruja, em Brasília, sob o comando dos técnicos André Togni e Léo Moreira. O artista plástico baiano César Romero ficou responsável pela capa, e Leonel Laterza, pela parte gráfica.
A série de shows de É luxo só vai começar por Brasília, logo depois do carnaval. As datas e o local já estão definidos: 2 e 3 de março, no Teatro Oi Brasília (Brasília Alvorada Hotel). “Quis, desta vez, estrear o show aqui na cidade. Lula estará comigo no palco, mas possivelmente não terei a companhia de Jorge Helder, que está em turnê com Chico Buarque”, adianta.
O que me levou a fazer esse disco foi minha admiração por uma artista versátil, por uma cantora de voz e interpretação personalíssimas, que passeou por todas as vertentes da música brasileira”
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Cartas de sonhos. Pesquisadora conta, por meio de correspondências da época, o lado não oficial da criação de Brasília CORREIO BSB 04/12
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Em 1959, o polonês Zygmut Matys, morando em Florianópolis, descreveu, em letra datilografada, a qualidade de seus serviços como mecânico e soldador. O senhor Matys informava que havia aprendido os ofícios em seu país e gostaria de colocá-los em prática na construção da nova capital. O pedido de um garoto baiano de 11 anos, então estudante do 1º ginasial, era mais simples. Antonio Pereira de Matos Júnior apenas gostaria de receber postais com os monumentos de Brasília para enviar a amigos de Buenos Aires, com quem se correspondia pelos correios.
Não se sabe se o pedido de Antonio foi atendido ou se o senhor Matys realmente trabalhou por aqui. Vindas de lugares extremos do Brasil, as duas mensagens endereçadas ao presidente Juscelino Kubitschek foram finalmente eternizadas no livro Brasília em 51 cartas, da pesquisadora e professora universitária Ivany Câmara Neiva. A publicação será lançada no dia 15, às 19h, na Livraria Dom Quixote (CCBB).
Os dois pedidos são fragmentos íntimos da história da construção da cidade fincada no meio do Planalto Central e inaugurada em 1960. “Eu convivi muito com a geração dos meus avós e eles escreviam muitas cartas. Eles participaram de uma comissão que veio encontrar o lugar para construir a capital. As histórias sobre a construção da cidade e as cartas que eles enviavam deram origem a esse projeto”, descreve Ivany.
Ainda na barriga da mãe, a pesquisadora foi destinatária de várias cartas enviadas por sua avó, Guiomar de Arruda Neiva, mandando notícias do interior de Goiás. “Queridíssima Ivany, ontem viajamos o dia inteiro. Saímos de Goiânia pelas 9 e pouco, paramos em Anápolis para almoçar e viemos a Planaltina numa estrada boazinha, através de cerrados, capoeiras, carrascais, etc. De vez em quando um regatinho atravessa a estrada. Chegamos aqui já noite. Um dia inteiro de automóvel cansa bastante. É verdade que a gente vai se lembrado de outros, os da comissão Cruls, que andaram tudo isso a cavalo, e vai suportando”, escreveu sobre as condições de viagem da Comissão Polly Coelho, em setembro de 1947.
Matéria-prima
O livro é divido em três tempos. Cinco cartas narram o período anterior à construção, depois são 41 mensagens de trabalhadores e mais cinco de Brasília nos anos 2000. Correspondências pessoais e as disponíveis para pesquisa no Arquivo Público do Distrito Federal foram a matéria-prima para o livro. “A curiosidade era saber o que as pessoas mais simples pensavam da construção da capital. O que era Brasília no imaginário delas?”, indaga.
Apenas um remetente é uma pessoa ilustre, bem conhecida dos brasileiros. Em um bilhete, o arquiteto Oscar Niemeyer presta contas do andamento dos trabalhos no Palácio do Planalto para o presidente JK. “O interesse era na história não oficial. Não é a epopeia da construção, mas o cotidiano das pessoas. Algumas a gente nem sabe se vieram realmente ou não”, diz a professora. Em cada carta, reside o desejo por um Brasil mais moderno ou simplesmente a esperança de poder fazer parte do nascimento da nova capital. Em bilhetes escritos por crianças, aparecem vontades mais prosaicas. “É claro que o presidente não lia tudo. Me disseram que ele tinha um prazer especial em ler as mensagens enviadas pelas crianças. Ele ria muito com elas”, revela a autora do livro.
Ivany tem feito oficinas pontuais para instigar as pessoas a escreverem cartas. Cada participante recebe um exemplar do livro de presente. A professora de 63 anos, amante de caligrafias, não tem exatamente preconceito contra as mensagens eletrônicas. O último paradigma tecnológico que ela mantém deverá ser quebrado em breve. A autora prometeu criar um perfil na rede social Facebook até o fim do ano. Já os que identificarem os autores das correspondências podem mandar um e-mail para brasilia51cartas@gmail.com. Ivany responde.
Trechos
» “As obras do governo de Vossa Excelência são uma bofetada sonora no rosto dos zoilos ladradofes, —referência de Nabuco, formulada contra críticos dos Lusíadas. O pálio protetor da providência reservou para o governo benemérito de Vossa Excelência tantas glórias que seria impossível adnumerá-las”
Jeronymo Leal Castro para Juscelino Kubitschek, em 3 de fevereiro de 1960
» “Brasília é uma cidade que nunca vai terminar. É uma cidade no meio. Estará sempre no meio do Brasil e da América Latina, no entre-sertão, e no meio do caminho. Você não faz ideia de como é isso aqui. O cerrado, isto é, o selvagem, se mistura com o plantado, isto é, o domesticado… Os homens dizendo construir uma cidade construíram um imenso jardim. Mistic garden.”
