segunda-feira, 15 de abril de 2013
Choques de culturas
Autor(es): José Goldemberg - PROFESSOR EMÉRITO DA USP. O Estado de S. Paulo - 15/04
A segunda metade do século 20 foi marcada por um
forte conflito entre duas culturas: a humanista e a científica. Esse conflito
foi desencadeado por uma conferência do químico e novelista C. P. Snow na
Universidade de Cam-bridge, em 1959, em que expandiu a sua visão dos problemas
formulados por um artigo publicado em 1956 num influente jornal inglês.
O que Snow fez foi chamar a atenção de seus colegas
para o fato de haver na Inglaterra na ocasião (e no mundo?) duas culturas que
não se comunicavam: as humanidades (em especial Latim e Grego), de grande
prestígio, que eram a base da educação da aristocracia inglesa, e as atividades
científicas e tecnológicas - decisivas para levar a Inglaterra à vitória na 2.a
Guerra Mundial que eram menosprezadas. Em contraste, segundo Snow, os alemães e
americanos preparavam seus cidadãos para as ciências, permitindo que eles competissem
melhor na era dos grandes avanços científicos do século 20.
Snow argumentou que os cientistas eram considerados
iletrados (analfabetos?) pelos humanistas, porque não liam Shakespeare, apesar
de não ter nenhuma ideia do que é a Segunda Lei da Termodinâmica ou a Lei da
Gravidade, que para os cientistas é a própria definição de analfabetismo
científico. Na época um importante crítico literário atacou Snow como agente de
relações públicas do estabelecimento científico inglês.
Alguns anos depois Snow amenizou suas críticas, mas
o debate sobre o fosso entre as "duas culturas" marcou profundamente
a segunda metade do século. Logo após, contudo, surgiu um novo e mais sério
choque de culturas: desenvolvi-mentistas x ecologistas.
Para os desenvolvimentistas, o que interessa é
melhorar as condições de vida da população, que só o crescimento econômico pode
proporcionar. Este é o mundo do presente, dos investimentos e negócios, com sua
ética própria de "retorno dos investimentos", cotação do dólar,
exportações, construção de estradas e até corrupção, sem muita preocupação com
o futuro. Essa visão casa bem com eleições freqüentes, a cada quatro anos, e
até com as promessas demagógicas necessárias para ser eleito.
Em contraste a visão dos ecologistas é a do longo
prazo e de preocupações não só com a presente geração, mas com as gerações
futuras. Essa visão ganhou grande impulso após os anos 1970, depois da
Conferência de Estocolmo em 1972 que alertou os governos para as conseqüências
do tipo de desenvolvimento predatório que caracterizou o século 20, baseado no
consumo de combustíveis fósseis e no consumismo desenfreado. O que ela fez foi
soar um sinal de alarme de que não poderíamos continuar num caminho que levaria
ao esgotamento dos
Impõe-se estabelecer uma ponte entre preservação
ambiental e desenvolvimento recursos naturais ou a níveis de poluição
insustentáveis.
A crise do petróleo em 1973 que foi erroneamente
interpretada como o esgotamento das reservas, e não como manobra política dos
países exportadores - só agravou essa visão pessimista do desenvolvimento. Como
conseqüência, levou à adoção de dois princípios:
• O do
"poluidor pagador", que estabelece que o poluidor é responsável pela
poluição que causa e deve pagar pelas conseqüências e medidas preventivas para
evitá-la;
• e o
"princípio da precaução", que estabelece que não devem ser adotadas
novas tecnologias sem uma avaliação das conseqüências que sua adoção pode
acarretar.
Em maior ou menor grau, esses princípios foram adotados
pela maioria dos países e estão incorporados na sua legislação. Mais ainda,
grandes burocracias governamentais, como Ministérios de Meio Ambiente, fo-
ram criadas para fiscalizar sua aplicação.
No caso do Brasil, por exemplo, a Constituição, no
artigo 225, estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade 0 dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Os adeptos
extremados da visão desenvolvimentis-ta argumentam que a visão dos ecologistas
não é realista e impede na prática o desenvolvimento. Os mais moderados,
contudo, reconhecem que um mundo em que a meta é o desenvolvimento a
"qualquer custo" já passou e que as conseqüências predatórias desse
tipo de desenvolvimento têm custos muito elevados.
O conflito dessas duas culturas lembra muito o
debate provocado por Snow, só que agora o que está emjogo não são críticas
literárias ou conflitos entre intelectuais, mas ações de governo, como
construção de estradas, hidrelétricas, reatores nucleares, exploração de
petróleo, mineração e desmatamento da Amazônia. Não há uma solução única para
esses problemas: uma defesa extremada da preservação ambiental pode levar à
parálise e até à perpetuação do subdesenvolvimento e da miséria. Já um
desenvolvimento predatório pode levar a prejuízos sérios para as gerações
futuras e até para a atual, como já se pode ver na poluição das grandes
cidades, que ameaça a saúde.
O que se impõe é estabelecer uma ponte entre as
duas culturas. Não se trata de fazer média ou uma conciliação em áreas em que
ela não é possível, mas uma atitude realista que leve a um desenvolvimento
sustentável que beneficie o conjunto da população, e não grupos de interesses e
lobistas.
Diversas instituições internacionais, como o
Programa das . Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), têm preparado
relatórios detalhados mostrando que não há uma contradição fundamental entre
desenvolvimento e proteção ambien-
tal e que uma "economia verde" não só é
possível, como também faz sentido econômico.
Dentro do nosso país, inúmeros cientistas têm
tentado mostrar, em casos específicos, como estimular o desenvolvimento sem
danos irreversíveis à natureza, que levem ao esgotamento dos recursos naturais.
O conflito entre as "duas culturas" não é
insolúvel.
PROFESSOR EMÉRITO DA USP
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Presente de poeta
Cantora Amelinha registra composição feita por
Vinicius de Moraes para ela há mais de 35 anos e inédita em sua voz
.Amelinha: Aprendi muito (com Vinicius),
principalmente sobre espontaneidade em cima do palco
JANELAS DO BRASIL — AO VIVO
DVD de Amelinha, produzido por Thiago Marques Luiz.
Lançamento Lua Music e Canal Brasil, 18 faixas. Preço: 34,50. Também em CD (16
faixas, R$ 24,50). CORREIO BSB 15.04
.
Apesar de pertencer à turma de artistas nordestinos
que invadiram a música popular brasileira nos anos 1970, a cantora cearense
Amelinha acredita que sua carreira só começou realmente quando foi convidada
por Vinicius de Moraes para acompanhá-lo em uma viagem, em 1975. “Ele e
Toquinho iam sempre a Punta del Este, no Uruguai, e me levaram para cantar com
eles”, recorda, orgulhosa, aos 62 anos. “Eu aprendi muito, principalmente sobre
espontaneidade em cima do palco”. A amizade com o poetinha, cujo centenário
será celebrado em 2013, rendeu uma homenagem a ela, a canção Ai quem me dera.
Amelinha, contudo, não havia registrado a faixa — uma das inúmeras parcerias de
Vinicius e Toquinho — até o ano passado, quando gravou o DVD Janelas do Brasil
ao vivo, lançado agora.
“Ele fez a música e me ensinou a cantar, mas eu
achava que não estava preparada. Eu não conseguia dar umas notas mais graves,
que eu só atingi depois de mais velha”, explica a artista, que foi apresentada
a Vinicius pelo amigo Fagner. “Meus professores de canto diziam que as mulheres
ganham alguns graves depois dos 40 anos”. A canção acabou sendo lançada por
Clara Nunes, teve outras gravações e foi tema instrumental de novela. Amelinha
aproveitou para relembrar a história no primeiro DVD de sua carreira
fonográfica, registro ao vivo do CD Janelas do Brasil, de 2011, que encerrou o
jejum de uma década sem que tivesse um disco publicado.
