quinta-feira, 18 de abril de 2013
Os filhos de Gonzagão
Doutora em sociologia, é professora
da UFRN e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar Tirésias/UFRN. CORREIO BSB 18.04
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Nada melhor para entender nossa
cultura que escutar os estranhamentos alheios. Um amigo estrangeiro, em
processo de instalação por aqui, foi emitir seu CPF e nos formulários lhe
pediam o nome da mãe. Esse foi um dos muitos formulários que repetia a mesma
exigência. Ao final, ele exclamou: “Vocês têm obsessão pela mãe!” Eu tentei
explicar-lhe que a centralidade da figura materna revela uma tragédia nacional:
a ausência paterna, a orfandade simbólica.
Mas ele me fazia perguntas de
crianças, portanto, simples e desconcertantes. “Se vocês, mães, são tão
centrais, por que a violência contra as mulheres é tão elevada?” A resposta
valeria, com certeza, algumas teses de doutorado. A resposta mais rápida seria
a culpabilização das mulheres, esquecendo-se de que ausência paterna e mães
machistas são duas faces da mesma moeda: o projeto social para produção dos
gêneros. Homens viris e violentos, mulheres-mães submissas.
Dois filmes recentes pautam o tema da
paternidade ausente: Gonzaga, de pai para filho e A busca. No primeiro, nos
depararmos com um drama que o Brasil acompanhou. A relação entre o Rei do
Baião, Luiz Gonzaga, e o filho Gonzaguinha. Duas formas distintas de viver a
masculinidade. Gonzagão poderia ser o representante, o tipo ideia weberiano, de
uma masculinidade árida, seca, sertaneja.
Gonzaguinho, a presentificação de
uma masculinidade alternativa, a que reivindica o direito do homem ao choro e à
demonstração pública dos sentimentos. O choro masculino, em sua voz doce e
arrastada, tomou ares de demanda política e tem como um dos efeitos mais
bonitos a problematização da ideia de uma natureza masculina viril, forte. É no
solo seco do sertão que vemos os vínculos de pai e filho refazendo-se. Os dois
falavam de nós, uma sociedade sem pai.
Em A busca, o pai, ao tentar encontrar o
filho, tem uma dupla revelação: ele não se conhecia e descobre a beleza do
filho. A busca não era pelo filho, mas pela própria figura paterna. Para além
do excesso de presença do protagonista nas cenas, compartilhamos o processo de
desconstrução da imagem do pai e do filho. As inversões são apresentadas a cada
cena. O filho sabe muito mais do que o pai supunha. O pai que busca torna-se o
filho que encontra o pai. E o filho, como um herói medieval, monta seu cavalo
negro, obstinado: quem ele iria salvar?
Nos dois filmes nota-se a quase
ausência da figura materna e o silêncio é positivo. É como se estivesse na hora
de pais e filhos acertarem as contas. Nos dois filmes também são filhos. E a
história da relação pai-filhas? Seria muito bom ver cenas de pais, sentados no
chão, ajudando as filhas a vestir as bonequinhas, oferecendo as unhas para
testar um esmalte novo no salão imaginário da filha. Melhor ainda se ele se
permitisse ser feliz assim, nessa mesma cena, com o filho.
Ou, então, depois de pintar as
unhas, atendesse ao pedido da filha (ou filho): “Papai, vamos jogar futebol?”
Talvez assim a infância se transformasse em lugar de alegria e de
compartilhamento. E o gênero, antes de ser máquina que produz pais ausentes e
mães machistas, seria o espaço do lúdico. E, como ninguém nasce pai ou mãe,
teríamos mais chances de vermos uma sociedade em que a violência de gênero
fosse um resquício de tempos pretéritos.
Seria utopia pensarmos e desejarmos
um mundo sem barreiras de gênero? O masculino e o feminino borrados, rasurados.
Uma sociedade em que a paternidade e a maternidade sejam compreendidas como
experiências humanizadas e humanizadoras, para além da diferença sexual, para
além, principalmente, da exclusividade heterossexual.
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Crônica da Cidade: Mais um
que se vai
Não demora muito e a paisagem dos
setores centrais do Plano Piloto não terá mais lembrança dos anos inaugurais. CORREIO
BSB 18.04
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A demolição dos prédios mais
antigos, permitida pela Lei do Tombamento, vai transformar os setores
Hoteleiro, de Diversões e Bancário num desfile de cafonices espelhadas,
disfarçadas de arquitetura atual. Principalmente, o de hotéis, movido pelos
monumentais eventos esportivos que virão por aí.
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A natural e desejada superposição de
arquiteturas, comum a todas as cidades, provoca um efeito devastador na capital
do país dadas as características singulares de Brasília. Embora represente a
capital do país, o Plano Piloto é pequeno, conciso, concentrado. A área
central, nos arredores da Rodoviária, cabe na palma da mão, se comparada às
grandes metrópoles.
As edificações das primeiras duas
décadas de Brasília, salvo as exceções de praxe, são filhas da arquitetura
moderna que projetou a cidade. Representam um tempo histórico, cultural,
artístico e arquitetônico, que é a gênese da capital, a sua explosão inaugural.
Pela Lei do Tombamento, sabemos, os prédios podem ser substituídos por novas
obras desde que mantidas as especificações do gabarito, o que inclui o número
de pavimentos. Até aí, tudo bem no ano que vem.
