domingo, 8 de agosto de 2010

Desigualdade prejudica a democracia, diz estudioso

08/08

Situação do Brasil é "intermediária", diz o professor Leonardo Morlino

Para presidente da Ipsa, alternância no poder é importante, mas há países democráticos com governos longos

A desigualdade econômica e social no país e na América Latina afeta a qualidade da democracia na região, diz Leonardo Morlino, presidente da Associação Internacional de Ciência Política (Ipsa).
Para ele, ao se aproximar da Venezuela e do Irã, Lula não ajuda em nada a democracia. Manter relações com o Brasil dá a Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad, líderes de países não democráticos, um tipo de legitimidade no cenário mundial: "Lula deveria ter mais cuidado".
Professor da Universidade de Florença, Morlino, 63, abriu o 7º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, realizado de 4 a 7 de agosto em Recife (PE).

Folha - O sr. está elaborando um trabalho no qual sugere oito dimensões para analisar a qualidade das democracias. Como o Brasil se sai diante desses indicadores? Leonardo Morlino - O resultado é muito óbvio, e é o mesmo para outros países da América Latina. Há na região enorme desigualdade econômica e social, e isso afeta a qualidade da democracia. A consequência política é que todo novo governo precisará olhar para essa desigualdade como uma questão central.
Mas o problema é que a desigualdade atinge de forma mais dramática a parcela da sociedade que vota menos.
Os políticos precisam ser eleitos e, para serem eleitos, precisam de votos. Mas, como a abstenção é muito alta nas camadas muito pobres, é natural que as campanhas -e governos- sejam voltadas às classes médias e altas.

O sr. diz que menos igualdade implica menos liberdade. Por esse raciocínio, o Brasil tem uma democracia ruim. Mas outros indicadores, como o pluripartidarismo e as eleições, sugerem uma democracia consolidada.
Você está certo. A análise que proponho objetiva olhar as qualidades ausentes na democracia. Embora exista uma ligação entre valores de conteúdo, como a liberdade e a igualdade, e as questões procedimentais, na verdade esses aspectos estão em tensão. Se há mais liberdade, é mais fácil aumentar a participação, de um ponto de vista procedimental, e isso permite a luta por mais igualdade.
Só que a igualdade está em muitos aspectos ligada à disponibilidade de recursos. É o caso dos direitos sociais, como Previdência, saúde. Essa rede de seguridade social tem um custo. Essa situação complexa, portanto, ao esbarrar na necessidade de recursos, se desenvolve de formas diferentes em cada país.

A democracia no Brasil tem mais ou menos qualidade que a de outros países?
Não se trata de saber como está o Brasil em relação à Alemanha, à França ou à Inglaterra, mas de perguntar o que o Brasil conquistou para sua democracia nos últimos anos. Para mim, tudo somado, houve um progresso imenso. A América Latina vivenciou dois tipos de democracia nos últimos anos.
De um lado, o Chile, uma democracia com estrutura interna, partidos e aspectos econômicos bem resolvidos. De outro, uma democracia como a da Venezuela de Chávez, onde as regras da economia podem ser violadas.
O Brasil, graças a Fernando Henrique, em primeiro lugar, foi capaz de ser uma democracia onde as regras básicas da economia são mantidas, ao mesmo tempo em que se tenta reduzir a desigualdade social. Nesse sentido, o país está numa espécie de situação intermediária.

A oposição brasileira insinuou que uma vitória de Dilma Rousseff seria prejudicial para a democracia, pois limitaria a alternância no poder.
Alternância é uma questão muito importante, mas o fato é que é possível manter governos com dez anos ou mais sem alternância e sem prejuízos democráticos. Aconteceu no Reino Unido, por exemplo. E é preciso ainda se lembrar de aspectos culturais.
Na cultura brasileira, a ideia de alternância não é tão simples, porque ela implica aceitar a competição, o desafio. O brasileiro, porém, é mais voltado para a composição, para evitar o conflito. Dito de outra forma, a alternância exclui, e o brasileiro prefere incluir, acomodar.

Isso pesa contra a democratização no país?
É preciso olhar os aspectos procedimentais. Se há pluripartidarismo de fato, então há a possibilidade de alternância. Esse traço cultural implica apenas que um partido que tenta se reeleger tem uma vantagem grande e só vai perder se houver uma situação de crise muito crítica.

A oposição também critica o governo Lula por se aproximar da Venezuela e do Irã.
É preciso dizer que a Venezuela vive um regime híbrido, e o Irã, totalitário. Costuma-se dizer que a política externa independe dos valores internos. Numa posição clássica, Lula pode fazer acordos com o Diabo, desde que defenda os interesses de seu povo. Mas a política externa contemporânea tem se tornado diferente. Numa situação mais globalizada, se algo acontecer com Irã, isso atinge o Brasil. Então Lula deveria ser mais cauteloso.

