segunda-feira, 15 de abril de 2013



Choques de culturas
Autor(es): José Goldemberg -    PROFESSOR EMÉRITO DA USP.    O Estado de S. Paulo - 15/04



A segunda metade do século 20 foi marcada por um forte conflito entre duas culturas: a humanista e a científica. Esse conflito foi desencadeado por uma conferência do químico e novelista C. P. Snow na Universidade de Cam-bridge, em 1959, em que expandiu a sua visão dos problemas formulados por um artigo publicado em 1956 num influente jornal inglês.

O que Snow fez foi chamar a atenção de seus colegas para o fato de haver na Inglaterra na ocasião (e no mundo?) duas culturas que não se comunicavam: as humanidades (em especial Latim e Grego), de grande prestígio, que eram a base da educação da aristocracia inglesa, e as atividades científicas e tecnológicas - decisivas para levar a Inglaterra à vitória na 2.a Guerra Mundial que eram menosprezadas. Em contraste, segundo Snow, os alemães e americanos preparavam seus cidadãos para as ciências, permitindo que eles competissem melhor na era dos grandes avanços científicos do século 20.

Snow argumentou que os cientistas eram considerados iletrados (analfabetos?) pelos humanistas, porque não liam Shakespeare, apesar de não ter nenhuma ideia do que é a Segunda Lei da Termodinâmica ou a Lei da Gravidade, que para os cientistas é a própria definição de analfabetismo científico. Na época um importante crítico literário atacou Snow como agente de relações públicas do estabelecimento científico inglês.

Alguns anos depois Snow amenizou suas críticas, mas o debate sobre o fosso entre as "duas culturas" marcou profundamente a segunda metade do século. Logo após, contudo, surgiu um novo e mais sério choque de culturas: desenvolvi-mentistas x ecologistas.

Para os desenvolvimentistas, o que interessa é melhorar as condições de vida da população, que só o crescimento econômico pode proporcionar. Este é o mundo do presente, dos investimentos e negócios, com sua ética própria de "retorno dos investimentos", cotação do dólar, exportações, construção de estradas e até corrupção, sem muita preocupação com o futuro. Essa visão casa bem com eleições freqüentes, a cada quatro anos, e até com as promessas demagógicas necessárias para ser eleito.

Em contraste a visão dos ecologistas é a do longo prazo e de preocupações não só com a presente geração, mas com as gerações futuras. Essa visão ganhou grande impulso após os anos 1970, depois da Conferência de Estocolmo em 1972 que alertou os governos para as conseqüências do tipo de desenvolvimento predatório que caracterizou o século 20, baseado no consumo de combustíveis fósseis e no consumismo desenfreado. O que ela fez foi soar um sinal de alarme de que não poderíamos continuar num caminho que levaria ao esgotamento dos
Impõe-se estabelecer uma ponte entre preservação ambiental e desenvolvimento recursos naturais ou a níveis de poluição insustentáveis.

A crise do petróleo em 1973 que foi erroneamente interpretada como o esgotamento das reservas, e não como manobra política dos países exportadores - só agravou essa visão pessimista do desenvolvimento. Como conseqüência, levou à adoção de dois princípios:

•    O do "poluidor pagador", que estabelece que o poluidor é responsável pela poluição que causa e deve pagar pelas conseqüências e medidas preventivas para evitá-la;

•    e o "princípio da precaução", que estabelece que não devem ser adotadas novas tecnologias sem uma avaliação das conseqüências que sua adoção pode acarretar.

Em maior ou menor grau, esses princípios foram adotados pela maioria dos países e estão incorporados na sua legislação. Mais ainda, grandes burocracias governamentais, como Ministérios de Meio Ambiente, fo-
ram criadas para fiscalizar sua aplicação.

No caso do Brasil, por exemplo, a Constituição, no artigo 225, estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade 0 dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Os adeptos extremados da visão desenvolvimentis-ta argumentam que a visão dos ecologistas não é realista e impede na prática o desenvolvimento. Os mais moderados, contudo, reconhecem que um mundo em que a meta é o desenvolvimento a "qualquer custo" já passou e que as conseqüências predatórias desse tipo de desenvolvimento têm custos muito elevados.

O conflito dessas duas culturas lembra muito o debate provocado por Snow, só que agora o que está emjogo não são críticas literárias ou conflitos entre intelectuais, mas ações de governo, como construção de estradas, hidrelétricas, reatores nucleares, exploração de petróleo, mineração e desmatamento da Amazônia. Não há uma solução única para esses problemas: uma defesa extremada da preservação ambiental pode levar à parálise e até à perpetuação do subdesenvolvimento e da miséria. Já um desenvolvimento predatório pode levar a prejuízos sérios para as gerações futuras e até para a atual, como já se pode ver na poluição das grandes cidades, que ameaça a saúde.

O que se impõe é estabelecer uma ponte entre as duas culturas. Não se trata de fazer média ou uma conciliação em áreas em que ela não é possível, mas uma atitude realista que leve a um desenvolvimento sustentável que beneficie o conjunto da população, e não grupos de interesses e lobistas.

Diversas instituições internacionais, como o Programa das . Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), têm preparado relatórios detalhados mostrando que não há uma contradição fundamental entre desenvolvimento e proteção ambien-
tal e que uma "economia verde" não só é possível, como também faz sentido econômico.

Dentro do nosso país, inúmeros cientistas têm tentado mostrar, em casos específicos, como estimular o desenvolvimento sem danos irreversíveis à natureza, que levem ao esgotamento dos recursos naturais.

O conflito entre as "duas culturas" não é insolúvel.

PROFESSOR EMÉRITO DA USP


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Presente de poeta
Cantora Amelinha registra composição feita por Vinicius de Moraes para ela há mais de 35 anos e inédita em sua voz

.Amelinha: Aprendi muito (com Vinicius), principalmente sobre espontaneidade em cima do palco
JANELAS DO BRASIL — AO VIVO
DVD de Amelinha, produzido por Thiago Marques Luiz. Lançamento Lua Music e Canal Brasil, 18 faixas. Preço: 34,50. Também em CD (16 faixas, R$ 24,50).  CORREIO BSB 15.04

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Apesar de pertencer à turma de artistas nordestinos que invadiram a música popular brasileira nos anos 1970, a cantora cearense Amelinha acredita que sua carreira só começou realmente quando foi convidada por Vinicius de Moraes para acompanhá-lo em uma viagem, em 1975. “Ele e Toquinho iam sempre a Punta del Este, no Uruguai, e me levaram para cantar com eles”, recorda, orgulhosa, aos 62 anos. “Eu aprendi muito, principalmente sobre espontaneidade em cima do palco”. A amizade com o poetinha, cujo centenário será celebrado em 2013, rendeu uma homenagem a ela, a canção Ai quem me dera. Amelinha, contudo, não havia registrado a faixa — uma das inúmeras parcerias de Vinicius e Toquinho — até o ano passado, quando gravou o DVD Janelas do Brasil ao vivo, lançado agora.

“Ele fez a música e me ensinou a cantar, mas eu achava que não estava preparada. Eu não conseguia dar umas notas mais graves, que eu só atingi depois de mais velha”, explica a artista, que foi apresentada a Vinicius pelo amigo Fagner. “Meus professores de canto diziam que as mulheres ganham alguns graves depois dos 40 anos”. A canção acabou sendo lançada por Clara Nunes, teve outras gravações e foi tema instrumental de novela. Amelinha aproveitou para relembrar a história no primeiro DVD de sua carreira fonográfica, registro ao vivo do CD Janelas do Brasil, de 2011, que encerrou o jejum de uma década sem que tivesse um disco publicado.