No projeto, além de levar para o palco as canções
de 2011 (entre elas versões para músicas de Marcelo Jeneci e Chico César e de
Beto Guedes e Ronaldo Bastos), a intérprete reaviva sua conexão com os
conterrâneos cearenses (Belchior, Ednardo e Fagner) e exalta a confraria
nordestina da qual faz parte (Alceu Valença, Zé Ramalho, Cátia de França,
Robertinho do Recife e Fausto Nilo). E, já que o intuito era comemorar os anos
de vida artística, Amelinha não poderia deixar de relembrar as canções que são
imediatamente associadas à sua voz: Frevo mulher, Foi Deus quem fez você e
Mulher nova, bonita e carinhosa.
Madura
Os 10 anos de hiato aconteceram, segundo Amelinha,
por não conseguir combinar as pessoas certas para realizar os projetos. O encontro
com o produtor Thiago Marques Luiz foi o indício de que alguma novidade
pintaria. A cobrança de seus admiradores também contou bastante. “Apesar de
achar que sempre escolhi bem meu repertório, não queria colocar os sucessos de
sempre. Sabia que eles entrariam quando fizéssemos o DVD. Eu estava em um
momento mais maduro para fazer essa escolhas”, diz ela. Sobre privilegiar os
compositores de sua época, ela diz que é apenas por uma questão de
identificação. “Acho que, se espalhar muito, perde a identidade”.
Na noite anterior à conversa com o Correio, por
telefone, a cantora havia lançado o trabalho no Theatro Net Rio, e lembrou-se
que foi naquele mesmo lugar, quando ainda se chamava Teatro Tereza Rachel, que
ela fez seu primeiro show na capital carioca, Flor da paisagem, em 1977. A
moradora de Niterói (RJ) ainda não tem previsão de vir mostrar o projeto aos
brasilienses, mas diz fazer questão de passar por aqui. “Listei algumas praças
e Brasília, certamente, está entre elas”.
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O Judiciário e o novo código florestal
Fabio Martins di Jorge e Victor Penitente Trevizan
Advogados do Peixoto e Cury Advogados CORREIO BSB
15.04
.
Assim que o novo Código Florestal entrou em
vigência por meio da criação da polêmica Lei Federal nº 12.651/12, subsequente
a tensos embates travados entre ambientalistas e ruralistas, os quais certos
assuntos perduram até hoje, certas questões decorrentes de interpretações
distorcidas do texto legal passaram a ser suscitadas, inclusive no Poder
Judiciário. O objetivo é buscar a isenção/revogação de sanções impostas por
órgãos ambientais oriundas de infrações apuradas quando da vigência do código
anterior.
Exemplo disso é o recente julgamento de “ação de
anulação de ato cumulada com pretensão indenizatória”, que gerou decisão
proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (ministro Relator Herman Benjamin).
A sentença expressamente consignou a necessidade de manutenção das penalidades
nos casos decorrentes de infrações ambientais cometidas em período anterior a
2008 e, consequentemente, época de vigência do antigo Código Florestal
(instituído em 1965).
Segundo o autor da ação, a nova legislação federal
lhe concedeu isenção da punição sofrida, de modo que aquela infração cometida
(exploração de Área de Proteção Permanente-APP sem licença ambiental) antes do
ano de 2008 deveria se tornar isenta de sanção (multa pecuniária). Em verdade,
o novo Código Florestal mantém a penalidade imposta anteriormente, com a
possibilidade, porém, de que seja suspensa desde que o infrator cumpra uma
série de requisitos (determinações do Ibama) para a devida recuperação da área
degradada.
Ou seja, para alcançar a suspensão da penalidade
imposta, deverá o infrator passar por um Programa de Regularização Ambiental
(PRA), conforme os artigos 59 e seguintes do novo Código Florestal, que trata
de procedimento realizado no âmbito administrativo com o acompanhamento do
Ibama, para que recupere a área degradada. Vale reiterar e deixar esclarecido,
mesmo com a entrada do novo Código Florestal, que os autos de infração lavrados
antes de 2008, ou seja, com base no antigo codex, continuam em vigor. E,
consequentemente, as obrigações e penalidades impostas deverão ser cumpridas,
suspendendo-se sanções tão somente se atendido o programa (PRA) e seus
respectivos requisitos.
Cumpre informar, ademais, que, para se fazer jus ao
PRA, necessário inscrever o imóvel (rural) no Cadastro Ambiental Rural (CAR). O
proprietário, deverá assinar Termo de Compromisso (TC) e, com isso, ficará
condicionado a realizar todos os procedimentos exigidos pelo Ibama para se
isentar do pagamento da sanção pecuniária, lembrando que esse termo possui
validade de título executivo extrajudicial e, por isso, poderá ser executado em
caso de descumprimento do programa.
Assim, importante destacar que, em casos de
natureza ambiental, não há a aplicabilidade do princípio da retroatividade da
lei mais benéfica ao réu, uma vez que não pode ocorrer retrocesso legal de modo
que atinja ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e de
abrangência difusa/coletiva, bem como a própria coisa julgada, sendo que não se
pode reduzir, também, parâmetros de proteção do meio ambiente (leia-se fauna e
flora) sem que sejam implementadas as necessárias compensações/reparações
ambientais.
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DIREITO HOMOAFETIVO
Casamento igualitário agora é pra valer
Por Ivone Zeger.
REVISTA CONSULTOR JURÍDICO 15.04
Desde 1º de março, casais homossexuais paulistas
podem se dirigir aos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais e realizar
o casamento civil, ou a conversão da união civil em casamento, exatamente como
fazem os casais heterossexuais. Essa possibilidade surgiu a partir de norma
publicada pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que
determinou o procedimento igualitário nos cartórios.
É a evolução que se pode chamar de natural a partir
da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, em 5 de maio de 2011. Àquela
época, o STF reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar e consagrou
a possibilidade de casais do mesmo gênero oficializarem a união civil. O que
isso representou na prática? Representou os mesmos direitos e deveres que se
consagram aos casais heterossexuais em união estável.
Ao mesmo tempo, a decisão do STF abriu uma lacuna
importante. Ora, se casais homossexuais se configuram como uma entidade
familiar, a partir do conceito de isonomia – que é a aplicação da lei de forma
igualitária para todos os cidadãos – os direitos consagrados aos heterossexuais
deveriam ser estendidos também a estes. Foi com esse pensamento que muitos
casais homossexuais pleitearam na justiça o direito ao casamento igualitário. A
partir dessa demanda, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo
determinou que isso fosse possível sem a interferência do judiciário. Assim, a
partir de agora, os casais homoafetivos paulistas podem, também, converter a
união estável em casamento. Ou, como já foi dito, partirem direto para o
casamento civil, sem “escalas”, digamos assim.
Isso representa uma série de direitos. O mais
concreto e imediato é a obtenção da certidão de casamento, documento que basta
como prova de união do casal. Pode-se também escolher o regime de bens. Quando
os cônjuges não fazem essa opção, automaticamente ele se configura como
comunhão parcial de bens. Por outro lado, se houver opção por outro regime de
bens, a lei brasileira determina que se faça o pacto antenupcial, que é uma
escritura pública que obrigatoriamente deve ser lavrada no registro de imóveis
que fica na circunscrição do imóvel onde o casal vai residir.