Gustavo de Castro para Irina, em 21 de junho de 2011
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CINEMA » A guerrilha de Panahi. Documentário clandestino Isto não é um filme revela o cotidiano do cineasta iraniano condenado a seis anos de prisão domiciliar no próprio apartamento por fazer críticas ao governo CORREIO BSB 04/12
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Cena de Isto não é um filme, de Jafar Panahi: resistência contra punição do governo iraniano gerou um filme contrabandeado num pen drive
É uma cena muito simples: na cozinha de casa, um homem toma o café da manhã enquanto fala ao celular. Uma câmera digital o encara — mas ele não desvia a atenção. A imagem, sem gracejo algum, deixa a impressão de ter sido roubada de um vídeo doméstico. Mas é nas conversas telefônicas que o cotidiano começa a se aproximar de uma obra estranha de ficção. O espectador logo descobre que aquele “ator” desgrenhado, sonolento, está detido no próprio apartamento, condenado a seis anos de prisão pelo governo do Irã. E que ele é o cineasta iraniano Jafar Panahi, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, por O círculo (2000), e da Câmera de Ouro em Cannes, por O balão branco (2005). Eis a trama, e a tragédia, de Isto não é um filme, um dos longas mais importantes de 2011.
O documentário clandestino, dirigido pelo próprio Panahi com Mojtaba Mirtahmasb, já começa a provocar espanto e admiração no Brasil. A reação é inevitável. Na 35ª Mostra de São Paulo, encerrada no início de novembro, lotou sessões e se tornou um dos prediletos dos cinéfilos. Na 4ª edição do Festival Internacional de Cinema de Paraty, que seguiu até 15 do mês passado, foi uma das atrações principais, e o momento mais esperado de uma retrospectiva da carreira de Panahi, 51 anos. Talvez seja a melhor obra do cineasta — sem dúvida alguma, é a mais corajosa. No Festival de Cannes deste ano, em que foi exibido em sessão especial, desembarcou num pen drive dentro de um bolo camuflado.
Desde dezembro de 2010, o diretor está proibido de fazer filmes, escrever roteiros, falar à imprensa e viajar ao exterior. A duração da punição, confirmada em outubro, é de 20 anos. Diante da câmera do amigo Mirtahmasb, o diretor trata a restrição com ironia — humor que mal disfarça a fúria do artista. “Não posso filmar, mas ninguém me proibiu de atuar. Neste filme, sou apenas um ator”, comenta, enquanto caminha de um cômodo a outro do apartamento. Em seguida, como quem arrisca um improviso, ele faz a leitura de um roteiro que foi vetado pelo governo de Mahmoud Ahmadinejad. As críticas ao atual presidente do Irã renderam a Panahi uma acusação por “ação e propaganda contra a República Islâmica”. Em março de 2011, foi detido por 88 dias. Fez greve de fome e recebeu o apoio de cineastas como Steven Spielberg e Francis Ford Coppola. Pouco depois, já em prisão domiciliar, resolveu se manifestar. E fez um filme. Melhor: um “não filme”.
Manifesto
Ao Festival de Cannes, em que a sessão de Isto não é um filme foi acompanhada pela esposa e pela filha do diretor, enviou uma mensagem de resistência. “A essência reveladora da arte ajuda o artista a vencer os problemas, mas também a transformar qualquer limitação em tema de trabalho artístico”, afirmou. A comunidade internacional protestou, sem efeito. Mas, na arte, seria possível negociar limitações políticas? Daí que, em certa altura do documentário, Panahi desiste de encenar o filme que não teve permissão para fazer e, inconformado, desabafa. “Contar um filme não é fazer um filme”, reclama. Depois, liga a tevê para comentar cenas de dois longas que dirigiu, O espelho (1997) e Ouro carmim (2003). No entanto, ainda não parece satisfeito.
A aparência do registro é caseira, mas as sutilezas da narrativa — e a força do comentário social — acenam para as artimanhas mais ferozes da trajetória de Panahi. Faz diferença, por exemplo, a escolha do dia em que o longa é filmado: quando estouram, nas ruas da cidade, os fogos de artifício de um protesto popular banida pelo governo. As manifestações acabam entrando pelas fissuras das paredes, dos planos. Quando finalmente decide descer de elevador e encontrar a “cena” exterior, Panahi encerra o filme com uma imagem literalmente incendiária. Com lançamento garantido nos Estados Unidos, Isto não é um filme está livre: e não será tratado, é claro, apenas como mais um filme.
ISTO NÃO É UM FILME
(In film nist, 75min, documentário, Irã). De Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb.
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Valores corporativos ditam o financiamento cultural. Cancelamento da exposição de Nan Goldin revela problemas de patrocínio incentivado. Exibição de obras de arte está sujeita a critérios como identificação do projeto com a marca do financiador FOLHA SP 04/12
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Quase um ano depois de aprovar em edital uma mostra da artista Nan Goldin, o centro cultural Oi Futuro, no Rio, cancelou a exposição na semana passada, faltando um mês para a abertura.
A alegação foi de que as imagens de crianças diante de atos sexuais que integram a obra da norte-americana iam contra a orientação dos programas educativos da Oi.
A curadora da mostra, Lígia Canongia, classificou a decisão como "arbitrária e prepotente". O episódio causou estardalhaço no meio artístico e revelou que a arte, cada vez mais produzida e exibida graças a leis de incentivo, pode estar a serviço de valores corporativos.