No projeto, além de levar para o palco as canções de 2011 (entre elas versões para músicas de Marcelo Jeneci e Chico César e de Beto Guedes e Ronaldo Bastos), a intérprete reaviva sua conexão com os conterrâneos cearenses (Belchior, Ednardo e Fagner) e exalta a confraria nordestina da qual faz parte (Alceu Valença, Zé Ramalho, Cátia de França, Robertinho do Recife e Fausto Nilo). E, já que o intuito era comemorar os anos de vida artística, Amelinha não poderia deixar de relembrar as canções que são imediatamente associadas à sua voz: Frevo mulher, Foi Deus quem fez você e Mulher nova, bonita e carinhosa.

Madura

Os 10 anos de hiato aconteceram, segundo Amelinha, por não conseguir combinar as pessoas certas para realizar os projetos. O encontro com o produtor Thiago Marques Luiz foi o indício de que alguma novidade pintaria. A cobrança de seus admiradores também contou bastante. “Apesar de achar que sempre escolhi bem meu repertório, não queria colocar os sucessos de sempre. Sabia que eles entrariam quando fizéssemos o DVD. Eu estava em um momento mais maduro para fazer essa escolhas”, diz ela. Sobre privilegiar os compositores de sua época, ela diz que é apenas por uma questão de identificação. “Acho que, se espalhar muito, perde a identidade”.
Na noite anterior à conversa com o Correio, por telefone, a cantora havia lançado o trabalho no Theatro Net Rio, e lembrou-se que foi naquele mesmo lugar, quando ainda se chamava Teatro Tereza Rachel, que ela fez seu primeiro show na capital carioca, Flor da paisagem, em 1977. A moradora de Niterói (RJ) ainda não tem previsão de vir mostrar o projeto aos brasilienses, mas diz fazer questão de passar por aqui. “Listei algumas praças e Brasília, certamente, está entre elas”.
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O Judiciário e o novo código florestal
Fabio Martins di Jorge e Victor Penitente Trevizan
Advogados do Peixoto e Cury Advogados CORREIO BSB 15.04

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Assim que o novo Código Florestal entrou em vigência por meio da criação da polêmica Lei Federal nº 12.651/12, subsequente a tensos embates travados entre ambientalistas e ruralistas, os quais certos assuntos perduram até hoje, certas questões decorrentes de interpretações distorcidas do texto legal passaram a ser suscitadas, inclusive no Poder Judiciário. O objetivo é buscar a isenção/revogação de sanções impostas por órgãos ambientais oriundas de infrações apuradas quando da vigência do código anterior.

Exemplo disso é o recente julgamento de “ação de anulação de ato cumulada com pretensão indenizatória”, que gerou decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (ministro Relator Herman Benjamin). A sentença expressamente consignou a necessidade de manutenção das penalidades nos casos decorrentes de infrações ambientais cometidas em período anterior a 2008 e, consequentemente, época de vigência do antigo Código Florestal (instituído em 1965).

Segundo o autor da ação, a nova legislação federal lhe concedeu isenção da punição sofrida, de modo que aquela infração cometida (exploração de Área de Proteção Permanente-APP sem licença ambiental) antes do ano de 2008 deveria se tornar isenta de sanção (multa pecuniária). Em verdade, o novo Código Florestal mantém a penalidade imposta anteriormente, com a possibilidade, porém, de que seja suspensa desde que o infrator cumpra uma série de requisitos (determinações do Ibama) para a devida recuperação da área degradada.

Ou seja, para alcançar a suspensão da penalidade imposta, deverá o infrator passar por um Programa de Regularização Ambiental (PRA), conforme os artigos 59 e seguintes do novo Código Florestal, que trata de procedimento realizado no âmbito administrativo com o acompanhamento do Ibama, para que recupere a área degradada. Vale reiterar e deixar esclarecido, mesmo com a entrada do novo Código Florestal, que os autos de infração lavrados antes de 2008, ou seja, com base no antigo codex, continuam em vigor. E, consequentemente, as obrigações e penalidades impostas deverão ser cumpridas, suspendendo-se sanções tão somente se atendido o programa (PRA) e seus respectivos requisitos.

Cumpre informar, ademais, que, para se fazer jus ao PRA, necessário inscrever o imóvel (rural) no Cadastro Ambiental Rural (CAR). O proprietário, deverá assinar Termo de Compromisso (TC) e, com isso, ficará condicionado a realizar todos os procedimentos exigidos pelo Ibama para se isentar do pagamento da sanção pecuniária, lembrando que esse termo possui validade de título executivo extrajudicial e, por isso, poderá ser executado em caso de descumprimento do programa.

Assim, importante destacar que, em casos de natureza ambiental, não há a aplicabilidade do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, uma vez que não pode ocorrer retrocesso legal de modo que atinja ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e de abrangência difusa/coletiva, bem como a própria coisa julgada, sendo que não se pode reduzir, também, parâmetros de proteção do meio ambiente (leia-se fauna e flora) sem que sejam implementadas as necessárias compensações/reparações ambientais.


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DIREITO HOMOAFETIVO
Casamento igualitário agora é pra valer
Por Ivone Zeger.  REVISTA CONSULTOR JURÍDICO 15.04


Desde 1º de março, casais homossexuais paulistas podem se dirigir aos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais e realizar o casamento civil, ou a conversão da união civil em casamento, exatamente como fazem os casais heterossexuais. Essa possibilidade surgiu a partir de norma publicada pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que determinou o procedimento igualitário nos cartórios.

É a evolução que se pode chamar de natural a partir da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, em 5 de maio de 2011. Àquela época, o STF reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar e consagrou a possibilidade de casais do mesmo gênero oficializarem a união civil. O que isso representou na prática? Representou os mesmos direitos e deveres que se consagram aos casais heterossexuais em união estável.

Ao mesmo tempo, a decisão do STF abriu uma lacuna importante. Ora, se casais homossexuais se configuram como uma entidade familiar, a partir do conceito de isonomia – que é a aplicação da lei de forma igualitária para todos os cidadãos – os direitos consagrados aos heterossexuais deveriam ser estendidos também a estes. Foi com esse pensamento que muitos casais homossexuais pleitearam na justiça o direito ao casamento igualitário. A partir dessa demanda, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo determinou que isso fosse possível sem a interferência do judiciário. Assim, a partir de agora, os casais homoafetivos paulistas podem, também, converter a união estável em casamento. Ou, como já foi dito, partirem direto para o casamento civil, sem “escalas”, digamos assim.

Isso representa uma série de direitos. O mais concreto e imediato é a obtenção da certidão de casamento, documento que basta como prova de união do casal. Pode-se também escolher o regime de bens. Quando os cônjuges não fazem essa opção, automaticamente ele se configura como comunhão parcial de bens. Por outro lado, se houver opção por outro regime de bens, a lei brasileira determina que se faça o pacto antenupcial, que é uma escritura pública que obrigatoriamente deve ser lavrada no registro de imóveis que fica na circunscrição do imóvel onde o casal vai residir.

