quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Samba dos deuses.
Com letras
místicas e batuque de roda, Roque Ferreira destaca-se nas vozes de intérpretes
do quilate de Maria Bethânia, Roberta Sá, Zeca Pagodinho e Mariene de Castro. Correio 14.12
-
De
tanto compor músicas em que predominam a abordagem de elementos e ícones da
cultura afro-baiana, Roque Ferreira chegou a ser confundido com um pai de
santo. Celebrado autor de sambas de roda (gravados por estrelas da MPB, como
Maria Bethânia, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila, e por intérpretes da nova
geração, entre as quais Roberta Sá, Mariene de Castro e Fabiana Cozza), esse
artista nascido em Nazaré das Farinhas — cidade do Recôncavo da Bahia — não se
deixa levar pela elogiosa avaliação de sua obra.
Aos
65 anos, modesto, Roque afirma convicto: “A linguagem que utilizo em minha arte
tem por base a simplicidade. Essa música tem muito a ver com aquilo que ouvi da
tradição. É coisa do inconsciente coletivo, já que não vivi isto”. O compositor
lembra que aprendeu muito ouvindo a avó, já em Salvador, para onde se mudou
ainda criança.
Embora
tenha sido cantado por Clara Nunes, João Nogueira, Roberto Ribeiro e Beth Carvalho,
a partir da década de 1980, Roque só veio a se tornar conhecido pelo grande
público em 1995, quando Zeca Pagodinho gravou Samba pras moças, no primeiro
disco do cantor para a PolyGram (atual Universal Music). Atualmente, seus
sambas estão sempre presentes no repertório de Maria Bethânia. Em Encanteria,
álbum recente da cantora, pela Biscoito Fino, há o registro de quatro deles:
Santa Bárbara, Feita na Bahia, Coroa do mar e Minha rede.
A
jovem sambista Roberta Sá fez mais. Acompanhada pelo Trio Madeira Brasil — os
violonistas Marcello Gonçalves, Zé Paulo Becker e Ronaldo do Bandolim —, ela
gravou um disco inteiramente dedicado à obra do compositor, o elogiado Quando o
canto é reza, que saiu em 2010 pela Universal Music. Outra que tem reverenciado
Roque é a baiana Mariene de Castro. Ele está presente no Abre caminho e no
Santo de Casa Ao Vivo, CDs lançados pela cantora em 2004 e 2011,
respectivamente.
Compositor
que faz parte de um núcleo de sambistas que se destacam da Bahia para o mundo,
entre eles Riachão, Nelson Rufino, Edil Pacheco, Ederaldo Gentil e Walmir Lima,
Roque Ferreira vê o samba numa situação de desvantagem em sua terra. “A Bahia é
dominada pela axé music. Ao contrário do Rio de Janeiro, que possui vários
redutos de samba, em Salvador não há nenhuma casa destinada ao gênero”,
critica. Roque esteve em Brasília recentemente para show no Balaio Café, na 201
Norte. Antes da apresentação, conversou com o Correio.
A
primeira música
Com
11 anos, fiz o primeiro samba. Mas a primeira música minha que ouvi no rádio
foi no final da década de 1960 e eu devia ter 20, 21 anos. Foi gravado por
Clara Nunes e se chamava Apenas um adeus. Mais tarde passei a fazer sambas com
temáticas afro. Depois, Baden Powell e Vinicius de Moraes surgiram com um trabalho
mais sofisticado, mas o meu era simples. MPB é feita por branco e rico. O samba
é feito por negro e pobre. Essa é a verdade.