Ninguém, com um mínimo de pé no
chão, quererá petrificar o Plano Piloto. Ele é uma cidade e, portanto, está
sujeito a mudanças contínuas. Mas seria muito bom se alguns dos projetos mais
importantes do período, assinados por arquitetos consagrados ou nem tanto,
fossem conservados. Como já escrevi aqui em outras ocasiões, as capitais
europeias destruídas na 2ª Guerra tiveram o cuidado de recuperar algumas de
suas edificações mais importantes.
O escritório de Oscar Niemeyer na
Avenida Atlântica, no Rio, ficava no último andar de um predinho de arquitetura
duvidosa, segundo os entendidos, mas é uma edificação de mais de 50 anos que se
mantém à beira-mar como um retrato de uma época. Os retratos da cidade moderna
correm o risco de serem substituídos por uma arquitetura cafona e ostentatória,
caixotes de vidro como aqueles que foram recentemente concluídos no Setor
Bancário Sul.
Vendido pela família que o construiu
a uma incorporadora Brookfield, o Torre Palace Hotel deverá ser implodido
brevemente. Seria notícia positivamente surpreendente saber que em seu lugar
surgirá um projeto de arquiteto que faz arquitetura de verdade e não cópias
descaradas da arquitetura cafona de Miami e alhures. Arquitetos premiados e/ou
escolhidos em concurso para projetar algumas das boas obras da arquitetura
contemporânea de Brasília realçam a importância que tem projetar no patrimônio
moderno da humanidade. E a responsabilidade que é responder à altura da
qualidade dos grandes que aqui deixaram suas marcas — Niemeyer, Lucio Costa,
Lelé, Paulo Mendes da Rocha, Milton Ramos, Nauro Esteves e tantos outros.
A demolição do Torre Palace Hotel é
a demolição da paisagem afetiva da margem oeste do Eixo Monumental. É a
destruição do pouco de história que temos para sustentar a nossa identidade
ainds em formação. Cinquenta e três anos é um nada no tempo histórico das
cidades; um edifício de pouco menos de 40 anos é uma marca secular para a nossa
pequena tradição. A nova proprietária do Torre é uma incorporadora que
participou da construção do Cristo Redentor. Há uma esperança de que ela leve
em conta a qualidade da arquitetura que fundou Brasília.
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EDUCAÇÃO » Por uma lei para a primeira infância
Eduardo Queiroz critica a falta de
políticas públicas à primeira infância. CORREIO BSB 18.04
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“O tempo das crianças e dos
adolescentes é sempre o da urgência”, alertou ontem a ministra da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, ao participar
do seminário Marco Legal da Primeira Infância. O evento, que termina hoje na
Câmara dos Deputados, reúne especialistas e parlamentares de 11 países para
trocar experiências e formular as bases de uma legislação específica voltada
para as crianças brasileiras de 0 a 6 anos.
A ministra falou das crianças em
situação de abandono, encaminhadas a abrigos governamentais e, muitas vezes,
esquecidas. “Precisa ficar uma vida inteira numa instituição para reproduzirmos
uma situação de abandono que existe na família?”, questionou. Maria do Rosário
defendeu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas ressalvou que
“jamais podemos pensar que uma decisão no plano nacional é automaticamente implementada
no âmbito local”, referindo-se à necessidade de articulação entre as instâncias
federais, estaduais e municipais dos poderes públicos.
Embora citado como um grande avanço,
o ECA é alvo de críticas no tocante à primeira infância. Eduardo Queiroz, presidente
da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, entidade voltada para a defesa dos
direitos da primeira infância, está na linha de frente do debate travado em
torno da necessidade de se implementar um marco legal específico para essa
primeira faixa etária.“No ano passado, fizemos um trabalho com a ONG Contas
Abertas e esmiuçamos o Orçamento federal em relação às políticas públicas para
a primeira infância. Foram pouquíssimos os recursos encontrados para atender
esse público”, lamenta.
Mary Young, assessora do Centro de
Desenvolvimento da Primeira Infância da Universidade de Harvard, nos Estados
Unidos, destaca que o investimento nesse período da vida não é priorizado pelos
políticos porque “o retorno demora a ser percebido”. No seminário, a pesquisadora
apontou como catalisadores da formação de crianças mais inteligentes o apoio ao
pré-natal, ao pós-parto, os cuidados com a nutrição das crianças e o
aprendizado com foco nas brincadeiras.
Embora pregue a urgência do marco
legal, Eduardo Queiroz valoriza os esforços já desenvolvidos. “Quando vemos os
legisladores preocupados e fazendo essa discussão, não tenho dúvida de que a
coisa já está caminhando bem”, comemora. A expectativa é que o marco legal da
primeira infância comece a tramitar na Câmara ainda este ano.
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Festa dedicada ao livro
A Biblioteca Demonstrativa oferece
atividades para todas as idades. CORREIO
BSB 18.04
A Biblioteca Demonstrativa Maria da Conceição Moreira Salles prepara,
neste mês, uma programação especial para comemorar o personagem principal de
qualquer biblioteca: o livro. “Em abril, o livro é festejado em várias datas.
Temos o Dia do Livro, do Livro Infantil, do Contador de História, enfim, é o
mês do livro", explica Ana Paula Ayres, funcionária responsável pela
divulgação cultural da Demonstrativa.
Um assunto relacionado ao livro é
escolhido a cada ano para ser o foco da programação. “Dessa vez, escolhemos
falar sobre o trabalho de ilustração do livro”. Para isso, foi montada a mostra
Ilustração: a arte nos livros, que fica em cartaz até 29 de junho.
