Tribunais ignoram teto e centenas de magistrados ganham mais de R$ 50 mil
Levantamento do ‘Estado’ em folhas de pagamento dos TJs revela que norma constitucional de limitar salários ao rendimento de um ministro do Supremo (R$ 26,7 mil) é amplamente descumprida.
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No Tribunal de Santa Catarina, os desembargadores recebem R$ 2.211,13 de auxílio-moradia, além do subsídio de R$ 22.111,25. Apesar da exigência do Conselho Nacional de Justiça, o TJ não divulga quanto cada desembargador recebeu em vantagens e outros auxílios. Estadão 10.12
Regra
Pela Constituição, os desembargadores podem receber até 90,25% do que é pago a um ministro do Supremo. Mesmo não sendo obrigatório que recebessem o máximo possível. No Espírito Santo, a Assembleia garantiu o pagamento dessa diferença em 2011. De acordo com o tribunal, a lei atende à reivindicação antiga da magistratura.
Em duas frentes simultâneas, o CNJ está investigando as folhas de pagamento dos tribunais de todo o País.
Na semana passada, a Corregedoria Nacional de Justiça iniciou uma devassa na folha de pagamentos do Tribunal de Justiça de São Paulo. A partir de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Corregedoria passou a investigar movimentações suspeitas de 17 magistrados.
A devassa vai se estender por 22 tribunais. Há suspeitas de que valores podem ter sido usados para comprar decisões judiciais.
Em outra frente, a Secretaria de Controle Interno do CNJ faz uma auditoria nas folhas de pagamento em busca de violações ao teto de R$ 26,7 mil. Conforme integrantes do Conselho, a investigação deve se encerrar em 2012 e já foram identificados casos de descumprimento do teto.
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Filhos do cárcere
Amparadas pela lei, centenas de crianças vivem trancafiadas com as mães em presídios do país, num ambiente hostil e em condições subumanas. A permanência na cadeia chega a durar seis anos. Correioweb 12.12
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Quase sempre não cumprida, a legislação garante que as crianças fiquem com a mãe até os 6 anos
Eles são como todos os bebês: engatinham, mamam no peito, comem papinha, não desgrudam das chupetas, fazem gracinhas e causam emoção ao falar “mamãe”. O que os tornam diferentes é o ambiente à volta. Em vez de quartos limpos, cheirosos, coloridos de rosa ou azul e decorados com motivos infantis, centenas de brasileirinhos vivem trancafiados em celas fétidas de presídios femininos nos quatro cantos do país, alguns em condições subumanas. No lugar das grades dos berços, as crianças, de até 2 anos, que nasceram no cárcere e nunca passaram dos portões das penitenciárias, conhecem apenas as barras de ferro que os confinam com as mães, condenadas ou esperando julgamento por seus crimes. Aos filhos do cárcere, liberdade é algo distante. Resta-lhes um único direito: o amor materno. Essa realidade tão chocante quanto desconhecida da população brasileira é mostrada pelo Correio Braziliense /Estado de Minas em uma série de reportagens produzidas depois de percorrer presídios de Minas Gerais, de São Paulo, do Paraná, de Mato Grosso, de Pernambuco, do Pará e do Distrito Federal, onde 244 crianças (número subestimado) “cumprem pena”.
O Brasil tem uma legislação avançada para assegurar diretos a presidiárias e seus filhos. A Lei nº 11.942, de 2009, estabelece a convivência entre mãe e criança do nascimento aos 6 anos. Prevê ainda berçários e creches nos presídios femininos para atendimento adequado ao crescimento dos menores. Mas, na prática, é diferente. Bem ao jeito brasileiro, o que há atrás das grades é um arremedo de assistência. Uma colcha de retalhos costurada pela direção dos presídios, que tem o poder de determinar o tempo de convivência entre mães e filhos, de acordo com as condições do deteriorado sistema carcerário brasileiro. Em Brasília, a criança é retirada da prisão aos seis meses; em Curitiba, é possível que ela fique até os seis anos. Em Minas, elas deixam o cárcere aos dois e, no Pará, ao nascer.
A falta de estrutura para a infância nas penitenciárias femininas suscita o debate sobre a necessidade de revisão da atual legislação. A promotora mineira Vanessa Fusco Nogueira Simões, que elaborou um estudo sobre o tema, quer encaminhar ao Ministério de Justiça projeto de lei que exija autorização judicial para a permanência da criança nas cadeias, a instalação de berçário e creche, e a redução da idade de acompanhamento. Na mesma tecla, bate o promotor José Antônio Borges Pereira, que exerceu o cargo na Promotoria da Infância e da Juventude e foi autor de um habeas corpus que retirou 30 mulheres e seus filhos das celas insalubres da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, em Várzea Grande, na Região Metropolitana de Cuiabá. “A Constituição garante liberdade às crianças”, resume José Antônio.