Nesse documento, os cônjuges decidem a administração dos bens e outras questões patrimoniais, de acordo com a conveniência do casal. Feito o pacto antenupcial, este deve ser encaminhado ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais onde será efetivado o casamento. É possível também, com o casamento civil, efetuar a adoção do patronímico, ou seja, adotar o sobrenome do parceiro. E a adoção de filhos em conjunto. Também é bom lembrar que de posse da certidão de casamento, ainda que os cônjuges morem distantes um do outro, não há necessidade de provar a união, nos casos em que isso for necessário.

O “casamento gay” já é uma realidade em 11 países do mundo. Na América Latina, a Argentina saiu na frente, depois o Uruguai. No Brasil, essa realidade existe em alguns estados. Além de São Paulo e do Distrito Federal, outros seis estados normatizaram o casamento gay: o primeiro a fazê-lo foi Alagoas; posteriormente foram Piauí, Bahia, Ceará, Paraná e Mato Grosso do Sul.

Então, muitos se perguntarão: é possível cruzar fronteiras e casar em outro estado? Não. Na verdade, a única possibilidade é quando os cônjuges ou um dos cônjuges tem residência fixa em mais de um estado, sendo que num deles o casamento homoafetivo é permitido. Se nos dois estados a lei não permitir, será impossível até o presente momento.

Assim, a primeira etapa para a realização do casamento civil é o processo de habilitação. Nele, os noivos devem ir ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais mais próximo de suas residências fixas e dar entrada nos papéis. O cartório procede então à publicação do edital dos proclamas no próprio local e no Diário Oficial do município. A tarefa do cartório é tornar o anúncio do casamento o mais público possível. Ao final de 15 dias, se não houver qualquer manifestação de impedimento, os noivos serão considerados habilitados ao casamento.

Se os noivos moram em municípios ou estados diferentes, cada qual terá os proclamas publicados pelo cartório próximo ao seu local de residência fixa. Aquele do casal que se deslocar de um estado para outro, para realizar o casamento, deverá estar munido do documento de autorização emitido pelo cartório para que o casamento se efetive.

E para quem reside nos estados onde não é possível fazer o casamento, é importante lembrar que embora não dê plenos direitos, a possibilidade de oficializar a união civil homoafetiva já é um avanço, principalmente em favor daqueles que, com a morte do companheiro ou companheira, se veem na situação de ter de abrir mão de bens que foram adquiridos em conjunto. Portanto, nesses casos, o mais correto a fazer é oficializar a união civil e posteriormente tentar a conversão por via judicial.

Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.



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AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA »
Olhando pela fresta.  CORREIO BSB 14.04

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affonsors@uol.com.br
Estou olhando (por uma fresta) o que comem e como comem as pessoass sentadas no restaurante ao lado. Meu ponto de vista é do lado de cá: estou num restaurante que é separado de outro por um vidro fumé. No entanto, de metro em metro, tem uma fresta que me deixa ver, recortado, o que ocorre no restaurante ao lado. Pura bisbilhotice. Afinal, a crônica, às vezes, o que é, senão olhar por um buraco de fechadura a vida pessoal e social. E por este olhar, tomar a parte pelo todo. Por um detalhe, dar notícia do conjunto. Com todos os riscos. Sempre.

Onde estou? Vou me posicionar ante o leitor?

Como não achei lugar num restaurante que servem massas e saladas além de outros pratos fartamente, caí com minha mulher, neste aqui, e fico sabendo têm um maître, que apesar de uruguaio, faz comidas gregas. Supreendo-me vendo no cadápio até o “yogurte grego”, que entrou na modas nos supermercados, mas aqui, garantem, não é industrial.

No princípio não me preocupei em saber o que estavam comendo atrás desse vidro fosco. Confortável nessa mesa escolhi um risotto que tinha vários ingredientes extras. A mulher pediu um haddock, que veio maravilhoso, melhor até que meu risotto. Como ela se cuida, notei que comeu o peixe e os aspargos, poupando-se de comer as batatas, que dizem, engordam.

Eu ia comendo meu saboroso risotto sem me dar conta que no retaurante ao lado, separado de mim, apenas por um vidro, transcorria mais um episódio da barbárie culinária. Antes não tivesse olhado pela fresta. Era outro mundo, outro cardápio, outra cultura. Como é que pode tanta diferença entre um vidro e outro? Coisas do shopping.Tem que agradar a todos.

Primeira diferença que percebo, do lado de lá: jovens, muitos jovens. Sorridentes, inconscientes, movimentando-se sempre. E rindo. Mesas como aquelas de refeitório de internato.

Do lado de cá, onde estou, gente mais velha, famílias ao redor de mesas de até seis lugares. Este restaurante é especializado em vinhos. Penso: vai ver que a diferença entre um e outro deve ser o preço. Mas é mais do que isto: é uma diferença cultural que se concretiza no cardápio.

Por exemplo: nestes cincos centímetros em que cabem meus olhos, o que vejo?

Vejo uma voracidade juvenil. Um rapaz moreno, truculento, pega o seu hamburger, com aquele pão que mais parece uma muxiba, bota toda a carga de “ketchup no sanduiche , e não satisfeito, chupa gulosamente no plástico que restou de tempero. E ri. À sua frente garrafas de refrigerantes com aquelas doses assassinas de açúcar ( disfarçado). Seuss colegas estão num jantar pantagruélico de calorias criminosas.

Aproveito e dou uma vasculhada com meu olhar indiscreto nas outras mesas do restaurante vizinho. Uma adolescente bota ( saborosamente ) na boca uma colher de marshmellow. Aquela coisa pegagosa eleva-a ao paraiso. Se ela ouvisse Mozart a sensação seria a mesma.

E dá-lhe batata frita!

Meu Deus! Estamos no reino da batata frita. Dizem que isto foi uma descoberta na América, lá no Lago Titicaca. E que assim salvamos a Europa da fome. Se for verdade, agora trata-se salvar jovens e velhos da gordura engordativa.

Os jovens que entrevejo do outro lado, são gordos, gordos em progresso. Não é à toa que o governo e as televiões desencadearam essa campanha por uma alimentação menos daninha e menos engordativa. Às vezes chego a pensar que foi o ditador da Coréia do Norte que inventou a “fast food”, que é mais danosa que qualquer bomba atômica.


“Meu Deus! Estamos no reino da batata frita. Dizem que isto foi uma descoberta na América, lá no Lago Titicaca. E que assim salvamos a Europa da fome. Se for verdade, agora trata-se salvar jovens e velhos da gordura engordativa”

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A música que une e modifica
Nem todos os alunos do El Sistema, projeto de inclusão social por meio da música, serão instrumentistas. Mas Gustavo Dudamel e orquestra confirmam a grandeza do projeto. 
Dudamel e a Simon Bolívar: maestro e integrantes da orquestra estão juntos desde a infância.  CORREIO BSB 14.04 



A magia da Orquestra Sinfônica Simon Bolívar está numa rara combinação de fatores. Dos 200 músicos integrantes da formação, pelo menos 90% se conhecem desde tenra idade. Egressos o El Sistema, o projeto venezuelano que plantou uma orquestra em cada canto do país durante os últimos 38 anos, eles desenvolveram uma intimidade tão profunda e longeva que sabem muito bem se comunicar sem muitas palavras. Também reconhecem de longe o som dos colegas e, de tão orgulhosos de suas origens musicais, respondem de pronto e em uníssono quando questionados sobre o sucesso da orquestra pelo mundo: “Somos, antes de tudo, hermanos”.