A exposição traz um panorama do uso
da ilustração na edição de livros no mundo e no Brasil. Além disso, o público
terá a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre como funciona o processo de
diagramação de imagens na produção de um livro. Ana Paula lembra que, por
também ser o mês de aniversário de Brasília, a Biblioteca Demonstrativa busca
relacionar a programação especial com os festejos da capital. “Nós procuramos
chamar para as atividades profissionais da cidade”.
Debates
Este ano, a programação inclui, além
da mostra sobre ilustração, outras atividades relacionadas ao tema. Para os
interessados em diagramação, amanhã, será realizada uma mesa-redonda com
participação de nomes importantes da ilustração nacional, como Walter Lara,
Carlos Araújo, Luda Lima e Fernando Castro Lopes. Responsável pela ilustração
de Uma avezinha quase gente, escrito por Tânia Peixoto, Walter Lara estará
presente também no lançamento do livro, que acontece no sábado, na biblioteca.
No dia 23, a Terça Literária traz
como tema principal Rubem Braga e a crônica brasileira. “É uma homenagem ao
centenário de nascimento do escritor”, explica Ana Paula Ayres. O evento vai
ter a participação de André Aires e André Panizza.
Para fechar o mês, uma atividade
totalmente voltada para os pequenos. A Biblioteca Demonstrativa promove, no dia
26, a Noite Encantada, onde crianças a partir dos 7 anos são convidadas para
uma programação diferente. “Nós vamos receber 30 crianças em uma ‘festa do
pijama’, onde elas terão a oportunidade de realizar atividades voltadas à
leitura”.
A Demonstrativa serve de modelo para
outras bibliotecas públicas espalhadas pelo país há 43 anos. São projetos
culturais e atividades educativas que oferecem ao público a possibilidade de
imergir no mundo da leitura.
A prova do sucesso é que,
diariamente, o local recebe, em média, mil visitantes.
“São pessoas com as mais variadas
características: gente que quer estudar para concursos, pessoas que querem
apenas ler o jornal e outros que procuram livros para alugar”, destaca Ana Paula Ayres.
Festa dedicada ao livro na
Biblioteca Demonstrativa Maria da Conceição Moreira Salles (W3 Sul, EQ 506/507;
3443-0852).
Programação:
De segunda a sexta-feira, das 7h30 às 23h;
Sábado, das 8h às 14h. Entrada Franca.
Amanhã, das 12h30 às 13h30,
mesa-redonda com Walter Lara, Luda Lima, Carlos Araújo e Fernando de Castro
Lopes
Sexta-feira, às 19h, lançamento do
livro Uma avezinha quase gente, com a participação da autora Tânia Peixoto e do
ilustrador Walter Lara
23 de abril, das 12h30 às 13h30,
Terça Literária, com André Panizza e André Aires
26 de abril, às 20h, Noite Encantada
– Super-heróis por uma noite
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O silêncio que nos
perturba.
Goiânia assistiu ao assassinato de
30 moradores de rua em oito meses. Rodrigo Lustosa é professor, presidente da
Comissão de Segurança Pública e Política Criminal da OAB-GO. O POPULAR/GO 18.04
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As imagens da execução de um deles,
exibidas por emissoras de televisão, repugnam e chamam a atenção. Primeiro
porque a eliminação de qualquer vida humana é sempre brutal e chocante; segundo
pela frieza e “profissionalismo” do assassino (talvez para ele tenha sido
apenas mais um).
Mais coisas, porém, chamam a atenção
neste nosso ingresso ou regresso à barbárie, entre elas, o atordoante silêncio
em torno da questão. Abstraída a agitação de poucos militantes vinculados a movimentos
sociais, não se viu expressiva mobilização popular e tampouco os chefes do
Executivo, no âmbito do município e do Estado, se dispuseram, pessoalmente, a
prestar esclarecimentos ou transmitir à sociedade o seu pesar e indignação por
tais fatos.
Penso que em qualquer outro lugar do
mundo que tenha logrado alcançar mínimas conquistas civilizatórias como, por
exemplo, o reconhecimento de Direitos Humanos, episódios de tal natureza, de
bestial eliminação de vidas humanas, causaria significativos abalos à ordem
pública, de modo a justificar a imediata manifestação e atuação dos agentes
políticos. Aqui, porém, simplesmente lavamos o sangue das nossas desniveladas
calçadas, nos contentamos com o silêncio e nos calamos. Por quê?
Malgrado seja indispensável a
compreensão das causas imediatas deste massacre (se decorrente de atuação de
grupo de extermínio, se fruto de disputas entre traficantes ou por outra
razão), acredito que a perspectiva proposta, de tentativa de compreensão da
apatia frente ao teratológico, possa ser útil para a compreensão e urgente
solução do problema.
A provocação que pretendo fazer,
objetivamente, é a seguinte: será que subjacente ao silêncio e à consequente
ausência de atuação pragmática para solucionar o alarmante problema, não está o
fato de que muitos de nossos concidadãos pensa, intimamente, que o assassinato
dos moradores de rua seja uma boa forma de “limpar” a cidade? Embora
assustadora, a hipótese é plausível.
Destaco, a propósito, que recente
pesquisa Secretaria Nacional de Direitos Humanos, realizada com 2.011 pessoas,
ouvidas em todo o território nacional, constatou que 43% delas concordam em
algum grau com a frase “bandido bom é bandido morto” e que 34% pensam que
“direitos humanos deveriam ser apenas para pessoas direitas”. Esses dados
permitem constatar que entre nós há uma flexibilização ou, ao menos, um olhar
bastante peculiar sobre os Direitos Humanos. Afinal, a própria ideiade que
existem garantias universais aplicáveis a todos os homens é colocada em xeque.
