segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Entrevista - Ioram Melcer. correio 15.11

Ioram Melcer, escritor e tradutor de livros de castelhano, português, francês, italiano e catalão, participa de bate-papo hoje, às 18h, no Café Literário, na programação da Feira do Livro. Em solo brasileiro, já visitou Recife, São Paulo e Olinda, em duas oportunidades, durante a Fliporto (Festa Literária Internacional de Pernambuco) — a edição atual termina hoje. Melcer verteu para o hebraico obras de Jorge Amado, Paulo Coelho, Salman Rushdie, Fernando Pessoa e Mario Vargas Llosa. Vê, no contato com escritos de outros países, a oportunidade de ampliar seus horizontes criativos. Em entrevista ao Correio, o autor adianta que prefere palestras movidas a histórias e contos do que uma conversa formal e sisuda sobre literatura. Ele fala também sobre a sua relação com a literatura brasileira e expõe uma visão particular sobre as diferenças e conflitos entre produção árabe e israelense.

Tradutor das palavras do mundo

Publicação: 15/11/2011 02:00

Gosto menos de feiras industriais e mais de encontros de verdade, com diálogos entre pessoas"

Ioram Melcer

Você tem um currículo lotado de traduções de livros de várias partes do mundo. Quais são os autores mais desafiadores?

Acredito que os “piores”, que são os melhores para mim como tradutor e amante de literatura, são Fernando Pessoa, Julio Cortázar, António Lobo Antunes… Está para sair a minha tradução para o hebraico de Rayuela, de Cortázar: um livro de beleza, dificuldade e complexidade excepcionais. Já traduzi quase 80 livros e o que me interessa hoje é o desafio e a possibilidade de aportar algo dos grandes livros às línguas que conheço para que o leitor em hebraico as possa conhecer.

Qual a sua relação com a literatura brasileira e seus autores?

Escritores clássicos inspiram mais desafios no processo de tradução?

Leio literatura brasileira. Não de maneira sistemática, mas leio bastante. Ultimamente, por exemplo, livros de Milton Hatoum, Luis Fernando Verissimo e outros. Essa visita vai me fazer ler outros, como Frei Betto. Claro que já li obras de Clarice Lispector, Jorge Amado e alguns clássicos da literatura brasileira. Agora, tenho gana de entrar na obra de Gilberto Freyre. No caso dos brasileiros atuais, a dificuldade está na equivocada simplicidade, que nunca existe, nessa economia sossegada de uma língua que oculta muitos estratos, alusões e intenções.

Entre os livros que você já publicou, está o título Pelé: um deus de carne e osso. Pode falar um pouquinho desse trabalho?

É um livro sobre duas pessoas. Sobre Edson Arantes do Nascimento e Pelé. Mais do que tudo, é um ensaio que analisa a complexidade de um Edson que se vê transformado em Pelé, um deus de carne e osso. Conto aí, no começo do livro, como tive a sorte, em 1970, de encontrar pessoalmente Pelé em Tegucigalpa (Honduras), falar com ele, tomar um sorvete que ele comprou para mim, quando a seleção estava a caminho do México. Uma vivência singular, para um garoto de 7 anos que conhecia todos os jogadores como rostos de “figurinhas”. Quem me dera Pelé tenha chegado a saber que conto uma história tão pessoal, meu encontro com ele, que descansava, sozinho, na piscina do Hotel Honduras Maya, permitindo-se ser Edson durante meia hora com esse menino israelense.

Você circula nos gêneros de romance e ensaio. Tem trabalhado em algo autoral neste momento?

Sim, estou escrevendo um romance longo, “grande” no sentido de que abarca 40 anos na vida de um israelense, que vive a transformação do país de sua inocência ideológica a um certo cinismo, nos anos 2000. Esse livro pergunta qual é a verdadeira pátria. Creio, quanto mais escrevo, que o romance dirá que pátria é a combinação muito individual entre língua e amor. Não é o “lugar” físico, nem um sonho socioideológico. Para o indivíduo que vive e sente saudade, a pátria é algo muito íntimo. (Fernando) Pessoa disse à sua maneira: “A minha pátria é a língua portuguesa”. Meu protagonista vai se decepcionar com a promessa coletiva e vai buscar seu lugar na língua e no coração de uma mulher.

Gosta da movimentação de feiras literárias e eventos semelhantes? O que esses encontros acrescentam à carreira de um escritor?

Gosto menos de feiras industriais e profissionais, e mais de encontros de verdade, com diálogos entre pessoas, momentos de energia viva. E quanto às carreiras, diria que temos de cuidar para que a literatura não evolua como o futebol: transformado em domínio feudal de agentes e intermediários comerciais. Ademais, como nas grandes livrarias, as feiras são lugares de muito perigo. Perigo de náuseas, overdoses e essa depressão que alguém sente diante da quantidade arrasadora de livros.

Houve uma febre dos chamados “romances de burca” há alguns anos, especialmente com o best-seller O caçador de pipas. Como você analisa a produção literária do Oriente Médio atualmente?