É, de fato, um material humano muito particular. É difícil encontrar, na história da música clássica, orquestras de tal porte cujos integrantes tocam juntos desde os 7 anos. A costura entre os músicos foi urdida ao longo das últimas duas décadas e o nó que amarra tudo se chama Gustavo Dudamel. O maestro — também regente da Filarmônica de Los Angeles — é a ponta do iceberg da montanha chamada El Sistema, uma espécie de exemplo, guia e, sobretudo, garantia de que a música abre portas, janelas e fronteiras.

O nome de Dudamel faz os músicos da Simon Bolívar brilharem, mas o de José Antonio Abreu, fundador do El Sistema, leva os jovens a uma postura de gratidão. Todos são unânimes em recorrer ao nome do “maestro-fundador”, como o chamam, ao contarem suas próprias histórias. “Lutar e tocar”, o lema instituído por Abreu como o propósito do Sistema e impresso no broche da fita com as cores da bandeira venezuelana que pende no pescoço dos músicos durante as apresentações é também um modo de vida.

Alguns mal completaram 20 anos e, em muitos casos, sequer conhecem Abreu, mas sabem exatamente o significado do projeto, hoje reduto de mais de 300 mil alunos. Em cada canto da Venezuela, seja ele nobre ou desfavorecido, centro ou periferia, há um núcleo de aprendizado musical. E a Simon Bolívar é o topo dessa montanha musical erguida sobre a ideia de que a música é instrumento de cidadania e dignidade. “É algo básico. Não é nada de outro mundo. É justiça. Creio que a arte, como pensa o maestro Abreu, deve ser um direito do cidadão. E isso é que produz a mudança”, avisa Dudamel, que conversou com o Correio depois de reger a Simon Bolívar durante quase três horas na sala Villa-Lobos, terça-feira passada, e ainda fazer um social com a presidente Dilma Rousseff, em sala reservada do teatro.

Periferias
Fruto do Sistema, o maestro planta a ideia do papel social da música por onde passa. Em Los Angeles, ele incentiva os funcionários da bilheteria e da manutenção da LA Phil— fundação que reúne a filarmônica e uma série de outros projetos artísticos — a comparecerem aos concertos e levarem seus filhos e parentes. Também investe em programas para a levar a filarmônica a periferias desfavorecidas. “É uma questão de tornar acessível a cultura para os cidadãos de um país”, resume.

Cidadãos como José José Gimenez, de 31 anos, que começou a estudar música aos 6 anos em Barquisimeto, cidade natal de Dudamel. Os dois fizeram o mesmo percurso, passaram pelos núcleos de formação do Sistema, estudaram juntos no conservatório e tocaram juntos, ainda crianças, na Orquestra Nacional Infantil da Venezuela e na Orquestra Jovem Simon Bolívar até que o maestro venceu o concurso Gustav Mahler de Direção e ganhou projeção internacional. “Dudamel era uma criança muito talentosa, sempre queria saber como fazer melhor a música e sempre, sempre foi muito humilde”, conta Gimenez, hoje trompista da Simon Bolívar, que perdeu o “jovem” do título há três anos para assumir a maturidade musical. “O maior segredo dessa orquestra é que começamos juntos, desde pequenos, e nos transformamos em uma família, somos irmãos e nos ajudamos. É uma família em todos os sentidos, não só no artístico mas no cotidiano, no de amizade. Isso nos dá maior coesão.”

Segundo Gimenez, Dudamel funciona como o elemento de unidade. Exigente e rígido quando necessário, piadista e elegante nas cobranças, o maestro de 33 anos tem a vantagem de conhecer muito bem todos os músicos. Dividido entre os Estados Unidos e a Venezuela, ele realiza uma média de oito a 10 concertos por ano à frente da Simon Bolívar. A violinista Adriana von Buren, 23 anos, admira a presença constante do maestro em tudo que se refere à sinfônica. “Apesar de outros projetos e da carreira internacional, ele ainda está próximo ao Sistema. É um privilégio tocar com ele”, diz.

Acuários Zambra tem 32 anos e é um dos percussionistas da Simon Bolívar. Começou a tocar violino aos 7 anos e aos 13 passou a integrar a mesma Orquestra Nacional Infantil na qual tocava Dudamel. “Estamos juntos há tanto tempo que nem necessitamos falar muito para saber o que o outro está pensando. Essa é uma grande vantagem”, aponta.


        
José Antonio Abreu: projeto de 38 anos na Venezuela


O mestre visionário

Idealizador de toda essa estrutura, o maestro José Antonio Abreu esteve em Brasília com a Simon Bolívar e participou do lançamento da versão brasiliense do El Sistema. Na terça-feira, o governador Agnelo Queiroz assinou um decreto no qual institui um programa de ensino de música nas escolas da rede pública nos mesmos moldes do projeto venezuelano. A ideia é criar módulos formados por quatro escolas nas quais os alunos poderão ter aulas de musicalização e de algum instrumento durante o contraturno.

A intenção é que, até o segundo semestre, sejam implantados três núcleos para atender, cada um, 44 mil alunos. As aulas não vão interferir no turno escolar e os monitores serão contratados especialmente para as aulas. Para instalar o primeiro módulo, o Governo do Distrito Federal deve investir R$ 10 milhões.

 Ainda não se sabe que cidades receberão os primeiros núcleos do projeto, que foi idealizado pela atual gestão da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS) e pela Secretaria de Cultura. “É o projeto mais impactante do Distrito Federal na educação e na cultura”, acredita Afonso Galvão, um dos idealizadores do programa e diretor de relações institucionais da orquestra. A presença do maestro Abreu abriu o diálogo formal com o Sistema, que poderá ser um parceiro na formação dos monitores.


Três perguntas // Gustavo Dudamel

Um de seus compromissos à frente de projetos sociais e grandes orquestras é tentar renovar a audiência de música clássica. Como fazer isso?
É muito importante atrair um novo público jovem. Porém o mais importante é criar uma audiência com uma cultura e uma abordagem da música mais profunda. O que isso significa? Que no caso do Sistema na Venezuela, nem todas as crianças vão ser músicos. Elas podem até nem seguir um caminho artístico de muito alto nível, mas evidentemente o fato de que um jovem tenha acesso à cultura, à arte e, no nosso caso, à música, é algo elementar. Repito: um direito. É assim que tratamos todos os jovens músicos do Sistema. Viajamos muito, tocamos em todos os lugares e deixamos a mensagem de que é muito importante dar esse passo. Faço isso também em Los Angeles, levamos a orquestra a comunidades com desvantagens sociais e as mudanças são maravilhosas. E isso há apenas quatro anos. Essa condição social existe em todas as partes do mundo. É uma questão de tornar acessível a cultura para os cidadãos de um país.

Você sempre diz que é preciso abordar as peças do repertório tradicional como se fosse a primeira vez. Como manter o frescor de obras que foram tocadas milhares de vezes?
Creio que isso foi uma parte do mesmo crescimento dentro do Sistema. Digamos que essa é a nossa vida. Nosso papel é recriar o que já foi criado. Imagina, tocar obras de Beethoven, Mozart, Mahler, Bach que foram interpretadas quiçá milhões de vezes ao longo da história! Para nós, é complexo porque estamos falando de mentes brilhantes. Não pode ser algo superficial de simplesmente tocar as notas e fazê-lo da forma mais básica e elementar possível. Não. Você tem que entrar muito na mente do compositor, nos sentimentos, nas condições históricas de quando foi composta a obra, na situação do compositor, em milhões de coisas porque nas músicas tudo isso está refletido. Creio que os compositores refletem em suas obras o que eles são e isso é fascinante porque reproduzir é muito mais difícil do que criar. Você não está no mesmo nível porque nunca vai estar no nível de um Mozart, de um Mahler, mas você tem que ter o amor de fazer isso, de fazer uma exposição absoluta para poder descortinar todo esse mundo.

