quinta-feira, 18 de abril de 2013



Os filhos de Gonzagão
Doutora em sociologia, é professora da UFRN e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar Tirésias/UFRN.   CORREIO BSB 18.04
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Nada melhor para entender nossa cultura que escutar os estranhamentos alheios. Um amigo estrangeiro, em processo de instalação por aqui, foi emitir seu CPF e nos formulários lhe pediam o nome da mãe. Esse foi um dos muitos formulários que repetia a mesma exigência. Ao final, ele exclamou: “Vocês têm obsessão pela mãe!” Eu tentei explicar-lhe que a centralidade da figura materna revela uma tragédia nacional: a ausência paterna, a orfandade simbólica.

Mas ele me fazia perguntas de crianças, portanto, simples e desconcertantes. “Se vocês, mães, são tão centrais, por que a violência contra as mulheres é tão elevada?” A resposta valeria, com certeza, algumas teses de doutorado. A resposta mais rápida seria a culpabilização das mulheres, esquecendo-se de que ausência paterna e mães machistas são duas faces da mesma moeda: o projeto social para produção dos gêneros. Homens viris e violentos, mulheres-mães submissas.

 Dois filmes recentes pautam o tema da paternidade ausente: Gonzaga, de pai para filho e A busca. No primeiro, nos depararmos com um drama que o Brasil acompanhou. A relação entre o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, e o filho Gonzaguinha. Duas formas distintas de viver a masculinidade. Gonzagão poderia ser o representante, o tipo ideia weberiano, de uma masculinidade árida, seca, sertaneja.

Gonzaguinho, a presentificação de uma masculinidade alternativa, a que reivindica o direito do homem ao choro e à demonstração pública dos sentimentos. O choro masculino, em sua voz doce e arrastada, tomou ares de demanda política e tem como um dos efeitos mais bonitos a problematização da ideia de uma natureza masculina viril, forte. É no solo seco do sertão que vemos os vínculos de pai e filho refazendo-se. Os dois falavam de nós, uma sociedade sem pai.

 Em A busca, o pai, ao tentar encontrar o filho, tem uma dupla revelação: ele não se conhecia e descobre a beleza do filho. A busca não era pelo filho, mas pela própria figura paterna. Para além do excesso de presença do protagonista nas cenas, compartilhamos o processo de desconstrução da imagem do pai e do filho. As inversões são apresentadas a cada cena. O filho sabe muito mais do que o pai supunha. O pai que busca torna-se o filho que encontra o pai. E o filho, como um herói medieval, monta seu cavalo negro, obstinado: quem ele iria salvar?

Nos dois filmes nota-se a quase ausência da figura materna e o silêncio é positivo. É como se estivesse na hora de pais e filhos acertarem as contas. Nos dois filmes também são filhos. E a história da relação pai-filhas? Seria muito bom ver cenas de pais, sentados no chão, ajudando as filhas a vestir as bonequinhas, oferecendo as unhas para testar um esmalte novo no salão imaginário da filha. Melhor ainda se ele se permitisse ser feliz assim, nessa mesma cena, com o filho.

Ou, então, depois de pintar as unhas, atendesse ao pedido da filha (ou filho): “Papai, vamos jogar futebol?” Talvez assim a infância se transformasse em lugar de alegria e de compartilhamento. E o gênero, antes de ser máquina que produz pais ausentes e mães machistas, seria o espaço do lúdico. E, como ninguém nasce pai ou mãe, teríamos mais chances de vermos uma sociedade em que a violência de gênero fosse um resquício de tempos pretéritos.

Seria utopia pensarmos e desejarmos um mundo sem barreiras de gênero? O masculino e o feminino borrados, rasurados. Uma sociedade em que a paternidade e a maternidade sejam compreendidas como experiências humanizadas e humanizadoras, para além da diferença sexual, para além, principalmente, da exclusividade heterossexual.


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Crônica da Cidade:    Mais um  que se vai
Não demora muito e a paisagem dos setores centrais do Plano Piloto não terá mais lembrança dos anos inaugurais. CORREIO BSB 18.04
 
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A demolição dos prédios mais antigos, permitida pela Lei do Tombamento, vai transformar os setores Hoteleiro, de Diversões e Bancário num desfile de cafonices espelhadas, disfarçadas de arquitetura atual. Principalmente, o de hotéis, movido pelos monumentais eventos esportivos que virão por aí.
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A natural e desejada superposição de arquiteturas, comum a todas as cidades, provoca um efeito devastador na capital do país dadas as características singulares de Brasília. Embora represente a capital do país, o Plano Piloto é pequeno, conciso, concentrado. A área central, nos arredores da Rodoviária, cabe na palma da mão, se comparada às grandes metrópoles.

As edificações das primeiras duas décadas de Brasília, salvo as exceções de praxe, são filhas da arquitetura moderna que projetou a cidade. Representam um tempo histórico, cultural, artístico e arquitetônico, que é a gênese da capital, a sua explosão inaugural. Pela Lei do Tombamento, sabemos, os prédios podem ser substituídos por novas obras desde que mantidas as especificações do gabarito, o que inclui o número de pavimentos. Até aí, tudo bem no ano que vem.