Nesse documento, os cônjuges decidem a
administração dos bens e outras questões patrimoniais, de acordo com a conveniência
do casal. Feito o pacto antenupcial, este deve ser encaminhado ao Cartório de
Registro Civil de Pessoas Naturais onde será efetivado o casamento. É possível
também, com o casamento civil, efetuar a adoção do patronímico, ou seja, adotar
o sobrenome do parceiro. E a adoção de filhos em conjunto. Também é bom lembrar
que de posse da certidão de casamento, ainda que os cônjuges morem distantes um
do outro, não há necessidade de provar a união, nos casos em que isso for
necessário.
O “casamento gay” já é uma realidade em 11 países
do mundo. Na América Latina, a Argentina saiu na frente, depois o Uruguai. No
Brasil, essa realidade existe em alguns estados. Além de São Paulo e do
Distrito Federal, outros seis estados normatizaram o casamento gay: o primeiro
a fazê-lo foi Alagoas; posteriormente foram Piauí, Bahia, Ceará, Paraná e Mato
Grosso do Sul.
Então, muitos se perguntarão: é possível cruzar
fronteiras e casar em outro estado? Não. Na verdade, a única possibilidade é
quando os cônjuges ou um dos cônjuges tem residência fixa em mais de um estado,
sendo que num deles o casamento homoafetivo é permitido. Se nos dois estados a
lei não permitir, será impossível até o presente momento.
Assim, a primeira etapa para a realização do
casamento civil é o processo de habilitação. Nele, os noivos devem ir ao
Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais mais próximo de suas residências
fixas e dar entrada nos papéis. O cartório procede então à publicação do edital
dos proclamas no próprio local e no Diário Oficial do município. A tarefa do
cartório é tornar o anúncio do casamento o mais público possível. Ao final de
15 dias, se não houver qualquer manifestação de impedimento, os noivos serão
considerados habilitados ao casamento.
Se os noivos moram em municípios ou estados
diferentes, cada qual terá os proclamas publicados pelo cartório próximo ao seu
local de residência fixa. Aquele do casal que se deslocar de um estado para
outro, para realizar o casamento, deverá estar munido do documento de
autorização emitido pelo cartório para que o casamento se efetive.
E para quem reside nos estados onde não é possível
fazer o casamento, é importante lembrar que embora não dê plenos direitos, a
possibilidade de oficializar a união civil homoafetiva já é um avanço, principalmente
em favor daqueles que, com a morte do companheiro ou companheira, se veem na
situação de ter de abrir mão de bens que foram adquiridos em conjunto.
Portanto, nesses casos, o mais correto a fazer é oficializar a união civil e
posteriormente tentar a conversão por via judicial.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de
Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e
autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e
Respostas.
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AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA »
Olhando pela fresta. CORREIO BSB 14.04
.
affonsors@uol.com.br
Estou olhando (por uma fresta) o que comem e como
comem as pessoass sentadas no restaurante ao lado. Meu ponto de vista é do lado
de cá: estou num restaurante que é separado de outro por um vidro fumé. No
entanto, de metro em metro, tem uma fresta que me deixa ver, recortado, o que
ocorre no restaurante ao lado. Pura bisbilhotice. Afinal, a crônica, às vezes,
o que é, senão olhar por um buraco de fechadura a vida pessoal e social. E por
este olhar, tomar a parte pelo todo. Por um detalhe, dar notícia do conjunto.
Com todos os riscos. Sempre.
Onde estou? Vou me posicionar ante o leitor?
Como não achei lugar num restaurante que servem
massas e saladas além de outros pratos fartamente, caí com minha mulher, neste
aqui, e fico sabendo têm um maître, que apesar de uruguaio, faz comidas gregas.
Supreendo-me vendo no cadápio até o “yogurte grego”, que entrou na modas nos
supermercados, mas aqui, garantem, não é industrial.
No princípio não me preocupei em saber o que
estavam comendo atrás desse vidro fosco. Confortável nessa mesa escolhi um
risotto que tinha vários ingredientes extras. A mulher pediu um haddock, que
veio maravilhoso, melhor até que meu risotto. Como ela se cuida, notei que
comeu o peixe e os aspargos, poupando-se de comer as batatas, que dizem,
engordam.
Eu ia comendo meu saboroso risotto sem me dar conta
que no retaurante ao lado, separado de mim, apenas por um vidro, transcorria
mais um episódio da barbárie culinária. Antes não tivesse olhado pela fresta.
Era outro mundo, outro cardápio, outra cultura. Como é que pode tanta diferença
entre um vidro e outro? Coisas do shopping.Tem que agradar a todos.
Primeira diferença que percebo, do lado de lá:
jovens, muitos jovens. Sorridentes, inconscientes, movimentando-se sempre. E
rindo. Mesas como aquelas de refeitório de internato.
Do lado de cá, onde estou, gente mais velha,
famílias ao redor de mesas de até seis lugares. Este restaurante é
especializado em vinhos. Penso: vai ver que a diferença entre um e outro deve
ser o preço. Mas é mais do que isto: é uma diferença cultural que se concretiza
no cardápio.
Por exemplo: nestes cincos centímetros em que cabem
meus olhos, o que vejo?
Vejo uma voracidade juvenil. Um rapaz moreno,
truculento, pega o seu hamburger, com aquele pão que mais parece uma muxiba,
bota toda a carga de “ketchup no sanduiche , e não satisfeito, chupa
gulosamente no plástico que restou de tempero. E ri. À sua frente garrafas de
refrigerantes com aquelas doses assassinas de açúcar ( disfarçado). Seuss
colegas estão num jantar pantagruélico de calorias criminosas.
Aproveito e dou uma vasculhada com meu olhar
indiscreto nas outras mesas do restaurante vizinho. Uma adolescente bota (
saborosamente ) na boca uma colher de marshmellow. Aquela coisa pegagosa
eleva-a ao paraiso. Se ela ouvisse Mozart a sensação seria a mesma.
E dá-lhe batata frita!
Meu Deus! Estamos no reino da batata frita. Dizem
que isto foi uma descoberta na América, lá no Lago Titicaca. E que assim
salvamos a Europa da fome. Se for verdade, agora trata-se salvar jovens e
velhos da gordura engordativa.
Os jovens que entrevejo do outro lado, são gordos,
gordos em progresso. Não é à toa que o governo e as televiões desencadearam
essa campanha por uma alimentação menos daninha e menos engordativa. Às vezes
chego a pensar que foi o ditador da Coréia do Norte que inventou a “fast food”,
que é mais danosa que qualquer bomba atômica.
“Meu Deus! Estamos no reino da batata frita. Dizem
que isto foi uma descoberta na América, lá no Lago Titicaca. E que assim
salvamos a Europa da fome. Se for verdade, agora trata-se salvar jovens e velhos
da gordura engordativa”
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A música que une e modifica
Nem todos os alunos do El Sistema, projeto de
inclusão social por meio da música, serão instrumentistas. Mas Gustavo Dudamel
e orquestra confirmam a grandeza do projeto.
Dudamel e a Simon Bolívar: maestro e integrantes da
orquestra estão juntos desde a infância.
CORREIO BSB 14.04
A magia da Orquestra Sinfônica Simon Bolívar está
numa rara combinação de fatores. Dos 200 músicos integrantes da formação, pelo
menos 90% se conhecem desde tenra idade. Egressos o El Sistema, o projeto
venezuelano que plantou uma orquestra em cada canto do país durante os últimos
38 anos, eles desenvolveram uma intimidade tão profunda e longeva que sabem
muito bem se comunicar sem muitas palavras. Também reconhecem de longe o som
dos colegas e, de tão orgulhosos de suas origens musicais, respondem de pronto
e em uníssono quando questionados sobre o sucesso da orquestra pelo mundo:
“Somos, antes de tudo, hermanos”.