É raro, e creio que mesmo inexistente, uma orquestra com a projeção da Simon Bolívar cujos integrantes estão juntos desde pequenos. O que isso traz de vantagem para a orquestra?
Bem, ela é uma família, é um grupo de unificado não somente artística e tecnicamente, mas na perspectiva humana também. Nós crescemos juntos, como família, e por isso sempre se fala do som e da energia especial que a orquestra produz. Isso acontece por termos crescido juntos, por termos seguido sonhando junto, lutando e fazendo o que Deus nos deu para fazer. E sempre digo: sem o maestro Abreu, isso não teria existido e hoje nós temos a oportunidade de fazer parte desse mundo maravilhoso que é a orquestra. Isso na Venezuela e em outros lugares, porque essa mensagem do projeto já chegou a muitas partes do mundo. Por isso, não somente a Bolívar, mas todas as orquestras na Venezuela têm essa energia, essa aproximação da música tão especial. Não somos apenas uma orquestra, mas uma família.


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CÂNONES »
A celebração de nossa literatura
Relação feita a partir da escolha de especialistas identifica entre os maiores escritores Machado de Assis e Dalton .  CORREIO BSB 14.04
Trevisan e consagra Grande sertão: veredas como o grande livro brasileiro

        


Ao longo de três semanas, com o objetivo de fazer um levantamento sobre o que de melhor a literatura brasileira produziu e tem produzido ao longo da história, nos campos da poesia e da ficção, a reportagem entrou em contato com 50 intelectuais de vários estados e instituições ligadas à literatura, como universidades, revistas especializadas, cadernos de cultura de grandes jornais, centros de pesquisa e projetos literários e de incentivo à leitura. A eles foi pedido que indicassem, de acordo com suas preferências: a) os cinco melhores escritores vivos da literatura brasileira; b) os cinco melhores escritores da literatura brasileira de todos os tempos; c) os cinco melhores livros da literatura brasileira, ficção e poesia, de todos os tempos.

O resultado, como todas as listas da mesma natureza, por um lado consagra o cânone, por outro revela interessantes surpresas, que mostram a dinâmica que perpassa o setor cultural. Mesmo as mais consagradas escolhas carregam o marca do seu tempo. Além disso, o resultado acaba por constituir um repertório variado, que vale por um projeto de leitura para quem busca conhecer a literatura brasileira. As preferências pessoais, no contexto de uma seleção feita por um número significativo de especialistas, não deixa de abrir um diálogo com a sociedade sobre o valor da literatura e sua significação no processo de constituição da cultura brasileira.

Ao analisar os resultados da enquete, Letícia Malard, professora emérita de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta para três tendências. A primeira seria a de se dar prioridade à prosa, uma vez que, dentre os cinco melhores escritores vivos, consta um poeta apenas, o maranhense Ferreira Gullar. A segunda tendência foi a de os jurados prestigiarem, nos primeiros cinco lugares, autores vivos muito idosos: o mais novo, o amazonense Milton Hatoum, tem 60 anos, os outros estão com mais de 80. E a terceira observação apontada por ela diz respeito ao fato de parte dos jurados não incluírem escritores vivos nem livros deles entre os melhores de todos os tempos, apesar da grande vitalidade e de nomes de primeira categoria na literatura brasileira atual. “Encontro duas explicações para essa conclusão: certo saudosismo literário e a necessidade de se manter um distanciamento temporal. Nesse caso, os vivos não tiveram vez”, conclui Letícia.

Bruxo e vampiro
Os escolhidos pela maioria de votos nas três categorias — melhor escritor brasileiro, melhor livro de todos os tempos e melhor escritor brasileiro vivo — consagram respectivamente Machado de Assis (1839-1908); Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa; e Dalton Trevisan. É um conjunto aparentemente heterogêneo, que vai de um escritor elegantemente clássico a um autor que se caracteriza pela secura extrema, passando pela obra mítica e barroca do escritor mineiro. De um século ao outro, não é exagero dizer que a centralidade da linguagem em Machado prenuncia o modernismo de Rosa.

Há um fio que foi puxado pelo próprio Dalton ao receber, no ano passado, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. O Vampiro de Curitiba escreveu em carta à direção da casa, referindo-se a Machado de Assis: “Ele nos incitou, o grande bruxo, no prazer secreto da leitura”. Rosa, de certa forma, foi um testemunho silencioso nessa conversa entre o vampiro e o bruxo. Conhecedor das manhas do diabo, ele sabia que o sentido não estava no passado nem se esgotaria no futuro. Na literatura, como na vida, o que há é travessia.


Dos 70 livros citados entre os melhores de todos os tempos, 60 foram escritos por homens e 10 por mulheres

Foram citados 46 livros  em prosa e  24 de poesia

Dos 70 livros votados, 14 são de escritores de Minas Gerais, 15 do Rio de Janeiro, 9 de São Paulo, 7 de Pernambuco, 7 da Bahia e 6 de Alagoas

Foram também escolhidos livros de 3 autores do Maranhão e da Paraíba, de 2 autores do Rio Grande do Sul, e de 1 escritor dos estados do Ceará, Espírito Santo, Amazonas e Ceará

2 estrangeiros radicados no Brasil tiveram livros apontados entre os melhores, A paixão segundo GH, da ucraniana Clarice Lispector, e Contos do imigrante, de polonês Samuel Rawet

Dos 38 nomes foram citados entre os melhores autores brasileiros de todos os tempos, destes 33 são homens e 5 são mulheres

Desses 38, 13 são poetas e 24 prosadores, sendo que, entre estes, alguns também publicaram livros de poemas. Apenas 1 se tornou conhecido principalmente pela obra teatral, Nelson Rodrigues (que foi também cronista, memorialista e contista)

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LITERATURA:   O mundo inteiro bem ali
No soneto que escreveu para a mulher, Carolina, Machado de Assis (1839-1908) definiu em um verso o trabalho de sua vida: “E num recanto pôs um mundo inteiro”. CORREIO BSB 13.04


 Nascido no Rio de Janeiro, cidade da qual não se afastou mais de 200 quilômetros, o escritor não apenas realizou a mais importante obra de nossas letras como alcançou um grau de universalidade único. Clássico na expressão, tudo em Machado parece ser atravessado pela ambiguidade. Talvez por isso, mais de um século depois de sua morte, ele não apenas pareça moderno como desafie a compreensão da crítica e alimente a admiração de leitores em todo o mundo. Um grande autor reflete seu tempo. Os gênios criam sua posteridade.

Todos os leitores brasileiros passam pela experiência de ler Machado de Assis no colégio. Muitas vezes, ao retornarem à leitura na maturidade, ficam impressionados. Esse senso de estranhamento e descoberta, no sentido metafórico, acompanhou a sociedade brasileira em sua capacidade de compreensão de nosso maior escritor. Sua época, como um adolescente, reconheceu no autor de Dom Casmurro os méritos da linguagem, da narração e do sentido psicológico. No entanto, à medida em que o tempo corria, a leitura de Machado foi encontrando outros valores e sutilezas.