Ninguém, com um mínimo de pé no chão, quererá petrificar o Plano Piloto. Ele é uma cidade e, portanto, está sujeito a mudanças contínuas. Mas seria muito bom se alguns dos projetos mais importantes do período, assinados por arquitetos consagrados ou nem tanto, fossem conservados. Como já escrevi aqui em outras ocasiões, as capitais europeias destruídas na 2ª Guerra tiveram o cuidado de recuperar algumas de suas edificações mais importantes.

O escritório de Oscar Niemeyer na Avenida Atlântica, no Rio, ficava no último andar de um predinho de arquitetura duvidosa, segundo os entendidos, mas é uma edificação de mais de 50 anos que se mantém à beira-mar como um retrato de uma época. Os retratos da cidade moderna correm o risco de serem substituídos por uma arquitetura cafona e ostentatória, caixotes de vidro como aqueles que foram recentemente concluídos no Setor Bancário Sul.

Vendido pela família que o construiu a uma incorporadora Brookfield, o Torre Palace Hotel deverá ser implodido brevemente. Seria notícia positivamente surpreendente saber que em seu lugar surgirá um projeto de arquiteto que faz arquitetura de verdade e não cópias descaradas da arquitetura cafona de Miami e alhures. Arquitetos premiados e/ou escolhidos em concurso para projetar algumas das boas obras da arquitetura contemporânea de Brasília realçam a importância que tem projetar no patrimônio moderno da humanidade. E a responsabilidade que é responder à altura da qualidade dos grandes que aqui deixaram suas marcas — Niemeyer, Lucio Costa, Lelé, Paulo Mendes da Rocha, Milton Ramos, Nauro Esteves e tantos outros.

A demolição do Torre Palace Hotel é a demolição da paisagem afetiva da margem oeste do Eixo Monumental. É a destruição do pouco de história que temos para sustentar a nossa identidade ainds em formação. Cinquenta e três anos é um nada no tempo histórico das cidades; um edifício de pouco menos de 40 anos é uma marca secular para a nossa pequena tradição. A nova proprietária do Torre é uma incorporadora que participou da construção do Cristo Redentor. Há uma esperança de que ela leve em conta a qualidade da arquitetura que fundou Brasília.


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EDUCAÇÃO »    Por uma lei para a primeira infância
Eduardo Queiroz critica a falta de políticas públicas à primeira infância. CORREIO BSB 18.04
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“O tempo das crianças e dos adolescentes é sempre o da urgência”, alertou ontem a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, ao participar do seminário Marco Legal da Primeira Infância. O evento, que termina hoje na Câmara dos Deputados, reúne especialistas e parlamentares de 11 países para trocar experiências e formular as bases de uma legislação específica voltada para as crianças brasileiras de 0 a 6 anos.

A ministra falou das crianças em situação de abandono, encaminhadas a abrigos governamentais e, muitas vezes, esquecidas. “Precisa ficar uma vida inteira numa instituição para reproduzirmos uma situação de abandono que existe na família?”, questionou. Maria do Rosário defendeu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas ressalvou que “jamais podemos pensar que uma decisão no plano nacional é automaticamente implementada no âmbito local”, referindo-se à necessidade de articulação entre as instâncias federais, estaduais e municipais dos poderes públicos.

Embora citado como um grande avanço, o ECA é alvo de críticas no tocante à primeira infância. Eduardo Queiroz, presidente da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, entidade voltada para a defesa dos direitos da primeira infância, está na linha de frente do debate travado em torno da necessidade de se implementar um marco legal específico para essa primeira faixa etária.“No ano passado, fizemos um trabalho com a ONG Contas Abertas e esmiuçamos o Orçamento federal em relação às políticas públicas para a primeira infância. Foram pouquíssimos os recursos encontrados para atender esse público”, lamenta.

Mary Young, assessora do Centro de Desenvolvimento da Primeira Infância da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, destaca que o investimento nesse período da vida não é priorizado pelos políticos porque “o retorno demora a ser percebido”. No seminário, a pesquisadora apontou como catalisadores da formação de crianças mais inteligentes o apoio ao pré-natal, ao pós-parto, os cuidados com a nutrição das crianças e o aprendizado com foco nas brincadeiras.

Embora pregue a urgência do marco legal, Eduardo Queiroz valoriza os esforços já desenvolvidos. “Quando vemos os legisladores preocupados e fazendo essa discussão, não tenho dúvida de que a coisa já está caminhando bem”, comemora. A expectativa é que o marco legal da primeira infância comece a tramitar na Câmara ainda este ano.
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Festa dedicada ao livro
A Biblioteca Demonstrativa oferece atividades para todas as idades.  CORREIO BSB 18.04



A Biblioteca Demonstrativa  Maria da Conceição Moreira Salles prepara, neste mês, uma programação especial para comemorar o personagem principal de qualquer biblioteca: o livro. “Em abril, o livro é festejado em várias datas. Temos o Dia do Livro, do Livro Infantil, do Contador de História, enfim, é o mês do livro", explica Ana Paula Ayres, funcionária responsável pela divulgação cultural da Demonstrativa.

Um assunto relacionado ao livro é escolhido a cada ano para ser o foco da programação. “Dessa vez, escolhemos falar sobre o trabalho de ilustração do livro”. Para isso, foi montada a mostra Ilustração: a arte nos livros, que fica em cartaz até 29 de junho.