Se é assim, é perfeitamente factível
que parcela da sociedade acredite que os moradores de rua não integrem o seleto
grupo das pessoas de bem, merecedoras de direitos, ou mesmo que estejam eles no
grupo dos marginais que merecem morrer. É neste flerte com a morte que a
inércia e o silêncio se tornam absolutamente aterrorizantes.
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O mundo entre passado
e futuro. Por Washington Novaes é
jornalista
No tempo de profunda transformação
em que vivemos, temos presenciado ultimamente movimentos de rebelião contra as
últimas heranças das épocas coloniais que permitiram a alguns países
estabelecer em outras áreas, outros continentes, inclusive na América do Sul,
as chamadas “colônias”. Por aqui mesmo há esboços de reação contra o que é
chamado de apropriação de territórios brasileiros, como na área das antigas Guianas.
Terão êxito? O POPULAR/GO 18.04
Há algumas semanas, a Argentina
tentou reviver seu secular conflito com a Grã-Bretanha, por causa das ilhas
Malvinas – no momento em que os britânicos promoveram uma votação nas ilhas
onde praticamente todos os habitantes (britânicos e seus descendentes) menos
dois reiteraram seu desejo de o território continuar pertencendo ao Reino
Unido. Os argentinos não se conformam – o que leva o autor destas linhas ao
passado, 1982, quando comandou uma equipe do Jornal Nacional, da TV Globo, para
documentar em Buenos Aires a movimentação em favor da devolução das Malvinas à
Argentina (às ilhas não se podia ir). A capital argentina vivia um clima de
guerra mesmo – ou de Copa do Mundo de futebol –, com uma bandeira desfraldada em
cada janela, para mostrar a adesão à reivindicação. Houve atritos até da
Argentina com o Brasil, por causa da escala que aviões britânicos de guerra
faziam em bases do nosso Nordeste, nos voos para as Malvinas. Mas tudo terminou
em nada.
Também os atritos Estados
Unidos/Cuba – que em 1962 quase levaram o mundo a uma guerra nuclear envolvendo
a antiga União Soviética – voltam à cena, com a reivindicação cubana de que
cesse a ocupação norte-americana na área de Guantánamo, onde continua a ser
mantida pelos norte-americanos uma prisão, que seguidores de Barack Obama
prometeram na última campanha eleitoral seria fechada. Na Ásia, já há quem se
rebele contra a manutenção da Ilha de Guam, no Pacífico – que já foi colônia
espanhola e ocupada pelo Japão durante a última guerra mundial – como colônia
dos EUA. A Bolívia não desiste de sua reivindicação ao Chile, de uma saída para
o mar. E há até quem fale ali de retomar o conflito com o Brasil por causa do
território convertido em nosso Estado do Acre em 1962, depois de ser negociado
até por pagamento em dinheiro, no início do século 20.
Mesmo na Europa ainda persistem
reivindicações como a de dar independência a Gibraltar. Levantam-se questões
sobre o domínio britânico em várias partes da América Central; ou holandês; ou
francês. Há até quem recoloque sobre a mesa o imenso território da Groenlândia,
ainda sob a tutela da minúscula Dinamarca. Pode ser até que alguém recoloque os
acordos do Tratado de Tordesilhas, implantado para dividir a América entre
espanhóis e portugueses...
Tudo parece um pouco abstruso quando
o mundo olha, entre atemorizado e incrédulo, a evolução do problema entre as
duas Coreias, com ameaça de guerra nuclear (o Norte tem poder para isso), mas
sob a vigilância de países que também podem fazer guerra nuclear – como a China
e os Estados Unidos, além das outras potências que detêm armas dessa natureza
(Rússia, Grã-Bretanha, França, Índia, Paquistão e possivelmente Israel – que
não explicita seu poder). No Conselho de Segurança da ONU, as potências nucleares
com direito a veto indignam-se com qualquer projeto de outro país que pretenda
entrar no clube. Aparentemente, é o predomínio da razão sobre a força – mas
nenhum dos poderosos em termos nucleares renuncia à força que vetam para
outros.
E agora tudo se configura de maneira
muito mais ameaçadora, com a existência, em vários países, de “drones”, aviões
pilotados por computadores que podem irromper aqui ou ali de um momento para
outro e nem precisam de ordem de comandos terrestres para bombardear qualquer
lugar em que se configurem – confrontadas com os arquivos desses computadores –
evidências de ameaças consideradas insuportáveis.
Até onde iremos, espremidos entre
obsolescências como a permanência de colônias de países fora de seus
territórios e “modernidades” como os “drones”, “arquivos nas nuvens” mantidos
pelas potências, invasão de sistemas e arquivos eletrônicos, o fim de qualquer
privacidade?
Alguém argumentará com as conquistas
da ciência no campo da medicina, da agricultura, da produção industrial, do
transporte etc. etc., para justificar as modernidades tecnológicas. E lembrará
que não há poder capaz de dizer onde ficam os limites – o que também é verdade.
E espremidos nesse dilema seguiremos – saudosistas, alguns, deslumbrados
outros. Rumo a um futuro que não se sabe onde estará.
