quarta-feira, 17 de abril de 2013
Entrevista / Roberto DaMatta
“Não somos treinados a discordar”. O POPULAR GO 17.04 Leia mais: www.banalidadescult.blogspot.com
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Em cursos acadêmicos
da área de ciências humanas, seus livros são praticamente leitura obrigatória.
Entre eles estão os famosos O que o Faz o brasil, Brasil? (1984) e Carnavais,
Malandros e Heróis (1978). É inevitável, portanto, a curiosidade sobre o que
pensa o antropólogo Roberto DaMatta. Ele é o conferencista de hoje do projeto
Café de Ideias, às 19h30, no Centro Cultural Oscar Niemeyer, com entrada
franca. Para onde caminhamos, dentro deste novo contexto nacional? Observador
arguto, DaMatta não tem receio de dizer que o País mudou sim, mas também
conserva muitas das características que construíram sua identidade ao longo de
cinco séculos. O principal desafio apontado por ele neste momento está na
consolidação democrática, para a qual o Brasil avança cada vez mais, mas tendo
de confrontar a resistência ainda dominante à igualdade de todos perante a lei.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone de Niterói (RJ), onde vive,
DaMatta fala sobre este e outros assuntos que deverão ser abordados na
conferência de hoje. Confira os principais trechos:
O que mudou no País desde o lançamento de seus livros mais
famosos, O que Faz o brasil, Brasil? e Carnavais, Malandros e Heróis?
O País mudou muito e também não mudou. Essa questão é muito
complexa. A gente só sabe que muda quando tem ideia do que permanece. Esses
livros escrevi quando tinha 40 anos e estou com 70, quase 80. Tem uma diferença
grande. Se você pegar o carnaval e olhar a tecnologia aplicada nele, ela o
transformou em um espetáculo, um divertimento que não é o carnaval sobre o qual
falo no livro (Carnavais, Malandros e Heróis). O ensaio mais representativo
desse livro, Você Sabe Com Quem Está Falando?, fala de problemas vigentes até
hoje: nossa resistência a cumprir regras e a lei que vale para todos.
Responderia à pergunta dizendo que as coisas mudam mas também retornam.
Há algo que mudou significativamente?
A gente ainda tem uma idealização muito grande do Estado. A
gente o vê muito como motor dinâmico para mudar a sociedade – enquanto na
verdade isso não me parece possível, porque só pode haver mudanças se a
sociedade for a indutora. Os governadores, senadores, deputados, prefeitos são
eventualmente nossos parentes. Então ainda somos obrigados a fazer a crítica do
que tentei apanhar na análise do “Sabe com quem está falando?”, essa
personalização diante de regras impessoais.
O “sabe com quem está falando?” continua atual.
Pois é. E o jeitinho e o nepotismo também. Escrevi sobre
ele em 1979, na época do regime militar. Hoje temos um governo de esquerda, que
continua com as mesmas práticas. Quais são as conclusões? Que aquela sociedade
continua muito forte. Ela se reproduz nos interstícios do conjunto de leis e
ideologias.
Há alguns anos, aparentemente, a expressão “jeitinho” tem
sido menos usada. É só impressão?
Essa é uma questão empírica. A única maneira de saber é
fazendo uma pesquisa para responder cabalmente. O “jeitinho” e o “sabe com quem
está falando?” são sintomas de uma coisa mais densa: a relação Estado e
sociedade no Brasil. Tivemos há pouco tempo uma lei no Congresso Nacional,
anunciada pelo nobre presidente do Senado (fala em tom irônico) – que tem três
processos contra ele – , que vai modificar, por emenda à Constituição, a vida
das empregadas domésticas. O que já está acontecendo são vários arranjos novos
feitos com as empregadas domésticas. Conheço pessoas que tinham carteira
assinada com suas empregadas e, antes de sair a lei, já fizeram despedida
simbólica, deram baixa e as empregaram como diaristas. Não sou contra a lei de
maneira nenhuma. Acho que é uma tentativa de lidar com um problema com o qual a
gente nunca bateu de frente, de implicações sociais e culturais da escravidão
que existem desde que o Brasil é o Brasil. Mas o “jeitinho” e o “sabe com quem
está falando?” são práticas que a sociedade encontra para lidar com leis que
foram feitas sem consulta à sociedade. Um outro exemplo recente é o
comportamento diante da Lei Seca, que veio colocar nas nossas cabeças que se
você tomar duas cervejas não vai dirigir do mesmo jeito. Fomos obrigados a
problematizar uma prática social com uma lei. Mas se um guarda para um
brasileiro de classe média, branco, para pedir documento do carro, ele se sente
ofendido. Isso continua vigente porque a gente ainda tem a ideia de que vai
resolver o problema do Brasil não é a sociedade brasileira, mas o Estado.