A exposição traz um panorama do uso da ilustração na edição de livros no mundo e no Brasil. Além disso, o público terá a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre como funciona o processo de diagramação de imagens na produção de um livro. Ana Paula lembra que, por também ser o mês de aniversário de Brasília, a Biblioteca Demonstrativa busca relacionar a programação especial com os festejos da capital. “Nós procuramos chamar para as atividades profissionais da cidade”.

Debates
Este ano, a programação inclui, além da mostra sobre ilustração, outras atividades relacionadas ao tema. Para os interessados em diagramação, amanhã, será realizada uma mesa-redonda com participação de nomes importantes da ilustração nacional, como Walter Lara, Carlos Araújo, Luda Lima e Fernando Castro Lopes. Responsável pela ilustração de Uma avezinha quase gente, escrito por Tânia Peixoto, Walter Lara estará presente também no lançamento do livro, que acontece no sábado, na biblioteca.

No dia 23, a Terça Literária traz como tema principal Rubem Braga e a crônica brasileira. “É uma homenagem ao centenário de nascimento do escritor”, explica Ana Paula Ayres. O evento vai ter a participação de André Aires e André Panizza.

Para fechar o mês, uma atividade totalmente voltada para os pequenos. A Biblioteca Demonstrativa promove, no dia 26, a Noite Encantada, onde crianças a partir dos 7 anos são convidadas para uma programação diferente. “Nós vamos receber 30 crianças em uma ‘festa do pijama’, onde elas terão a oportunidade de realizar atividades voltadas à leitura”.

A Demonstrativa serve de modelo para outras bibliotecas públicas espalhadas pelo país há 43 anos. São projetos culturais e atividades educativas que oferecem ao público a possibilidade de imergir no mundo da leitura.

A prova do sucesso é que, diariamente, o local recebe, em média, mil visitantes.

“São pessoas com as mais variadas características: gente que quer estudar para concursos, pessoas que querem apenas ler o jornal e outros que procuram livros  para alugar”, destaca Ana Paula Ayres.

Festa dedicada ao livro na Biblioteca Demonstrativa Maria da Conceição Moreira Salles (W3 Sul, EQ 506/507; 3443-0852).
Programação:
 De segunda a sexta-feira, das 7h30 às 23h; Sábado, das 8h às 14h. Entrada Franca.

Amanhã, das 12h30 às 13h30, mesa-redonda com Walter Lara, Luda Lima, Carlos Araújo e Fernando de Castro Lopes

Sexta-feira, às 19h, lançamento do livro Uma avezinha quase gente, com a participação da autora Tânia Peixoto e do ilustrador Walter Lara

23 de abril, das 12h30 às 13h30, Terça Literária, com André Panizza e André Aires

26 de abril, às 20h, Noite Encantada – Super-heróis por uma noite



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O silêncio que nos perturba. 
Goiânia assistiu ao assassinato de 30 moradores de rua em oito meses. Rodrigo Lustosa é professor, presidente da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal da OAB-GO.  O POPULAR/GO 18.04
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As imagens da execução de um deles, exibidas por emissoras de televisão, repugnam e chamam a atenção. Primeiro porque a eliminação de qualquer vida humana é sempre brutal e chocante; segundo pela frieza e “profissionalismo” do assassino (talvez para ele tenha sido apenas mais um).

Mais coisas, porém, chamam a atenção neste nosso ingresso ou regresso à barbárie, entre elas, o atordoante silêncio em torno da questão. Abstraída a agitação de poucos militantes vinculados a movimentos sociais, não se viu expressiva mobilização popular e tampouco os chefes do Executivo, no âmbito do município e do Estado, se dispuseram, pessoalmente, a prestar esclarecimentos ou transmitir à sociedade o seu pesar e indignação por tais fatos.

Penso que em qualquer outro lugar do mundo que tenha logrado alcançar mínimas conquistas civilizatórias como, por exemplo, o reconhecimento de Direitos Humanos, episódios de tal natureza, de bestial eliminação de vidas humanas, causaria significativos abalos à ordem pública, de modo a justificar a imediata manifestação e atuação dos agentes políticos. Aqui, porém, simplesmente lavamos o sangue das nossas desniveladas calçadas, nos contentamos com o silêncio e nos calamos. Por quê?

Malgrado seja indispensável a compreensão das causas imediatas deste massacre (se decorrente de atuação de grupo de extermínio, se fruto de disputas entre traficantes ou por outra razão), acredito que a perspectiva proposta, de tentativa de compreensão da apatia frente ao teratológico, possa ser útil para a compreensão e urgente solução do problema.

A provocação que pretendo fazer, objetivamente, é a seguinte: será que subjacente ao silêncio e à consequente ausência de atuação pragmática para solucionar o alarmante problema, não está o fato de que muitos de nossos concidadãos pensa, intimamente, que o assassinato dos moradores de rua seja uma boa forma de “limpar” a cidade? Embora assustadora, a hipótese é plausível.

Destaco, a propósito, que recente pesquisa Secretaria Nacional de Direitos Humanos, realizada com 2.011 pessoas, ouvidas em todo o território nacional, constatou que 43% delas concordam em algum grau com a frase “bandido bom é bandido morto” e que 34% pensam que “direitos humanos deveriam ser apenas para pessoas direitas”. Esses dados permitem constatar que entre nós há uma flexibilização ou, ao menos, um olhar bastante peculiar sobre os Direitos Humanos. Afinal, a própria ideiade que existem garantias universais aplicáveis a todos os homens é colocada em xeque.

