CONTARDO CALLIGARIS
Para que serve a psicanálise?
FSP 26/08
A quem luta para se manter adulto, o paternalismo dá calafrios, ou mesmo vontade de sair atirando |
A ASSOCIAÇÃO Internacional de Psicanálise (IPA) foi fundada em 1910. Presente em 33 países, com mais de 12 mil membros, ela festeja seu centésimo aniversário. Aos colegas da IPA (embora eu tenha me formado numa de suas dissidências), meus sinceros parabéns.
A festa é uma boa ocasião para perguntar: para que serve, hoje, a psicanálise? A campanha eleitoral em curso me ajuda a escolher uma resposta.
Repetidamente, o presidente Lula e Dilma Rousseff se apresentam como pai e mãe dos brasileiros. Em 17/8, Lula declarou: "A palavra não é governar, a palavra é cuidar: quero ganhar as eleições para cuidar do meu povo, como a mãe cuida de seu filho".
No dia seguinte, Marina Silva comentou: "Querem infantilizar o Brasil com essa história de pai e mãe". Várias vozes (por exemplo, o editorial da Folha de 19/8) manifestaram um mal-estar; Gilberto Dimenstein resumiu perfeitamente: "Trazer a lógica familiar para a política significa colocar a criança recebendo a proteção de um pai em vez de um governante atendendo a um cidadão que paga imposto".
Entendo que um presidente ou uma candidata se apresentem como pai ou mãe do povo. Embora haja precedentes péssimos (de Vargas a Stálin, ao ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-il), estou mais que disposto a acreditar que Lula e Dilma se expressem dessa forma com as melhores intenções.
O que me choca é que eleitores possam ser seduzidos pela ideia de serem cuidados como crianças e preferi-la à de serem governados como adultos.
Se o governo for paternal ou maternal, o que o cidadão espera nunca será exigível, mas sempre outorgado como um presente concedido por generosidade amorosa; o vínculo entre cidadão e governo se parecerá com o tragipastelão afetivo da vida de família: dívidas impagáveis, culpas, ciúme passional etc. Alguém gosta disso?
Numa psicanálise, descobre-se que a vida adulta é sempre menos adulta do que parece: ela é pilotada por restos e rastos da infância. Ao longo da cura, espera-se que essa descoberta nos liberte e nos permita, por exemplo, renunciar à tutela dos pais e ao prazer (duvidoso) de encarnarmos para sempre a criança "maravilhosa" com a qual eles sonhavam e talvez ainda sonhem.
Tornar-se adulto (por uma psicanálise ou não) é um processo árduo e sempre inacabado. Por isso mesmo, a quem luta para se manter adulto, qualquer paternalismo dá calafrios -ou vontade de sair atirando, como Roberto Zucco.
Roberto Succo (com "s"), veneziano, em 1981, matou a mãe e o pai; logo, fugiu do manicômio onde fora internado e, durante anos, matou, estuprou e sequestrou pela Europa afora. Em 1989, Bernard-Marie Koltès inspirou-se na história de Succo para escrever "Roberto Zucco", peça admiravelmente encenada, hoje, em São Paulo, na praça Roosevelt, pelos Satyros.
Na peça, Zucco perpetra realmente aqueles crimes que todos perpetramos simbolicamente, para nos tornarmos adultos: "matar" o pai, a mãe e, dentro de nós, a criança que devemos deixar de ser.
O diretor da peça, Rodolfo García Vázquez, disse que Zucco é um Hamlet moderno. Claro, para Hamlet, como para Zucco, o parricídio é uma espécie de provação no caminho que leva à "maioridade". Além disso, pai, padrasto e mãe de Hamlet eram reis, e o pai de Succo era policial. Para ambos, o Estado se confundia com a família.
Se o Estado é um pai ou uma mãe para mim, eu não tenho deveres, só dívidas amorosas, e, se esse Estado me desrespeita, é que ele me rejeita, que ele trai meu amor. Por esse caminho, amado ou traído pelo Estado, nunca me considerarei como um entre outros (o que é uma condição básica da vida em sociedade), mas sempre como a menina dos olhos do poder.
