domingo, 18 de dezembro de 2011


QUADRINHOS »  Escritor de obituários.   Imagem do livro Day tripper, dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá
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Nas últimas páginas de Day tripper, livro de quadrinhos dos gêmeos paulistanos Fábio Moon e Gabriel Bá, o texto assinado por Moon, uma espécie de epílogo, diz: “O difícil foi criar um mundo que você sentisse ser real. Cada referência, cada foto, cada cor e cada personagem, tudo foi construído de forma a reproduzir sentimentos. A sensação de que você está vivo, alegre, solitário, amedrontado ou apaixonado”.

O primeiro lançamento foi em língua inglesa, em 2009, nos Estados Unidos, pela Vertigo, selo da respeitada DC Comics (casa dos super-heróis Batman e Superman) e logo alcançou visibilidade. Agora, foi distribuído no mercado nacional pela Panini Books e encabeçou listas de prêmios como o Eisner Awards, principal do segmento, por melhor minissérie, HQ Mix, como destaque internacional e também está listado na recente publicação 1001 comics you must read before you die (1001 quadrinhos que você tem que ler antes de morrer), editado pelo crítico Paul Gravett.

Trabalhos anteriores realizados pelos autores, em parceria ou individualmente, já tinham conquistado reconhecimento. No entanto, Bá conta: “Day tripper é uma história nossa, completa; que a gente escreveu e desenhou, que o foco ficou mais na gente, solidificou o nosso nome e nossa presença como autores de quadrinhos. Isso é bem bacana. Nas convenções a que a gente tem ido, estamos sendo convidados em função do Day tripper, na Bolívia, em Angola, no Peru ou em Portugal. É muito legal e era algo que, até então, a gente não tinha”.
           
DAY TRIPPER
Panini Livros, R$ 62, 260 páginas.

No livro, o leitor irá se deparar com a trajetória de Brás de Oliva Domingos, um escritor de obituários, que almeja ser um grande literato, assim como seu pai, autor de romances. A princípio, pode-se imaginar, pela profissão do personagem principal, que a narrativa estará voltada ao tema fúnebre. No entanto, como o título sugere, acompanhamos um viajante da vida. “A gente usa a morte na história para enfatizar a vida, os momentos corriqueiros e também os especiais. Eu acho que isso faz as pessoas pensarem na própria vida”, explica Fábio.

É um compêndio sobre o primeiro beijo, as relações familiares, o amor, o sucesso profissional, a amizade e, claro, a questão que rege a existência: quando a morte chegará? A concepção da história surgiu dessa reflexão. Fábio Moon conta que o irmão começou a colocar em discussão questões existenciais: “O que aconteceria se ele morresse naquela hora? Qual teria sido o significado da sua vida? Viver teve alguma importância?”.

Fábio e Gabriel tiveram contato com a linguagem de HQs ainda na infância. Mais tarde, imaginaram contar suas próprias histórias nos quadrinhos. E a autonomia autoral não poderia excluir, segundo eles, as influências de Mauricio de Sousa, o pai da Turma da Mônica, e ainda: revista Mad, super-heróis, Wiil Eisner, Laerte e outros “milhares”. A dupla também cita, sem hesitações, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Sherlock Holmes e Jorge Amado, principalmente o livro Capitães de areia. “A gente ainda era moleque, na época, e adorávamos a ideia daqueles meninos, em Salvador, que eram os heróis da história e, ao mesmo tempo, meio delinquentes. Mas o jeito que o Jorge Amado escrevia fazia você querer fazer parte daquela gangue, ser amigo do Pedro Bala. Então, a gente incorporou essa coisa de criar um cenário e personagens, que façam o leitor querer participar daquilo.”

Nesse rol de propostas que fogem do corriqueiro, há uma estrutura narrativa pouco convencional, pois no jogo da escrita, Fábio Moon e Gabriel Bá brincam com a relação de tempo e espaço. De acordo com essa perspectiva, a narrativa é estruturada em torno do personagem Brás, que, em cada capítulo, tem a importância de sua existência colocada em questão, em confronto com a alegoria da morte. Brás pode morrer em um capítulo e estar vivo no próximo; ser um homem de 32 anos e depois um menino de 11.

Em um estúdio situado na cidade de São Paulo, os irmãos trabalham em novos projetos: publicações para outros países e a adaptação do livro Dois irmãos, do manauara Milton Hatoum, para a versão em quadrinhos. Para isso, a dupla Fábio Moon e Gabriel Bá visitou Manaus, onde a trama de Hatoum é ambientada. O lançamento da história, que tem como personagens principais os irmãos Yaqub e Omar (que também são gêmeos), está previsto para 2013. Gabriel explica que a adaptação do romance para a linguagem das graphic novels requer bastante trabalho, além de definir quem fará as ilustrações, a caracterização dos personagens e os cenários. “Escolhemos qual dos nossos estilos combina mais com a história. Sempre desenhamos juntos, então isso acontece de uma maneira muito natural.”



Internacionais
O merecido destaque que Gabriel Bá e Fábio Moon vêm recebendo, com prêmios no Brasil e exterior, é fruto de anos de dedicação e trabalho. Das primeiras edições do fanzine 10 Pãezinhos (feito pelos gêmeos no fim dos anos 1990) até a consagração com Day tripper, os irmãos publicaram em uma série de editoras (como as americanas Image Comics e Dark Horse), desenhando gêneros tão diversos quanto super-heróis, romances históricos e quadrinhos autorais (nos quais desenvolveram especialmente seus roteiros). Entre os títulos, estão os populares Umbrella Academy e Casanova. Pela adaptação de O alienista, de Machado de Assis, levaram o prêmio Jabuti em 2007.