Se é assim, é perfeitamente factível que parcela da sociedade acredite que os moradores de rua não integrem o seleto grupo das pessoas de bem, merecedoras de direitos, ou mesmo que estejam eles no grupo dos marginais que merecem morrer. É neste flerte com a morte que a inércia e o silêncio se tornam absolutamente aterrorizantes.


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O mundo entre passado e futuro.  Por Washington Novaes é jornalista
No tempo de profunda transformação em que vivemos, temos presenciado ultimamente movimentos de rebelião contra as últimas heranças das épocas coloniais que permitiram a alguns países estabelecer em outras áreas, outros continentes, inclusive na América do Sul, as chamadas “colônias”. Por aqui mesmo há esboços de reação contra o que é chamado de apropriação de territórios brasileiros, como na área das antigas Guianas. Terão êxito? O POPULAR/GO 18.04

Há algumas semanas, a Argentina tentou reviver seu secular conflito com a Grã-Bretanha, por causa das ilhas Malvinas – no momento em que os britânicos promoveram uma votação nas ilhas onde praticamente todos os habitantes (britânicos e seus descendentes) menos dois reiteraram seu desejo de o território continuar pertencendo ao Reino Unido. Os argentinos não se conformam – o que leva o autor destas linhas ao passado, 1982, quando comandou uma equipe do Jornal Nacional, da TV Globo, para documentar em Buenos Aires a movimentação em favor da devolução das Malvinas à Argentina (às ilhas não se podia ir). A capital argentina vivia um clima de guerra mesmo – ou de Copa do Mundo de futebol –, com uma bandeira desfraldada em cada janela, para mostrar a adesão à reivindicação. Houve atritos até da Argentina com o Brasil, por causa da escala que aviões britânicos de guerra faziam em bases do nosso Nordeste, nos voos para as Malvinas. Mas tudo terminou em nada.

Também os atritos Estados Unidos/Cuba – que em 1962 quase levaram o mundo a uma guerra nuclear envolvendo a antiga União Soviética – voltam à cena, com a reivindicação cubana de que cesse a ocupação norte-americana na área de Guantánamo, onde continua a ser mantida pelos norte-americanos uma prisão, que seguidores de Barack Obama prometeram na última campanha eleitoral seria fechada. Na Ásia, já há quem se rebele contra a manutenção da Ilha de Guam, no Pacífico – que já foi colônia espanhola e ocupada pelo Japão durante a última guerra mundial – como colônia dos EUA. A Bolívia não desiste de sua reivindicação ao Chile, de uma saída para o mar. E há até quem fale ali de retomar o conflito com o Brasil por causa do território convertido em nosso Estado do Acre em 1962, depois de ser negociado até por pagamento em dinheiro, no início do século 20.

Mesmo na Europa ainda persistem reivindicações como a de dar independência a Gibraltar. Levantam-se questões sobre o domínio britânico em várias partes da América Central; ou holandês; ou francês. Há até quem recoloque sobre a mesa o imenso território da Groenlândia, ainda sob a tutela da minúscula Dinamarca. Pode ser até que alguém recoloque os acordos do Tratado de Tordesilhas, implantado para dividir a América entre espanhóis e portugueses...

Tudo parece um pouco abstruso quando o mundo olha, entre atemorizado e incrédulo, a evolução do problema entre as duas Coreias, com ameaça de guerra nuclear (o Norte tem poder para isso), mas sob a vigilância de países que também podem fazer guerra nuclear – como a China e os Estados Unidos, além das outras potências que detêm armas dessa natureza (Rússia, Grã-Bretanha, França, Índia, Paquistão e possivelmente Israel – que não explicita seu poder). No Conselho de Segurança da ONU, as potências nucleares com direito a veto indignam-se com qualquer projeto de outro país que pretenda entrar no clube. Aparentemente, é o predomínio da razão sobre a força – mas nenhum dos poderosos em termos nucleares renuncia à força que vetam para outros.

E agora tudo se configura de maneira muito mais ameaçadora, com a existência, em vários países, de “drones”, aviões pilotados por computadores que podem irromper aqui ou ali de um momento para outro e nem precisam de ordem de comandos terrestres para bombardear qualquer lugar em que se configurem – confrontadas com os arquivos desses computadores – evidências de ameaças consideradas insuportáveis.

Até onde iremos, espremidos entre obsolescências como a permanência de colônias de países fora de seus territórios e “modernidades” como os “drones”, “arquivos nas nuvens” mantidos pelas potências, invasão de sistemas e arquivos eletrônicos, o fim de qualquer privacidade?