Bahia
é madrasta
Profissionalmente,
comecei com 25, 30 anos. Fazia samba de roda em Salvador, mas tinha vergonha de
mostrar minhas músicas porque achava que não tinha qualidade para ir para o
rádio ou alguma coisa parecida. Naquele tempo, não tinha jabá. O apresentador
preparava o programa com as músicas que ele achava convenienteS. Nas estantes
das lojas, existiam LPs de MPB de um lado e, do outro, samba. Mas o samba não é
MPB? MPB não é Música Popular Brasileira? Isso é uma coisa que sempre me
revoltou. Certa vez, em uma entrevista, uma repórter me perguntou se o samba
tinha nascido na Bahia ou no Rio de Janeiro. E respondi: se a Bahia é mãe do
samba, é uma péssima mãe. Porque não há uma casa de samba em todo o estado. No
Recôncavo, você encontra grupos de samba de roda com 50 componentes, que só se
apresentam no meio da rua. Enquanto no Rio de Janeiro, só na Lapa, tem mais de 10
casas de samba. O samba pra mim é uma coisa sagrada.
Livros
de sebo
Senti
a necessidade desse trabalho, comecei a pesquisar e o meu samba ganhou essa
conotação. Minhas fontes de pesquisa eram os livros de sebo. Pagava fortunas
por um livro velho que a maioria das pessoas não dava o menor valor. Tenho
ainda alguns, mas me desgostei com a música e abandonei isso. Um dia, chateado,
vendi vários por uma miséria e perdi meus livros. Mas ficaram alguns, como uma
edição de Artur Ramos de 1947, da data que eu nasci. É uma enciclopédia. Ele e
Nina Rodrigues eram os caras que mais conheciam.
Majestade
Caymmi
Faço
um samba que é extremamente popular. Apesar não ser popularesco. É um samba EM
que busco a simplicidade, mas quem descobriu a simplicidade foi Caymmi. Espelhei-me
muito nele. É na simplicidade que está o mistério. Caymmi é um deus, igual a
ele, ninguém. Ele é um compositor fantástico. Fazia coisas belíssimas.
A
lady do Recôncavo
Conheci
ela pelo J. Veloso, marido dela na época. Um dia, os dois foram na minha casa e
ela começou a cantar MPB. Daí eu falei: ‘Menina, você uma mulata bonita desse
jeito, cantando essas coisas... Por que você não canta samba? Você cantando MPB
será mais uma. Vai cantar uma, duas, três vezes nesses barzinhos da madrugada e
acabou’. Ela pediu que eu fizesse uns sambas e fiz Quebradeira de coco, que
passou a cantar nos shows. Daqui a pouco, ela conseguiu fazer um disco com
quatro músicas minhas. Quando dei fé, Mariene já era lady. Já está no primeiro
time: acabou de assinar contrato com a Universal.
Compadre
Zeca
O
primeiro samba de roda meu que realmente ganhou dimensão foi o Samba pras
moças, com o Zeca Pagodinho. E essa música também foi importante pro Zeca
porque ele tinha saído da gravadora e feito o contrato de apenas um ano com a
Universal. Nenhuma gravadora faz contrato de um ano com um cantor que ela
espere que faça sucesso. Escrevi a música pensando na Alcione. Mandei para o
produtor dela, o Jorge Cardoso, e ele não me respondeu. Insisti, liguei pra
ele, mas ela não gravaria. Então, botei a fita na gaveta e ela ficou lá por
dois anos. Um dia, o produtor Rildo Hora me ligou perguntando se eu não tinha
um samba de roda. Eu disse que tinha Samba pras moças. No mesmo dia da ligação,
mandei uma cópia da fita com a letra. Dois dias depois, o Rildo me ligou
fazendo a maior festa e dizendo que Zeca tinha gostado da música. Zeca colocou
ela como música de trabalho e estourou. Ele estava vendendo cinco mil, oito mil
discos, e passou a vender 400 mil. Daí pra frente foi só sucesso.
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POLÍTICA CULTURAL »
Metas ousadas até 2020. Ana de Hollanda quer atrelar o ensino de arte
brasileira às escolas públicas. Correioweb 14.12
-
No
que depender do Ministério da Cultura (MinC), a próxima década será revolucionária
para a arte e as tradições no Brasil. A ministra Ana de Hollanda anunciou
ontem, na Sala Cássia Eller do Complexo Cultural Funarte, as 53 metas que
compõem o Plano Nacional da Cultura, que será implementado até 2020. “O plano é
estruturante. Não aparece tanto na mídia, mas sem ele não seria possível
definir políticas de estado”, destacou a titular da pasta.
