quarta-feira, 28 de dezembro de 2011


Chico em almanaque.    Livro traz pérolas da vida de um dos principais nomes da MPB. Os verbetes destacam a criatividade e o lado pessoal do artista.    Encontro de gerações: jogando futebol de botão com Vinicius de Moraes CORREIO 28.12

Chico Buarque foi reprovado no exame da Ordem dos Músicos em julho de 1967. Segundo os examinadores, não sabia solfejar. Só restava ao compositor cantar em programas de Iê-iê-iê. Pela lei, sem aprovação da ordem, ele estaria impedido de cantar em programas de MPB. Curiosamente, no ano anterior, Chico tentara convencer Roberto Carlos, o rei do Iê-iê-iê, a migrar para o lado da música brasileira e deixar de lado as guitarras.

O compositor também gostava de escrever textos para os encartes dos discos, mas abandonou o hábito ao longo do tempo.

E não, Chico Buarque não é tímido, é arredio mesmo, não gosta de assédio e ponto. Foi em uma coleção de revistas e jornais da tia Cecília, irmã de Sérgio Buarque de Hollanda, pai do músico, que a jornalista Regina Zappa encontrou a maior parte dos mais de 100 verbetes de Para seguir minha jornada, o almanaque que pretende percorrer a vida de Chico Buarque em pílulas independentes.

Cecília colecionava todas as publicações sobre o sobrinho e mantinha em casa uma fonte de histórias que Regina tratou de organizar. Para seguir minha jornada é um livro de pesquisa. Além do arquivo da tia, a jornalista mergulhou nas coleções do próprio Chico, aproveitou entrevistas feitas para outros três livros sobre o compositor e compilou tudo em um texto.

Originalmente, o livro consistia em uma narrativa única e corrida, mas a opção gráfica se tornou interessante diante da quantidade de imagens encontradas na pesquisa e o volume virou uma enciclopédia. “A opção gráfica foi uma coisa que veio depois, ele foi concebido mais ou menos como um almanaque que tivesse um texto como fio condutor, um texto-base com a trajetória do Chico e verbetes que fossem explicando e contando coisas sobre pessoas e acontecimentos que tiveram alguma ligação com a trajetória dele”, avisa Regina.

Repetições são uma das marcas do livro. Muitas histórias aparecem em vários verbetes e a autora não hesita em recontar a filiação do compositor em cada momento em que se refere à família ou de repassar várias vezes alguns acontecimentos, como a reprodução das impressões da crítica diante da música de Morte e vida severina ou as comparações com Guimarães Rosa, quando Chico inventou a palavra “penseiro” para Pedro pedreiro. “Imaginei que os verbetes pudessem ser lidos de forma independente. Sei que tem coisas repetidas propositadamente ao longo do livro por conta disso.”

O mais interessante do almanaque de Regina está na própria fala de Chico. O trabalho de pesquisa permitiu resgatar entrevistas das quatro últimas décadas, e é por essas frases que o leitor acompanha boa parte do desenvolvimento da música brasileira no século 20. Um dos últimos verbetes ajuda a dar a medida cronológica e do amadurecimento do próprio Chico. Dedicado aos vícios, um pequeno texto no fim do livro narra a fissura do compositor pelo uísque e pelo cigarro nos anos 1960, pela vodca e caipirinha nos 1970, o abandono dos destilados, nos 1980, e a chegada do vinho nos 1990. Em entrevista concedida à revista Fatos e fotos, em 1967, Chico fala do prazer encontrado no tabagismo. Em outra, para uma edição da Manchete, de 1980, revela gostar de beber, mas evita a apologia. Já na entrevista à Trip, de maio de 2006, conta ter fumado maconha e experimentado cocaína. O trecho é um exemplo de como a trajetória do artista é aos poucos resumida nas entrevistas e nos verbetes.

Canções
           
Parceiro de shows: com Caetano, para acabar com a "rivalidade"

Regina escreveu três livros sobre o compositor antes de se debruçar sobre o almanaque. Chico Buarque — Cidade submersa reúne fotos em que Bruno Veiga interpreta 30 canções comentadas pelo autor e Chico Buarque faz parte da coleção Perfis do Rio. Em Cancioneiro songbook Chico Buarque Biografia, Regina conta de forma cronológica e tradicional a história do biografado. A novidade em Para seguir minha jornada está na quantidade de periódicos de época aos quais a autora teve acesso. “Fiz questão de ser um livro de pesquisa, porque entrevistas com ele eu fiz muitas ao longo desses três livros. Mas eu o consultei algumas vezes, ele me contou algumas histórias.” Ao final do livro, o material foi digitalizado e está disponível no Instituto Tom Jobim, organizado e classificado para quem quiser consultar, inclusive, on-line.