Pressa
No Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano, Região Metropolitana de Belo Horizonte, Lúcia*, 32 anos, não consegue disfarçar a revolta ao ver a filha de 2 meses na prisão. Mãe de outros nove filhos, oito vivos, ela está de volta ao centro depois de desrespeitar as normas da prisão albergue. Ela foi presa em 2009 por tráfico de drogas, depois de assumir os “negócios” tocados pelo marido, detido um ano antes. Estava condenada a cinco anos de prisão, dos quais cumpriu um ano e dois meses, até conseguir o benefício. Perdeu a cabeça na rua e o direito às saídas durante o dia. Foi reconduzida à cadeia em 20 de outubro com a filha. “Estou buscando força em Bianca* para mudar de vida. Meus outros filhos estão com a minha mãe, em Itajubá (sul de Minas, a 448km da capital). Gostaria que Bianca também fosse para lá, mas não há condição financeira.”
Há uma razão em Lúcia para a pressa em se separar da filha: que a criança tenha a menor recordação possível da falta de liberdade. “Vou tentar explicar a ela o que é certo e errado, mas não vou esconder que passou por essa experiência ruim.” Lúcia está aproveitando o tempo no presídio para concluir o 1º ano do ensino fundamental. Na aula de matemática, enquanto faz anotações no caderno, mantém no antebraço a filha, que dorme como anjo, indiferente às angústias da mãe. Para a detenta, o único sonho é retomar a liberdade e conseguir emprego. “Dinheiro não importa mais. Meu marido já cumpriu pena e trabalha como pintor.”
Exclusão
Soraia*, 28, condenada a três anos e quatro meses de prisão e mãe de um bebê de 5 meses, é taxativa: “Isso aqui não é lugar para criança. É como se estivessem presas”, afirma, apesar da boa estrutura do centro. E usa o cotidiano para expressar a dureza da exclusão de seu filho do mundo: “Imagine uma criança que nunca viu um bicho, um cachorro, que nunca conviveu com um homem! Não deveria existir esse lugar”. Ela tem ainda outro filho, de 5 anos, que vive também sem o pai, condenado a sete anos de prisão por tráfico de drogas. Lúcia e Soraia fazem parte de uma população de 69 mulheres abrigadas no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, nove delas gestantes. Ali, dividem o tempo entre as aulas, as oficinas de trabalho e as tarefas domésticas. Elas são responsáveis por lavar a roupa dos bebês e usam o tempo livre nos banhos de sol. Para melhorar a qualidade de vida das crianças, a direção evita o alojamento. Só não consegue mesmo evitar a falta de liberdade. Os muros altos, com equipamentos de segurança, e as guardas fardadas, de coletes à prova de balas, lembram que ali é lugar de cumprimento de pena em regime fechado. (MCP)
* Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.
O que diz a lei
A Lei nº 11.942, sancionada em 2009 pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, institui: “Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 meses de idade”. O artigo 89 estabelece: “A penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente, e de creche para abrigar crianças maiores de 6 meses e menores de 7 anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada, cuja responsável estiver presa”. Diz ainda serem requisitos básicos da creche e berçário “o atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável”.
EU vi...
Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade Vespasiano (MG)
“Muros altos, com pintura manchada, equipamentos de segurança e uma pesada porta de ferro batido, com apenas uma portinhola para contatos com o mundo externo. No interior, a revista ao visitante é constrangedora, mesmo que isso ocorra em uma sala pintada em tons pastéis, com figuras infantis nas paredes. Os celulares são confiscados e trancafiados por agentes penitenciárias com coletes à prova de balas. Os próximos passos são ainda mais pesados. Não se vê celas, apenas quartos com bercinhos colados às camas das mães. Aos desavisados, poderia parecer quartos simples de maternidade. Mas a diferença está no olhar triste e vacilante das mulheres que balançam os filhos. Os bebês mantêm a inocência. E, diante da inocência, sai a pergunta desconcertante de uma condenada: "Como posso querer meu filho junto de mim se roubo dele o direito de conhecer o mundo? Ele não conhece os bichos, cachorros, galinhas..." Um misto de enjoo e impotência toma conta de mim. Gostaria de sair dali correndo. Deixaria para trás o problema, mas o dilema se as crianças
devem cumprir pena ao lados das mães, como prevê a lei,
martela incessantemente em minha cabeça.”
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