terça-feira, 29 de novembro de 2011

Literatura. A editora dos brasileiros. José Olympio completa oito décadas de existência privilegiando as letras nacionais O popular/GO 29.11

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José Lins do Rego (à direita) e Graciliano Ramos: dois autores nacionais editados pela José Olympio

Um dos endereços mais agitados do Rio de Janeiro nos anos 1930 e 1940 era a Rua do Ouvidor, 110. Ali, onde funcionava a Livraria José Olympio, reunia-se, especialmente aos sábados, aquela que seria considerada a nata da literatura brasileira, autores como José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Marques Rebelo, entre vários outros. O ponto em comum era a amizade e o reconhecimento que todos compartilhavam com o paulista José Olympio (1902-1990), cuja editora representou o grande estímulo para os jovens talentos. E hoje, quando a casa editorial completa exatamente 80 anos, o direcionamento continua privilegiando a escrita nacional.

"Quando o grande interesse estava focado na literatura francesa, José Olympio apostava nos autores nacionais e foi responsável, por exemplo, pelo lançamento da geração de 1930", comenta Maria Amélia Mello, que está na editora desde 1985 e hoje é sua atual diretora.

Modesto filho de português que começou a vida lavando vidros numa farmácia, José Olympio mudou-se para o Rio depois de ter comprado e vendido a biblioteca de Alfredo Pujol em São Paulo. Na capital carioca, logo se estabeleceria ao lançar toda a obra dos romancistas, poetas, críticos relevantes e até do pintor Portinari, que foi capista da editora e teve por ela lançado, logo após a morte, um livro de poemas.

Seu mérito foi dar o devido apoio a escritores que, mesmo já publicados por outra casa, ainda viviam no obscurantismo. Augusto Frederico Schmidt, por exemplo, descobriu Graciliano Ramos lendo o relatório do então prefeito da remota Palmeira dos Índios, Alagoas, e dele publicou o livro de estreia, Caetés . Mas foi na J.O. que se tornou conhecido nacionalmente.

Caminho idêntico foi percorrido por José Lins do Rego, cujo Menino de Engenho só se tornou um best-seller quando editado por Olympio - o cuidado editorial, aliás, refletia-se na capa e ilustrações, do artista Santa Rosa. E há ainda o exemplo de Rachel de Queiroz, que se tornou comentada a partir de seu terceiro livro, Caminho de Pedras , o primeiro sob a chancela da editora carioca.

Concurso

Uma das histórias mais famosas aconteceu em 1938, quando a Livraria José Olympio promoveu um concurso literário. Luis Jardim e Guimarães Rosa foram os finalistas. No júri, Graciliano Ramos desempatou a favor de Jardim, mas não estava certo da decisão - afinal, reconheceu uma certa irregularidade nos contos de Rosa, com alguns excelentes e outros nem tanto. Por conta da dúvida, Graciliano escreveu uma crônica, em que justificava seu voto e incentivava o perdedor a sair do anonimato.

Guimarães Rosa preferiu o silêncio e apenas nove anos depois é que foi apresentado ao autor de Vidas Secas . Humilde, Rosa reconheceu que alguns contos realmente não apresentavam a devida qualidade. Aliás, em 1946, ao publicar Sagarana, ele excluiu exatamente os três textos mais criticados por Graciliano e aperfeiçoou os demais, principalmente a obra-prima A Hora e a Vez de Augusto Matraga .

E não era apenas na ficção que as edições da José Olympio se destacava. Sob a direção de Gilberto Freyre (cujo Casa-Grande & Senzala foi lançado por Schmidt em 1933, mas atingiu notoriedade na J.O. a partir da 4.ª edição), foi criada a coleção Documentos Brasileiros e a inauguração, em 1936, aconteceu justamente com Raízes do Brasil , de Sérgio Buarque de Holanda.

Há também dissabores - na recente reedição de Graciliano: Retrato Fragmentado (Editora Globo), ao traçar o perfil de seu pai, Ricardo Ramos lembra que, em 1955, quando a editora mudara de comando, a obra de Graciliano não era mais devidamente reeditada. "A Casa mudara de rumo. Apegara-se a figuras públicas, adiara os escritores em que investira", escreveu Ricardo, que levou a obra do pai para a Martins Fontes.