Entre coisas que Regina nunca ouvira estava a versão de Chico para o show que todo mundo atribuía ao produtor André Midani. Não foi dele a ideia de Caetano e Chico e sim de Roni Berbert de Castro, amigo de Chico e dono de uma loja de discos em Salvador, que queria dar um fim ao circo em torno da rivalidade entre os dois compositores. Midani se apropriou da ideia e produziu o encontro no Teatro Castro Alves, em novembro de 1972. Outra lembrança que andava guardada foi a participação no programa do Chacrinha. “E eu não lembrava e nunca tinha lido de o Chico ter ido ao Chacrinha, então ele me escreveu contando como foi. Ele tem uma memória muito boa, corrigiu datas e informações, a gente foi trocando figurinha por e-mail, mas entrevista formalmente não fiz nenhuma para este livro.”

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Investigação de juízes, homofobia e outros temas polêmicos na pauta de 2012
Matérias que aqueceram as discussões no Senado em 2011, e que, por sua natureza polêmica, acabaram não sendo votadas, retornam à pauta de trabalho dos senadores em 2012. Entre elas está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 97/2011, que disciplina o poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e um novo projeto de lei para tratar da homofobia. senado.gov.br 27/12  
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 Debate em clima tenso sobre a homofobia
 Reforma Administrativa e Estatuto da Juventude adiados. senado.gov.br 27/12  
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A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) concentrará alguns dos principais debates do primeiro semestre de 2012, inclusive a PEC do CNJ. O texto de autoria do senador Demostenes Torres (DEM-GO) torna mais clara a competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para processar e punir juízes. A proposta ganhou destaque neste final de ano depois da liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo Tribunal Federal (STF), restringindo os poderes do conselho. Com a decisão, os conselheiros não podem mais iniciar investigações, sendo autorizados a atuar apenas em processos já abertos pelas corregedorias dos tribunais que estejam paralisados. O STF ainda vai julgar o mérito das restrições.
Na última sessão da CCJ de 2011, senadores pressionaram para que a PEC - apresentada em agosto pelo senador Demóstenes Torres (DEM-GO) - pudesse ser votada ainda este ano, a fim de devolver ao CNJ o poder pleno para investigar magistrados. No entanto, um requerimento para realização de audiência pública sobre o tema, com participação da corregedora do CNJ, ministra Eliana Calmon, foi motivo de adiamento da discussão para 2012. Segundo o presidente da CCJ, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), a matéria será votada assim que seja realizada a audiência pública. Desse debate devem participar ainda ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e representantes de entidades dos magistrados. 
Ato Médico
Previsto para ser votados nas primeiras sessões da CCJ em fevereiro está o Projeto de Lei do Senado 268/2002, que regulamenta a profissão médica. Batizada de projeto do "Ato Médico", a proposta estabelece atividades que cabem exclusivamente ao médico, como formulação de diagnóstico, prescrição terapêutica, indicação e execução de procedimentos invasivos, entre outras atribuições.
A proposta tem parecer favorável do relator na comissão, Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que colocou de volta no texto atribuições retiradas pela Câmara dos Deputados. O senador garantiu que o texto não interfere nas atividades dos demais profissionais de saúde - como os fisioterapeutas. Essa é uma das principais preocupações de associações e entidades de classe da área, que vêm acompanhando de perto a tramitação da proposta na Casa.
Um exemplo citado por Valadares durante o último debate da matéria é que os exames laboratoriais voltam a ser privativos dos biomédicos e dos farmacêuticos.
- Procuramos preservar todas as atividades que são exercidas pelas demais profissões. O médico tem de atuar em sua área especifica, diagnosticando e, a partir dos exames, cuidando da doença. Estão muito claras no nosso texto as atribuições e competências do médicos e a preservação dos demais segmentos da saúde - explicou o senador em entrevista a entidades médicas.
Estatuto da Juventude
Menos conturbado que a PEC do CNJ, mas com tramitação acompanhada de perto por entidades estudantis como União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), está o Projeto de Lei da Câmara 98/2011, que institui o Estatuto da Juventude. A proposição em exame na CCJ, entre outros itens, regulamenta a concessão da meia-entrada, estendendo o benefício ao transporte intermunicipal e interestadual, e passando à responsabilidade de entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) a emissão das carteiras de estudante.