Alguém argumentará com as conquistas da ciência no campo da medicina, da agricultura, da produção industrial, do transporte etc. etc., para justificar as modernidades tecnológicas. E lembrará que não há poder capaz de dizer onde ficam os limites – o que também é verdade. E espremidos nesse dilema seguiremos – saudosistas, alguns, deslumbrados outros. Rumo a um futuro que não se sabe onde estará.
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MANIFESTAÇÃO »  MST bloqueia ruas e estradas pelo país.   Protestos fazem parte do Abril Vermelho.  CORREIO BSB 18.04
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No Distrito Federal, a marcha dos sem-terra engarrafou o trânsito no centro no centro da cidade

           
Passeata dos trabalhadores sem terra percorreu o Eixo Monumental, engarrafou o trânsito e fez com que muita gente chegasse atrasada ao trabalho
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) fez ontem uma série de protestos pelo país, que lembrou a época de ferrenho ativismo dos tempos do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Em memória aos 21 camponeses mortos no Pará, em 17 de abril de 1996, no episódio que ficou conhecido como o Massacre de Eldorado dos Carajás, manifestantes marcharam em várias capitais e no interior e promoveram invasões de prédios públicos. Em Brasília, cerca de 500 sem-terra percorreram o Eixo Monumental e se concentraram em frente ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério da Justiça. A marcha atrapalhou bastante o trânsito pela manhã, causou longos engarrafamentos e fez muita gente chegar atrasada ao trabalho.

No Paraná, pelo menos 19 rodovias foram bloqueadas. Em Pernambuco, manifestantes interromperam o tráfego em 12 rodovias federais. No Rio Grande do Sul, um grupo foi até a sede da Secretaria Estadual de Educação. Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul também foram palco de protestos. Em Fortaleza, manifestantes ocuparam a sede do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) para cobrar políticas públicas mais efetivas de combate à estiagem. A série de manifestações faz parte da Jornada de Lutas do MST no chamado Abril Vermelho, que inclui o Dia Nacional da Luta pela Terra, celebrado nessa quarta-feira (ver memória). O movimento pediu agilidade no processo de reforma agrária e justiça nos casos de morte no campo.

Na capital federal, a manifestação começou cedo, às 7h. Cerca de 500 pessoas saíram do acampamento — montado perto do Memorial JK desde a semana passada — e caminharam por uma das vias mais movimentadas da cidade, rumo ao Supremo Tribunal Federal (STF). A passeata, que fechou três das seis faixas do Eixo Monumental, deu um nó no trânsito da região central da cidade. Em frente ao Tribunal, os manifestantes pediram justiça e prestaram homenagem aos mortos em conflitos agrários, com faixas com mensagens como “Basta de morte no campo”. “Viemos exigir a condenação dos acusados de matar os trabalhadores rurais, e a desapropriação de terras”, disse um dos representantes da coordenação do MST, Diego Moreira.

Após passar mais de uma hora em frente ao Supremo, os manifestantes seguiram a pé para Ministério da Justiça. Lá, representantes do movimento reuniram-se com o secretário de Assuntos Legislativos da pasta, Marivaldo Pereira. “Nós pautamos a questão da impunidade dos acusados por mortes no campo e a necessidade que o ministério tem de interceder nos órgão responsáveis para agilizar a investigação. Queremos que os mandantes, não só do Massacre de Eldorado dos Carajás, mas também de outros crimes, sejam julgados”, disse o secretário.

Outro assunto colocado em pauta em pauta foi a grande quantidade de terras sub judice. “Pedimos que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) interceda para resolver o problema”, completou Pereira. Segundo os sem-terra, há 523 processos judiciais envolvendo a reforma agrária no Brasil, dos quais 234 estão parados na Justiça Federal. O Ministério da Justiça se comprometeu a encaminhar as solicitações aos órgãos competentes, como o CNJ. A série de manifestações também teve o objetivo de pressionar a presidente Dilma Rousseff no sentido de elaborar um plano emergencial para o assentamento de 150 mil famílias ainda não atendidas pela reforma agrária em todo o país. “Há 69.233 grandes propriedades improdutivas no País, que controlam 228 milhões de hectares de terra que deveriam ser destinadas à reforma agrária”, cobrou o MST, em nota. O movimento vai promover mais passeatas, hoje, em várias cidades do país.

Memória
Confronto trágico
Há 17 anos, em 21 de abril de 1996, um marcha organizada pelo MST com mais de mil trabalhadores rurais em Eldorado de Carajás terminou em tragédia. Os manifestantes marchavam pela rodovia PA-150, entre Parauapebas e Marabá, quando foram encurralados por dois batalhões da Polícia Militar do Pará. Armados, os PMs atiraram contra os sem-terra. No confronto, 21 pessoas morreram e cerca de 70 ficaram feridas. A perícia constatou depois que 10 manifestantes foram mortos à queima roupa e sete por objetos cortantes. A polícia foi enviada ao local da manifestação porque eles estavam obstruindo o tráfego da rodovia, que liga a capital Belém ao sul do estado. Dos 155 policiais que participaram da ação, dois foram condenados: o comandante da PM Mário Pantoja e o policial José Maria de Oliveira. No dia do massacre, o ministro da Agricultura, Andrade Vieira, pediu demissão. Desde então, o MST promove atos de protesto para lembrar o massacre e cobrar ações em favor dos sem-terra, no chamado Abril Vermelho.

Sem-teto fecham
Viaduto do Chá
Cerca de 1,4 mil manifestantes do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) fecharam o Viaduto do Chá, no centro de São Paulo. No começo da tarde, o prefeito Fernando Haddad subiu em um carro de som e conversou com os manifestantes. Haddad reafirmou a meta de construir 55 mil casas populares. Após o encontro, representantes da prefeitura e do MTST participaram de uma reunião com o secretário de Relações Governamentais, João Antônio da Silva Filho. Ficou acertada a criação de um grupo de trabalho para discutir o modelo de parcerias público-privadas, apresentado pela prefeitura, para viabilizar a construção de 20 mil moradias.