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MANIFESTAÇÃO » MST bloqueia ruas e estradas pelo país. Protestos fazem parte do Abril
Vermelho. CORREIO BSB 18.04
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No Distrito Federal, a marcha dos
sem-terra engarrafou o trânsito no centro no centro da cidade
Passeata dos trabalhadores sem terra
percorreu o Eixo Monumental, engarrafou o trânsito e fez com que muita gente
chegasse atrasada ao trabalho
O Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST) fez ontem uma série de protestos pelo país, que lembrou a época de
ferrenho ativismo dos tempos do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Em
memória aos 21 camponeses mortos no Pará, em 17 de abril de 1996, no episódio
que ficou conhecido como o Massacre de Eldorado dos Carajás, manifestantes
marcharam em várias capitais e no interior e promoveram invasões de prédios
públicos. Em Brasília, cerca de 500 sem-terra percorreram o Eixo Monumental e
se concentraram em frente ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério da
Justiça. A marcha atrapalhou bastante o trânsito pela manhã, causou longos
engarrafamentos e fez muita gente chegar atrasada ao trabalho.
No Paraná, pelo menos 19 rodovias
foram bloqueadas. Em Pernambuco, manifestantes interromperam o tráfego em 12
rodovias federais. No Rio Grande do Sul, um grupo foi até a sede da Secretaria
Estadual de Educação. Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul também
foram palco de protestos. Em Fortaleza, manifestantes ocuparam a sede do
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) para cobrar políticas
públicas mais efetivas de combate à estiagem. A série de manifestações faz
parte da Jornada de Lutas do MST no chamado Abril Vermelho, que inclui o Dia
Nacional da Luta pela Terra, celebrado nessa quarta-feira (ver memória). O
movimento pediu agilidade no processo de reforma agrária e justiça nos casos de
morte no campo.
Na capital federal, a manifestação
começou cedo, às 7h. Cerca de 500 pessoas saíram do acampamento — montado perto
do Memorial JK desde a semana passada — e caminharam por uma das vias mais
movimentadas da cidade, rumo ao Supremo Tribunal Federal (STF). A passeata, que
fechou três das seis faixas do Eixo Monumental, deu um nó no trânsito da região
central da cidade. Em frente ao Tribunal, os manifestantes pediram justiça e
prestaram homenagem aos mortos em conflitos agrários, com faixas com mensagens
como “Basta de morte no campo”. “Viemos exigir a condenação dos acusados de
matar os trabalhadores rurais, e a desapropriação de terras”, disse um dos
representantes da coordenação do MST, Diego Moreira.
Após passar mais de uma hora em
frente ao Supremo, os manifestantes seguiram a pé para Ministério da Justiça.
Lá, representantes do movimento reuniram-se com o secretário de Assuntos
Legislativos da pasta, Marivaldo Pereira. “Nós pautamos a questão da impunidade
dos acusados por mortes no campo e a necessidade que o ministério tem de interceder
nos órgão responsáveis para agilizar a investigação. Queremos que os mandantes,
não só do Massacre de Eldorado dos Carajás, mas também de outros crimes, sejam
julgados”, disse o secretário.
Outro assunto colocado em pauta em
pauta foi a grande quantidade de terras sub judice. “Pedimos que o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) interceda para resolver o problema”, completou
Pereira. Segundo os sem-terra, há 523 processos judiciais envolvendo a reforma
agrária no Brasil, dos quais 234 estão parados na Justiça Federal. O Ministério
da Justiça se comprometeu a encaminhar as solicitações aos órgãos competentes,
como o CNJ. A série de manifestações também teve o objetivo de pressionar a
presidente Dilma Rousseff no sentido de elaborar um plano emergencial para o
assentamento de 150 mil famílias ainda não atendidas pela reforma agrária em
todo o país. “Há 69.233 grandes propriedades improdutivas no País, que
controlam 228 milhões de hectares de terra que deveriam ser destinadas à
reforma agrária”, cobrou o MST, em nota. O movimento vai promover mais
passeatas, hoje, em várias cidades do país.
Memória
Confronto trágico
Há 17 anos, em 21 de abril de 1996,
um marcha organizada pelo MST com mais de mil trabalhadores rurais em Eldorado
de Carajás terminou em tragédia. Os manifestantes marchavam pela rodovia
PA-150, entre Parauapebas e Marabá, quando foram encurralados por dois
batalhões da Polícia Militar do Pará. Armados, os PMs atiraram contra os
sem-terra. No confronto, 21 pessoas morreram e cerca de 70 ficaram feridas. A
perícia constatou depois que 10 manifestantes foram mortos à queima roupa e
sete por objetos cortantes. A polícia foi enviada ao local da manifestação
porque eles estavam obstruindo o tráfego da rodovia, que liga a capital Belém
ao sul do estado. Dos 155 policiais que participaram da ação, dois foram
condenados: o comandante da PM Mário Pantoja e o policial José Maria de
Oliveira. No dia do massacre, o ministro da Agricultura, Andrade Vieira, pediu
demissão. Desde então, o MST promove atos de protesto para lembrar o massacre e
cobrar ações em favor dos sem-terra, no chamado Abril Vermelho.
Sem-teto fecham
Viaduto do Chá
Cerca de 1,4 mil manifestantes do
Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) fecharam o Viaduto do Chá, no
centro de São Paulo. No começo da tarde, o prefeito Fernando Haddad subiu em um
carro de som e conversou com os manifestantes. Haddad reafirmou a meta de
construir 55 mil casas populares. Após o encontro, representantes da prefeitura
e do MTST participaram de uma reunião com o secretário de Relações
Governamentais, João Antônio da Silva Filho. Ficou acertada a criação de um
grupo de trabalho para discutir o modelo de parcerias público-privadas,
apresentado pela prefeitura, para viabilizar a construção de 20 mil moradias.