Exposições realizadas em endereços como Oi Futuro, Caixa Cultural e Centro Cultural Banco do Brasil passam por um longo e complexo sistema de seleção que leva em conta a visibilidade que podem trazer para a marca patrocinadora e os valores defendidos por essas empresas.
"Um projeto, mesmo que tenha tino cultural, pode ferir o pensamento dos meus clientes", diz Gerson Bordignon, gerente de planejamento da Caixa Cultural, que destina R$ 30 milhões por ano a projetos artísticos. "Tomo cuidado para não chocar."
Em julho, a Caixa Econômica impediu a exibição, no Rio, de "A Serbian Film", com cenas de pedofilia e estupro, mesmo tendo aprovado o patrocínio para o festival em que o longa seria exibido.
"Esse filme divulga a degradação do ser humano", diz Bordignon. "Não queríamos a nossa marca atrelada a isso. Temos clientes aposentados, conservadores."
No caso do Centro Cultural Banco do Brasil, o conteúdo de uma exposição é conhecido em alguns casos até um ano antes de sua realização.
"Todas as propostas são lidas e avaliadas de acordo com o nosso eixo temático", afirma Rogério Campos, gerente de planejamento do CCBB paulistano. "Passamos tudo para a diretoria de marketing, que ratifica se esse projeto atende ou não à identidade do Branco do Brasil."
Mas nada impede que obras aceitas numa primeira análise sejam deixadas de lado mais adiante. No CCBB do Rio, um desenho de um pênis com terços -da artista Márcia X- foi retirado pela direção do banco há cinco anos, depois de uma onda de reclamações de visitantes.
Essa mesma obra havia sido exposta em São Paulo, mas não agradou no Rio. "Foi uma atitude absurda e lamentável", lembra Tadeu Chiarelli, curador daquela mostra. "Sempre pode emergir um puritanismo discutível."
A respeito do episódio, José do Nascimento Júnior, presidente do Instituto Brasileiro de Museus, diz ser preciso estudar sanções para empresas "que usam recursos públicos e praticam censura".
"Temos de pensar com esse viés: a lei [Rouanet] já determina que o julgamento do projeto seja técnico, e não estético", diz ele. "Uma empresa que aprova algo e depois recua não ajuda no financiamento cultural nem no pensamento sobre arte."
Moacir dos Anjos, curador da última Bienal de São Paulo, vê aí um possível "acovardamento" da instituição, que se recusa a exibir obras que "fogem aos valores do público ou de seus acionistas".
"Estão em jogo os valores morais das empresas", diz Dos Anjos. "É preciso repensar essa questão e não sujeitar a produção e a circulação de obras de arte a esses interesses e ao moralismo que domina decisões corporativas."
Na Fiat, por exemplo, empresa que patrocina a Bienal de São Paulo, esses valores são "italianidade e relevância". Qualquer vínculo com a Itália ou obra de um artista já consagrado no panteão das artes visuais tem mais chances de abocanhar parte dos R$ 15 milhões que a empresa destina por ano à cultura.
"Buscamos mais do que um retorno imediato de imagem", diz Marco Antônio Lage, da Fiat. "Definimos uma plataforma de atuação para dar acesso às artes visuais.">>>
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Empresas buscam a simpatia do consumidor, e não o debate sobre arte FOLHA SP 04/12
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A obra de Nan Goldin recusada pelo Oi Futuro, "Ballad of Sexual Dependency" (balada da dependência sexual, em inglês), é uma espécie de "A Última Ceia" (1495-1497) -a obra-prima de Leonardo da Vinci- do século 20.
Criada em 1979, a instalação multimídia "Ballad" retrata marginalizados que, assim como Jesus e seus apóstolos, confraternizam, confrontando-se com uma sociedade que os exclui.
Mas não é só no conteúdo a semelhança. A instalação de Goldin é uma referência fundamental na produção contemporânea, ao posicionar o artista no mesmo nível que o seu objeto, abrindo uma nova perspectiva para o modo de criação.
O que, portanto, levaria uma instituição cultural a retirar obra com tamanha significação de seu programa de exposições?
O fato é que esse gesto aponta que não é a arte que interessa efetivamente a essa ala de instituições regidas pelo marketing corporativo, como o Oi Futuro.
A elas, em geral atuando sob as bênçãos das leis de incentivo à cultura, interessa sa simpatia do consumidor -de preferência introduzido nesses espaços ainda na infância, por meio de programas educativos.
Proibir a exibição de "Ballad" poucas semanas antes da abertura da exposição é apenas a ponta de um iceberg. Muitas outras mostras já foram descartadas simplesmente por abordar conteúdos que não agradariam ao programa de educação de jovens consumidores que a instituição organiza.
Afinal, fixar uma marca nas mentes infantis não é uma ótima estratégia publicitária?
A questão é que não se trata de uma decisão isolada: é só recordar o veto do Centro Cultural Banco do Brasil carioca, em 2006, à obra "Desenhando em Terços", da artista Márcia X. Alvo de ação de uma instituição religiosa, ela foi descartada antes de qualquer decisão judicial.
Atitudes como essa costumam ser tomadas por burocratas mais comprometidos com os valores e princípios da empresa que patrocina o espaço do que com a arte.
E aí está outro dos problemas das leis de incentivo, que delegam às empresas o poder de decidir sobre a exibição de conteúdos culturais.
Não são especialistas em arte, mas gerentes administrativos dessas corporações os maiores responsáveis pela agenda de eventos artísticos do país.
Isso porque, como se sabe, os museus brasileiros, públicos ou privados, têm um orçamento muito aquém daqueles reservados a instituições como um Itaú Cultural -que, durante a mais recente Copa do Mundo, cobriu o prédio de sua sede paulistana com um jogo de luzes tão feérico quanto o que enfeitava as agências do banco.