Comecemos por fazer notar que a burca é um termo inadequado, mal usado, pouco entendido. Existem cinco, 10, 15 artigos de vestimenta muçulmana feminina, e não são todos iguais. Porém, indo direto ao ponto, diria que é uma moda, mas bem dirigida ao consumidor ocidental. O tema da mulher no mundo do Islã é complexo e fascinante, problemático e cheio de casos de heroísmo. Em Israel, as mulheres muçulmanas operam ONGs com ajuda do Estado, e gozam da democracia israelense para se fazerem ouvidas, para lutarem. É essencial, por exemplo, que o ocidente conheça mais a obra de Nawal Al Saadawi, a grande feminista egípcia, que ressurgiu com a revolução de 2011.

E em Israel, também existem tendências no mercado interno?

Quanto à produção literária no mundo árabe, segue sendo demasiado pobre. Em Israel, publica-se um título editorial a cada 80 minutos, 365 dias por ano, mais, muito mais que em todo o Oriente Médio fora de Israel. A democracia necessita de livros, e os livros fazem a democracia. Outro ponto a se destacar é que em Israel se traduz de tudo, incluindo obras árabes, até de países “inimigos”. O oposto não acontece. Há autores egípcios que se opõem à tradução para o hebraico, dizendo que é um ato de espionagem contra seu país. Espero que a Primavera Árabe inclua uma troca nesse sentido. É perfeitamente aceitável não estar de acordo. Não dialogar é ser fundamentalista, fascista, antidemocrático e até ir contra a essência do ser humano. Somos seres de diálogo.

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CORREIO WEB 21.11

A guerrilha independente

Escritores, editores e consultores dão preciosas dicas sobre como publicar um livro em esquema alternativo, realizar a distribuição e ganhar dinheiro CORREIO WEB 21.11

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Gregório Borges insistiu e aprendeu a tomar a iniciativa para sobreviver sem ajuda de uma grande editora

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Publicar um livro já foi uma aventura épica, mas os tempos mudaram e surgiram opções acessíveis. Existem várias editoras pequenas que podem fazer isso, mas para seu livro ser vendido, você tem de trabalhar.

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Esqueça a imagem do editor compreensível que transforma sua obra num best-seller num passe de mágica. Nem para a autora de Harry Potter foi moleza. Para conseguir um lugar nas cobiçadas prateleiras das livrarias, seu produto terá de ser apresentado nas redes sociais, nas feiras e até mesmo em bares pela cidade. “Não se compra aquilo que não se conhece. Para ser conhecido, é preciso fazer propaganda e os independentes não têm dinheiro para isso”, resume o gerente e editor da Editora Thesaurus, Tagore Alegria, que sugere técnicas de guerrilha aos autores independentes.

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“Comece avisando todos os amigos, familiares e conhecidos sobre seu livro. Depois, faça panfletos, divulgações em escolas ou bares. E não esqueça os livreiros; eles são sensíveis aos autores independentes”, ensina o filho de Victor Alegria, um dos mais antigos editores de Brasília.

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A técnica tem dado certo para Gregório Borges. Em 2010, depois de finalizar A batalha do universo inconsciente, o geógrafo de 28 anos enviou cópias de sua primeira obra para as grandes editoras do eixo Rio-São Paulo. Elas o ignoraram solenemente. Insistente, o autor decidiu buscar editoras menores. Encontrou uma que prometia além do pacote básico — revisão e publicação de seus escritos — espaço em feiras e livrarias. Foram parar na Bienal de São Paulo, onde vendeu pouco mais de 60 unidades.

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Ao voltar a Brasília, organizou novo lançamento. Para encher o foyer da Livraria Cultura, chamou conhecidos pelas redes sociais. Contou a todos os amigos do Orkut que estava com um livro na praça, fez o boca a boca entre conhecidos e percebeu que precisaria ir mais longe para não ficar restrito a amigos dos amigos. Foi quando decidiu ir pra rua.

“Agora, levo meu livro para grandes eventos, festivais de cinema, de blues, bares da moda. É uma aventura. A gente pode conhecer gente que se interessa por literatura e, de fato, aumentar o número de leitores”, diz, com jeito de veterano. “Mas há noites terríveis. Já fui enxotado de mesa”, pondera o autor, que tem vendido em média cinco livros nas melhores noites.

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No entanto, ele não se esquece de fazer a política de boa vizinhança com as livrarias da cidade e deixa sua obra em consignação em várias delas, como na Livraria da Rodoviária, na Dom Quixote, no Café com Letras, no Sebinho e na Livraria Cultura; a megastore acolhe autores independentes, respeitando a lógica de mercado.

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Exposição

O que isso significa? Que lá a venda de livros depende unicamente da demanda pelas obras. “O que vai determinar a permanência do livro na loja ou o tempo de exposição nas prateleiras é sua atratividade; a demanda por ele. Se tivermos interesse em vender o livro, não exigimos sequer CNPJ ou código de barra”, diz a analista de compras da Livraria Cultura do Iguatemi, Maria Hermana.

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No ano passado, a compradora até fez um evento com autores brasilienses para impulsionar suas vendas, mas a tentativa fracassou e os independentes devem ser competitivos se quiserem garantir um lugar na vitrine. “Para consolidar a venda, é preciso que o autor ache seu nicho, seus leitores, e saiba vender seu produto de forma adequada. E isso se dá fora da livraria”, avalia.