Nós nos submetemos cegamente ao Estado?
A gente se submete por não ter saída. Mas na Lei Seca tem
acontecido coisas muito brasileiras, no sentido de ser engenhosa, por exemplo,
a ideia de um cara dirigir para você o seu carro até o carro dele, que estará
depois da barreira da blitz. A gente deve idealizar menos o poder do Estado,
porque a sociedade também é poderosa. É muito importante que, quando a lei
estiver sendo pensada, também sejam feitas pesquisas e campanhas preparando a
sociedade.
Mas há interesse da parte de quem está no poder para que
essas sondagens aconteçam?
É onde o antropólogo e o sociólogo podem dar sua
contribuição. A discussão sociológica dentro da universidade mostra que é
possível uma mudança muito mais tranquila se você prepara a sociedade para a
lei que a própria sociedade demanda. Mas essa discussão em geral é complexa
porque implica posicionamento. Discutir é complicado no Brasil, porque não
somos treinados a discordar. A sociedade é muito hierarquizada. A gente é
treinado a concordar e aí discorda nas costas. Depois que termina a aula, todo
mundo sai falando mal do professor (risos). Isso tem a ver com as relações
fortemente hierarquizadas. Quando a gente tem de criar espaços para uma
sociedade igualitária, que é o caso do trânsito, bancos, agências públicas e
restaurantes, você começa a descobrir que há determinados tipos de
comportamento que é preciso banir. São aspectos fundamentais para construir uma
democracia liberal.
Nesse contexto, como o senhor avalia a ascensão ao poder e
o ganho de voz pública do conservadorismo, representado por gente como o
deputado Marco Feliciano?
Feliciano é um erro. A ascensão dele é resultado de um
governo de coalizão, que não quer perder parada nenhuma. O PT entrou nos
comitês mais importantes, Orçamento, Política Externa, etc., e o de Direitos
Humanos, um comitê que o próprio PT sempre ocupava, ficou entregue às baratas.
Aí caiu na mão do cara errado. É inacreditável que você coloque um
fundamentalista neste lugar. É como nomear um professor de antropologia racista
em uma universidade. Um fundamentalista bíblico tem o posicionamento ideológico
bastante claro: na cabeça dele o mundo está dividido entre Satanás e pessoas de
Deus. Como é que você faz isso em uma sociedade em que, sendo democrática, é
obrigada a dar direito à diferença e à discórdia? O ato da democracia é
concordar e discordar, que só pode ser feito pelo bom senso. Eu abro mão aqui
disso e você abre mão daquilo. O caso do Feliciano eu nem não diria que é
conservadorismo. Diria que é falta de propósito e de bom senso dos próprios
deputados.
O senhor faz uma análise contundente sobre o fato de ainda
mantermos um perfil fortemente aristocrático. Consegue avaliar para onde
caminhamos?
Acho que caminhamos para a democracia. Porque senão a
desigualdade não iria incomodar tanto. Ou melhor falando: a igualdade não iria
incomodar tanto. Aconteceu agora em São Paulo a morte desse estudante
(refere-se a Victor Hugo Deppman, assassinado com um tiro na cabeça durante um
assalto em frente ao prédio onde morava). Ninguém quer prender ninguém de 9
anos. Mas tem o que é razoável. O que é um menino de 17 anos hoje? O que é um
menor em um sociedade globalizada em que você tem difusão imensa de
informações, em que pessoas amadurecem muito mais rapidamente? O rapaz que
matou (refere-se ao jovem que cometeu o crime, dias antes de completar 18 anos)
já tem passagem criminal. O governador de São Paulo diz que neste tipo de caso
em que você tem reincidência a lei deveria ter uma exceção para contemplar
esses casos. Acho razoável. Tem gente que não acha. Então vamos discutir.