Por tudo isso, a nova lei de incentivo à cultura, em tramitação no Congresso Nacional, precisaria rever os mecanismos de repasse de verbas a essas instituições, que não hesitam em colocar o marketing acima da arte.
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Preconceito cultural. Cruz e Souza e Machado de Assis foram herdeiros de tendências europeias; não se pode afirmar que faziam 'literatura negra' FOLHA SP 04/12
De alguns anos para cá, passou-se a falar em literatura negra brasileira para definir uma literatura escrita por negros ou mulatos. Tenho dúvidas da pertinência de uma tal designação. E me lembrei de que, no campo das artes plásticas, em começos do século 20, falava-se de escultura negra, mas, creio eu, de maneira apropriada.
Naquele momento, a arte europeia questionava o caráter imitativo da linguagem plástica e descobria que as formas têm expressão autônoma, independentemente do que representem, ou seja, não é necessário que uma escultura imite um corpo de mulher para ter expressão estética, para ser arte.
As esculturas africanas, trazidas para a Europa pelos antropólogos, eram tão "modernas" quanto as dos artistas europeus de vanguarda, já que fugiam a qualquer imitação anatômica. Foram chamadas de arte negra não apenas porque as pessoas que as faziam eram da raça negra e, sim, porque constituíam uma expressão própria a sua cultura.
Não é o caso da literatura. A contribuição do negro à cultura brasileira é inestimável, a tal ponto que falar de contribuição é pouco, uma vez que ela é constitutiva dessa cultura.
O Brasil não seria o país que o mundo conhece -e que nós amamos- sem a música que tem, sem a dança que tem, criada em grande parte pelos negros.
Ninguém hoje pode imaginar este país sem os desfiles de escolas de samba, sem a dança de suas passistas, o ritmo de sua bateria, a beleza e euforia que fascinam o mundo inteiro.
Uma parte dessas manifestações artísticas é também dos brancos, mas constituem, no seu conjunto, uma expressão nova no mundo, nascida da fusão dos muitos elementos de nossa civilização mestiça.
Certamente, os estudiosos reconhecem que, sem o negro e sua criatividade, seu modo próprio de encarar a vida e mudá-la em festa e beleza, não seríamos quem somos. Mas teria sentido, agora, pretender separar, no samba, na dança, no Carnaval, o que é negro do que não é? E já imaginou se, diante disso, surgissem outros para definir, em nosso samba, o que é branco e o que é negro?
E, em função disso, se iniciasse uma disputa para saber quem mais contribuiu, se Pixinguinha ou Tom Jobim, se Ataulfo Alves ou Noel Rosa, se Cartola ou Chico Buarque?
Felizmente, isso não vai acontecer, mesmo porque, nesse terreno, ninguém se preocupa em distinguir música negra de música branca. O que há é música brasileira.
Mas, infelizmente, na literatura, essa descriminação começa a surgir. Não acredito que vá muito longe, uma vez que é destituída de fundamento, mas, de qualquer maneira, contribuirá para criar confusão.
Falar de literatura brasileira negra não tem cabimento. Os negros, que para cá vieram na condição de escravos, não tinham literatura, já que essa manifestação não fazia parte de sua cultura.
Consequentemente, foi aqui que tomaram conhecimento dela e, com os anos, passaram a cultivá-la.
Se é verdade que, nas condições daquele Brasil atrasado de então, a vasta maioria dos escravos nem sequer aprendia a ler -e não só eles, como também quase o povo todo-, com o passar dos séculos e as mudanças na sociedade brasileira, alguns de seus descendentes, não apenas aprenderam a ler como também se tornaram grandes escritores, tal é o caso de Cruz e Souza, Machado de Assis e Lima Barreto, para ficarmos nos mais célebres.
Cruz e Souza era negro; Machado de Assis, mulato, mas tanto um quanto outro foram herdeiros de tendências literárias europeias, fazendo delas veículo de seu modo particular de sentir e expressar a vida. Não se pode, portanto, afirmar que faziam "literatura negra" por terem negra ou parda a cor da pele.
Pode ser que os que falam em literatura negra pretendam valorizar a contribuição do negro à literatura brasileira. A intenção é boa, mas causa estranheza, já que o Brasil inteiro reconhece Machado de Assis como o maior escritor brasileiro de todos os tempos, Pelé como um gênio do futebol e Pixinguinha, um gênio da música.
Contra toda evidência, afirmam que só quando se formar no Brasil um grande público afrodescendente os escritores negros serão reconhecidos, como se só quem é negro tivesse isenção para gostar de literatura escrita por negros. Dizer isso ou é tolice ou má-fé.
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Com moradores, arquitetas mudam a cara das favelas. Mineira e suíça coordenam projetos urbanísticos da Prefeitura de São Paulo para reformular espaços. O trabalho de Fabienne é pensar em como eles serão no futuro e o de Teresa, cuidar para que medidas saiam do papel .
Uma é mineira com mestrado em gestão das águas na prestigiada universidade Sorbonne, na França.
A outra é suíça, já trabalhou na Holanda, na Alemanha e na Espanha, onde integrou a equipe do cultuado escritório Herzog & De Meuron. FOLHA SP 04/12
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Arquitetas com currículos invejáveis, as duas são os rostos por trás da mudança de cara das favelas paulistanas.
A brasileira Maria Teresa Diniz veio antes. No começo de 2005, com 25 anos, seu currículo chegou, por meio de amigos, à Sehab (Secretaria Municipal da Habitação), da Prefeitura de São Paulo.