Depois da apresentação do substitutivo do relator, senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), alguns senadores pediram mais tempo para analisar a proposta. O substitutivo traz alterações no texto aprovado pela Câmara dos Deputados. Uma delas é a limitação da meia-entrada a somente 40% dos ingressos de eventos culturais, artísticos e esportivos promovidos pela iniciativa privada e a 50% dos ingressos no caso de eventos com apoio do governo. Outra mudança foi a extensão do direito à meia-entrada a jovens carentes de famílias beneficiadas pelo programa Bolsa Família, mesmo que estejam fora da escola.
Durante as sessões de discussão da matéria no Senado, os estudantes fizeram protestos e mobilizações - como visita a senadores e ao presidente do Senado, José Sarney - em busca de apoio ao Estatuto. 
Reforma administrativa
Também na pauta da CCJ está o Projeto de Resolução do Senado (PRS) 96/2009, que propõe a reforma administrativa da Casa. O substitutivo do senador Benedito de Lira (PP-AL), terceira versão da proposta desde 2009, foi concluído em dezembro e estava pronto para votação na comissão quando um anúncio de pedido de vista feito pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS) adiou sua discussão para 2012. Simon questionou se as sugestões do colega seriam suficientes para um real enxugamento da máquina administrativa da Casa.
O substitutivo a ser apresentado na CCJ fala em economia de R$ 150 milhões ao para os cofres públicos a partir da estratégia adotada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator da proposta na comissão especial criada para discutir o assunto. Entre as medidas estavam a priorização da área fim (produção legislativa); comando unificado para a coordenação dos órgãos da área meio; junção dos órgãos voltados à gestão do conhecimento; diminuição das despesas, por redução de hipertrofias, duplicidades e superposições; e designação de funções comissionadas exclusivamente para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento.
A proposta também propõe a regulamentação do pagamento de horas extras e a redução de 30% da mão de obra terceirizada, no prazo de seis meses, tomando como base os números de dezembro de 2010. O relator estimou, com a redução da mão de obra terceirizada, uma economia anual superior a R$ 48 milhões. Há críticas ao projeto, porém, no que tange cargos comissionados e funções. 
Homofobia
Na Comissão de Direitos Humanos (CDH), o Senado dará continuidade à discussão de uma das proposições mais polêmicas que já passaram pela Casa: o Projeto de Lei da Câmara 122/2006, mais conhecido como a lei anti-homofobia. O projeto criminaliza a discriminação motivada na orientação sexual ou em identidade de gênero da pessoa discriminada. O texto altera o Código Penal e a Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) para incluir orientação sexual no rol de discriminações criminosas como pela cor de pele, etnia, origem nacional ou religião.