Originalidade
O retratista do Segundo Reinado foi também seu maior crítico e mais acurado intérprete de nossas mazelas. No que seria mais uma ambiguidade do escritor, o que pareceu a muitos certo distanciamento e alienação das questões sociais e políticas foi, na verdade, a invenção de um modo de expressão próprio, marcado pela ironia, originalidade e acurada leitura política, capaz de perceber o descompasso entre a realidade e as ideias que a sustentavam. Vivíamos com a carne escravista e patriarcal uma sociedade em que a liberdade só habitava a mente das elites.

O estilo do escritor é mais um exemplo da riqueza ambígua de sua presença em nossa cultura. Mesmo tendo se tornado um modelo de expressão, pela elegância e humor, o estilo machadiano parece negar o tempo todo sua própria origem. Mesmo se exprimindo prioritariamente pela ficção, tanto no romance como no conto, Machado nunca o fez por mero entretenimento. Sua prosa reflexiva deixava sempre no ar “certas perplexidades não resolvidas”, na expressão do crítico Antonio Candido.

Todos esses aspectos parecem se unir para dar conta do projeto do escritor. Machado, no seu arcaísmo aparente, sempre foi moderno; em seu classicismo perfeito, abriu espaço para o experimentalismo com a linguagem. Mas nada disso é mais importante que seu empenho em colocar em letra os grandes temas brasileiros e universais que compõem sua obra. E é exatamente o fato de não se prender às modas (inventando outra expressão a partir do molde clássico) e às demandas chinfrins de sua época (colocando em foco questões universais) que Machado de Assis garante o lugar de interesse que hoje desperta no mundo, como comprovam a admiração de nomes como Susan Sontag e Harold Bloom, entre outros.

Inspiração
Se o leitor do século 19 conheceu o estilista, o século 20 o filósofo e o psicólogo, ficou para o nosso tempo a grande tarefa de um olhar amplo sobre a obra do escritor. Seguindo a mesma inspiração de Antonio Candido, as grandes provocações que emanam da obra machadiana talvez sejam a questão da identidade (e da loucura), acerca da relação entre o fato real e imaginado, sobre o sentido da ação no mundo, e em relação aos limites postos à realidade para a construção de uma sociedade mais justa e de homens mais livres. Machado de Assis tocou em todos esses temas, que parecem tão presentes no mundo de hoje, por meio de personagens como Brás Cubas, Capitu, Pestana e Bacamarte.

Machado é moderno por antecipação: pôs a linguagem acima do enredo, equilibrou imaginação e entendimento, criou uma narrativa em fractais, fez do diálogo irônico e do contato com o leitor um modo de expressão que antecipou seus pares europeus em matéria de técnica. O que é revolução na forma é ainda mais surpreendente na essência, sobretudo em seu caráter crítico das nossas usanças em política e organização social. O monarquista Machado de Assis foi nosso mais revolucionário adversário da alienação. E fez tudo isso sem sair do Rio de Janeiro. Num recanto, o mundo inteiro.

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LITERATURA:  No sertão da alma. CORREIO BSB 14.04

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Momento único na literatura brasileira, no qual exercício estético e filosófico se misturam à uma genial recriação da linguagem e erudição, Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, mineiro de Cordisburgo, foi publicado em 1956, ano dos mais profícuos para a literatura brasileira do século 20.

No romance, que colocou seu autor entre os grandes da literatura universal — e foi escolhido como o melhor romance brasileiro de todos os tempos — um jagunço aposentado, Riobaldo Tatarana, narra a um ouvinte oculto, que o visita em sua fazenda, suas peripécias como ex-chefe de um bando de guerreiros, que fez e aconteceu nos sertões de Minas Gerais, numa época não especificada, mas provavelmente nas primeiras décadas do século passado. Também se mostra, no correr da narrativa — e este é um dos seus maiores dramas — obcecado pela existência ou não do diabo, por ele nomeado de várias maneiras.

Como pano de fundo, o amor proibido, e nunca realizado, do narrador por um ou outro jagunço, Reinaldo, por ele chamado de Diadorim. Personagem-chave dessa história trágica e épica, cujo desfecho, que encerra um grande segredo, só será conhecido nas últimas páginas, os dois ficaram se conhecendo por acaso, quando ainda eram crianças, e atravessaram São Francisco numa pequena canoa, pilotada por um outro menino.

“Carece de ter coragem, carece de ter muita coragem”, diz Diadorim a Riobaldo, amedrontado pela imensidão das águas que se ampliam aos seus olhos, quando iniciam a travessia. Desde então, até a derradeira batalha travada contra um grupo rival, num local denominado Paredão de Minas, que marcou também o final das aventuras de Riobaldo como jagunço, os dois tiveram os seus destinos ligados.

Na visão de Benedito Nunes, crítico literário paraense, Grande sertão: veredas ultrapassa o âmbito regional. “No drama do sertanejo ou do jagunço, irrompem os grandes problemas humanos — seja a luta do homem contra a natureza que o estimula e o abate ao mesmo tempo, seja o ímpeto do jagunço que se põe em armas para defender uma causa indefinível, adota a lei da guerra menos pela rudeza de seu espírito do que pela necessidade de viver e de realizar seu destino”, escreveu.

Em Grande sertão: veredas, se mesclam várias dimensões da arte e do conhecimento. É romance de aventuras e história feita de pura linguagem; expressão do mito em sua forma mais primitiva e reflexão filosófica profunda e erudita; narrativa de amor e painel histórico e sociológico que revela o Brasil profundo.

Para Walnice Nogueira Galvão, uma das mais importantes estudiosas da obra do escritor, Guimarães Rosa, com seu romance, conjuga as vertentes mais marcantes da literatura do período, o regionalismo e o espiritualismo, para criar uma síntese ainda insuperada em nossa história literária: “Um regionalismo com introspecção, um espiritualismo em roupagem sertaneja”. (CHL)



Melhores escritores brasileiros vivos

        

Dalton Trevisan (1925)

        

Ferreira Gullar (1930)

        

Lygia Fagundes Telles (1923)

        

Milton Hatoum (1952)

        

Rubem Fonseca (1925)

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Melhores escritores brasileiros de todos os tempos


Machado de Assis (1839-1908)


Guimarães Rosa (1908-1967)


Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

        

Graciliano Ramos (1892-1953)

        

Clarice Lispector (1920-1977)



        
Dalton Trevisan preserva a própria imagem e desvia as luzes para seus livros

O vampiro e o mito


Carlos Marcelo

— Não fale, amor. Cada palavra, um beijo a menos.

Dalton Trevisan não é homem de floreios ou digressões. Maneja frases, remove adjetivos, arranca verbos, insere vírgulas com destreza de cirurgião. Revolve a nervura da escrita até chegar à carne e ao osso. Aí ele não hesita; perfura. Médico, não. Monstro.

A escolha de Trevisan como o mais importante escritor brasileiro da atualidade pode surpreender os que acompanham a (tentativa de) sobrevivência da literatura no mundo das celebridades. Afinal, o curitibano não está nas redes sociais, nunca foi à Flip, não promove noites de autógrafos nem dá entrevistas. Ao contrário do comportamento ambíguo de Rubem Fonseca, convenientemente arredio apenas no Brasil, Dalton não se expõe em lugar algum. Preserva a própria imagem, desvia as luzes para os livros. A postura foi destacada pelos jurados do Prêmio Camões, que assim justificaram a escolha de Trevisan para receber em 2012 a mais importante premiação da língua portuguesa: “Ele fez uma opção radical pela literatura enquanto arte da palavra”.