Foi assim que ela começou a coordenar os projetos da prefeitura na favela de Paraisópolis, a segunda maior da cidade, com 50% de rede de água e 16% de coleta de esgoto. Hoje, há água legalizada para 85% dos moradores e esgoto para 75% deles.
Enquanto se embrenha pelas vielas da favela, dá ordens aos engenheiros das empreiteiras sobre o que fazer, quais são as prioridades e os prazos a cumprir. Em um ponto, explica como quer a calçada. Em outro, manda retirar o entulho de imóveis demolidos sobre um córrego.
Mas nada do que faz sai apenas da sua cabeça. Tudo é debatido com a comunidade. "Os moradores dizem o que querem e o que não querem e nós vamos ajustando."
"Eu vi Paraisópolis se transformar", diz, orgulhosa do trabalho de sete anos.
Agora, além de amassar barro sob sol (do qual se protege com óculos Dolce & Gabanna) ou sob chuva nas vielas de Paraisópolis, ela coordena os trabalhos dos 52 escritórios de arquitetura brasileiros e estrangeiros que fazem projetos de transformação das favelas paulistanas que atingem 174 mil famílias.
PESSOAS
Já Fabienne Houelzel foi chamada para fazer um projeto urbanístico para a região chamada Gleba São Francisco, no distrito de São Rafael, no extremo leste da cidade, onde moram 50 mil pessoas.
Fez mais nesses dois anos em São Paulo: criou uma equipe de urbanismo na Sehab, que hoje faz projetos para outras duas áreas -Paraisópolis e Cabuçu de Cima (zona norte)- e começa em janeiro a projetar mais duas.
Nunca havia trabalhado com favelas. Hoje, conhece cada pedacinho das áreas que projeta. E não se acanha na discussão com os líderes comunitários.
"As pessoas brigam. Mas é assim mesmo, o bairro é construído pelas pessoas", diz, num bom português.
Ao redor da maquete do projeto no São Francisco, explica cada detalhe do que será feito e do que não será feito porque a comunidade não quis. Como a remoção do campo do 1º de Maio.
Ela explica a principal diferença entre o Brasil e a Europa, onde havia trabalhado: "na Europa, o planejamento vem primeiro, depois vem a infraestrutura e só depois vêm as pessoas. Aqui, primeiro vêm as pessoas".
O trabalho de Fabienne é pensar em como serão as favelas em 20, 30 anos. O de Maria Teresa é cuidar para que isso não fique no papel.
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EDUCAÇÃO » Ensino superior cresce em ritmo frenético
Segundo o censo do IBGE, o DF é a unidade da Federação com o maior percentual de moradores que já cursaram uma universidade. Nos últimos 10 anos, a quantidade de pessoas com pelo menos uma graduação cresceu 146%. O total de matriculados dobrou CORREIO BSB 05/12
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A balconista Ednalva da Silva conquistou o sonho de chegar à universidade: Me sinto realizada
Chegar à faculdade sempre pareceu um sonho impossível para a balconista Ednalva Pereira da Silva, 35 anos. Mãe de duas crianças, a moradora de Ceilândia priorizou a educação dos filhos e deixou de lado a vontade de prestar vestibular para direito. Mas no ano passado, com a vida financeira estabilizada, ela decidiu que era a hora de realizar o desejo. “Me sinto realizada. Quando me formar, quero fazer concurso e virar delegada da Polícia Federal”, conta a funcionária de uma farmácia e estudante de direito. Assim como Ednalva, milhares de brasilienses venceram dificuldades e conseguiram uma vaga na universidade. As estatísticas confirmam o fenômeno. O número de pessoas que chegaram à faculdade e concluíram a graduação cresceu 146% na última década.
A dona de casa Ozaneide Estevão prestou vestibular para psicologia para dar o exemplo aos filhos
Hoje, na capital federal, 17,4% dos moradores com mais de 10 anos têm nível superior. O Distrito Federal é a unidade da Federação com o maior percentual de habitantes nessa faixa que concluíram o ensino superior. Isso representa mais da metade da média brasileira. Em todo o país, 8,3% dos moradores têm uma graduação. Em São Paulo, que ocupa o segundo lugar no ranking, 11,6% terminaram o curso em uma faculdade. Os dados são do censo, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo o levantamento, realizado em 2010, 381.333 brasilienses têm formação universitária. No estudo anterior, realizado em 2000, eram 154.943 pessoas com tal grau de instrução no Distrito Federal. Além disso, 162.474 entrevistados declararam aos pesquisadores que frequentavam uma universidade no ano passado. Ou seja, a tendência é de que o total de habitantes com nível superior cresça ainda mais rapidamente nos próximos anos.
Os fatores que explicam isso são variados. Contribuíram para esse fenômeno a criação de programas do Ministério da Educação, como o de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), criado em 2003 para ampliar o acesso à educação superior. Na Universidade de Brasília (UnB), o número de estudantes saltou de 17.123 em 2000 para 30.157 — um crescimento de 76% na última década.
A decana de Ensino de Graduação da UnB, Márcia Abrahão, explica que o aumento do número de vagas na instituição está ligado principalmente à criação dos câmpus de Planaltina, do Gama e de Ceilândia. Mas ela afirma que a expansão da universidade conseguiu manter a qualidade do ensino. “Ao mesmo tempo em que houve aumento de vagas, a UnB contratou docentes e técnicos. Hoje, 85% do nosso corpo docente é formado por doutores”, comenta Márcia.