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Direitos humanos  » EMIR SADER.   Sociólogo CORREIO BSB 18.12
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No seminário sobre Direitos Humanos, Justiça e Memória, realizado esta na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, organizado pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, pudemos viver momentos de uma intensidade emocional incomparáveis. Não seria de estranhar, sabendo o que vários países deste continente viveram, em um passado recente, sob regimes militares que implantaram o terror.

Desta vez, o momento foi especialmente emotivo porque a ministra Maria do Rosário, em nome do Estado brasileiro, entregou as cinzas de um cidadão espanhol de nascimento e de cidadania venezuelana, chamado Miguel Sabal Nue, aos seus três filhos. A cerimónia foi ainda mais emotiva, porque até recentemente circulava a versão da ditadura militar de que Miguel teria se suicidado. Maria do Rosário expressou aos filhos o pedido de perdão do Estado brasileiro pelo que havia sido feito com seu pai.

A tenacidade de familiares das vítimas da ditadura na pesquisa permitiu encontrar nos arquivos do Doi-Codi a ficha de Miguel, com a letra T em vermelho, que indicaria que seria um “terrorista”. Apesar de não estar vinculado a atividades de esquerda, de ser um professor, Miguel foi preso, torturado e finalmente assassinado pelos órgãos da ditadura militar. Seus restos foram encontrados em uma das ossadas que foram descobertas e entregues suas cinzas para seus filhos.

Eles expressaram seus sentimentos de filhos que desde pequenos não tinham podido conviver com o pai e que tinham tudo que conviver com a imagem de seu eventual suicídio, sem poder entender o que havia passado. Claro que nenhuma reparação cura as feridas de uma perda dessas, mas o Estado brasileiro fez o que pôde para buscar a verdade do ocorrido e por isso recebeu o reconhecimento dos filhos de Miguel, que disseram que jogariam ao vento do Mont Juic, em Barcelona, de onde era proveniente seu pai, suas cinzas.

O seminário teve outros momentos de grande densidade, pela experiência transmitida por Daniel Filmus, senador e ex-ministro de Educação da Argentina, assim como a expoente mais importante da luta dos argentinos pelos direitos humanos, Estela Carlotto, presidente do movimento das Avós da Praça de Maio.

Expressão direta desse movimento foi a intervenção de outro argentino, Juan Cabandié, atual deputado pela cidade de Buenos Aires. Juan é o que se chama lá de neto recuperado, um grupo que já conta com 105 netos, que tiveram suas verdadeiras identidades recuperadas pelo movimento das Avós. São pessoas cujos pais foram presos pela ditadura militar, que encaminhou as crianças, depois de assassinar seus pais, para outras famílias, que as educaram com identidade falsa.

No caso de Juan, as explicações que lhe eram dadas sobre ele nunca o tinham satisfeito, até que um dia, quando já tinha 25 anos, foi bater na porta da sede do Movimento das Avós e lhes manifestou sua suspeita de que ele seria filho de algum desaparecido. Ao cabo de três anos Juan teve o retorno, com a identificação dos seus verdadeiros pais e seu nome real.

Seus pais foram um jovem casal de estudantes, ele de 19 anos, ela de apenas 16, presos pela ditadura e executados, assim que ele nasceu, dado que sua mãe foi detida já grávida. Foi a partir desse momento que, segundo o depoimento de Juan, ele recuperou sua liberdade e sua alegria, mesmo sabendo do destino trágico de seus pais nas mãos da ditadura.

Tomar consciência de sua verdadeira identidade era, ao mesmo tempo, tomar consciência política do que a Argentina estava vivendo e havia vivido, o que o levou imediatamente à militância política, por meio da qual ele é hoje um jovem e combativo parlamentar do partido de governo.
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CARLOS HEITOR CONY.   Alguma coisa está errada  FOLHA SP 18.12
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RIO DE JANEIRO - Não é, ainda, o caso de recorrer à citação que Shakespeare tornou famosa: "Something is rotten", evidente que no reino da Dinamarca. Mas no reino de dona Dilma, do PT e da base aliada, o "podre" pode ser substituído por "complicado" ou mesmo "suspeito." Em princípio, nada a ver com a presidente em si, mas com a equipe que ela armou e da qual muitos titulares foram para o espaço.

No fundo, pode-se duvidar dos critérios que a levaram a formar um ministério que, em menos de um ano, foi obrigado a apelar para estepes que substituíssem as rodas que se furaram durante o caminho.

Perdoa-se a má avaliação dos auxiliares, são coisas que acontecem e ninguém está livre de cometer erros. Mas não se pode perdoar o último comentário feito pela presidente a propósito de seu amigo Fernando Pimentel, considerando que o episódio que está desgastando o governo como um todo seja um assunto da vida pessoal do ministro -o qual, nem ela nem a classe política e muito menos a mídia têm o direito de invadir.

Não é segredo para ninguém que a candidatura vitoriosa da presidente teve dois eixos decisivos de apoio: Palocci e Pimentel.

Justamente no espaço da formação do ministério e dos cargos principais, foram eles os mais importantes na busca de verbas e nomes, função que nunca fica limitada à vida particular de um cidadão, mas influi poderosamente nos rumos de um governo.

A agonia da demissão de Palocci demorou e deixou alguns estragos. Sem querer comparar o volume de provas, observando-se apenas a agonia de Pimentel, percebe-se que os casos podem não ser idênticos, mas são análogos. Sobretudo na prolongada hesitação da presidente em reconhecer a necessidade de trocar as rodas avariadas por isso ou por aquilo.

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