É, de fato, um material humano muito particular. É
difícil encontrar, na história da música clássica, orquestras de tal porte
cujos integrantes tocam juntos desde os 7 anos. A costura entre os músicos foi
urdida ao longo das últimas duas décadas e o nó que amarra tudo se chama
Gustavo Dudamel. O maestro — também regente da Filarmônica de Los Angeles — é a
ponta do iceberg da montanha chamada El Sistema, uma espécie de exemplo, guia
e, sobretudo, garantia de que a música abre portas, janelas e fronteiras.
O nome de Dudamel faz os músicos da Simon Bolívar
brilharem, mas o de José Antonio Abreu, fundador do El Sistema, leva os jovens
a uma postura de gratidão. Todos são unânimes em recorrer ao nome do
“maestro-fundador”, como o chamam, ao contarem suas próprias histórias. “Lutar
e tocar”, o lema instituído por Abreu como o propósito do Sistema e impresso no
broche da fita com as cores da bandeira venezuelana que pende no pescoço dos
músicos durante as apresentações é também um modo de vida.
Alguns mal completaram 20 anos e, em muitos casos,
sequer conhecem Abreu, mas sabem exatamente o significado do projeto, hoje
reduto de mais de 300 mil alunos. Em cada canto da Venezuela, seja ele nobre ou
desfavorecido, centro ou periferia, há um núcleo de aprendizado musical. E a
Simon Bolívar é o topo dessa montanha musical erguida sobre a ideia de que a
música é instrumento de cidadania e dignidade. “É algo básico. Não é nada de
outro mundo. É justiça. Creio que a arte, como pensa o maestro Abreu, deve ser
um direito do cidadão. E isso é que produz a mudança”, avisa Dudamel, que
conversou com o Correio depois de reger a Simon Bolívar durante quase três
horas na sala Villa-Lobos, terça-feira passada, e ainda fazer um social com a
presidente Dilma Rousseff, em sala reservada do teatro.
Periferias
Fruto do Sistema, o maestro planta a ideia do papel
social da música por onde passa. Em Los Angeles, ele incentiva os funcionários
da bilheteria e da manutenção da LA Phil— fundação que reúne a filarmônica e
uma série de outros projetos artísticos — a comparecerem aos concertos e
levarem seus filhos e parentes. Também investe em programas para a levar a
filarmônica a periferias desfavorecidas. “É uma questão de tornar acessível a
cultura para os cidadãos de um país”, resume.
Cidadãos como José José Gimenez, de 31 anos, que
começou a estudar música aos 6 anos em Barquisimeto, cidade natal de Dudamel.
Os dois fizeram o mesmo percurso, passaram pelos núcleos de formação do
Sistema, estudaram juntos no conservatório e tocaram juntos, ainda crianças, na
Orquestra Nacional Infantil da Venezuela e na Orquestra Jovem Simon Bolívar até
que o maestro venceu o concurso Gustav Mahler de Direção e ganhou projeção
internacional. “Dudamel era uma criança muito talentosa, sempre queria saber
como fazer melhor a música e sempre, sempre foi muito humilde”, conta Gimenez,
hoje trompista da Simon Bolívar, que perdeu o “jovem” do título há três anos
para assumir a maturidade musical. “O maior segredo dessa orquestra é que
começamos juntos, desde pequenos, e nos transformamos em uma família, somos
irmãos e nos ajudamos. É uma família em todos os sentidos, não só no artístico
mas no cotidiano, no de amizade. Isso nos dá maior coesão.”
Segundo Gimenez, Dudamel funciona como o elemento
de unidade. Exigente e rígido quando necessário, piadista e elegante nas
cobranças, o maestro de 33 anos tem a vantagem de conhecer muito bem todos os
músicos. Dividido entre os Estados Unidos e a Venezuela, ele realiza uma média
de oito a 10 concertos por ano à frente da Simon Bolívar. A violinista Adriana
von Buren, 23 anos, admira a presença constante do maestro em tudo que se
refere à sinfônica. “Apesar de outros projetos e da carreira internacional, ele
ainda está próximo ao Sistema. É um privilégio tocar com ele”, diz.
Acuários Zambra tem 32 anos e é um dos
percussionistas da Simon Bolívar. Começou a tocar violino aos 7 anos e aos 13
passou a integrar a mesma Orquestra Nacional Infantil na qual tocava Dudamel.
“Estamos juntos há tanto tempo que nem necessitamos falar muito para saber o
que o outro está pensando. Essa é uma grande vantagem”, aponta.
José Antonio Abreu: projeto de 38 anos na Venezuela
O mestre visionário
Idealizador de toda essa estrutura, o maestro José
Antonio Abreu esteve em Brasília com a Simon Bolívar e participou do lançamento
da versão brasiliense do El Sistema. Na terça-feira, o governador Agnelo
Queiroz assinou um decreto no qual institui um programa de ensino de música nas
escolas da rede pública nos mesmos moldes do projeto venezuelano. A ideia é
criar módulos formados por quatro escolas nas quais os alunos poderão ter aulas
de musicalização e de algum instrumento durante o contraturno.
A intenção é que, até o segundo semestre, sejam
implantados três núcleos para atender, cada um, 44 mil alunos. As aulas não vão
interferir no turno escolar e os monitores serão contratados especialmente para
as aulas. Para instalar o primeiro módulo, o Governo do Distrito Federal deve
investir R$ 10 milhões.
Ainda não se
sabe que cidades receberão os primeiros núcleos do projeto, que foi idealizado
pela atual gestão da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro
(OSTNCS) e pela Secretaria de Cultura. “É o projeto mais impactante do Distrito
Federal na educação e na cultura”, acredita Afonso Galvão, um dos idealizadores
do programa e diretor de relações institucionais da orquestra. A presença do
maestro Abreu abriu o diálogo formal com o Sistema, que poderá ser um parceiro
na formação dos monitores.
Três perguntas // Gustavo Dudamel
Um de seus compromissos à frente de projetos
sociais e grandes orquestras é tentar renovar a audiência de música clássica.
Como fazer isso?
É muito importante atrair um novo público jovem.
Porém o mais importante é criar uma audiência com uma cultura e uma abordagem
da música mais profunda. O que isso significa? Que no caso do Sistema na
Venezuela, nem todas as crianças vão ser músicos. Elas podem até nem seguir um caminho
artístico de muito alto nível, mas evidentemente o fato de que um jovem tenha
acesso à cultura, à arte e, no nosso caso, à música, é algo elementar. Repito:
um direito. É assim que tratamos todos os jovens músicos do Sistema. Viajamos
muito, tocamos em todos os lugares e deixamos a mensagem de que é muito
importante dar esse passo. Faço isso também em Los Angeles, levamos a orquestra
a comunidades com desvantagens sociais e as mudanças são maravilhosas. E isso
há apenas quatro anos. Essa condição social existe em todas as partes do mundo.
É uma questão de tornar acessível a cultura para os cidadãos de um país.
Você sempre diz que é preciso abordar as peças do
repertório tradicional como se fosse a primeira vez. Como manter o frescor de
obras que foram tocadas milhares de vezes?
Creio que isso foi uma parte do mesmo crescimento
dentro do Sistema. Digamos que essa é a nossa vida. Nosso papel é recriar o que
já foi criado. Imagina, tocar obras de Beethoven, Mozart, Mahler, Bach que
foram interpretadas quiçá milhões de vezes ao longo da história! Para nós, é
complexo porque estamos falando de mentes brilhantes. Não pode ser algo
superficial de simplesmente tocar as notas e fazê-lo da forma mais básica e
elementar possível. Não. Você tem que entrar muito na mente do compositor, nos
sentimentos, nas condições históricas de quando foi composta a obra, na
situação do compositor, em milhões de coisas porque nas músicas tudo isso está
refletido. Creio que os compositores refletem em suas obras o que eles são e isso
é fascinante porque reproduzir é muito mais difícil do que criar. Você não está
no mesmo nível porque nunca vai estar no nível de um Mozart, de um Mahler, mas
você tem que ter o amor de fazer isso, de fazer uma exposição absoluta para
poder descortinar todo esse mundo.