Ela conta que, além dos novos câmpus, a instituição oferece 5 mil vagas de ensino de graduação a distância, o que contribuiu para o crescimento de 76% no número de matrículas. Mas Márcia reconhece que a quantidade de vagas na única federal de Brasília ainda é pequena em comparação com a demanda. “Houve expansão, mas ainda estamos longe da meta do Plano Nacional de Educação. Esperamos que haja a continuidade dos programas do governo para atingirmos a meta”, finaliza a decana da UnB.
Apesar do crescimento de estudantes da UnB, foi a expansão da rede privada que impulsionou as estatísticas no Distrito Federal. Há duas décadas, havia seis instituições particulares na capital federal. Hoje, são 83 em funcionamento. O aumento da renda do brasiliense, especialmente entre as classes C e D, também ajuda a melhorar os dados. São pessoas que no passado jamais sonhariam em cursar uma universidade e hoje conseguem pagar a mensalidade de um curso superior.
Ozaneide Maria Estevão, 38 anos, era uma dona de casa do Setor P Norte, em Ceilândia, sem grandes perspectivas profissionais. Em 2010, ela decidiu mudar a vida radicalmente e prestou vestibular para psicologia. “Isso seria impossível há uns 10 anos, porque não teria dinheiro para pagar uma faculdade. Mas os meus filhos já estão maiores e resolvi fazer esse sacrifício financeiro para começar uma carreira. Quero dar o exemplo para eles”, justifica a mulher, que sonha em atuar no ramo da psicologia jurídica.
Bolsas
Outro projeto que contribuiu para o ingresso de muitos brasileiros na faculdade foi o Programa Universidade para Todos (Prouni), que concede bolsas integrais ou parciais em universidades privadas. Em contrapartida, as instituições de ensino recebem isenção de tributos. Só no Distrito Federal, 24.927 pessoas foram beneficiadas pela iniciativa desde 2005. Em 2011, o governo federal concedeu bolsa a 6.305 brasilienses, número 4% superior ao registrado em 2010 e 165% maior do que o total de benefícios liberados em 2005.
Atualmente, 13.663 estudantes recebem bolsa do Ministério da Educação.
Aqueles sem condições de pagar a integralidade das mensalidades na rede particular também podem recorrer ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), programa do Ministério da Educação. Os juros de 3,4% ao ano, muito inferiores aos cobrados por bancos, são um estímulo aos alunos que sonham com um diploma. No DF, foram firmados 2.467 contratos de financiamento neste ano. Em 2010, houve 911 beneficiados — um aumento de 170%.
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URBANISMO » Feira da Torre já ganha puxadinhos
A instalação de toldos nos boxes é criticada pelo governo e abre polêmica entre os feirantes. Os artesãos alegam que o recurso protege os clientes do sol e da chuva. Correio Web 05.12
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Em alguns conjuntos de bancas, os feirantes decidiram por padronizar o avanço da cobertura. Em outros, os toldos têm cores diferentes
Aos poucos a nova Feira da Torre de TV perde as características do projeto original. Para proteger os clientes e os produtos do sol e da chuva, boa parte dos artesãos decidiu se unir e instalar toldos em frente aos boxes. Alguns optaram pela padronização e colocaram coberturas da mesma cor do estande, mas outros colocaram tendas e lonas de cores diferentes. Com a medida, os feirantes aproveitaram o espaço maior para expor a mercadoria e colocaram as peças do lado de fora dos boxes, no local de passagem dos frequentadores. A iniciativa provoca polêmica entre os feirantes e é considerada ilegal pelo governo.
Os artesãos discutiram qual a medida mais adequada para se proteger do sol e da chuva. Eles alegaram que após a colocação da cobertura, os clientes voltaram a aparecer. “Sem isso o freguês não aparece”, argumentou um feirante que preferiu não se identificar. A feirante Nonata Barbosa, 45 anos, moradora de Sobradinho, faz parte do grupo que optou por colocar a cobertura. Ela contou que os artesãos do mesmo bloco se juntaram e decidiram padronizar o espaço. “Na minha banca, o sol batia até na parede dos fundos. Os clientes entravam aqui e reclamavam do calor”, contou. Nonata disse que os donos dos boxes tiraram dinheiro do próprio bolso para pagar a cobertura. “Está bem melhor e os clientes não têm mais queixa”, afirmou.
A artesã Angela Luiza Trancoso Muniz, 62 anos, moradora da Asa Norte, optou por não colocar o toldo no boxe. Para ela, a estrutura deveria ter sido prevista no projeto original. “Assim, ficaríamos protegidos e não deixaríamos de respeitar o patrimônio.” Angela acredita que a falta de uma cobertura não atrapalha a ida de clientes à Feira da Torre de TV. “O nosso freguês vem de qualquer jeito. Sem contar que prefiro a luminosidade natural e o vento fresco, a chuva não me incomoda nem o sol”, disse. A artesã afirmou que vem sofrendo pressão de outros colegas para colocar o toldo.
Padronização
Na tarde de ontem, o professor Ralf Dantas, 50 anos, morador de Samambaia, visitou pela primeira vez a Feira da Torre de TV e gostou do que viu. Ele passeou com a namorada, a professora Valdirene Santos, 36 anos, moradora de Ceilândia, e aprovou o novo espaço, mas com ressalvas. “O local precisava de uma revitalização, estava bastante deteriorado, fiquei satisfeito. Não sou contra a colocação de toldos, mas é preciso haver uma padronização prevista em projeto”, sugeriu. Para ele, a associação deve se mobilizar para tornar a feira cada vez mais atraente para o público, mas não pode se esquecer de alguns detalhes como a acessibilidade. “É importante ter uma cobertura para os clientes, mas não dá para colocar os produtos e a gente ficar sem espaço para passar”, sugeriu.