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Regra do Estatuto do Idoso voltará a ser analisada
Valor Econômico - 18/04/2013


O Supremo Tribunal Federal (STF) também voltará a analisar na sessão de hoje uma outra regra para a concessão do benefício de assistência social. O parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 2003) determina que não será computado para o cálculo da renda familiar per capita - objeto da discussão inicial dos ministros - apenas o benefício de assistência social concedido a qualquer outro membro da família. Para o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, a norma viola o princípio da isonomia. "É preciso reformar o sistema. A não ser por uma pane legislativa, não há explicação para esta norma", disse.

Mendes deu o exemplo de um casal de idosos em que o marido possui aposentadoria. Neste caso, o valor será considerado para determinar a concessão do benefício de assistência social à esposa. "No exemplo, ela não conseguiria atingir o critério e teria o pedido de ajuda negado pelo INSS [Instituto Nacional do Seguro Social]. Mas se muda o nome do benefício, teria direito a receber", disse o ministro.

Nesse caso, cinco ministros decidiram que a norma é inconstitucional. Além de Gilmar Mendes, os ministros Celso de Mello, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia votaram nesse sentido e defenderam manter também esta regra em vigor até dezembro de 2015 para que o Congresso altere o dispositivo. Outros quatro entenderam que a norma não viola qualquer princípio constitucional. Seguiram esse entendimento os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski.

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O crescimento inclusivo
Para colaborar com os governos na tarefa de reduzir o desemprego nas economias avançadas, as empresas podem treinar os trabalhadores, criar redes de suprimento e apoiar as pequenas e médias, que são grandes empregadoras. VALOR ECONÔMICO 18.04
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Em 2012, o Centro de Pesquisa Pew detectou que 85% dos adultos que se autodefinem como de classe média nos Estados Unidos acham que agora ficou mais difícil para pessoas como eles manter seu padrão de vida do que uma década atrás. A parcela dos americanos que dizem pertencer à classe média-baixa ou à classe baixa subiu de 25% da população adulta em 2008 para cerca de 33% atualmente. E a pesquisa do Pew apurou que apenas 63% dos pesquisados acham que o trabalho árduo leva ao sucesso, percentual menor que o de 74% computado em 1999.

Esses dados estatísticos, que representam o sentimento da população da maior economia do mundo, deveriam levantar preocupações significativas para os governos e dirigentes empresariais de outros países, especialmente dos que enfrentam o desafio da estagnação do crescimento e de níveis de desemprego crescentes entre os jovens. Na verdade, o Fundo Monetário Internacional (FMI) acaba de revisar para baixo suas perspectivas de curto prazo de crescimento da zona do euro, para -0,3% em 2013. Por outro lado, dados oficiais da Espanha indicam que a taxa de desemprego subiu para 26% (totalizando quase 6 milhões de pessoas) nos três últimos meses de 2012, o número mais elevado desde meados da década de 1970, enquanto o índice de desemprego entre os jovens alcançou 55%.

A necessidade de crescimento - especificamente do tipo de crescimento inclusivo capaz de oferecer empregos para o grande número de jovens desocupados e de combater os crescentes níveis de má distribuição da renda - nunca foi mais decisiva. No entanto, as atuais discussões sobre como obter um crescimento sustentável e inclusivo estão focadas, de maneira excessivamente estreita, no papel dos governos e dos formuladores de políticas públicas. O papel do setor privado - com seu alcance multinacional, seus grandes volumes de dinheiro e sua capacidade de inovar - tem sido negligenciado.



Há três áreas principais para as quais a iniciativa privada deveria voltar a atenção para que o capitalismo opere de uma forma mais inclusiva e atenda às necessidades mais prementes da sociedade. Em primeiro lugar, as empresas deveriam se empenhar em superar o descompasso entre qualificações e postos de trabalho disponíveis por meio do investimento em cursos e estágios profissionalizantes vocacionais. Empresas como a Rolls-Royce e a British Gas operam programas magníficos de ensino profissionalizante que agregam valor às suas empresas ao criar uma oferta ininterrupta de principiantes talentosos. Foram lançadas outras iniciativas para ampliar esses esforços por meio do engajamento de várias empresas, a fim de criar postos de trabalho de menor qualificação para o contingente significativo de jovens atualmente sem emprego.

Em segundo lugar, assim como é necessário esforço coletivo para fortalecer a capacitação das populações em idade ativa, é necessário também um comprometimento da iniciativa privada em respaldar empresas de pequeno e médio porte como parte do ambiente empresarial como um todo. Em seu ano fiscal de 2011, a Hewlett-Packard (HP) utilizou mais de 600 empresas de pequeno e médio porte em sua cadeia de abastecimento no Reino Unido, o que representou quase 10% de seus gastos com fornecedores. A HP pretende aumentar essa parcela para mais de 15% até o fim de 2013 com o acréscimo de mais 150 empresas de pequeno e médio porte, alimentando assim o que encara, corretamente, como o motor do crescimento econômico britânico.


No mesmo sentido, em março de 2012 um consórcio de grandes conglomerados capitaneado pela IBM criou a Supplier Connection, operante por internet, para facilitar para as empresas de pequeno porte a tarefa de se tornarem fornecedoras de grandes companhias. Atualmente os membros da Supplier Connection compram por ano cerca de US$ 150 bilhões em produtos e serviços por meio de suas cadeias de abastecimento mundiais.