Como avalia essas atitude?
Elas não trazem nada de bom para a democracia. Com essas atitudes Lula não persegue os interesses da democracia. É inegável que há um crescimento do Brasil no cenário internacional, e o país tem direito de pleitear um espaço entre as principais nações. O próprio Lula sabe que o Brasil já desempenha papel internacional importante. Com isso, dá, ainda que indiretamente, um tipo de legitimidade para líderes como Chávez ou Ahmadinejad.

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Livro revela alemão que influenciou Freyre

FSP 08/08

Em suas pesquisas sobre Gilberto Freyre, a historiadora Maria Lúcia Pallares-Burke -cocuradora da homenagem ao sociólogo na Flip- cruzou várias vezes com a figura de Rüdiger Bilden.
Achou o alemão tão fascinante que resolveu dedicar-lhe um livro, que está quase concluído.
Bilden foi colega de Freyre na Universidade Columbia (EUA) nos anos 1920. Tornou-se amigo e influência para o pernambucano, com quem dividia o interesse pela questão da raça na formação da identidade brasileira.
Diferentemente de Freyre, porém, Bilden nunca publicou suas pesquisas, o que intrigou Pallares-Burke.
"Será um ensaio biográfico sobre Bilden e o fracasso." Ela cita o perfeccionismo e dificuldades materiais como hipóteses para o infortúnio do alemão.
Autora de duas biografias de Freyre, Pallares-Burke lembra que Bilden "é mais mencionado do que Franz Boas [influência fundamental de Freyre]" em "Casa Grande & Senzala'". "Mas ninguém sabia o que tinha acontecido com ele", diz ela, que foi aos EUA e à Alemanha para pesquisar.

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funcionalismo
Conflito de interesses

correioweb.com.br 08/08

Servidores pedem licença dos cargos para trabalhar na iniciativa privada, muitas vezes em empresas reguladas ou fiscalizadas pelos órgãos de origem

No embalo de uma legislação vaga, empregados de elite do Executivo federal trocam de lado, licenciando-se para correr atrás de benefícios que nem de longe o funcionalismo oferece. A busca por prestígio, experiência profissional e, principalmente, dinheiro dita os passos de alguns dos melhores quadros do setor público. O afastamento voluntário levanta discussões de fundo ético e prova que passar em um concurso disputado, ter direito a um salário acima da média e receber do Estado todas as condições para desempenhar bem seu papel enchem os olhos da maioria, mas não seduzem todos os servidores públicos.

A lei prevê que o ocupante de cargo efetivo — que não esteja em estágio probatório — pode se afastar durante três anos consecutivos, sem remuneração, prorrogáveis apenas uma única vez por outros três anos, no máximo. Mas, não raro, brechas burocráticas permitem que alguns passem até mais tempo longe das repartições. A despeito da norma, a administração coleciona casos de pessoas que se ausentam por sete, oito e até nove anos. “Já foi pior, mas ainda tropeçamos em muitos abusos. O servidor sai, fica muitos anos distante, e depois volta para garantir a aposentadoria”, diz um técnico do governo que cuida de processos daqueles que querem estender a licença para continuar no setor privado.

Ampliar o voo solo depende, fundamentalmente, de uma decisão que vem de cima. Os pedidos de prorrogação do período de afastamento são analisados por ministros e presidentes dos órgãos nos quais o servidor está lotado. Os critérios que baseiam a concessão de mais prazo ou a ordem de retorno ao trabalho nem sempre são claros. Influências políticas, recomendações superiores e o histórico acumulado dentro e fora do órgão de origem podem pesar contra e a favor de quem reivindica a sobrevida.

Opção pelo silêncio
Valdery Albuquerque, ex-presidente da Caixa Econômica Federal e funcionário de carreira do Tesouro Nacional, pode se considerar um privilegiado. Há pelo menos oito anos ele se licenciou, abrindo mão de uma remuneração que pode chegar a R$ 17,3 mil para tentar a sorte no mercado financeiro. Atualmente, está na área de ativos imobiliários do Banco Fator e acaba de receber sinal verde para ficar mais um ano afastado. “O Tesouro é uma instituição onde o servidor tem a oportunidade de conhecer muita coisa. É uma casa que ajuda muito na formação, que ensina bastante. Voltar é uma possibilidade”, disse ao Correio sem dar detalhes de quando pretende voltar.