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A caminho do 10º livro, todos produzidos e vendidos de forma 100% alternativa, sem ajuda de uma editora ou distribuidora, o escritor Wilson Lavareda bateu de porta em porta das escolas públicas e particulares a fim de conquistar os professores e garantir a leitura de seus livros pelo seu público — maioria na faixa da sétima e oitava séries. Este ano, 16 escolas adotaram seu livro O beijo, entre elas, o rígido Colégio Militar.

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Sem recursos

As experiências desses autores revelam que o difícil não é escrever a obra. O desafio maior vem depois. Sem recursos para criar ou pagar a comunicação, distribuição ou divulgação — tudo é feito pelo próprio escritor — é preciso buscar espaços livres e gratuitos. “Meu último livro foi lançado na Biblioteca Demonstrativa de Brasília. Esse é o maior desafio: pedir para que outras pessoas abram espaços para mostrar o seu trabalho”, diz Lavareda, que pediu demissão para viver de literatura. Mas ainda é a esposa quem sustenta os gastos da casa.

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Viver da venda de livros também não pagaria todas as contas do escritor e administrador de empresa Álvaro Modernell, 45 anos. Exemplo de autor independente que achou um nicho específico (educação financeira e ambiental), Modernel vem conseguindo boas vendas com suas obras voltadas para o público infantil. Em seis anos, teve 150 mil livros comercializados, sendo as escolas as maiores consumidoras desses títulos. “Viver de venda de livros em um país que lê muito pouco é um desafio. Nessa cadeia produtiva, os autores são os que ficam com a menor fatia da pizza”, alerta.

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O que prova o outro desafio dos independentes: para se ter uma obra vendida de forma consistente não basta apenas divulgação, é preciso que o livro — além de bem escrito, suscite interesse no público. J. K. Rowling demorou seis anos para concluir a história de Harry Potter. Apesar de andar pra lá e pra cá com ouro puro nas mãos, recebeu negativa de oito editoras antes de conseguir publicar as aventuras do bruxinho inglês.

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O que reforça a tese de que os livros não acontecem por acaso. Apenas como estímulo: as histórias de Harry Potter venderam 450 milhões de exemplares até agosto de 2011, tornando a inglesa Joanne a autora mais rica do mundo.

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Um escritor nas alturas

Do alto dos tamancos gregos de madeira, ele atinge 2,12m. É de cima dessa plataforma que o professor e escritor paraibano Paulo Cavalcante divulga o livro O martírio de viventes, seu primeiro romance. A roupa mostra a presença da figura sertaneja. Vestido de cangaceiro, o escritor já vendeu mais de 8 mil exemplares do livro, que está na 6ª edição. Com divulgação independente, ele sai em eventos como feiras de livros, vaquejadas, praias e quiosques. “Fico parado, parecendo uma estátua, e assim acabo despertando a curiosidade das pessoas, que vão se aproximando para ver o que estou fazendo”, explica. Paulo chega a permanecer 12 horas em cima dos tamancos. “Subo na plataforma quando a feira abre e de lá só saio quando fecham as portas”, garante. A criatividade valoriza os acessórios da vestimenta do personagem. Os tamancos, que medem 35cm, servem de marmita. Embaixo da plataforma de aço, ele guarda alimentos para aguentar a maratona, como maçã, castanha e banana. Em 112 páginas, conta a saga de uma família que atravessa uma seca com duração de 21 meses.

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Prepare-se

Pensar, escrever, editar, revisar, diagramar, publicar, distribuir, lançar. O caminho é longo, mas não chega a ser tortuoso. Abaixo, as dicas dos autores, livreiros e editores para quem quer entrar para o seleto e combativo grupo de autores independentes.

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» Leia muito. Participe de oficinas de literatura.

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» Faça intercâmbio com outros autores. Na troca de ideias, as críticas e sugestões aparecem naturalmente.

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» Edite no máximo mil livros para não ter de entulhá-los na sua casa. Uma tiragem menor também não é recomendável, pois há pouco impacto no valor.

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» Ser independente não significa ser amador. A estrutura utilizada na produção do livro deve ser cuidadosa. Se o tema necessitar, busque assessoria de psicólogos, pedagogos, jornalistas. A distribuição é uma área complexa.

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» Faça uma lista das livrarias da cidade e converse com donos e gerentes, a fim de tentar mobilizá-los. Algumas livrarias, como a Cultura, enviam relatório trimestral das vendas e depositam os valores na sua conta.

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» No esquema de consignação, tenha uma tabela com a quantidade de livros que cada livraria ficou para controlar a vendagem e garantir que os créditos sejam pagos corretamente.

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» Mexa-se! Divulgue seu livro nas redes sociais —Facebook, Twitter, Orkut.

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» Faça um blog. Vá a escolas ou instituições que tenham a ver com o tema de seu livro.

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» Participe de feiras de livro, de ciclos de debates

e palestras.

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» Leve seu livro para grandes eventos, festivais

e bares da moda.

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