Personagens
Radicalidade e arte caminham juntas há décadas na obra do Vampiro de Curitiba, alcunha que nunca fez questão de renegar — ao contrário, até a cultua, com ajuda das ilustrações de Poty, onipresentes nas edições de sua casa literária, a Record. Personagem mítico da “cidade verde” (até pouco tempo saudada como modelo de desenvolvimento urbano e qualidade de vida), avança contra o seu habitat, revestido pela autoridade só conferida pela íntima convivência: “Cinquenta metros quadrados de verde por pessoa/ de que te servem/ se uma em duas vale por três chatos? (…) não Curitiba não é uma festa/ os dias da ira nas ruas vêm aí” (“Em busca de Curitiba Perdida”).

Os textos longos sobre a capital paranaense, alguns em tom apocalíptico, são exceção. Usualmente o escritor não utiliza mais do que três páginas para engendrar obras-primas como o conto “Uma vela para Dario”, de Cemitério de elefantes (1964). Uma década antes de Chico Buarque erguer a sua Construção, Trevisan descreve a indiferença coletiva diante da morte de um transeunte (e a pilhagem do cadáver) na rua de uma grande cidade: “Dario em sossego e torto no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso (…). Apenas um homem morto e a multidão se espalha”. Não há tempo nem para carpideiras nem para elegias: a vida segue e atropela quem fica pelo caminho, adverte o escritor. Como percebeu o crítico e poeta José Paulo Paes (1926-1988), a literatura de Trevisan é “arte impiedosa, mas não desumana”, baseada na “presentificação do assombro de viver”.

Na hora de assinar, todo soberbo o velhote, no seu oclinho torto:

— O meu nome, qual é? Quem mesmo sou eu?

Desilusão e desconcerto são as engrenagens que movem a prosa elíptica de Trevisan. Ele também costuma recorrer ao diminutivo em cenas de extrema violência (“Não com o facão, paizinho”) para amplificar o grito oculto nas casas de família. Dispensa verbos (“Agora feliz numa casinha de madeira no Cristo-Rei”, em “A guerra conjugal”, outra obra-prima, adaptada para o cinema em 1975 por Joaquim Pedro de Andrade) e exerce a síntese ao extremo nas narrativas mais recentes: duas, no máximo três frases. Haicais nada “poéticos”, que perturbam em vez de enlevar:

A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:

— Assim que ele morra eu começo a viver.

Ao expor a brutalidade infiltrada entre quatro paredes, a temática de Trevisan tangencia a obra de outro gigante do século 20, Nelson Rodrigues. Mas, se no dramaturgo, o trágico e o patético se misturam, no contista não há aceno para a farsa. Aqui a escrita é de uma faca só lâmina. Urge. Arde. Sangra.


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Guarani-kaiowá: Demarcação inconclusa provoca invasão e morte no MS
 PM reformado invade aldeia, fere e é morto; Justiça concede reintegração a assassino de jovem.  REVISTA CAROS AMIGOS 14.04


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Um cabo reformado da Polícia Militar (PM) invadiu a cavalo a aldeia Ita'y, na Terra Indígena Lagoa Rica/Panambi, município de Douradina, Mato Grosso do Sul, na última sexta-feira, 12. Armado com revólver e facão, Arnaldo Alves Ferreira efetuou seis disparos contra os guarani kaiowá, acertando o indígena João da Silva na orelha. O PM possuía um terreno dentro da área identificada como terra indígena, a cerca de 300 metros da aldeia.

Os indígenas já haviam registrado Boletim de Ocorrência denunciando Arnaldo às autoridades, em função de outra violência praticada por ele contra a comunidade dois dias antes.

Revólver e Facão

Segundo relato dos indígenas, Arnaldo invadiu a aldeia montado em um cavalo e munido de revólver e facão, cerca de meio dia e meia da sexta-feira, 12. "Ele foi na casa de um idoso e disse pra ele: 'você vai morrer', na frente da filha e da esposa", relata um indígena da aldeia que prefere não ser identificado. "Depois ele virou pra esposa e disse: 'a senhora vai ficar viúva hoje'".

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Durante o ataque, integrantes da comunidade indígena conseguiram desarmar o militar reformado, defendendo-se dos disparos. Arnaldo foi mantido seguro pela comunidade, que informou a ocorrência à polícia local. O PM e o indígena ferido foram encaminhados ao Hospital da Vida, em Dourados. Arnaldo morreu ainda na ambulância; o kaiowá ferido foi preso pela polícia, acusado de homicídio em flagrante.

B.O.

"Faz muitos anos que nós temos problemas com ele. Ele não gosta da gente. Deixava o cavalo comer na nossa roça, soltava o gado na aldeia. Já matou a tiro um monte de cachorros nossos e até bateu em gente da comunidade", relata um indígena de Ita'y.

Nas últimas semanas, Arnaldo havia resolvido cercar sua propriedade com cercas elétricas. "O problema é que a cerca fica bem na estrada que nós dois [indígenas e o PM] usamos e também no lugar onde as crianças esperam o ônibus escolar", relata o kaiowá. A comunidade pediu ao cabo reformado que deixasse de utilizar a cerca elétrica. A exigência não foi aceita, e os indígenas teriam então, por duas vezes, desativado a cerca.

Agressão

Na madrugada de terça para quarta-feira, Arnaldo esteve na aldeia. "Ele veio por causa da cerca. Ele entrou na casa de um homem gritando e bateu nele com o cabo do facão", explica. O indígena que sofreu violência registrou boletim de ocorrência e realizou exame de corpo de delito, cujo resultado deverá ficar pronto na segunda-feira, 15.

Os kaiowá de Ita'y já temiam um ataque do policial. "Nós fizemos B.O. na polícia e avisamos Funai, MPF, Força Nacional que existia esse problema e estávamos com medo de acontecer algo. E aconteceu", lamenta.

Questão da Terra

"A forma como a imprensa local está contando a história e como os ruralistas a estão utilizando é absolutamente manipulada, e consequentemente criminosa", afirma o coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, Flávio V. Machado. "O policial não morreu 'em sua propriedade', espancado, torturado ou a flechadas, conforme disseram os jornais locais e notas de entidades do agronegócio. Ele morreu invadindo novamente uma aldeia indígena, ameaçando a vida dos moradores e atirando contra eles", conta.

Para Flávio, a responsabilidade da morte do PM é do governo federal. "Esta situação está diretamente ligada à morosidade do Estado em completar o processo de demarcação das terras kaiowá e guarani em Mato Grosso do Sul", argumenta. "Os indígenas agiram em legítima defesa, uma vez que foram atacados de maneira covarde por um homem violento e preconceituoso. Isto está registrado". Além do Boletim de Ocorrência notas técnicas do Ministério Público Federal também registram as denúncias feita pela comunidade indígena sobre as ameaças sofridas por parte PM. "Na ocasião tanto a polícia, quanto a promotoria de Dourados foram acionados para apurar a denúncias”, relembra Flávio.

Manipulação da Mídia

O coordenador do Cimi crítica a manipulação dos fatos, que está sendo usada pelos ruralistas em favor de suas pautas. "Os ruralistas estão usando do fato para responsabilizar o governo federal pelo caso, acusando-o de fomentar a violência ao demarcar as terras indígenas, e com isso tentando acelerar a aprovação de suas pautas, como é o caso da PEC 215 ou o julgamento dos embargos declaratórios envolvendo as dezenove condicionantes do caso de Raposa Serra do Sol. Ora, é justamente o contrário! A responsabilidade é sim do governo federal, mas justamente porque ele não está cumprindo com sua obrigação constitucional e demarcando, de uma vez por todas, as terras tradicionalmente ocupadas pelos guarani e kaiowá. E é inaceitável que, mais uma vez, queiram que os guarani e kaiowá paguem mais essa conta”, conclui.