Agora, se eu me sentir traído, não me contentarei em mudar meu voto, mas procurarei vingança no corpo a corpo, quem sabe arma na mão; pois essa é a linguagem da paixão e de suas decepções. O paternalismo, em suma, semeia violência.
Enfim, se é verdade que muitos prefeririam ser objeto de cuidados maternos ou paternos a serem "friamente" governados, pois bem, nesse caso, a psicanálise ainda tem várias boas décadas de utilidade pública entre nós.
É uma boa notícia para a psicanálise. Não é uma boa notícia para o mundo fora dos consultórios.
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Gabeira afirma que teme "mexicanização" do Brasil
Fsp 26/08
DEPUTADO DIZ QUE CABRAL "FAZ O GOVERNO E TRAZ TODO MUNDO QUE QUEIRA EMPREGUINHO" PARA VERDE, "MAIORIA ESMAGADORA" DAS COMUNIDADES DO RIO NÃO ESTÁ PACIFICADA
O deputado federal Fernando Gabeira (PV), 69, candidato ao governo do Rio de Janeiro, afirmou ontem que a política do Estado tende para "uma coligação única". Ele criticou seu principal adversário, o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), pelo que chamou de "método arca de Noé".
"Faz o governo e traz todo mundo que queira empreguinho", disse o deputado durante a sabatina Folha/UOL, realizada no Teatro dos Quatro, no shopping da Gávea, zona sul do Rio.
Gabeira disse que, assim como no plano federal, existe o risco de "mexicanização da política brasileira", em referência à manutenção do PRI, que ficou mais de 70 anos no poder naquele país.
O deputado do PV sugeriu que existe uma ligação entre o governo estadual e os traficantes de drogas da comunidade da Rocinha, no que chamou de um "processo de convivência". Disse ainda que a política de segurança carece de "inteligência".
Vestindo calça jeans, casaco preto e tênis, o ex-guerrilheiro Gabeira criticou o discurso da presidenciável Dilma Rousseff (PT), de que ela defendia a democracia ao lutar contra a ditadura militar (1964-85): "Os grupos armados tinham como programa a ditadura do proletariado". Gabeira respondeu a perguntas da plateia e de Vinicius Mota, secretário de Redação da Folha, Rodrigo Flores, gerente-geral de notícias do UOL, Plínio Fraga, repórter especial, e Antônio Gois, repórter da Sucursal do Rio.
Mexicanização
Existe uma tendência à mexicanização da política brasileira. A construção, não de um partido único, mas de uma coligação única. Os métodos do PT e do Cabral no Rio são semelhantes. É o método arca de Noé: faz o governo e traz todo mundo que queira apoiar e também um ou outro empreguinho. A coligação do Cabral não tem nem tempo de dizer o nome de todos os [16] partidos que o apoiam.
Candidatura
Percebi que no Rio era necessária uma candidatura de oposição. Não é possível que nós caminhássemos para uma candidatura única. Teria uma eleição tranquila para deputado, ou com chances para o Senado, mas tinha que cumprir esse papel.
Serra e Marina
A ambiguidade permanece. Toda vez que eu estou com o Serra, me perguntam pela Marina. Toda vez que eu estou com a Marina, me perguntam pelo Serra. Quando estou sozinho, dizem que estou muito sozinho. Quando estou com alguém da minha coligação, dizem que estou mal acompanhado [Gabeira é candidato pela coligação PV-PSDB-DEM-PPS].
Governo e o tráfico
O Nem [Antônio Bonfim Lopes, chefe do tráfico da Rocinha] está ali porque tinha um braço político [que] votava e era articulado com o governo [estadual]. Na Rocinha há um processo de convivência [com o tráfico de drogas]. Eu sou contra.
Segurança
Nenhuma grande cidade do mundo permitiria que um comboio de 80 pessoas armadas se deslocasse sem que fosse detectado por câmeras. [...] O governador diz que há paz no Rio. Eu digo que não, porque por todo lado vejo gente de fuzil, metralhadora, granada... Ele fala sobre 1% das comunidades que estão pacificadas. A maioria esmagadora não está. Ele diz que vai levar UPPs para cada comunidade. Não temos recursos suficientes.