Finalmente, grandes empresas com ações negociadas em bolsa precisam ser geridas para o longo prazo, e deveriam ser recompensadas pelos investidores por serem mais inclusivas. Por exemplo, a Unilever rejeitou as pressões de curto prazo dos mercados de capitais ao abolir os informes de resultados trimestrais e ao ampliar seu foco para fazer avançar interesses sociais maiores, em vez de apenas os interesses de seus acionistas.

Mas empresas esclarecidas exigem investidores esclarecidos. O Plano de Pensão dos Professores de Ontário, Canadá, é exemplar em seu engajamento no apoio às melhores práticas de governança nas empresas em que investe, e colheu grandes benefícios desse enfoque: o Plano computou um retorno médio anual de 10% desde sua estreia, em 1990.

A ideia subjacente a todas essas iniciativas, e a própria noção de capitalismo inclusivo, é a de que as empresas precisam ser geridas para o longo prazo. Companhias que seguem esse enfoque estão preocupadas com as qualificações de seu futuro quadro de funcionários; procuram montar bases de fornecedores fiéis e produtivas; e tomam decisões de investimento baseadas na criação sustentável de valor, e não na lucratividade de curto prazo.

Não há contradição entre gerar altos retornos e adotar uma abordagem de longo prazo. Além disso, na medida em que as empresas começam a adotar essas práticas, seu efeito multiplicador positivo se generaliza. Com mais apoio, as empresas de pequeno e médio porte, que atualmente respondem por 99% do total e por dois terços dos empregos no setor privado na União Europeia, conseguirão investir em pesquisa e desenvolvimento e contratar mais funcionários.

Por sua vez, as grandes empresas contarão com as vantagens da inovação mais rápida, as taxas de desemprego entre os jovens vão cair e o esvaziamento da classe média - e de sua fé nos padrões de vida futuros - será revertido. É esse tipo de influência profundamente positiva sobre as perspectivas de prosperidade compartilhada e de crescimento inclusivo que atualmente foge à compreensão dos governos nacionais. (Tradução de Rachel Warszawski)

Lynn Forester de Rothschild é principal executiva da E.L. Rothschild e copresidente do Projeto Henry Jackson pelo Capitalismo Inclusivo.

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Novos cursos formam gestores culturais
Paulo Vicelli, diretor de relações institucionais da Pinacoteca do Estado de São Paulo, investe periodicamente em cursos de especialização para se atualizar.  VALOR ECONÔMICO 18.04
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Nos próximos anos, o parque cultural brasileiro será incrementado com inaugurações e ampliações de institutos e museus. Se, por um lado, o crescimento deixa otimistas os profissionais ligados a essa área, de outro preocupa em relação à maior necessidade de administradores qualificados para controlar tantos equipamentos.

A apreensão se justifica pela limitação da oferta de gestores culturais bem preparados no mercado nacional de trabalho, de acordo com dirigentes das organizações. A escassez de talentos aptos a lidar com a série de exigências inerentes à função se deve principalmente à quantidade ainda reduzida de cursos de formação.

"As universidades passaram a se preocupar com isso recentemente. Assim, somente agora começam a surgir mais pós-graduações em gestão cultural", afirma Eduardo Saron, superintendente do Itaú Cultural. "A produção acadêmica sobre esse tema, contudo, ainda é muito baixa."

O Centro Universitário Senac é um dos que oferecem um curso de especialização no setor, desde 2011. Trata-se de uma pós lato sensu em gestão cultural com 366 horas de aula e que está em sua quarta turma. "Cerca de 50% dos alunos já são do mercado e buscam informações para o refinamento de seu trabalho", diz Soledad Galhardo, coordenadora do programa.

O próprio Itaú Cultural criou um curso de especialização em gestão cultural a distância, em parceria com a Cátedra Unesco Políticas Culturais e com a participação da Universidade de Girona, da Espanha. Já foram diplomados 92 profissionais - boa parte deles não atua no instituto.

No MBA Bens Culturais da FGV Management-SP, da Fundação Getulio Vargas, que até hoje formou cerca de 180 gestores, os alunos costumam ser profissionais com mais de 25 anos que possuem experiência prévia na área cultural. "Normalmente são graduados em comunicação, direito, história, ciências sociais, administração, artes visuais, artes cênicas, música, biblioteconomia e pedagogia" cita Ilana Goldstein, coordenadora da pós.

O Sesc também planeja, ainda para este semestre, uma grade de especialização em gestão cultural. Já quem busca um bacharelado pode optar pelo de produção cultural na Universidade Federal Fluminense (RJ) ou na UFBA (Universidade Federal da Bahia).

Saron, do Itaú Cultural, ressalta que houve no passado uma concentração de cursos que visavam fazer projetos para a Lei Rouanet - que estimula o apoio da iniciativa privada ao setor cultural. "É um equívoco. A lei é parte de um grande ecossistema e não pode ser encarada como um fim em si mesmo. O gestor cultural tem de ter hoje uma visão múltipla, mais até que os de outros segmentos. Precisa de uma preparação específica", diz.