É raro, e creio que mesmo inexistente, uma
orquestra com a projeção da Simon Bolívar cujos integrantes estão juntos desde
pequenos. O que isso traz de vantagem para a orquestra?
Bem, ela é uma família, é um grupo de unificado não
somente artística e tecnicamente, mas na perspectiva humana também. Nós
crescemos juntos, como família, e por isso sempre se fala do som e da energia
especial que a orquestra produz. Isso acontece por termos crescido juntos, por
termos seguido sonhando junto, lutando e fazendo o que Deus nos deu para fazer.
E sempre digo: sem o maestro Abreu, isso não teria existido e hoje nós temos a
oportunidade de fazer parte desse mundo maravilhoso que é a orquestra. Isso na
Venezuela e em outros lugares, porque essa mensagem do projeto já chegou a
muitas partes do mundo. Por isso, não somente a Bolívar, mas todas as
orquestras na Venezuela têm essa energia, essa aproximação da música tão
especial. Não somos apenas uma orquestra, mas uma família.
>>>
CÂNONES »
A celebração de nossa literatura
Relação feita a partir da escolha de especialistas
identifica entre os maiores escritores Machado de Assis e Dalton . CORREIO BSB 14.04
Trevisan e consagra Grande sertão: veredas como o
grande livro brasileiro
Ao longo de três semanas, com o objetivo de fazer
um levantamento sobre o que de melhor a literatura brasileira produziu e tem
produzido ao longo da história, nos campos da poesia e da ficção, a reportagem
entrou em contato com 50 intelectuais de vários estados e instituições ligadas
à literatura, como universidades, revistas especializadas, cadernos de cultura
de grandes jornais, centros de pesquisa e projetos literários e de incentivo à
leitura. A eles foi pedido que indicassem, de acordo com suas preferências: a)
os cinco melhores escritores vivos da literatura brasileira; b) os cinco
melhores escritores da literatura brasileira de todos os tempos; c) os cinco
melhores livros da literatura brasileira, ficção e poesia, de todos os tempos.
O resultado, como todas as listas da mesma
natureza, por um lado consagra o cânone, por outro revela interessantes
surpresas, que mostram a dinâmica que perpassa o setor cultural. Mesmo as mais
consagradas escolhas carregam o marca do seu tempo. Além disso, o resultado
acaba por constituir um repertório variado, que vale por um projeto de leitura
para quem busca conhecer a literatura brasileira. As preferências pessoais, no
contexto de uma seleção feita por um número significativo de especialistas, não
deixa de abrir um diálogo com a sociedade sobre o valor da literatura e sua
significação no processo de constituição da cultura brasileira.
Ao analisar os resultados da enquete, Letícia
Malard, professora emérita de literatura da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), aponta para três tendências. A primeira seria a de se dar
prioridade à prosa, uma vez que, dentre os cinco melhores escritores vivos,
consta um poeta apenas, o maranhense Ferreira Gullar. A segunda tendência foi a
de os jurados prestigiarem, nos primeiros cinco lugares, autores vivos muito
idosos: o mais novo, o amazonense Milton Hatoum, tem 60 anos, os outros estão
com mais de 80. E a terceira observação apontada por ela diz respeito ao fato
de parte dos jurados não incluírem escritores vivos nem livros deles entre os
melhores de todos os tempos, apesar da grande vitalidade e de nomes de primeira
categoria na literatura brasileira atual. “Encontro duas explicações para essa
conclusão: certo saudosismo literário e a necessidade de se manter um
distanciamento temporal. Nesse caso, os vivos não tiveram vez”, conclui
Letícia.
Bruxo e vampiro
Os escolhidos pela maioria de votos nas três
categorias — melhor escritor brasileiro, melhor livro de todos os tempos e
melhor escritor brasileiro vivo — consagram respectivamente Machado de Assis
(1839-1908); Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa; e Dalton Trevisan. É um
conjunto aparentemente heterogêneo, que vai de um escritor elegantemente
clássico a um autor que se caracteriza pela secura extrema, passando pela obra
mítica e barroca do escritor mineiro. De um século ao outro, não é exagero
dizer que a centralidade da linguagem em Machado prenuncia o modernismo de
Rosa.
Há um fio que foi puxado pelo próprio Dalton ao
receber, no ano passado, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de
Letras. O Vampiro de Curitiba escreveu em carta à direção da casa, referindo-se
a Machado de Assis: “Ele nos incitou, o grande bruxo, no prazer secreto da
leitura”. Rosa, de certa forma, foi um testemunho silencioso nessa conversa
entre o vampiro e o bruxo. Conhecedor das manhas do diabo, ele sabia que o
sentido não estava no passado nem se esgotaria no futuro. Na literatura, como
na vida, o que há é travessia.
Dos 70 livros citados entre os melhores de todos os
tempos, 60 foram escritos por homens e 10 por mulheres
Foram citados 46 livros em prosa e
24 de poesia
Dos 70 livros votados, 14 são de escritores de
Minas Gerais, 15 do Rio de Janeiro, 9 de São Paulo, 7 de Pernambuco, 7 da Bahia
e 6 de Alagoas
Foram também escolhidos livros de 3 autores do
Maranhão e da Paraíba, de 2 autores do Rio Grande do Sul, e de 1 escritor dos
estados do Ceará, Espírito Santo, Amazonas e Ceará
2 estrangeiros radicados no Brasil tiveram livros
apontados entre os melhores, A paixão segundo GH, da ucraniana Clarice
Lispector, e Contos do imigrante, de polonês Samuel Rawet
Dos 38 nomes foram citados entre os melhores
autores brasileiros de todos os tempos, destes 33 são homens e 5 são mulheres
Desses 38, 13 são poetas e 24 prosadores, sendo
que, entre estes, alguns também publicaram livros de poemas. Apenas 1 se tornou
conhecido principalmente pela obra teatral, Nelson Rodrigues (que foi também
cronista, memorialista e contista)
>>>
LITERATURA: O mundo inteiro bem
ali
No soneto que escreveu para a mulher, Carolina,
Machado de Assis (1839-1908) definiu em um verso o trabalho de sua vida: “E num
recanto pôs um mundo inteiro”. CORREIO BSB 13.04
Nascido no
Rio de Janeiro, cidade da qual não se afastou mais de 200 quilômetros, o
escritor não apenas realizou a mais importante obra de nossas letras como
alcançou um grau de universalidade único. Clássico na expressão, tudo em
Machado parece ser atravessado pela ambiguidade. Talvez por isso, mais de um
século depois de sua morte, ele não apenas pareça moderno como desafie a
compreensão da crítica e alimente a admiração de leitores em todo o mundo. Um
grande autor reflete seu tempo. Os gênios criam sua posteridade.
Todos os leitores brasileiros passam pela
experiência de ler Machado de Assis no colégio. Muitas vezes, ao retornarem à
leitura na maturidade, ficam impressionados. Esse senso de estranhamento e
descoberta, no sentido metafórico, acompanhou a sociedade brasileira em sua
capacidade de compreensão de nosso maior escritor. Sua época, como um
adolescente, reconheceu no autor de Dom Casmurro os méritos da linguagem, da
narração e do sentido psicológico. No entanto, à medida em que o tempo corria,
a leitura de Machado foi encontrando outros valores e sutilezas.