Desvios éticos
Devolvi o dinheiro da passagem [da Câmara para viagem da filha] e formulei as regras que hoje dão à Câmara uma economia de R$ 32 milhões. [...] Sempre mantive um carro Gol à disposição do gabinete.
Não tinha condições de usar o carro na campanha e no gabinete. Aluguei um carro para o gabinete e mantive o outro para a campanha. Como o carro que aluguei [com verba da Câmara] era mais confortável, em certos momentos trocamos por uma questão de conforto.
Quanto à outra questão [contratação de empresa da mulher para elaborar um site], era o mais barato e [tinha] a melhor qualidade.
Guerrilha
No caso da Dilma, há diferenças na apreciação do que foi a nossa atuação. Todos os principais ex-guerrilheiros que se lançam na política costumam dizer que lutavam pela democracia. Eu não tenho condições de dizer isso. Não se pode corrigir o passado. Havia muita gente lutando pela democracia, mas não os grupos armados que tinham como programa a ditadura do proletariado.
Educação
O Rio tem 1.200 escolas de ensino básico que precisam ser municipalizadas, em sintonia com os prefeitos.
Uma novidade de São Paulo pode ajudar: outro professor ou estudante universitário na sala de aula. Outra é a revisão do currículo, em sintonia com o Ministério da Educação, para ter matérias opcionais. [...] Queremos desenvolver mais ainda o ensino profissionalizante. O Rio vive um apagão de mão de obra especializada.
Olimpíada, Copa e pré-sal
Os investimentos feitos para a Olimpíada e para a Copa do Mundo devem se reverter em benefícios permanentes para a população. [Os investimentos] devem ser feitos numa economia que leva em conta a necessidade de não ficarmos tão dependendo do petróleo.
O Rio precisa ser um centro turístico internacional. Não apenas a capital, mas todo o Estado.
É possível, por exemplo, construir uma estrada de ferro para unir o Rio de Janeiro a Petrópolis.
Candidato da zona sul
O Cabral é mais zona sul do que eu. Eu moro em Ipanema, e ele no Leblon.
Talvez esse estigma nasça pelo fato de eu ter defendido ideias que são mais ventiladas na zona sul. Talvez parte da zona sul tenha um nível intelectual e padrão de renda mais alto, e talvez eu tenha a preferência dos eleitores dessa área.
Drogas
Só com uma polícia muito avançada pode realmente legalizar. Legalizar não é o liberou geral. É um controle mais sofisticado.
Religião
Tenho uma proximidade grande, pelo menos teórica, com o budismo.
Palmada
Sou contra as palmadas. Mas nem tudo que sou contra gostaria de reger por lei. É um espaço na relação pai e filho que o Estado não deve, necessariamente, reger.
Voto obrigatório
Sou a favor do voto facultativo. Sou contra tudo que é obrigatório.
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É preciso olhar o Nordeste goiano
Hélio Rocha opopular.com.br 26/08
Alto Paraíso, não obstante o progresso nos últimos anos no setor de turismo, mesmo assim é superado por cerca de 110 outros municípios do Estado no ranking do Desenvolvimento Humano (IDH). A maior parte dos outros municípios da região nordeste de Goiás situa-se no fundo desse ranking, caso de Flores de Goiás, Mambaí, Buritinópolis, Cavalcante, Guarani e São Domingos.
O Nordeste goiano continua excluído das melhores oportunidades de desenvolvimento econômico e social e essa desigualdade é tema que deveria ser transportado para a pauta de debates da campanha eleitoral em curso. É preciso saber quais as causas dessa injusta e antiga desvantagem e pedir um tempo mais otimista para a região.
É preciso que se conheçam as omissões político-administrativas que barram regiões do baile do desenvolvimento. Entre elas aparece, como uma espécie de Gata Borralheira, exatamente a região Nordeste.
As carências do Nordeste não são novidade, estão na pauta dos discursos político-eleitorais há décadas, a proximidade de Brasília expôs essa situação nacionalmente, fazendo com que o País, em seu todo, tome conhecimento dessa realidade e, no entanto, a região mais carente continua sem perspectiva de escapar dessa desvantagem.
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