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Regra do Estatuto do Idoso voltará a
ser analisada
Valor Econômico - 18/04/2013
O Supremo Tribunal Federal (STF)
também voltará a analisar na sessão de hoje uma outra regra para a concessão do
benefício de assistência social. O parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei nº 10.741, de 2003) determina que não será computado para o cálculo
da renda familiar per capita - objeto da discussão inicial dos ministros -
apenas o benefício de assistência social concedido a qualquer outro membro da família.
Para o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, a norma viola o princípio da
isonomia. "É preciso reformar o sistema. A não ser por uma pane
legislativa, não há explicação para esta norma", disse.
Mendes deu o exemplo de um casal de
idosos em que o marido possui aposentadoria. Neste caso, o valor será
considerado para determinar a concessão do benefício de assistência social à
esposa. "No exemplo, ela não conseguiria atingir o critério e teria o
pedido de ajuda negado pelo INSS [Instituto Nacional do Seguro Social]. Mas se
muda o nome do benefício, teria direito a receber", disse o ministro.
Nesse caso, cinco ministros
decidiram que a norma é inconstitucional. Além de Gilmar Mendes, os ministros
Celso de Mello, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia votaram nesse sentido e
defenderam manter também esta regra em vigor até dezembro de 2015 para que o
Congresso altere o dispositivo. Outros quatro entenderam que a norma não viola
qualquer princípio constitucional. Seguiram esse entendimento os ministros Marco
Aurélio, Dias Toffoli, Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski.
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O crescimento inclusivo
Para colaborar com os governos na
tarefa de reduzir o desemprego nas economias avançadas, as empresas podem
treinar os trabalhadores, criar redes de suprimento e apoiar as pequenas e
médias, que são grandes empregadoras. VALOR ECONÔMICO 18.04
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Em 2012, o Centro de Pesquisa Pew
detectou que 85% dos adultos que se autodefinem como de classe média nos
Estados Unidos acham que agora ficou mais difícil para pessoas como eles manter
seu padrão de vida do que uma década atrás. A parcela dos americanos que dizem pertencer
à classe média-baixa ou à classe baixa subiu de 25% da população adulta em 2008
para cerca de 33% atualmente. E a pesquisa do Pew apurou que apenas 63% dos
pesquisados acham que o trabalho árduo leva ao sucesso, percentual menor que o
de 74% computado em 1999.
Esses dados estatísticos, que
representam o sentimento da população da maior economia do mundo, deveriam
levantar preocupações significativas para os governos e dirigentes empresariais
de outros países, especialmente dos que enfrentam o desafio da estagnação do
crescimento e de níveis de desemprego crescentes entre os jovens. Na verdade, o
Fundo Monetário Internacional (FMI) acaba de revisar para baixo suas
perspectivas de curto prazo de crescimento da zona do euro, para -0,3% em 2013.
Por outro lado, dados oficiais da Espanha indicam que a taxa de desemprego
subiu para 26% (totalizando quase 6 milhões de pessoas) nos três últimos meses
de 2012, o número mais elevado desde meados da década de 1970, enquanto o
índice de desemprego entre os jovens alcançou 55%.
A necessidade de crescimento -
especificamente do tipo de crescimento inclusivo capaz de oferecer empregos
para o grande número de jovens desocupados e de combater os crescentes níveis
de má distribuição da renda - nunca foi mais decisiva. No entanto, as atuais
discussões sobre como obter um crescimento sustentável e inclusivo estão
focadas, de maneira excessivamente estreita, no papel dos governos e dos
formuladores de políticas públicas. O papel do setor privado - com seu alcance
multinacional, seus grandes volumes de dinheiro e sua capacidade de inovar -
tem sido negligenciado.
Há três áreas principais para as
quais a iniciativa privada deveria voltar a atenção para que o capitalismo
opere de uma forma mais inclusiva e atenda às necessidades mais prementes da
sociedade. Em primeiro lugar, as empresas deveriam se empenhar em superar o
descompasso entre qualificações e postos de trabalho disponíveis por meio do
investimento em cursos e estágios profissionalizantes vocacionais. Empresas como
a Rolls-Royce e a British Gas operam programas magníficos de ensino
profissionalizante que agregam valor às suas empresas ao criar uma oferta
ininterrupta de principiantes talentosos. Foram lançadas outras iniciativas
para ampliar esses esforços por meio do engajamento de várias empresas, a fim
de criar postos de trabalho de menor qualificação para o contingente
significativo de jovens atualmente sem emprego.
Em segundo lugar, assim como é
necessário esforço coletivo para fortalecer a capacitação das populações em
idade ativa, é necessário também um comprometimento da iniciativa privada em
respaldar empresas de pequeno e médio porte como parte do ambiente empresarial
como um todo. Em seu ano fiscal de 2011, a Hewlett-Packard (HP) utilizou mais
de 600 empresas de pequeno e médio porte em sua cadeia de abastecimento no
Reino Unido, o que representou quase 10% de seus gastos com fornecedores. A HP
pretende aumentar essa parcela para mais de 15% até o fim de 2013 com o
acréscimo de mais 150 empresas de pequeno e médio porte, alimentando assim o
que encara, corretamente, como o motor do crescimento econômico britânico.
No mesmo sentido, em março de 2012
um consórcio de grandes conglomerados capitaneado pela IBM criou a Supplier
Connection, operante por internet, para facilitar para as empresas de pequeno
porte a tarefa de se tornarem fornecedoras de grandes companhias. Atualmente os
membros da Supplier Connection compram por ano cerca de US$ 150 bilhões em
produtos e serviços por meio de suas cadeias de abastecimento mundiais.
