domingo, 25 de dezembro de 2011


Sherazade do cerrado.   Aos 71 anos, Therezamaria mantém firme a vocação de contar histórias para crianças e estimular o hábito da leitura.  Correio BsB 25/12
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Em uma terra distante, chamada Rio de Janeiro, nasceu uma garotinha de nome Therezamaria. Mal aprendera a ler, a pequena já nutria grande paixão pelas palavras. Aos 8 anos, sabia que todo livro tinha sua magia e muitas histórias para serem contadas. Ela gostava de se sentar na varanda de casa e folhear contos de fadas e textos de Monteiro Lobato, orgulhosa de ter em mãos um tesouro cheio de letrinhas. As bonecas, coitadas, não eram tão festejadas como quando ganhava de presente algum livrinho. Ao ler os versos de Casimiro de Abreu no poema Meus oito anos, Therezamaria jurava ser ela mesma aquela nostálgica personagem. Quando não estava lendo, ela brincava na rua, soltava pipa, jogava totó, bafo e bola de gude. Nas festas de São João, participava de batalhas de confete com os amigos. “O clube que eu frequentava tinha um projetor de cinema. Eles colocavam na rua e a criançada toda assistia aos filmes”, lembra Therezamaria Lucciola de Campos, a mais antiga contadora de histórias de Brasília.

A explicação para gostar tanto de narrativas que soltam a imaginação se deve aos anos felizes que viveu na tenra juventude. “Tive uma infância extremamente lúdica. Em casa, tinha um pai rígido, mas o ambiente era muito musical. Ouvíamos óperas e outras canções italianas. Éramos obrigados a estudar piano”, relata Therezamaria, que dividia o rádio com seus cinco irmãos. “Nos fins de semana, quem acordasse mais cedo era o dono da programação. Tínhamos um daqueles rádios grandes e antigos. Uma vez, o aparelho pegou fogo. Lembro-me de a gente correr para colocá-lo na banheira e apagar o incêndio”, ri.

Therezamaria veio para Brasília em 1963. Dos seus 71 anos de vida, 17 foram dedicados à formação de contadores de histórias e trabalhos realizados em escolas, hospitais, asilos, com o público mais diverso possível: crianças, idosos, professores, advogados, catadores de material reciclável, entre outros. Graduada em história, a professora lecionou durante 10 anos e passou outros 15 como auxiliar bibliotecária, convivendo diariamente com livros e crianças.

Grávida de significados
Ativa, ágil e vaidosa, a contadora de histórias engana o tempo com sua aparência e vivacidade. Ao “entrar para a reserva”, como ela chama a aposentadoria, fez um curso para contadores de histórias e passou a se dedicar à expressão de uma de suas maiores paixões: as palavras. “Dependendo do dia e do momento, ela causa efeitos diferentes. Já reparou nisso?”, pergunta. “Nós, contadores de histórias, somos valorizadores das palavras, somos livros vivos. Não nos preocupamos com adereços, mas com a palavra. Ela tem peso, força, cor. A palavra é iluminada, grávida de significados”, filosofa.

Em seu trabalho como contadora, Therezamaria perdeu as contas de quantas oficinas já deu e o número de pessoas transformadas pelas narrativas autorais e populares. Mas essa transformação não ocorre apenas em quem ouve as histórias de Therezamaria. Ela mesma parece se teletransportar para um mundo longínquo e imaginário, quando, com entonação emocionada, liberta as palavras guardadas de cor. “Incorporo e desligo do mundo. Viro a menina, o coelho, a galinha, a águia, todos os personagens das histórias que conto. Meu filho mais velho diz que eu surto nesses momentos!”, ri de si mesma. Ao narrar, a professora dá cadência e personalidade para cada palavra, como se declamasse uma poesia, sem nunca perder contato visual com os ouvintes. “A gente também fala com o olhar. Pela expressão de cada um, eu sei dizer quem entrou na fantasia e se identificou com a história”, explica.
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Affonso Romano de Sant Anna
Quando Deus criou o universo e deu tudo por completado, um anjo pediu permissão e disse: —Senhor, posso fazer um pequeno adendo ao seu projeto criador? Está tudo certo na área da natureza, mas está faltando uma coisa, a área da cultura, ou seja, falta criar a universidade. Deus achou a ideia interessante e criou a universidade. Mas o Diabo, que estava atento, aproveitou e criou “o colega de departamento”. Correio BsB 25/12

Ouvi isso numa universidade americana. E penso: quem pensa que a universidade é um ninho de querubins e serafins deve mudar seu pensamento atentando para esta história. Nada pior do que o colega de departamento. E isso, é claro, pode ser levado para outros tipos de empresas. Evidentemente que há colegas excepcionais, mas o diabo é aquele “colega de departamento”, que inferniza a vida da gente.

Comecei a pensar nisso quando os jornais deram outro dia que 16 reitores estão envolvidos em fraudes as mais variadas. E aí você pensa: antigamente, reitor era alguém acima de qualquer suspeita. Era. E, por isso, chamado de “magnífico”.

Além disso, chegaram-me estórias reais sobre a vida universitária que conheci por 30 anos, aqui e no exterior. Um professor narrou que ao almoçar com um colega de departamento lhe expôs um modelo teórico que estava criando. No entusiasmo da descoberta, foi falando, entregando suas ideias. Dias depois, “o colega de departamento” publicou um artigo com aquelas mesmas ideias.

E a questão da bibliografia? Dirigi uma reunião de cadeira na qual todos os professores davam naturalmente a ementa e a bibliografia que usariam naquele semestre. Era uma forma de entrosar os cursos. No entanto, um professor se negou a dizer a bibliografia que usaria naquele semestre — temia que os demais sacassem de onde tirava suas ideias.

Nesse sentido, uma das coisas mais terríveis é a tirania da bibliografia imposta aos alunos. Bibliografia como camisa de força. Uma candidata a pós-graduação foi advertida que se não seguisse a cartilha do pós-modernismo estaria reprovada. Pior: que se não citasse o nome de um determinado professor no seu trabalho estaria automaticamente reprovada. Foi reprovada. Ela procurou apoio em vários professores, mas eles para ela diziam uma coisa; em público, outra.

Outro professor teve todos os seus alunos reprovados na seleção para pós-graduação no mesmo departamento em que dava aulas, porque ele não seguia a cartilha da moda. Já um professor me disse que durante a ditadura impediu que os militares demitissem um colega do qual, aliás, discordava teoricamente. Ficou sabendo depois que o colega o denegria nas aulas e conferências.

Outro colega trouxe um professor do estrangeiro, deu-lhe todas as chances, apresentou-o às editoras, levou-o a congressos, introduziu-o em sua família. Um dia descobriu que o outro trabalhava subrepticiamente para destruí-lo. E, quando o chamou para um cara a cara, “o colega de departamento” disse: “É, no princípio, tentei te imitar, depois resolvi te destruir”.

Como diria Vinicius: mal procedeu o Senhor em não descansar no sábado; ou então: mal procedeu o Senhor em deixar o diabo criar o colega de departamento.

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