Originalidade
O retratista do Segundo Reinado foi também seu
maior crítico e mais acurado intérprete de nossas mazelas. No que seria mais
uma ambiguidade do escritor, o que pareceu a muitos certo distanciamento e
alienação das questões sociais e políticas foi, na verdade, a invenção de um
modo de expressão próprio, marcado pela ironia, originalidade e acurada leitura
política, capaz de perceber o descompasso entre a realidade e as ideias que a
sustentavam. Vivíamos com a carne escravista e patriarcal uma sociedade em que
a liberdade só habitava a mente das elites.
O estilo do escritor é mais um exemplo da riqueza
ambígua de sua presença em nossa cultura. Mesmo tendo se tornado um modelo de
expressão, pela elegância e humor, o estilo machadiano parece negar o tempo
todo sua própria origem. Mesmo se exprimindo prioritariamente pela ficção,
tanto no romance como no conto, Machado nunca o fez por mero entretenimento.
Sua prosa reflexiva deixava sempre no ar “certas perplexidades não resolvidas”,
na expressão do crítico Antonio Candido.
Todos esses aspectos parecem se unir para dar conta
do projeto do escritor. Machado, no seu arcaísmo aparente, sempre foi moderno;
em seu classicismo perfeito, abriu espaço para o experimentalismo com a
linguagem. Mas nada disso é mais importante que seu empenho em colocar em letra
os grandes temas brasileiros e universais que compõem sua obra. E é exatamente
o fato de não se prender às modas (inventando outra expressão a partir do molde
clássico) e às demandas chinfrins de sua época (colocando em foco questões
universais) que Machado de Assis garante o lugar de interesse que hoje desperta
no mundo, como comprovam a admiração de nomes como Susan Sontag e Harold Bloom,
entre outros.
Inspiração
Se o leitor do século 19 conheceu o estilista, o
século 20 o filósofo e o psicólogo, ficou para o nosso tempo a grande tarefa de
um olhar amplo sobre a obra do escritor. Seguindo a mesma inspiração de Antonio
Candido, as grandes provocações que emanam da obra machadiana talvez sejam a
questão da identidade (e da loucura), acerca da relação entre o fato real e
imaginado, sobre o sentido da ação no mundo, e em relação aos limites postos à
realidade para a construção de uma sociedade mais justa e de homens mais
livres. Machado de Assis tocou em todos esses temas, que parecem tão presentes
no mundo de hoje, por meio de personagens como Brás Cubas, Capitu, Pestana e
Bacamarte.
Machado é moderno por antecipação: pôs a linguagem
acima do enredo, equilibrou imaginação e entendimento, criou uma narrativa em
fractais, fez do diálogo irônico e do contato com o leitor um modo de expressão
que antecipou seus pares europeus em matéria de técnica. O que é revolução na
forma é ainda mais surpreendente na essência, sobretudo em seu caráter crítico
das nossas usanças em política e organização social. O monarquista Machado de
Assis foi nosso mais revolucionário adversário da alienação. E fez tudo isso
sem sair do Rio de Janeiro. Num recanto, o mundo inteiro.
>>>
LITERATURA:
No sertão da alma. CORREIO BSB 14.04
.
.
Momento único na literatura brasileira, no qual
exercício estético e filosófico se misturam à uma genial recriação da linguagem
e erudição, Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, mineiro de
Cordisburgo, foi publicado em 1956, ano dos mais profícuos para a literatura
brasileira do século 20.
No romance, que colocou seu autor entre os grandes
da literatura universal — e foi escolhido como o melhor romance brasileiro de
todos os tempos — um jagunço aposentado, Riobaldo Tatarana, narra a um ouvinte
oculto, que o visita em sua fazenda, suas peripécias como ex-chefe de um bando
de guerreiros, que fez e aconteceu nos sertões de Minas Gerais, numa época não
especificada, mas provavelmente nas primeiras décadas do século passado. Também
se mostra, no correr da narrativa — e este é um dos seus maiores dramas —
obcecado pela existência ou não do diabo, por ele nomeado de várias maneiras.
Como pano de fundo, o amor proibido, e nunca
realizado, do narrador por um ou outro jagunço, Reinaldo, por ele chamado de Diadorim.
Personagem-chave dessa história trágica e épica, cujo desfecho, que encerra um
grande segredo, só será conhecido nas últimas páginas, os dois ficaram se
conhecendo por acaso, quando ainda eram crianças, e atravessaram São Francisco
numa pequena canoa, pilotada por um outro menino.
“Carece de ter coragem, carece de ter muita
coragem”, diz Diadorim a Riobaldo, amedrontado pela imensidão das águas que se
ampliam aos seus olhos, quando iniciam a travessia. Desde então, até a
derradeira batalha travada contra um grupo rival, num local denominado Paredão
de Minas, que marcou também o final das aventuras de Riobaldo como jagunço, os
dois tiveram os seus destinos ligados.
Na visão de Benedito Nunes, crítico literário
paraense, Grande sertão: veredas ultrapassa o âmbito regional. “No drama do
sertanejo ou do jagunço, irrompem os grandes problemas humanos — seja a luta do
homem contra a natureza que o estimula e o abate ao mesmo tempo, seja o ímpeto
do jagunço que se põe em armas para defender uma causa indefinível, adota a lei
da guerra menos pela rudeza de seu espírito do que pela necessidade de viver e
de realizar seu destino”, escreveu.
Em Grande sertão: veredas, se mesclam várias
dimensões da arte e do conhecimento. É romance de aventuras e história feita de
pura linguagem; expressão do mito em sua forma mais primitiva e reflexão
filosófica profunda e erudita; narrativa de amor e painel histórico e
sociológico que revela o Brasil profundo.
Para Walnice Nogueira Galvão, uma das mais
importantes estudiosas da obra do escritor, Guimarães Rosa, com seu romance,
conjuga as vertentes mais marcantes da literatura do período, o regionalismo e
o espiritualismo, para criar uma síntese ainda insuperada em nossa história
literária: “Um regionalismo com introspecção, um espiritualismo em roupagem
sertaneja”. (CHL)
Melhores escritores brasileiros vivos
Dalton Trevisan (1925)
Ferreira Gullar (1930)
Lygia Fagundes Telles (1923)
Milton Hatoum (1952)
Rubem Fonseca (1925)
.
Melhores escritores brasileiros de todos os tempos
Machado de Assis (1839-1908)
Guimarães Rosa (1908-1967)
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
Graciliano Ramos (1892-1953)
Clarice Lispector (1920-1977)
Dalton Trevisan preserva a própria imagem e desvia
as luzes para seus livros
O vampiro e o mito
Carlos Marcelo
— Não fale, amor. Cada palavra, um beijo a menos.
Dalton Trevisan não é homem de floreios ou
digressões. Maneja frases, remove adjetivos, arranca verbos, insere vírgulas
com destreza de cirurgião. Revolve a nervura da escrita até chegar à carne e ao
osso. Aí ele não hesita; perfura. Médico, não. Monstro.
A escolha de Trevisan como o mais importante
escritor brasileiro da atualidade pode surpreender os que acompanham a
(tentativa de) sobrevivência da literatura no mundo das celebridades. Afinal, o
curitibano não está nas redes sociais, nunca foi à Flip, não promove noites de
autógrafos nem dá entrevistas. Ao contrário do comportamento ambíguo de Rubem
Fonseca, convenientemente arredio apenas no Brasil, Dalton não se expõe em
lugar algum. Preserva a própria imagem, desvia as luzes para os livros. A
postura foi destacada pelos jurados do Prêmio Camões, que assim justificaram a
escolha de Trevisan para receber em 2012 a mais importante premiação da língua
portuguesa: “Ele fez uma opção radical pela literatura enquanto arte da
palavra”.