Finalmente, grandes empresas com
ações negociadas em bolsa precisam ser geridas para o longo prazo, e deveriam
ser recompensadas pelos investidores por serem mais inclusivas. Por exemplo, a
Unilever rejeitou as pressões de curto prazo dos mercados de capitais ao abolir
os informes de resultados trimestrais e ao ampliar seu foco para fazer avançar
interesses sociais maiores, em vez de apenas os interesses de seus acionistas.
Mas empresas esclarecidas exigem
investidores esclarecidos. O Plano de Pensão dos Professores de Ontário,
Canadá, é exemplar em seu engajamento no apoio às melhores práticas de
governança nas empresas em que investe, e colheu grandes benefícios desse
enfoque: o Plano computou um retorno médio anual de 10% desde sua estreia, em
1990.
A ideia subjacente a todas essas
iniciativas, e a própria noção de capitalismo inclusivo, é a de que as empresas
precisam ser geridas para o longo prazo. Companhias que seguem esse enfoque
estão preocupadas com as qualificações de seu futuro quadro de funcionários;
procuram montar bases de fornecedores fiéis e produtivas; e tomam decisões de
investimento baseadas na criação sustentável de valor, e não na lucratividade
de curto prazo.
Não há contradição entre gerar altos
retornos e adotar uma abordagem de longo prazo. Além disso, na medida em que as
empresas começam a adotar essas práticas, seu efeito multiplicador positivo se
generaliza. Com mais apoio, as empresas de pequeno e médio porte, que
atualmente respondem por 99% do total e por dois terços dos empregos no setor
privado na União Europeia, conseguirão investir em pesquisa e desenvolvimento e
contratar mais funcionários.
Por sua vez, as grandes empresas
contarão com as vantagens da inovação mais rápida, as taxas de desemprego entre
os jovens vão cair e o esvaziamento da classe média - e de sua fé nos padrões
de vida futuros - será revertido. É esse tipo de influência profundamente
positiva sobre as perspectivas de prosperidade compartilhada e de crescimento
inclusivo que atualmente foge à compreensão dos governos nacionais. (Tradução
de Rachel Warszawski)
Lynn Forester de Rothschild é
principal executiva da E.L. Rothschild e copresidente do Projeto Henry Jackson
pelo Capitalismo Inclusivo.
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Novos cursos formam gestores culturais
Paulo Vicelli, diretor de relações
institucionais da Pinacoteca do Estado de São Paulo, investe periodicamente em
cursos de especialização para se atualizar.
VALOR ECONÔMICO 18.04
.
Nos próximos anos, o parque cultural
brasileiro será incrementado com inaugurações e ampliações de institutos e
museus. Se, por um lado, o crescimento deixa otimistas os profissionais ligados
a essa área, de outro preocupa em relação à maior necessidade de
administradores qualificados para controlar tantos equipamentos.
A apreensão se justifica pela
limitação da oferta de gestores culturais bem preparados no mercado nacional de
trabalho, de acordo com dirigentes das organizações. A escassez de talentos
aptos a lidar com a série de exigências inerentes à função se deve
principalmente à quantidade ainda reduzida de cursos de formação.
"As universidades passaram a se
preocupar com isso recentemente. Assim, somente agora começam a surgir mais
pós-graduações em gestão cultural", afirma Eduardo Saron, superintendente
do Itaú Cultural. "A produção acadêmica sobre esse tema, contudo, ainda é
muito baixa."
O Centro Universitário Senac é um
dos que oferecem um curso de especialização no setor, desde 2011. Trata-se de
uma pós lato sensu em gestão cultural com 366 horas de aula e que está em sua
quarta turma. "Cerca de 50% dos alunos já são do mercado e buscam
informações para o refinamento de seu trabalho", diz Soledad Galhardo,
coordenadora do programa.
O próprio Itaú Cultural criou um
curso de especialização em gestão cultural a distância, em parceria com a
Cátedra Unesco Políticas Culturais e com a participação da Universidade de
Girona, da Espanha. Já foram diplomados 92 profissionais - boa parte deles não
atua no instituto.
No MBA Bens Culturais da FGV
Management-SP, da Fundação Getulio Vargas, que até hoje formou cerca de 180
gestores, os alunos costumam ser profissionais com mais de 25 anos que possuem
experiência prévia na área cultural. "Normalmente são graduados em
comunicação, direito, história, ciências sociais, administração, artes visuais,
artes cênicas, música, biblioteconomia e pedagogia" cita Ilana Goldstein,
coordenadora da pós.
O Sesc também planeja, ainda para
este semestre, uma grade de especialização em gestão cultural. Já quem busca um
bacharelado pode optar pelo de produção cultural na Universidade Federal
Fluminense (RJ) ou na UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Saron, do Itaú Cultural, ressalta
que houve no passado uma concentração de cursos que visavam fazer projetos para
a Lei Rouanet - que estimula o apoio da iniciativa privada ao setor cultural.
"É um equívoco. A lei é parte de um grande ecossistema e não pode ser
encarada como um fim em si mesmo. O gestor cultural tem de ter hoje uma visão
múltipla, mais até que os de outros segmentos. Precisa de uma preparação
específica", diz.