O chefe da Unidade de Serviços Públicos da Coordenadoria das Cidades, Pasem Asad, explicou que técnicos da Companhia Urbanizadora da Capital (Novacap) elaboraram um projeto que prevê a cobertura dos boxes e da praça de alimentação e o paisagismo da feira. “Não queremos cometer o mesmo erro da gestão passada, que apresentou um projeto aos artesãos e executou outro. Levamos a nossa proposta aos feirantes, mas eles recusaram e a estamos refazendo”, explicou. Quantos aos toldos, Pasem afirmou que eles são irregulares, mas a Coordenadoria vai agir com cautela para não prejudicar as atividades na feira. A equipe do Correio procurou a Associação de Artesãos, Artistas Plásticos e Manipuladores da Feira da Torre de Televisão (AFTTV), mas não obteve retorno.
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Política cultural. Promessas ao vento
Vários projetos de espaços culturais prometidos na cidade não saíram do papel . O POPULAR/GO 04.12
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A falta de conservação não é o único problema dos espaços culturais. Muitos espaços prometidos nem chegam a sair do papel. Ou pelo menos demoram muito para sair. O caso de maior evidência atualmente é o Complexo Casa de Vidro, anunciado em 2008 pela prefeitura para ser construído no Jardim Goiás. Fruto de uma emenda ao Orçamento da União da deputada federal goiana Iris de Araujo (PMDB), o centro ficou na promessa por dois anos até que no ano passado o prefeito Paulo Garcia autorizou, em 21 de dezembro, o início das obras.
A promessa era de que em cerca de 10 meses o centro estaria pronto, "antes do Natal", como chegou a afirmar na ocasião o secretário municipal de Infraestrutura, Leodante Cardoso Neto. A 27 dias do fim de 2011, no entanto, nem sinal de obra. De acordo com Seinfra, ela foi adiada. A reportagem entrou em contato com o gabinete do secretário para saber exatamente o que aconteceu. Até o fechamento desta edição, não obteve retorno ao pedido de entrevista.
A Casa de Vidro não é um caso único. Muitos projetos de espaços culturais e de lazer já foram anunciados na cidade, mas simplesmente morreram. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os projetos engavetados do Museu da Imagem e do Som Municipal, previsto para Campinas, e o do Auto Cine Canoeiro, local para shows e exibições de filmes ao ar livre, adaptado em um antigo drive-in no Setor Santa Genoveva. Ambos foram propostos em 2002, mas nunca saíram do papel.
Já do Estado, uma das famosas promessas que há anos vem sendo adiada é o projeto da Vila Cultural, planejada para circundar o Teatro Goiânia. O projeto, cujo anúncio se deu há seis anos, faz parte do pacotes de intenções para ajudar na revitalização do Centro da capital. Há cerca de dois anos a área chegou a ser isolada para o início da obra, mas ela pouco rendeu. Em julho passado, enfim, o governo estadual relançou as obras, atualmente em andamento. A promessa é de que fiquem prontas até maio de 2012.
FOLHA SP 05.12
CLÁUDIO L. N. GUIMARÃES DOS SANTOS. A incultura totalitária. A internet só é útil para quem dela se serve com inteligência e discernimento; empregada com más intenções, ela pode levar ao oposto da liberdade. FOLHA SP 05.12
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No conto "A Hora e Vez de Augusto Matraga", Guimarães Rosa nos fala de um homem perdido pelas veredas da vida, mas que, no dia da sua morte, imprime à própria história um sentido que jamais tivera.
Quantos de nós, quando chegar o momento, conseguirão fazer o mesmo? Trata-se, sem dúvida, de questão crucial, pois, como seres semióticos, não nos é dado viver sem perseguir significados -muito menos sem sermos por eles perseguidos.
Assediados por informações redundantes, a maioria dos humanos pós-modernos a elas reagem de maneira catastrófica: ora absorvem as notícias como se fossem parasitas, alimentando-se de "bits" que já chegam digeridos, ora engolem, sem critério, toneladas de conteúdos, para depois sofrerem de pantagruélica indigestão.
A internet é um caso exemplar. Por meio dela -creem os fiéis mais ardorosos- seria possível transmitir ao cidadão informações não distorcidas pelo "filtro pernicioso" da imprensa e também elevar o nível cultural do povo (há mesmo visionários que já sonham com democracias plebiscitárias, onde as questões relevantes seriam decididas, "de casa mesmo", pelo tamborilar obediente de milhões de dedos operosos no teclado místico da pátria).
Será isso verdade?
Não creio. A internet só é útil para os que dela se servem com inteligência e discernimento e que sabem, de antemão, o que desejam encontrar. Graças a ela, por exemplo, o amante de música pode ter rápido acesso a gravações diferentes da sua obra predileta.
Um indivíduo, porém, que não tiver recebido uma boa educação musical -com professores vocacionados, competentes e bem pagos-, dificilmente optará por ouvir a "Grande Fuga", de Beethoven ou "As Rosas não Falam", de Cartola, ignorando até que existam. Ele preferirá se divertir com algum lixo midiático que lhe tiver sido inculcado de maneira sorrateira.
De nada lhe servirá a hipertextualidade da internet, com as suas infinitas possibilidades semânticas, que é tão incensada por "ciberfilósofos" iludidos com o fetiche da técnica. O mais das vezes, navegará pelas rotas congestionadas "por onde vai todo mundo", reafirmando o gregarismo acrítico que marca esta época em que avultam a solidão coletiva e a servidão voluntária.
É por isso que a internet, se empregada com más intenções, pode levar ao oposto da liberdade e conduzir, pela ladeira do populismo conformista, ao pântano dos regimes totalitários.