O projeto está em discussão na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), sob relatoria da senadora Marta Suplicy (PT-SP). A relatora trabalha para conseguir um relatório de consenso entre senadores, que atendam militantes do movimento LGBT e evangélicos. Os dois segmentos têm tido atuação apaixonada no caso. Os militantes pelos direitos LGBT lutam para acabar com os constantes episódios de violência com motivações homofóbica. Os evangélicos, como o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), querem assegurar o respeito à liberdade religiosa, evitando que suas críticas a homossexualidade sejam tratadas como crime.
O projeto estava previsto para ser votado na CDH em dezembro. Mas percebendo a falta de entendimento entre os senadores e o risco de seu relatório ser rejeitado, Marta Suplicy preferiu adiar a apresentação para 2012 para ganhar mais tempo para elaborar um texto que contemple o segmento religioso, mantendo a punição a comportamentos violentos e a intolerância contra gays.
Ao final da última reunião para tratar do tema, o senador Magno Malta (PR-ES), afirmava que o PLC 122 estava "sepultado" e que só um novo projeto poderia trazer conciliação aos dois lados.
Jornalistas
Menos controversa, a PEC 33/09, que exige diploma de graduação em Comunicação Social para exercício da profissão de jornalista, deve ser votada em Plenário logo no início dos trabalhos de 2012. A matéria teve de abrir espaço a outras consideradas prioritária ao final do ano, como o projeto da Desvinculação de Receitas Orçamentárias (DRU).
Um acordo entre líderes partidários prevê sua votação em segundo turno em fevereiro. O primeiro turno já foi votado no final de novembro deste ano. A PEC dos Jornalistas, como ficou conhecida, estabelece por meio de um novo artigo da Constituição Federal, o 220-A que, o exercício da profissão de jornalista é "privativo do portador de diploma de curso superior de Comunicação Social, com habilitação em jornalismo, expedido por curso reconhecido pelo Ministério da Educação".
A proposta prevê, porém, a manutenção da tradicional figura do colaborador, sem vínculo empregatício, e torna validos registros obtidos por profissionais sem diploma, no período anterior à mudança na Constituição prevista pela PEC. A medida tenta neutralizar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de junho de 2009, que revogou a exigência do diploma para jornalistas. Dados do Ministério do Trabalho divulgados pelo portal Comunique-se revelam que cerca de 40% dos registros emitidos pelo ministério de 2010 a 2011 foram para profissionais sem diploma na área. De 1º julho de 2010 e 29 de junho de 2011, foram concedidos 11.877 registros, sendo 7.113 entregues mediante a apresentação do diploma e 4.764 por meio da decisão do STF.
Câmara
Alguns projetos que concentraram a atenção dos senadores em 2011 seguirão em debate no Congresso, na Câmara dos Deputados. É o caso do novo Código Florestal (EMS 1876/99), considerado prioridade pelo presidente da Casa, deputado Marco Maia. Aprovado em maio pelos deputados e alterado em dezembro pelos senadores, o texto retornou à Câmara para sua apreciação final.
Também com prioridade para os deputados está a votação do Projeto de Lei 2565/11, que trata da divisão dos royalties de petróleo entre os estados brasileiros. O projeto teve debate acirrados no Senado, principalmente por parte dos representantes dos estados produtores, e deve prosseguir polêmico na Câmara.
A matéria aprovada originalmente naquela Casa previa a distribuição dos recursos entre estados e municípios produtores e não produtores com base nos fundos de Participação dos Estados (FPE) e Municípios (FPM). O Senado alterou o texto, prevendo novos cálculos para a distribuição e, por isso, o texto retornou para apreciação da Câmara.
PEC das MPs
Em tramitação na Câmara está ainda a Proposta de Emenda à Constituição 70/11, do Senado, que altera o rito de tramitação das medidas provisórias. A proposta redistribui entre as duas Casas do Congresso o prazo de tramitação das MPs, aumentando o tempo de análise da matéria pelo Senado. Além disso, proíbe a inclusão no texto de assuntos diversos ao seu tema principal.
Aprovada por unanimidade no Senado, a matéria não vem sendo tratada com prioridade pela Câmara, segundo a queixa de alguns senadores. Encaminhada aos deputados em agosto, a PEC segue aguardando parecer da CCJ daquela Casa, para insatisfação dos senadores, que reclamam da falta de atenção dos colegas de Congresso com o assunto.

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CARLOS VELLOSO.   TENDÊNCIAS/DEBATES
O STF e o Conselho Nacional de Justiça.   É desejável a atuação firme do CNJ para punir e afastar o juiz que não honra a toga, respeitando o devido processo legal, garantia constitucional.   Decisões do Supremo Tribunal que têm por objeto o Conselho Nacional de Justiça não vêm sendo corretamente interpretadas. FOLHA SP 28.12
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É o caso, por exemplo, de liminar recentemente deferida a respeito da competência do CNJ para instaurar investigações contra juízes e tribunais. As notícias são no sentido de que essas decisões esvaziariam o poder de fiscalização do Conselho.

Não é isso o que ocorre. Vejamos.

A Constituição, redação da emenda 45, estabelece a competência do CNJ: o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (art. 103-B, § 4º). Essa competência é exercida, primeiro, sobre a legalidade dos atos administrativos do Judiciário.

Cabe ao CNJ zelar pela observância do artigo 37 da Constituição e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Judiciário, podendo desconstitui-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas.

Tem-se, no caso, conforme foi dito, o controle da legalidade dos atos administrativos praticados pelos órgãos do Judiciário.

Segue-se a competência correcional, nos incisos III, IV e V do § 4º do artigo 103-B: compete ao CNJ conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Judiciário, inclusive serviços auxiliares, serventias, órgãos notariais e de registro.