Na justificativa apresentada ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, Albuquerque informou que vai utilizar o tempo para estudar. “Vou fazer um MBA em São Paulo. Estou olhando onde, pesquisando a melhor alternativa, mas será na área de ativos imobiliários”, reforçou de forma não muito precisa. Afirmando estar com “saudades” do antigo emprego, o executivo descarta qualquer conflito de interesses. Segundo ele, ao contrário do que possa parecer, a temporada no setor privado ainda poderá render bons frutos ao país. “Em geral, não temos nenhum relacionamento com o Tesouro. Não há conflito algum”, resumiu.

O acompanhamento de casos como esse passa ao largo da Secretaria de Recursos Humanos (SRH) do Ministério do Planejamento, ente da União responsável por gerenciar a política de pessoal. Em comunicado, a SRH reforçou que os órgãos têm autonomia e que o controle é descentralizado. Sobre as situações em que servidores acabam ficando mais do que seis anos afastados, o governo não se pronunciou. Apesar de ter sido procurado, o Tesouro também preferiu o silêncio.

“É sempre delicado barrar um pedido de prorrogação de alguém que ocupou cargos de destaque em algum momento. Ministro nenhum faz isso. O mesmo comportamento, porém, não vale para os funcionários de níveis intermediários, que quase sempre têm de voltar ao fim dos seis anos”, completa o técnico do governo experiente em situações dessa natureza.

Fábio de Oliveira Barbosa é outro servidor graduado que, assim como Valdery Albuquerque, experimentou o que de melhor o setor privado pode oferecer em termos de status e remuneração. Ex-secretário do Tesouro (1999-2002), mas concursado do Banco Central, Barbosa pediu licença não remunerada à autoridade monetária em julho de 2002 para assumir a diretoria financeira da mineradora Vale, da qual só saiu em junho deste ano. De acordo com o BC, a previsão de término da licença do funcionário é 30 de junho de 2011. A expectativa é se ele retomará o cargo antes do tempo ou buscará novas oportunidades no mercado. Em nota, o BC descartou ilegalidade ou conflito de interesses “considerando que a Vale não está sob supervisão ou regulação do Banco Central”.

Para órgãos como a Receita Federal, o Tesouro e o BC, o Correio pediu a lista contendo os nomes, cargos e o período de afastamento dos servidores. Ainda que parcialmente, apenas o BC respondeu: “A quantidade de servidores em afastamento vem sendo progressivamente reduzida nos últimos anos”, indicou o órgão. Conforme o banco, e seguindo o que manda a lei, 167 funcionários estão afastados — entre cedidos e licenciados por razões pessoais ou para capacitação.

A distância
No caso da Receita Federal, há indícios de que alguns servidores licenciados estariam montando consultorias para ensinar a empresas e pessoas físicas como pagar menos impostos ou mesmo não contribuir com o Fisco por meio de artifícios contábeis. Já os licenciados do Tesouro podem estar ensinando os meandros dos bilionários leilões de títulos públicos, facilitando a vida de instituições financeiras interessadas em ampliar seus lucros. Isso, sem falar dos importantes contatos deixados nos órgãos de origem, abrindo o acesso a informações privilegiadas e aos lobbies.

Diante dessas suspeitas, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República, encarregada de fazer valer o código de conduta da alta administração federal, baixou, em 2003, uma resolução específica para julgar conflitos de interesse. O texto recomenda ações de prevenção e estabelece o que deve ser fortalecido dentro do funcionalismo com o objetivo de prevenir os abusos. Essa instância, porém, não interfere no dia a dia dos órgãos, deixando o acompanhamento dos casos espinhosos nas mãos dos gestores diretos. Mesmo assim, temas de destaque vêm sendo debatidos internamente. “Há questões em discussão. Por que um cidadão que fez concurso público para exercer o cargo fica tanto tempo trabalhando fora? Por que, então, esse cidadão quis fazer parte do Estado?”, indagou um dos membros da comissão.

Mário Alencastro, professor de ética profissional da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e especialista em temas relacionados ao funcionalismo, disse que o mais importante é definir a fronteira entre o que é legal e o que é moral. Para ele, determinados valores éticos ainda estão em construção no Brasil, daí a dificuldade do governo e dos órgãos em encontrar respostas para a maioria das situações a que são submetidos. “O que não é possível é que o cidadão lance mão de determinadas ferramentas, sabendo que está seguro, para sair do funcionalismo”, afirmou. Evitando fazer generalizações, o analista reforçou que o problema maior talvez esteja na falta de vocação da mão de obra que ingressa no setor público. “Essa mentalidade errada ainda está muito presente”, completou.

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