Em relação à ojeriza do brasileiro à igualdade perante
leis, o senhor estudou recentemente a frustração no trânsito nas grandes
cidades. Em quais outros aspectos da vida pública temos mais exemplos?
Estudei o trânsito, mas se tivesse estudado o sistema
político poderia ter citado o mensalão. A indignação dos condenados é caso
claro. Na entrevista do José Dirceu para a Folha de S. Paulo, ele acusa o juiz
(refere-se ao ministro do STF Luiz Fux) de o ter assediado para ser nomeado
juiz e, mesmo que ele o tenha sido atendido, (Fux) se voltou contra ele. Ficou
claro que havia uma combinação implícita, que ninguém sabia, mas que Dirceu
tornou explícita. Algumas pessoas são nomeadas para cargos para os quais não
têm a menor competência. A construção da esfera pública no Brasil não obedece
critérios de uma sociedade relativamente democrática. É preciso ter o limite do
razoável.
Há alguns dias houve um saque coletivo a um caminhão
tombado que transportava micro-ondas em Goiás, o que acabou rendendo a prisão
de muita gente. Como avalia essa postura do brasileiro de criticar a corrupção
nas altas esferas do poder, mas quando tem oportunidade de cometer um ato
ilegal o faz? As pessoas têm consciência disso?
Se não tem é difícil, viu? Mas acho possível não terem.
Quanto mais a gente discutir os casos, as implicações, melhor será. Na
sociedade em que a mídia é forte e democrática, sem o mínimo de censura, há
essa oportunidade. Não se pode fazer isso, por exemplo, na China, em Cuba ou na
Coreia do Norte. Muita gente pode fazer isso que você menciona, mas não pensar.
Quando fui morar nos Estados Unidos, em 1973, eu não sabia que era tão
machista. Meus amigos americanos é que começaram a me mostrar. Quando você faz
circular informações e discussões tem gente que vai modificar o comportamento e
tem gente que obviamente vai reforçar. Por isso que o liberalismo é um regime
político curioso, porque está sempre correndo atrás de si próprio, na medida em
que não se realiza de maneira absoluta e sempre tem uma coisa para corrigir.
Gosto da ideia de poder corrigir o que está errado e saber que nunca você vai
viver em uma sociedade perfeita. A gente sempre vai ter alguém para convencer,
instruir e discutir.
Há quem defenda que um de nossos problemas é não nos
valorizarmos como uma naçã. Como o senhor vê esse “complexo de vira-lata” que
Nelson Rodrigues citou há 60 anos?
A gente tem 20 anos com moeda estável e não saímos da
hiperinflação com ditadura, como foi o caso da Alemanha. Saímos
democraticamente. A continuidade de uma modernidade possível, dentro das
circunstâncias históricas e sociais, nos dá hoje uma consciência de nação muito
mais positiva. E o complexo de vira-lata vai terminando. Outra coisa é que
ninguém mais idealiza tanto Estados Unidos e Europa, porque boa parte já andou
por esses lugares e sabe que lá também há problemas. Hoje está muito mais
complicado usar o argumento de que no Brasil “nada presta”, como foi o caso de
minha geração. A sua geração (referindo-se ao repórter) sabe que temos coisas
interessantes a oferecer para o mundo.
“Discutir é complicado no Brasil. A sociedade é muito
hierarquizada. A gente é treinado a concordar e aí discorda nas costas. Depois
que termina a aula, todo mundo sai falando mal do professor”
“Acho que caminhamos para a democracia. Porque senão a
desigualdade não iria incomodar tanto. Ou melhor falando: a igualdade não iria
incomodar tanto”
Evento: Café de Ideias, com a palestra Palpites sobre o
Brasil, com o antropólogo Roberto DaMatta
Data: Hoje, às 19h30
Local: Centro Cultural Oscar Niemeyer (início da rodovia
GO-20, saída para Bela Vista)
Informações: 3201-4905 ou 3201-4901
Entrada franca
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