Personagens
Radicalidade e arte caminham juntas há décadas na
obra do Vampiro de Curitiba, alcunha que nunca fez questão de renegar — ao
contrário, até a cultua, com ajuda das ilustrações de Poty, onipresentes nas
edições de sua casa literária, a Record. Personagem mítico da “cidade verde”
(até pouco tempo saudada como modelo de desenvolvimento urbano e qualidade de
vida), avança contra o seu habitat, revestido pela autoridade só conferida pela
íntima convivência: “Cinquenta metros quadrados de verde por pessoa/ de que te
servem/ se uma em duas vale por três chatos? (…) não Curitiba não é uma festa/
os dias da ira nas ruas vêm aí” (“Em busca de Curitiba Perdida”).
Os textos longos sobre a capital paranaense, alguns
em tom apocalíptico, são exceção. Usualmente o escritor não utiliza mais do que
três páginas para engendrar obras-primas como o conto “Uma vela para Dario”, de
Cemitério de elefantes (1964). Uma década antes de Chico Buarque erguer a sua
Construção, Trevisan descreve a indiferença coletiva diante da morte de um
transeunte (e a pilhagem do cadáver) na rua de uma grande cidade: “Dario em
sossego e torto no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso (…). Apenas um
homem morto e a multidão se espalha”. Não há tempo nem para carpideiras nem
para elegias: a vida segue e atropela quem fica pelo caminho, adverte o
escritor. Como percebeu o crítico e poeta José Paulo Paes (1926-1988), a
literatura de Trevisan é “arte impiedosa, mas não desumana”, baseada na
“presentificação do assombro de viver”.
Na hora de assinar, todo soberbo o velhote, no seu
oclinho torto:
— O meu nome, qual é? Quem mesmo sou eu?
Desilusão e desconcerto são as engrenagens que
movem a prosa elíptica de Trevisan. Ele também costuma recorrer ao diminutivo
em cenas de extrema violência (“Não com o facão, paizinho”) para amplificar o
grito oculto nas casas de família. Dispensa verbos (“Agora feliz numa casinha
de madeira no Cristo-Rei”, em “A guerra conjugal”, outra obra-prima, adaptada
para o cinema em 1975 por Joaquim Pedro de Andrade) e exerce a síntese ao
extremo nas narrativas mais recentes: duas, no máximo três frases. Haicais nada
“poéticos”, que perturbam em vez de enlevar:
A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:
— Assim que ele morra eu começo a viver.
Ao expor a brutalidade infiltrada entre quatro
paredes, a temática de Trevisan tangencia a obra de outro gigante do século 20,
Nelson Rodrigues. Mas, se no dramaturgo, o trágico e o patético se misturam, no
contista não há aceno para a farsa. Aqui a escrita é de uma faca só lâmina.
Urge. Arde. Sangra.
>>>>>>
Guarani-kaiowá: Demarcação inconclusa provoca invasão e morte no MS
PM reformado
invade aldeia, fere e é morto; Justiça concede reintegração a assassino de
jovem. REVISTA CAROS AMIGOS 14.04
.
Um cabo reformado da Polícia Militar (PM) invadiu a
cavalo a aldeia Ita'y, na Terra Indígena Lagoa Rica/Panambi, município de
Douradina, Mato Grosso do Sul, na última sexta-feira, 12. Armado com revólver e
facão, Arnaldo Alves Ferreira efetuou seis disparos contra os guarani kaiowá,
acertando o indígena João da Silva na orelha. O PM possuía um terreno dentro da
área identificada como terra indígena, a cerca de 300 metros da aldeia.
Os indígenas já haviam registrado Boletim de
Ocorrência denunciando Arnaldo às autoridades, em função de outra violência
praticada por ele contra a comunidade dois dias antes.
Revólver e Facão
Segundo relato dos indígenas, Arnaldo invadiu a
aldeia montado em um cavalo e munido de revólver e facão, cerca de meio dia e
meia da sexta-feira, 12. "Ele foi na casa de um idoso e disse pra ele:
'você vai morrer', na frente da filha e da esposa", relata um indígena da
aldeia que prefere não ser identificado. "Depois ele virou pra esposa e
disse: 'a senhora vai ficar viúva hoje'".
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reintegração de área retomada
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MS
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Guarani e Kaiowá
Vídeo: Liderança guarani-kaiowá
Durante o ataque, integrantes da comunidade
indígena conseguiram desarmar o militar reformado, defendendo-se dos disparos.
Arnaldo foi mantido seguro pela comunidade, que informou a ocorrência à polícia
local. O PM e o indígena ferido foram encaminhados ao Hospital da Vida, em
Dourados. Arnaldo morreu ainda na ambulância; o kaiowá ferido foi preso pela
polícia, acusado de homicídio em flagrante.
B.O.
"Faz muitos anos que nós temos problemas com
ele. Ele não gosta da gente. Deixava o cavalo comer na nossa roça, soltava o
gado na aldeia. Já matou a tiro um monte de cachorros nossos e até bateu em
gente da comunidade", relata um indígena de Ita'y.
Nas últimas semanas, Arnaldo havia resolvido cercar
sua propriedade com cercas elétricas. "O problema é que a cerca fica bem
na estrada que nós dois [indígenas e o PM] usamos e também no lugar onde as crianças
esperam o ônibus escolar", relata o kaiowá. A comunidade pediu ao cabo
reformado que deixasse de utilizar a cerca elétrica. A exigência não foi
aceita, e os indígenas teriam então, por duas vezes, desativado a cerca.
Agressão
Na madrugada de terça para quarta-feira, Arnaldo
esteve na aldeia. "Ele veio por causa da cerca. Ele entrou na casa de um
homem gritando e bateu nele com o cabo do facão", explica. O indígena que
sofreu violência registrou boletim de ocorrência e realizou exame de corpo de
delito, cujo resultado deverá ficar pronto na segunda-feira, 15.
Os kaiowá de Ita'y já temiam um ataque do policial.
"Nós fizemos B.O. na polícia e avisamos Funai, MPF, Força Nacional que
existia esse problema e estávamos com medo de acontecer algo. E aconteceu",
lamenta.
Questão da Terra
"A forma como a imprensa local está contando a
história e como os ruralistas a estão utilizando é absolutamente manipulada, e
consequentemente criminosa", afirma o coordenador regional do Conselho
Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, Flávio V. Machado.
"O policial não morreu 'em sua propriedade', espancado, torturado ou a
flechadas, conforme disseram os jornais locais e notas de entidades do
agronegócio. Ele morreu invadindo novamente uma aldeia indígena, ameaçando a
vida dos moradores e atirando contra eles", conta.
Para Flávio, a responsabilidade da morte do PM é do
governo federal. "Esta situação está diretamente ligada à morosidade do
Estado em completar o processo de demarcação das terras kaiowá e guarani em
Mato Grosso do Sul", argumenta. "Os indígenas agiram em legítima
defesa, uma vez que foram atacados de maneira covarde por um homem violento e
preconceituoso. Isto está registrado". Além do Boletim de Ocorrência notas
técnicas do Ministério Público Federal também registram as denúncias feita pela
comunidade indígena sobre as ameaças sofridas por parte PM. "Na ocasião
tanto a polícia, quanto a promotoria de Dourados foram acionados para apurar a
denúncias”, relembra Flávio.
Manipulação da Mídia
O coordenador do Cimi crítica a manipulação dos
fatos, que está sendo usada pelos ruralistas em favor de suas pautas. "Os
ruralistas estão usando do fato para responsabilizar o governo federal pelo
caso, acusando-o de fomentar a violência ao demarcar as terras indígenas, e com
isso tentando acelerar a aprovação de suas pautas, como é o caso da PEC 215 ou
o julgamento dos embargos declaratórios envolvendo as dezenove condicionantes
do caso de Raposa Serra do Sol. Ora, é justamente o contrário! A
responsabilidade é sim do governo federal, mas justamente porque ele não está
cumprindo com sua obrigação constitucional e demarcando, de uma vez por todas,
as terras tradicionalmente ocupadas pelos guarani e kaiowá. E é inaceitável
que, mais uma vez, queiram que os guarani e kaiowá paguem mais essa conta”,
conclui.