"O gestor cultural tem de ter
hoje uma visão múltipla, mais até que os de outros segmentos" afirma
Eduardo Saron, do Itaú Cultural
Os atributos requeridos aos
ocupantes do cargo passam, de fato, pelo entendimento das políticas públicas
relacionadas à cultura - mas não só. Na opinião de Saron, é preciso compreender
como se desenvolvem e se produzem conteúdos sob os padrões das novas mídias.
"Isso associado ao aspecto jurídico da propriedade intelectual",
afirma.
No rol de habilidades desse gestor
deve estar também uma "competência técnica profunda", segundo Danilo
Santos de Miranda, diretor regional do Sesc no Estado de São Paulo. Ele se
refere a "conhecimentos abrangentes da cultura ocidental e da oriental, de
filosofia, de história", além da aptidão para posicionar a realidade e a
formação do Brasil nesse universo.
A amplitude de requisitos fornece os
argumentos de quem defende uma bagagem de estudos mais focada para o
profissional e reclama da ausência de mais grades curriculares para municiá-la
no país. "Ainda falta mão de obra qualificada, pois essa não é uma
profissão regulamentada. As opções de formação são recentes", afirma
Ilana, da FGV.
Devido a essa lacuna, muitas vezes a
saída é improvisar. "Boa parte das instituições tende a colocar no cargo
funcionários que não estão devidamente preparados", ressalta Teixeira
Coelho, curador do Masp (Museu de Arte de São Paulo). Em alguns casos, os
próprios gestores buscam alternativas de qualificação até mesmo no exterior.
Paulo Zuben, diretor artístico-pedagógico do Santa Marcelina Cultura, diz
sentir muita dificuldade em se aperfeiçoar tecnicamente no Brasil.
Assim, desde 2008, quando assumiu o
posto na instituição, faz cursos de curta duração em universidades americanas
como as de Harvard, Michigan, do Texas e de Nova York. "São programas de
uma semana com tópicos de gestão de atividades culturais", explica. Deles,
participa um grupo de cem gestores do mundo todo, o qual passou a integrar
mediante a obtenção de uma bolsa. Esses encontros de aprofundamento na área
ocorrem duas vezes por ano.
Zuben afirma que há no mercado dois
tipos de profissional. Um é o que parte da especialidade para a generalidade -
como o cineasta que se torna diretor de um festival de cinema ou do músico que
assume a direção de uma escola de música. Esse padrão corresponde à maioria. O
segundo é o que faz o caminho contrário: o administrador de caráter mais
generalista que sai de outro setor para comandar um instituto de cultura. Em
sua opinião, tanto em uma como na outra trajetória, o segredo do trabalho
bem-sucedido é equilibrar as duas facetas.
Ao analisar seu próprio currículo, o
diretor do Santa Marcelina identifica certo hibridismo entre os modelos que
distingue. Graduado em administração de empresas pela FGV, ele fez mestrado em
semiótica e depois doutorado em artes na USP (Universidade de São Paulo).
A capacidade de liderança conta
muitos pontos na hora de recrutar um gestor cultural, diz Saron. O mesmo se
aplica a valores éticos muito bem constituídos. "Sob a ótica da governança
com transparência, esse profissional tem de ser capaz de articular estrategicamente
a organização e garantir a sustentabilidade das operações". O planejamento
financeiro, desse modo, é especialmente importante em um ramo que abarca muitas
entidades sem fins lucrativos. "É necessário saber de onde vêm os recursos
e agir sempre como se fossem escassos, administrando-os com atenção e
cuidado", diz Miranda, do Sesc.
Algumas organizações culturais no
país têm adotado formas de gestão que se inspiram nas de empresas que objetivam
lucros e uma performance bastante competitiva em relação à concorrência. É o
caso do MAM, que, com o intuito de sofisticar suas diretrizes gerenciais, caçou
no mercado, em 2007, um gestor habituado a se guiar por planejamentos bem
definidos. Bertrando Molinari, 65, que tinha dez anos de experiência em
marketing cultural no Bank Boston, foi o escolhido.
Na condição de
superintendente-executivo do MAM, que é legalmente uma Oscip (Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público), Molinari, formado em engenharia e
propaganda, enfatiza a disciplina orçamentária implementada no museu. "Ele
é administrado à luz de um plano de negócios anual, que tem de ser seguido
rigorosa e numericamente". O cumprimento de objetivos, afirma, é checado
todo mês. A política de remuneração também leva em conta o alcance de metas,
com o pagamento de bônus por desempenho. A formação dos funcionários é outra
prioridade. Atualmente, 42 deles são beneficiados com bolsas de estudo para
cursos diversos - de idiomas, de graduação ou de especialização.
Porém, como é de praxe em empresas
que atuam no campo da cultura, o intangível - ou de mensuração menos exata - é
computado na avaliação dos resultados. "Há as metas qualitativas, que
consistem em entregar bens culturais em forma de projetos", diz o
superintendente-executivo. É nesse contexto que se insere o estofo de
conhecimento sobre arte tão desejável ao perfil do profissional. Em sua
opinião, é mais simples gerenciar uma instituição que visa ao lucro, pois todos
andam na mesma direção. "Já em uma instituição cultural, há questões
conceituais muito importantes, referentes a como esses objetivos devem ser
atingidos. A discussão fica muito mais complexa e rica."
Tal complexidade, contudo, não
precisa ser destrinchada por um único estrategista, ressalva Teixeira Coelho,
curador do Masp. De acordo com ele, não dá para exigir que uma mesma pessoa
seja proficiente em tudo o que o amplo leque da gestão cultural exige. "Um
museu pode requerer um profissional para cuidar de sua parte administrativa e
outro para cuidar de sua parte técnica", afirma.
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