"O gestor cultural tem de ter hoje uma visão múltipla, mais até que os de outros segmentos" afirma Eduardo Saron, do Itaú Cultural

Os atributos requeridos aos ocupantes do cargo passam, de fato, pelo entendimento das políticas públicas relacionadas à cultura - mas não só. Na opinião de Saron, é preciso compreender como se desenvolvem e se produzem conteúdos sob os padrões das novas mídias. "Isso associado ao aspecto jurídico da propriedade intelectual", afirma.

No rol de habilidades desse gestor deve estar também uma "competência técnica profunda", segundo Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc no Estado de São Paulo. Ele se refere a "conhecimentos abrangentes da cultura ocidental e da oriental, de filosofia, de história", além da aptidão para posicionar a realidade e a formação do Brasil nesse universo.

A amplitude de requisitos fornece os argumentos de quem defende uma bagagem de estudos mais focada para o profissional e reclama da ausência de mais grades curriculares para municiá-la no país. "Ainda falta mão de obra qualificada, pois essa não é uma profissão regulamentada. As opções de formação são recentes", afirma Ilana, da FGV.

Devido a essa lacuna, muitas vezes a saída é improvisar. "Boa parte das instituições tende a colocar no cargo funcionários que não estão devidamente preparados", ressalta Teixeira Coelho, curador do Masp (Museu de Arte de São Paulo). Em alguns casos, os próprios gestores buscam alternativas de qualificação até mesmo no exterior. Paulo Zuben, diretor artístico-pedagógico do Santa Marcelina Cultura, diz sentir muita dificuldade em se aperfeiçoar tecnicamente no Brasil.

Assim, desde 2008, quando assumiu o posto na instituição, faz cursos de curta duração em universidades americanas como as de Harvard, Michigan, do Texas e de Nova York. "São programas de uma semana com tópicos de gestão de atividades culturais", explica. Deles, participa um grupo de cem gestores do mundo todo, o qual passou a integrar mediante a obtenção de uma bolsa. Esses encontros de aprofundamento na área ocorrem duas vezes por ano.

Zuben afirma que há no mercado dois tipos de profissional. Um é o que parte da especialidade para a generalidade - como o cineasta que se torna diretor de um festival de cinema ou do músico que assume a direção de uma escola de música. Esse padrão corresponde à maioria. O segundo é o que faz o caminho contrário: o administrador de caráter mais generalista que sai de outro setor para comandar um instituto de cultura. Em sua opinião, tanto em uma como na outra trajetória, o segredo do trabalho bem-sucedido é equilibrar as duas facetas.

Ao analisar seu próprio currículo, o diretor do Santa Marcelina identifica certo hibridismo entre os modelos que distingue. Graduado em administração de empresas pela FGV, ele fez mestrado em semiótica e depois doutorado em artes na USP (Universidade de São Paulo).

A capacidade de liderança conta muitos pontos na hora de recrutar um gestor cultural, diz Saron. O mesmo se aplica a valores éticos muito bem constituídos. "Sob a ótica da governança com transparência, esse profissional tem de ser capaz de articular estrategicamente a organização e garantir a sustentabilidade das operações". O planejamento financeiro, desse modo, é especialmente importante em um ramo que abarca muitas entidades sem fins lucrativos. "É necessário saber de onde vêm os recursos e agir sempre como se fossem escassos, administrando-os com atenção e cuidado", diz Miranda, do Sesc.

Algumas organizações culturais no país têm adotado formas de gestão que se inspiram nas de empresas que objetivam lucros e uma performance bastante competitiva em relação à concorrência. É o caso do MAM, que, com o intuito de sofisticar suas diretrizes gerenciais, caçou no mercado, em 2007, um gestor habituado a se guiar por planejamentos bem definidos. Bertrando Molinari, 65, que tinha dez anos de experiência em marketing cultural no Bank Boston, foi o escolhido.

Na condição de superintendente-executivo do MAM, que é legalmente uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), Molinari, formado em engenharia e propaganda, enfatiza a disciplina orçamentária implementada no museu. "Ele é administrado à luz de um plano de negócios anual, que tem de ser seguido rigorosa e numericamente". O cumprimento de objetivos, afirma, é checado todo mês. A política de remuneração também leva em conta o alcance de metas, com o pagamento de bônus por desempenho. A formação dos funcionários é outra prioridade. Atualmente, 42 deles são beneficiados com bolsas de estudo para cursos diversos - de idiomas, de graduação ou de especialização.

Porém, como é de praxe em empresas que atuam no campo da cultura, o intangível - ou de mensuração menos exata - é computado na avaliação dos resultados. "Há as metas qualitativas, que consistem em entregar bens culturais em forma de projetos", diz o superintendente-executivo. É nesse contexto que se insere o estofo de conhecimento sobre arte tão desejável ao perfil do profissional. Em sua opinião, é mais simples gerenciar uma instituição que visa ao lucro, pois todos andam na mesma direção. "Já em uma instituição cultural, há questões conceituais muito importantes, referentes a como esses objetivos devem ser atingidos. A discussão fica muito mais complexa e rica."

Tal complexidade, contudo, não precisa ser destrinchada por um único estrategista, ressalva Teixeira Coelho, curador do Masp. De acordo com ele, não dá para exigir que uma mesma pessoa seja proficiente em tudo o que o amplo leque da gestão cultural exige. "Um museu pode requerer um profissional para cuidar de sua parte administrativa e outro para cuidar de sua parte técnica", afirma.


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