Era o prenúncio de uma queda que culminaria em 1975, quando, depois de dificuldades financeiras, a J.O. foi encampada pelo BNDES. Por conta disso, diversos de seus autores tiveram de procurar outros selos editoriais. O ressurgimento aconteceu em 2001, com a aquisição da marca pelo Grupo Record, de Sérgio Machado. Com isso, aos poucos, antigos escritores acabaram voltando e hoje a José Olympio tem em seu catálogo obras de Ariano Suassuna, Ferreira Gullar, Rachel de Queiroz, José Cândido de Carvalho, Augusto Meyer, entre outros.

Sob a direção de Maria Amélia, novos selos foram lançados como a Sabor Literário, de 2006, que reúne textos raros, encontráveis então apenas em sebos. E os projetos continuam: para 2012, a obra de Gullar será reeditada com novo projeto gráfico; crônicas pouco conhecidas de Lins do Rego e Rachel de Queiroz ganharão volumes próprios, e Movimentos Modernistas no Brasil, de Raul Bopp, ganha reedição. "E provavelmente o novo Ariano, O Jumento Sedutor ", diz Maria Amélia.

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LITERATURA » Poesia de útero. Diva no teatro, Dina Brandão lança o primeiro livro solo de poesia. Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. Entre seus principais livros estão "O Nome da Rosa" e o "Pêndulo de Foucault".

Correio BSB 29.11

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Desde 1977, Dina Brandão estava prenhe de um rebento que se alimentou e cresceu em seu útero até irromper hoje ao mundo. O filho poético, batizado de Do amor e seus descabelos, corre solto, livre das entranhas, e enche o leitor de possibilidades com versos, missivas, ensaio e o que a autora chama de plano de voo. Conhecida e respeitada no DF pelo exercício de atriz (para muitos, é uma diva), ela lança o primeiro livro solo depois da parceria com Vicente Sá em Ironia dos deuses, naquele distante 1977. “Foi uma obra feita bem no clima mimeógrafo, eu datilograva as poesias na máquina Olivetti de meu pai, depois recortávamos e colávamos tudo artesanalmente. Vendemos tudo na noite de autógrafos”, ri Dina.

Trinta e quatro anos depois, o nascimento de Do amor e seus descabelos obedece a outros procedimentos. Dina Brandão juntou as economias e pagou do bolso a edição caprichada e vistoriada pelo seu olho clínico. O livro tem belíssimas ilustrações de Tânia Botelho, prefácio do jornalista Fernando Marques e orelha de Vicente Sá: “Quem viu não esquece jamais. Uma pequena poetisa-bailarina de cabelos esvoaçantes a passear de mãos dadas com a poesia pela grama do Elefante Branco e pelas quadras de Brasília dos anos 1970”, escreve o amigo.

O que Vicente Sá viu em certa medida está espalhado pelas páginas de Do amor e seus descabelos, que é lançado hoje, às 19h, no Café Savana (116 Norte), numa noite em que Dina Brandão promete estar como seus versos: “Ontem desaguei um temporal./ Inundei minha casa, as ruas, as quadras./ Saí encharcando de lágrimas/ O cerrado do Planalto Central”.

O livro segue entre poemas numa viagem pelo tempo lúdico de Dina Brandão e recai em missivas sem destinatário, prosas poéticas sobre amores de todas as naturezas: “Ganhei também umas mangas bem madurinhas que chupei com uma boca tão gostosa de atrair abelhas fora de órbita, disputando o melaço que eu deixava escorrer pelos braços, e o queixo amarelo de tanta manga!”.

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Não amar nem sempre quer dizer odiar, diz Umberto Eco. The New York Times 29.11

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Nos últimos anos eu escrevi sobre o racismo, a construção psicológica do inimigo e a função política da expressão de ódio pelos "outros" ou do desprezo pelo conceito de diversidade. Eu acreditava já ter dito tudo o que havia a dizer sobre essa questão, mas em uma conversa recente com o meu amigo Thomas Stauder, surgiram algumas questões novas --bem, pelo menos para mim elas eram novas. Foi aquele tipo de conversa após a qual a gente não consegue se lembrar exatamente quem disse o que, mas que foi marcada por uma concordância quanto às conclusões.