No ponto, todavia, o dispositivo constitucional ressalva a "competência disciplinar e correicional dos tribunais", podendo o CNJ avocar processos disciplinares em curso -nos casos de omissão por exemplo, das corregedorias- (§ 4º, III) e "rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano" (§ 4º, V). E mais: é competência do CNJ "representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade" (§ 4º, IV).

Verifica-se, então, numa interpretação harmoniosa dos dispositivos constitucionais indicados, que a competência correicional do CNJ é subsidiária, porque a Constituição assegura autonomia administrativa aos tribunais-autonomia, aliás, pela qual deve o CNJ zelar (§ 4º, I)- estabelecendo que a eles compete, privativamente, além de outras questões, velar pelo exercício da atividade correicional respectiva (Constituição, artigo 96, I, "b").

É de elementar hermenêutica que o direito é um todo orgânico e que as normas legais devem ser interpretadas no seu conjunto.

Dir-se-á que há corregedorias de tribunais que não estariam cumprindo com o seu dever.

Nessa hipótese, que o CNJ não se omita, dado que pode avocar processos disciplinares em curso (§4º, III) e rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano (§4º, V), devendo representar ao Ministério Público no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade (§4º, IV).

Assim há de ser posta a questão, que deve ser examinada sem "parti pris". E é bom lembrar que a Constituição vigente, a mais democrática das Constituições que tivemos, estabelece o devido processo legal e nesse se inclui autoridade administrativa e juiz competentes, independentes e imparciais (artigo 5º, LV), característica do Estado democrático de Direito.

Sem dúvida que é desejável a atuação firme do CNJ para punir e afastar o juiz que não honra a toga. Com observância, entretanto, do devido processo legal, garantia constitucional que ao Supremo Tribunal cabe assegurar.

CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, 75, advogado, professor emérito da UnB e da PUC/MG, foi presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.
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VINICIUS TORRES FREIRE.    Cultura e opulência do Brasil
Menos ignorante e desigual, mais inovador e com sorte, Brasil levaria 20 anos para ter renda de "países ricos" FOLHA SP 28.12
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VAI SER engraçado se, em fevereiro, quando sair o resultado do PIB, a gente descobrir que o Brasil não se tornou a "sexta maior potência do mundo", à frente do Reino Unido, assunto que causa certa comoção desde anteontem, quando a notícia foi ressaltada num jornal britânico.

Bastaria uma variação contrária de décimos de PIB e de centavos na taxa de câmbio do real e da libra pelo dólar para reverter o bafafá folclórico sobre o gigante que levantou do seu berço esplêndido (nós), agora tema até de propaganda de uísque escocês (britânico, por tabela!).

Não que vá fazer diferença real. Mas não deixa de ser curioso ver como os nacionalismos (e os seus contrários) rebrotam devido apenas a ninharias midiatizadas, tais como a variação de décimos num cálculo de regra de três, o do PIB em dólar.

Nem sempre, como escreveu Paul Krugman, estatísticas econômicas são apenas um tipo tedioso de ficção científica. Rendem também cordéis psicológicos sobre delírios de grandeza. Mas passemos.

Animada, gente do governo diz ainda que o Brasil terá padrão de vida europeu em 10, 20 anos. Uhm.

Se o PIB per capita do Brasil dobrar, chegaremos à renda de "país desenvolvido", mas ainda algo abaixo dos europeus ocidentais mais pobrezinhos. Para dobrar o PIB per capita em uma década, a economia precisa crescer a mais de 7% ao ano.

Se o prazo é 20 anos, seria preciso que o PIB crescesse mais de 4% ao ano, por duas décadas (imaginando que o aumento populacional seja algo menor que o de agora). Crescemos a 4% na média dos oito anos Lula. Mas isso é só aritmética.

Passar de economia de renda média para rica é difícil. Um empecilho seria a "armadilha da renda média", como dizem (alguns) economistas. Empregar mão de obra barata e abundante e, em seguida, aumentar a produtividade recorrendo a tecnologias e a conhecimentos vulgarizados no mundo rico pode, em certas condições institucionais, sociais e macroeconômicas, acelerar o crescimento até o nível "médio" de renda (caso do Brasil). Daí a ladeira ficaria mais íngreme.