Com a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) na década de 40, os indígenas daquela área foram removidos de seus territórios tradicionalmente ocupados e colocados na Reserva Indígena de Dourados.

Em 2005, o movimento de reivindicação do território de Lagoa Rica se intensificou, levando ao início da identificação da área, em 2008, e também à retomada de dois Tekoha (territórios tradicionais): Guirakambi'y e Ita'y, onde ocorreu o ataque. Em dezembro de 2011, foi publicado pela Funai o relatório antropológico que identificou 12,1 mil hectares do território tradicional como Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica. A terra do PM reformado fica dentro da área identificada.

Reintegração

A Justiça Federal concedeu liminar de reintegração de posse para o fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, assassino confesso do guarani-kaiowá de 15 anos, Denilson Barbosa. Orlandino é proprietário de uma fazenda que incide sobre o território tradicional Pindo Roky, próximo à reserva indígena de Tey'ikue, no município de Caarapó, no Mato Grosso do Sul.

Segundo a decisão, os indígenas tem dez dias para deixar o local, a partir da publicação da liminar. Se não deixam a área, uma multa de 10 mil reais diários deverá ser paga pela comunidade, e 100 mil reais pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A juíza acrescenta mais 20% de multa sobre o valor da causa, a ser pago pelos servidores do órgão indigenista em Dourados, "cientes de que a responsabilidade pelo pagamento desta multa é pessoal", conforme decisão. A Funai entrará com recurso contra a decisão.

Retirada do Corpo

Ainda, a juíza exige que a Funai "proceda à exumação e traslado do corpo do jovem indígena sepultado na fazenda", enterrando o corpo de Denilson no cemitério de Tey'ikue, "segundo as regras sanitárias vigentes".

O território estava totalmente invadido pela fazenda, até que a morte de Denilson desencadeou um processo de retomada da área. A família sepultou Denilson no local do assassinato e desde 18 de janeiro, cerca de 500 indígenas estão acampados no local, e reivindicam a área conhecida pelos Kaiowá como Tekoha - "o lugar onde se é" - Pindo Roky.

Resistência

Por temerem outros assassinatos e a perseguição direta contra lideranças, um grupo de Kaiowá é quem responde publicamente sobre os assuntos da retomada, sob o nome de Comissão do Acampamento do Tekoha Pindo Roky.

"A gente não vai sair. Só se sair morto, já tá decidido", afirma uma das lideranças da comissão. "Tem pessoas de 80 anos, 70 anos que tá no Tekoha e já tá tudo decidido. Hoje tem 500 pessoas e uns 80 barracos e vai vir mais gente pra ajudar a resistir. Pode vir Tropa de Choque, Polícia Federal, quartel, tudo o que mandarem. A gente só sai morto".

Justiça Federal

Depois da ocupação dos indígenas, o fazendeiro entrou com pedido de reintegração de posse na Justiça estadual, que se declarou incompetente para julgar o caso por se tratar de conflitos fundiários envolvendo indígenas. O juiz estadual remeteu então o processo à Justiça Federal. A juíza da 1a. Vara Federal de Dourados, Raquel Domingues do Amaral, expediu liminar favorável ao proprietário rural na última quinta-feira, 11.

"Tudo isso se trata de uma questão só, que é a questão da terra", expõe o indígena. "Essa terra onde nós estamos, nós sabemos que é nossa, dos nossos antepassados, dos avós, tataravós. Ela já tava no estudo antropológico. [Retomar a terra] agora é um segundo passo já. Nós resistimos faz 513 anos. Não é agora que vamos arredar o pé", conclui.




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Bruno Covas: Política ambiental em risco.  BRUNO COVAS, 33, é secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo
FOLHA SP 15.04
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O Estado de São Paulo possui desde 2009 uma importante lei ambiental. Além de estabelecer uma meta de redução de emissões de dióxido de carbono, a Política Estadual de Mudanças Climáticas prevê instrumentos como o zoneamento ecológico econômico, a avaliação ambiental estratégica, os planos para transportes sustentáveis e ações para a adaptação aos eventos climáticos extremos.

Muitos dos encargos estaduais e municipais são conexos às mudanças climáticas: saúde pública, mobilidade urbana, defesa civil e proteção do ambiente. O governo do Estado tem feito grandes esforços para cumprir a lei, investindo pesadamente no metrô e fomentando a bioenergia, entre outras medidas.

Contudo, não devemos trabalhar sozinhos. O governo federal pode e deve agir. Enquanto nossas crônicas deficiências se perpetuam por subsídios a combustíveis fósseis e ao rodoviarismo ineficiente, sem que se enxergue o quadro mais amplo, muitos se rendem aos apelos sedutores dos programas assistencialistas.

Isso é reflexo do centralismo fiscal, que causa dependência financeira em relação à União. Esta já arrecada 70% dos tributos do país e vem retirando receita dos demais entes da Federação.
Recentemente, um duro golpe foi aplicado na política ambiental nacional: durante a tramitação no Congresso Nacional do projeto de lei nº 2.565/2011 e da medida provisória nº 592/2012, foram retirados os artigos que garantiriam recursos do petróleo para o Fundo Clima, com perdas da ordem de R$ 250 milhões a R$ 700 milhões por ano.

O fundo mal havia iniciado suas atividades em 2011, com recursos não reembolsáveis operados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e os reembolsáveis operados pelo BNDES. Ele recebia até 60% da participação especial que cabia ao MMA por conta da Lei do Petróleo.

Um novo projeto de lei (nº 2.565/2011) aprovado pelo Congresso reformulou a distribuição dos ganhos, colocando as questões climáticas em disputa com várias outras áreas, em uma lista indefinida que cobre de tudo. O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas encaminhou uma moção à presidente, visando reestabelecer tais recursos ao fundo.

Sem recursos, fica difícil criar de fato um mercado nacional de carbono, não só com a oferta de créditos (florestais inclusive) mas também com fomento à demanda por esses créditos como estratégia de inovação e competitividade da economia.

Isso faz parte de uma estratégia ampla nacional, que envolveria uma série de medidas. Em primeiro lugar, o governo federal deveria desenvolver o Registro Público de Emissões dentro do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima), previsto há 30 anos pela Política Nacional do Meio Ambiente e que até agora não saiu do papel.

Em segundo lugar, a União deveria harmonizar as leis climáticas do país, propondo metas convergentes para os entes da Federação que sejam mensuráveis, reportáveis, verificáveis, absolutas (sem truques numéricos baseados em cenários futuros incertos) e setoriais (por melhores tecnologias). Compatíveis com o desenvolvimento do país, essas metas estimulariam a competitividade e a inovação, com base na eficiência e no desenvolvimento das fontes renováveis de energia.

Leis harmônicas devem conter efetivos mecanismos de proteção de nossos biomas. Devem prover meios de incorporar externalidades e cobenefícios -como as melhorias da mobilidade e da qualidade do ar- por meio de combustíveis mais limpos, melhores tecnologias e enfoques sistêmicos urbanos.

BRUNO COVAS, 33, é secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo






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