Neste mundo tão "virtual", onde tudo parece ser o que não é, vale a pena lembrar que o meio não é nunca a mensagem, apesar do que dizia McLuhan (mais citado que lido).
Para além dos apelos da rapidez insensata e da novidade banal, brilha a sabedoria profunda das verdadeiras obras-primas, a única capaz de dar sentido à "hora e vez" de cada pessoa.
Um grande conto será sempre grande, descortinando panoramas insuspeitados, esteja escrito em papel de pão, embutido num holograma ou estampado numa tela polvilhada de hyperlinks. Guimarães Rosa, sem nunca ter visto a internet, sabia disso muito bem.
CLÁUDIO L. N. GUIMARÃES DOS SANTOS, 51, escritor, artista plástico, médico e diplomata, é mestre em artes pela USP e doutor em linguística pela Universidade de Toulouse-Le Mirail (França).Blog: *http://perplexidadesereflexoes.blogspot.com/*
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Aparelho que identifica cores facilita a vida de deficientes. Para conseguir organizar seu dinheiro, pessoas com deficiência visual utilizam desde vários compartimentos na carteira, um para cada tipo de nota, até dobras nas cédulas para marcar seu valor. Para tornar mais simples a situação, um equipamento desenvolvido pela Faculdade de Engenharia da USP permite combinar roupas ou fazer compras sem ajuda. FOLHA SP 05.12
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Portátil, o Auire Prisma pode falar a cor de um objeto ou o valor de uma cédula a partir de um sensor de cores.
O produto foi desenvolvido por meio de financiamento coletivo na internet, conhecido como "crowd funding".
Foram fabricadas 150 unidades do Aurie -90 para doações e 60 compradas.
Os aparelhos começam a ser vendidos neste mês na internet e custarão R$ 600.
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Qualidade de morte. CLÁUDIO GUIMARÃES DOS SANTOS. Ainda que a pobreza torne a vida difícil, é ingênuo pensar que a riqueza, por si só, seja capaz de resolver os enigmas que a existência nos impõe. http://perplexidadesereflexoes.blogspot.com/. FOLHA SP 05.12
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Até meados do século 20, dava quase na mesma ser pobre ou rico na hora de morrer: iam-se todos de modo semelhante, pois as doenças ignoravam privilégios. Diante da tuberculose, por exemplo, não havia ouro que comprasse sofrimento menor ou alguma sobrevida: morriam afogados, na derradeira hemoptise, tanto os operários de Manchester estudados por Engels como os burgueses dos quais nos fala Thomas Mann em "A Montanha Mágica".
Com o avanço da ciência, porém, tudo parece ter mudado. Hoje há muitos que acreditam que o dinheiro, além de comprar uma vida mais "rica", também garante a qualidade da morte: por meio dele, os abastados despedem-se deste mundo no ambiente glamuroso de "hospitais-boutique", sob os cuidados dos "médicos da moda". Mas será que as coisas são tão simples?
Por um lado, ainda que a pobreza torne a vida difícil, é ingênuo pensar que a riqueza, por si só, seja capaz de resolver os enigmas que a existência nos impõe, magnatas ou não. E o remorso não raro corrói a paga que os "eleitos" recebem por sua ganância. Se isso não é tão claro, é porque a maioria das pessoas desconhece a intimidade dos poderosos, sempre dilacerada por conflitos: os psicoterapeutas e os próprios poderosos sabem bem do que falo.
Por outro lado, o acesso à medicina "de ponta" nem sempre é garantia de boa recuperação ou de morte tranquila, além de dar origem a paradoxos.
Um exemplo é a angústia que destrói a saúde dos que sofrem, no presente, com as moléstias que -imaginam- terão no futuro. Martirizam-se, assim, por não terem um plano de saúde "top", o qual já se tornou, ao lado do carro "zero", o atual sonho de consumo. Para essa angústia contribuem, crucialmente, a propaganda dos centros diagnósticos -que não param de crescer- e a ingenuidade de médicos que confundem prevenção com obsessão por doenças.
Outro exemplo é o caso dos doentes terminais mantidos vivos mesmo à custa de muita dor, bem como a insensatez de uma legislação que proíbe a eutanásia para as pessoas que dela necessitam, condenando-as, cruelmente, ao papel de axiomas de grotesca tese: a de que a vida deve ser sempre preservada, "coûte que coûte"...
Mas, já que a morte segue inevitável -muito embora a publicidade procure nos convencer de que somos imortais-, não seria melhor que encarássemos a vida de outro modo, empregando-a não só para "conquistar um lugar ao sol" mas também para aceitar um "cantinho" nas sombras para onde iremos todos? Não seria importante que aprendêssemos a morrer, buscando, se preciso, nas ideias de outras épocas a espiritualidade que tanta falta nos faz?
Infelizmente, não é o que vemos.
Ao ideal da morte honrosa dos gregos, da morte-libertação dos gnósticos, da boa morte dos cristãos medievais, da morte heroica dos românticos, nós contrapomos a "morte segura" no leito high-tech de um hospital chique, transfixados por catéteres e "plugados" na TV. Uma morte que é o símbolo perfeito da doença que acomete a nossa civilização e que, decerto, vai matá-la: o conformismo hedonista.
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CLÁUDIO L. N. GUIMARÃES DOS SANTOS, 50, escritor, artista plástico, médico e diplomata, é mestre em artes pela ECA-USP e doutor em linguística pela Universidade de Toulouse-Le Mirail (França). Blog: http://perplexidadesereflexoes.blogspot.com/.
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