As pessoas tendem, com uma tolice bastante pré-socrática, a enxergar o amor e o ódio como dois opostos --alternativas mutuamente necessárias e simétricas. Ou seja, se nós não amamos uma determinada pessoa, temos necessariamente que odiá-la, e vice-versa. Obviamente, no entanto, existem infinitos estágios intermediários situados entre esses dois polos. Mesmo se utilizarmos os termos metaforicamente, o fato de eu adorar pizza, mas não ser louco por sushi, não significa que eu odeie sushi --eu simplesmente gosto menos de sushi do que de pizza. O fato de eu adorar alguém não significa que eu odeie todas as outras pessoas; o oposto do amor pode tranquilamente ser a indiferença. Eu amo os meus filhos, e sou indiferente em relação ao motorista de táxi que me buscou duas horas atrás.

Mas o fato concreto é que alguns tipos de amor são isoladores, exclusivos. Se eu me encontrar loucamente apaixonado por uma mulher, eu esperarei que ela ame a mim e não a outros (ou pelo menos não da mesma forma). De forma similar, uma mãe sente um amor intenso pelos seus filhos e deseja que eles a amem de uma maneira especial, e ela jamais sentir-se-á compelida a amar os filhos de outras pessoas com a mesma intensidade. Portanto, da sua maneira própria, o amor é egoísta, seletivo e possessivo.

É claro que existe aquele mandamento que nos diz para “amar” os nossos vizinhos – todos os sete bilhões de seres humanos – da mesma forma que nós amamos a nós próprios. Mas, na prática, esse mandamento apenas nos obriga a não odiar ninguém; ele não significa que nós tenhamos que amar um desconhecido da mesma maneira que amamos os nossos pais ou os nossos netos.

Eu amo o meu neto mais do que, digamos, um caçador de focas que eu jamais conheci pessoalmente. Isso não significa que para mim não teria a menor importância se um homem que mora do outro lado do mundo morresse, mas o fato que é que em qualquer circunstância eu ficaria mais abalado com a morte da minha avó do que a de um desconhecido.

Por outro lado, o ódio pode ser coletivo. Na verdade, especialmente sob regimes totalitários, ele tem que ser necessariamente coletivo. Quando eu era criança, o Partido Fascista me perguntou se eu odiava todos os filhos de Albion (Grã-Bretanha), e todas as noites Mario Appelius recitava no rádio o seu ritual "Que Deus amaldiçoe os ingleses". É isso o que desejam os ditadores e os populistas – e também as facções religiosas fundamentalistas –, já que o ódio por um inimigo comum une as pessoas e faz com que todas elas sintam o mesmo ardor.

O amor aquece o coração em relação a apenas algumas poucas pessoas selecionadas. Já o ódio aquece o coração em relação a todos os que estão do nosso lado, e é capaz de mobilizar um grupo contra milhões de indivíduos: uma nação, um grupo étnico, pessoas que têm a cor da pele diferente ou aquelas que falam outra língua. Um italiano racista pode odiar albaneses, romenos ou ciganos. Umberto Bossi, o líder do partido italiano Liga Norte, detesta todos os italianos do sul (e ao considerarmos que o salário dele é pago, em parte, pelos impostos cobrados dos sulistas, tal fato é realmente uma obra prima de malignidade, na qual o ódio se integra ao prazer de atormentar ainda mais os atormentados). Quando era primeiro-ministro, Silvio Berlusconi deixou claro que detestava juízes e pediu ao povo italiano que fizesse o mesmo – e que detestasse também todos os comunistas, mesmo que isso significasse conjurar imagens destes indivíduos que não existem mais.

Portanto, o ódio não é individualista, mas sim generoso e inclusivo, englobando multidões inteiras de uma só vez. Somente nos romances nos dizem que é bonito morrer por amor; e geralmente o herói que mais deve ser imitado é aquele que sucumbe ao derrotar o vilão – o inimigo odiado.

A história da nossa espécie é mais marcada por ódio, guerras e massacres do que por atos de amor, que são intrinsecamente menos confortáveis e também bastante cansativos quando ousam transcender o círculo imediato do nosso egoísmo. A nossa queda pelos prazeres do ódio é tão natural que os líderes manipuladores não encontram nenhum empecilho para estimulá-la. Por outro lado, em determinadas ocasiões, ao que parece, nós somos encorajados a amar apenas por intermédio de personagens fictícios e repulsivos que têm o hábito desconcertante de beijar leprosos.

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Umberto Eco

Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. Entre seus principais livros estão "O Nome da Rosa" e o "Pêndulo de Foucault".

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