Entre
os destaques da propostas, está o aumento da média anual de leitura de 1,3
livro por pessoa (segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do
instituto Pró-Livro) para 4 volumes lidos, excluindo as obras de exigência
acadêmica. Outra proposta é incluir disciplinas de arte no currículo de todas
as escolas públicas regulares do país. Desde cedo, meninos e meninas
conviveriam com conhecimento sobre cultura brasileira, linguagem artística e
patrimônio cultural.
A
economia da cultura também ganhou destaque entre as propostas: se o plano se
concretizar, empregos formais no setor cultural aumentarão em 95%. Instituições
que ministram cursos na área devem ampliar suas ofertas, os pontos de cultura
tendem a proliferar, a produção cinematográfica nacional chegará com mais
facilidade às salas de exibição, museus e centros culturais serão modernizados
e todos os municípios devem ganhar bibliotecas. A expectativa é que o setor
cultural seja responsável por 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Os
tópicos não foram obra só do secretariado e dos gestores da área. Os objetivos
a serem alcançados foram sugeridos pela população. Ao longo de 50 dias, a
página pnc.culturadigital.br recebeu visitas de 6.273 internautas, que deixaram
488 comentários e 32 sugestões de metas. Os diálogos começaram há mais de um
ano e incluíram a realização de seminários e sugestões do Conselho Nacional de
Política Cultural (CNPC). “Não foi fácil. É um trabalho de formiguinha”,
avaliou Ana de Hollanda.
Plano
Nacional de Cultura
»
Aumento de 95% no emprego formal do setor cultural
»
100% das escolas públicas de educação básica com a disciplina de arte no
currículo escolar regular com ênfase em cultura brasileira, linguagens
artísticas e patrimônio cultural
»
20 mil professores de arte de escolas públicas com formação continuada
»
100 mil escolas públicas de educação básica desenvolvendo permanentemente
atividades de arte e cultura
»
Aumento de 150% de cursos técnicos, habilitados pelo Ministério da Educação
(MEC) no campo da arte e cultura, com proporcional aumento de vagas
»
20 mil trabalhadores da cultura com saberes reconhecidos e certificados pelo
Ministério da Educação
»
Média de quatro livros lidos fora do aprendizado formal por cada brasileiro,
por ano
»
150 filmes longa-metragem lançados por ano em salas de cinema
»
Aumento em 30% no número de municípios brasileiros com grupos em atividade nas
áreas de teatro, dança, circo, música, artes visuais, literatura e artesanato
»
15 mil pontos de cultura em funcionamento
»
12 milhões de trabalhadores beneficiados pelo Programa de Cultura do
Trabalhador (Vale Cultura)
»
27% de participação dos filmes brasileiros na quantidade de bilhetes vendidos
nas salas de cinema
»
Aumento de 60% no número de pessoas que frequentam museu, centro cultural,
cinema, espetáculos de teatro, circo, dança e música
»
100% de museus, cinemas, teatros e arquivos públicos e centros culturais
adaptados às normas de acessibilidade
»
100% de municípios brasileiros com pelo menos uma biblioteca pública
funcionando
»
50% de bibliotecas públicas e museus modernizados edisponibilização, na
internet, do acervo da cinemateca brasileira, da Fundação Casa de Rui Barbosa,
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Fundação
Biblioteca Nacional
»
10% do fundo social do pré-sal para a cultura
»
Aumento de 37% acima do Produto Interno Bruto (PIB) dos recursos federais para
a cultura
»
Aumento de 18,5% acima do PIB da renúncia fiscal do governo federal para a
cultura
»
4,5% de participação do setor cultural brasileiro no PIB
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