Com a criação da Colônia Agrícola Nacional de
Dourados (CAND) na década de 40, os indígenas daquela área foram removidos de
seus territórios tradicionalmente ocupados e colocados na Reserva Indígena de
Dourados.
Em 2005, o movimento de reivindicação do território
de Lagoa Rica se intensificou, levando ao início da identificação da área, em
2008, e também à retomada de dois Tekoha (territórios tradicionais):
Guirakambi'y e Ita'y, onde ocorreu o ataque. Em dezembro de 2011, foi publicado
pela Funai o relatório antropológico que identificou 12,1 mil hectares do
território tradicional como Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica. A terra do PM
reformado fica dentro da área identificada.
Reintegração
A Justiça Federal concedeu liminar de reintegração
de posse para o fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, assassino confesso do
guarani-kaiowá de 15 anos, Denilson Barbosa. Orlandino é proprietário de uma
fazenda que incide sobre o território tradicional Pindo Roky, próximo à reserva
indígena de Tey'ikue, no município de Caarapó, no Mato Grosso do Sul.
Segundo a decisão, os indígenas tem dez dias para
deixar o local, a partir da publicação da liminar. Se não deixam a área, uma
multa de 10 mil reais diários deverá ser paga pela comunidade, e 100 mil reais
pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A juíza acrescenta mais 20% de multa
sobre o valor da causa, a ser pago pelos servidores do órgão indigenista em
Dourados, "cientes de que a responsabilidade pelo pagamento desta multa é
pessoal", conforme decisão. A Funai entrará com recurso contra a decisão.
Retirada do Corpo
Ainda, a juíza exige que a Funai "proceda à
exumação e traslado do corpo do jovem indígena sepultado na fazenda",
enterrando o corpo de Denilson no cemitério de Tey'ikue, "segundo as
regras sanitárias vigentes".
O território estava totalmente invadido pela
fazenda, até que a morte de Denilson desencadeou um processo de retomada da
área. A família sepultou Denilson no local do assassinato e desde 18 de
janeiro, cerca de 500 indígenas estão acampados no local, e reivindicam a área
conhecida pelos Kaiowá como Tekoha - "o lugar onde se é" - Pindo
Roky.
Resistência
Por temerem outros assassinatos e a perseguição
direta contra lideranças, um grupo de Kaiowá é quem responde publicamente sobre
os assuntos da retomada, sob o nome de Comissão do Acampamento do Tekoha Pindo
Roky.
"A gente não vai sair. Só se sair morto, já tá
decidido", afirma uma das lideranças da comissão. "Tem pessoas de 80
anos, 70 anos que tá no Tekoha e já tá tudo decidido. Hoje tem 500 pessoas e
uns 80 barracos e vai vir mais gente pra ajudar a resistir. Pode vir Tropa de
Choque, Polícia Federal, quartel, tudo o que mandarem. A gente só sai
morto".
Justiça Federal
Depois da ocupação dos indígenas, o fazendeiro
entrou com pedido de reintegração de posse na Justiça estadual, que se declarou
incompetente para julgar o caso por se tratar de conflitos fundiários
envolvendo indígenas. O juiz estadual remeteu então o processo à Justiça
Federal. A juíza da 1a. Vara Federal de Dourados, Raquel Domingues do Amaral,
expediu liminar favorável ao proprietário rural na última quinta-feira, 11.
"Tudo isso se trata de uma questão só, que é a
questão da terra", expõe o indígena. "Essa terra onde nós estamos,
nós sabemos que é nossa, dos nossos antepassados, dos avós, tataravós. Ela já
tava no estudo antropológico. [Retomar a terra] agora é um segundo passo já.
Nós resistimos faz 513 anos. Não é agora que vamos arredar o pé", conclui.
>>>>
Bruno Covas: Política ambiental em risco. BRUNO COVAS,
33, é secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo
FOLHA SP 15.04
.
O Estado de São Paulo possui desde 2009 uma
importante lei ambiental. Além de estabelecer uma meta de redução de emissões
de dióxido de carbono, a Política Estadual de Mudanças Climáticas prevê
instrumentos como o zoneamento ecológico econômico, a avaliação ambiental
estratégica, os planos para transportes sustentáveis e ações para a adaptação
aos eventos climáticos extremos.
Muitos dos encargos estaduais e municipais são
conexos às mudanças climáticas: saúde pública, mobilidade urbana, defesa civil
e proteção do ambiente. O governo do Estado tem feito grandes esforços para
cumprir a lei, investindo pesadamente no metrô e fomentando a bioenergia, entre
outras medidas.
Contudo, não devemos trabalhar sozinhos. O governo
federal pode e deve agir. Enquanto nossas crônicas deficiências se perpetuam
por subsídios a combustíveis fósseis e ao rodoviarismo ineficiente, sem que se
enxergue o quadro mais amplo, muitos se rendem aos apelos sedutores dos
programas assistencialistas.
Isso é reflexo do centralismo fiscal, que causa
dependência financeira em relação à União. Esta já arrecada 70% dos tributos do
país e vem retirando receita dos demais entes da Federação.
Recentemente, um duro golpe foi aplicado na
política ambiental nacional: durante a tramitação no Congresso Nacional do
projeto de lei nº 2.565/2011 e da medida provisória nº 592/2012, foram
retirados os artigos que garantiriam recursos do petróleo para o Fundo Clima,
com perdas da ordem de R$ 250 milhões a R$ 700 milhões por ano.
O fundo mal havia iniciado suas atividades em 2011,
com recursos não reembolsáveis operados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA)
e os reembolsáveis operados pelo BNDES. Ele recebia até 60% da participação
especial que cabia ao MMA por conta da Lei do Petróleo.
Um novo projeto de lei (nº 2.565/2011) aprovado
pelo Congresso reformulou a distribuição dos ganhos, colocando as questões
climáticas em disputa com várias outras áreas, em uma lista indefinida que
cobre de tudo. O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas encaminhou uma moção à
presidente, visando reestabelecer tais recursos ao fundo.
Sem recursos, fica difícil criar de fato um mercado
nacional de carbono, não só com a oferta de créditos (florestais inclusive) mas
também com fomento à demanda por esses créditos como estratégia de inovação e
competitividade da economia.
Isso faz parte de uma estratégia ampla nacional,
que envolveria uma série de medidas. Em primeiro lugar, o governo federal
deveria desenvolver o Registro Público de Emissões dentro do Sistema Nacional
de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima), previsto há 30 anos pela Política
Nacional do Meio Ambiente e que até agora não saiu do papel.
Em segundo lugar, a União deveria harmonizar as
leis climáticas do país, propondo metas convergentes para os entes da Federação
que sejam mensuráveis, reportáveis, verificáveis, absolutas (sem truques
numéricos baseados em cenários futuros incertos) e setoriais (por melhores
tecnologias). Compatíveis com o desenvolvimento do país, essas metas estimulariam
a competitividade e a inovação, com base na eficiência e no desenvolvimento das
fontes renováveis de energia.
Leis harmônicas devem conter efetivos mecanismos de
proteção de nossos biomas. Devem prover meios de incorporar externalidades e
cobenefícios -como as melhorias da mobilidade e da qualidade do ar- por meio de
combustíveis mais limpos, melhores tecnologias e enfoques sistêmicos urbanos.
BRUNO COVAS, 33, é secretário de Meio Ambiente do
Estado de São Paulo
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