Não se trata, claro, de uma lei física, mas é evidente que o tropeço nesse nível de renda é comum. Há controvérsia, óbvio, sobre como sair da armadilha (e também sobre como os países cairiam nela): sobre como continuar a crescer rápido. Falta de educação, inovação, integração com o comércio mundial, regimes históricos de propriedade (falta de reforma agrária no momento certo poderia ser um problema), desigualdade, relações internacionais de poder, tudo pode ser um impeditivo -deve ser mesmo.

Acasos da história possam talvez dar um empurrão para países de renda média ricos em recursos naturais, como o Brasil: commodities e derivados estão em alta devido ao progresso da China e da Índia.

Apesar do que dizem os economistas-padrão, americanos em especial, há muita variação nas histórias e "modelos" de crescimento. Além do mais, experiências antigas em geral, americana, alemã ou coreana, são irreproduzíveis, na íntegra. Do básico, sabemos só que:

1) Deixar a classe dos médios para a dos ricos não é fácil. Não existem várias Coreias do Sul; 2) Ignorância, gastos excessivos e endividamento a juro alto jamais deram pão a ninguém. Mas não estamos cuidando nem desse básico.


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'Nova Prosa' investiga o universo literário.   Lançamentos da coleção de literatura contemporânea da Editora 34 têm escritores e tradutor como protagonistas.   Prestes a comemorar 20 anos, editora publica novas obras de Furio Lonza, Chico Lopes e Pedro Süssekind  FOLHA SP 28.12

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Os três últimos lançamentos da Editora 34 apontam para um caminho que a literatura mundial vem seguindo com frequência no século 21: obras com personagens que são escritores ou que têm relação com a literatura.

"Crossroads", de Furio Lonza, acompanha quatro décadas na vida do protagonista, um escritor frustrado que trabalha como jornalista. "Há trechos autobiográficos, mas o resto é análise realista dos últimos 43 anos", afirma o ítalo-brasileiro Lonza.

As experiências de amadurecimento do narrador são alternadas com relatos sobre cada decênio vivido por meio de descrições que vão do relato da mobília e de trajes da época até a música ouvida e as drogas então usadas.

Assim como seu personagem, Lonza valoriza sobretudo o idealismo sessentista.

"As utopias dos anos 60 têm que continuar enquanto houver pessoas morrendo de fome, em estado de inanição. Essa luta está exposta na metáfora final, quando os castelos de areia são reconstruídos várias vezes", diz.

O grande destaque da obra, no entanto, são as personagens Ana e Helena, figuras de alta complexidade psicológica, por quem o narrador se apaixona, que irão definir a sua personalidade.

"Os homens são meio bobões. As personagens femininas são fortes e bem acabadas para que haja equilíbrio entre protagonista e antagonista", explica Lonza.

NOVELA PSICOLÓGICA

Em "O Estranho no Corredor", primeira novela de Chico Lopes, temos também um protagonista aspirante a escritor, assombrado pela aparição recorrente de um figura masculina misteriosa.

Como contraponto, no plano realista da história, aparecem personagens femininas, como a dona da pensão e a tia do protagonista, que tentam controlar suas paranoias.

"O protagonista busca redimir o masculino dentro dele e a novela constrói um enigma psicológico. Seu ponto de vista está contaminado, formando um jogo entre o delírio e a realidade em um recorte expressionista", diz Lopes.

O escritor diz que a função de sua literatura é promover um desacordo entre seus personagens e a história brasileira, com intuito de desconstruir a realidade opressora.

"A literatura tem que inquietar, sem medo de transgressão. Deve desmistificar psicologicamente o mundo de forma radical", avalia.

"Por isso, quis embaralhar os dados para que o leitor não soubesse o que é delírio ou realidade", completa.

Em "Triz", de Pedro Süssekind, o narrador é um tradutor do russo, ocupado com a tradução de um romance e com apostas em corridas de cavalos no hipódromo do Rio.

Há toques de metaliterariedade, sobretudo quando o narrador descreve passagens da tradução ou o autor toma a voz do personagem.

"Os dois planos narrativos fazem parte da memória do narrador, de modo que os eventos da 'vida real' do personagem e os do livro que ele traduz se entrelaçam e se combinam como recordações", afirma Süssekind.

CROSSROADS

AUTOR Furio Lonza

EDITORA 34

QUANTO R$ 39 (288 págs.)

O ESTRANHO NO CORREDOR

AUTOR Chico Lopes

EDITORA 34

QUANTO R$ 30 (128 págs.)

TRIZ

AUTOR Pedro Süssekind

EDITORA 34

QUANTO R$ 30 (136 págs.)




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