quarta-feira, 3 de abril de 2013
Entrevista Ruben George Oliven
“Ninguém nasce globalizado” O
POPULAR/GO 03.04.13-
“A nação é algo muito grande e as peculiaridades de
nossa região são algo muito mais palpável e é nela que a gente cria a
identidade de primeira ordem. Por isso digo que o nacional em um país do
tamanho do Brasil passa primeiro pelo regional.” A afirmação é do professor
Ruben George Oliven, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), que
ministra amanhã, às 9 horas, no Auditório Lauro Vasconcelos, da Faculdade de
História da UFG, no Câmpus 2, a palestra Identidade e Região. O evento é uma
promoção conjunta do POPULAR e da Faculdade de História da UFG como parte das
comemorações dos 75 anos do jornal, a serem completados amanhã, e abertura do
ano letivo.Ao final da conferência, a editora-chefe do POPULAR, Cileide Alves, vai
mostrar a pesquisa qualitativa Por Que a Gente é Assim, que será publicada em
caderno especial também nesta quarta-feira. O levantamento, feito pelo
Observatório Pesquisa de Comportamento, teve como objetivo investigar como o
goiano se percebe. Professor titular de Antropologia da UFRS, Ruben George
Oliven é doutor pela Universidade de Londres e lecionou em várias universidades
estrangeiras, entre elas a própria Universidade de Londres, além das
universidades de Paris, de Leiden (Holanda) e da Califórnia. Ex-presidente da
Associação Brasileira de Antropologia e da Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Ciências Sociais, Oliven também foi membro do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e atualmente é membro titular
da Academia Brasileira de Ciências.Com a propriedade de quem estuda identidades
regionais há décadas, em conversa por telefone com a reportagem do POPULAR, de
Porto Alegre, o professor antecipou alguns dos temas que deve abordar amanhã em
sua conferência. Ele traçou um panorama do desenvolvimento e da solidificação
do conceito de nação no Brasil e de como as identidades regionais foram – e
continuam sendo – fundamentais nesse processo. Além disso, como observador
externo, o professor ainda deu suas impressões sobre a identidade goiana. A
seguir, os principais trechos da conversa.
Rodrigo Alves
02 de abril de 2013 (terça-feira)
Divulgação
“A identidade tem basicamente a ver com o que nos
torna singulares, diferentes de outros grupos. Pode ser desde um pequeno grupo
de amigos, uma cidade, uma região, um país. O que temos de especial que nos
torna diferentes?”
Sua conferência precede a revelação de dados da
pesquisa encomendada pelo POPULAR, Por Que a Gente é Assim, que visa apontar
aspectos da identidade goiana. Como se desenvolve a autoimagem de uma
comunidade?
Identidade é um termo que a rigor não surge
inicialmente nas ciências sociais, mas na psicologia, como algo individual.
Como é que eu, indivíduo, me vejo e sou visto e como que isso evolui ao longo
do tempo? Mais adiante, isso foi adotado também pelas ciências sociais e hoje é
questão central para a antropologia, a sociologia, entre outras ciências. A
identidade tem basicamente a ver com o que nos torna singulares, diferentes de
outros grupos. Pode ser desde um pequeno grupo de amigos, uma cidade, uma
região, um país. O que temos de especial que nos torna diferentes?
A maneira como nos “enxergamos” como comunidade,
regional ou nacional, vem mais de uma visão interna ou externa do grupo?
Funciona nos dois sentidos: um em como meu grupo se
vê e outro em como outros grupos veem o meu. É um processo de se ver e de ser
visto. Ele funciona basicamente baseado em diferenças, contrastes e oposições,
algo que torna meu grupo único e diferente. Isso não significa que meu grupo
não possa compartilhar coisas de outros. Não é que os goianos não se considerem
brasileiros, por exemplo, como nos demais Estados. É que se consideram
brasileiros sui generis, isto é, brasileiros goianos. Isso os torna diferentes
dos brasileiros gaúchos, que por sua vez se consideram brasileiros diferentes
dos acreanos. Uma das maneiras que os grupos têm de se organizar é se
classificar. Há limites sobre a forma de comportamentos e espera-se que eu me
comporte de determinada maneira e mantenha certa lealdade. Os outros também
acabam nos diferenciando pelas maneiras distintas de comportamento. Isso pode
ser tanto negativo, como “eles comem nocivamente carne de porco e nós não”,
como positivamente, com admiração. O Brasil, por exemplo, por muito tempo
admirava a França porque ela seria mais civilizada. Há uma comparação de
diferenças, que tanto podem ser reais como construídas. Aliás, é preciso ser
cauteloso ao falar de realidade, porque todas as diferenças na verdade são
construídas socialmente.
O senhor defende que, mesmo em um momento de
integração política, econômica e cultural no País, como hoje, por conta de
nossas diferenças regionais, o nacional passa primeiro pelo regional. Por quê?
Você pode pertencer a um grupo no qual é possível
identificar integralmente todos os membros. Um grupo da sua rua, por exemplo,
que tem dez membros. A gente sabe quem é o João, o José, o Paulo, o Miguel,
etc. Se eu for pensar no meu bairro, dependendo do tamanho, posso conhecer a
maioria pelo nome. Na cidade, também posso conhecer muita gente. Mas, quando
estou pensando em um país, uma nação, nunca vou conseguir enxergar todos os
componentes. É impossível conhecer os 200 milhões de brasileiros. Então essa,
no meu âmbito individual, é uma comunidade de segunda ordem. As comunidades de
primeira ordem são as de pessoas conhecidas. A nação é o que o autor Benedict
Anderson chama de comunidade imaginada: pertenço ao Brasil, mas tenho de
imaginar essa comunidade. Posso nunca ter pisado no Acre, mas é importante que eu
saiba que faz parte do Brasil, mesmo tendo sido no passado da Bolívia.
Esse é um processo natural, como na nossa
comunidade de primeira ordem?
Não. Vamos dar um exemplo: a Itália foi unificada
em 1870 - um dos últimos países da Europa a passar pelo processo. Não havia
Itália, havia diferentes comunidades espacialmente distribuídas, do norte à
Sicília. Em um determinado momento, por questões políticas, essas regiões foram
unificadas e as pessoas passaram a ter o dever de aprender, inclusive na
escola, a serem italianos. E isso não era tão fácil assim. Há uma frase muito
emblemática que se disse no processo italiano: “Acabamos de criar a Itália,
agora temos de criar os italianos.” A maioria dos países passou por esse
processo.
Quais foram, então, os momentos históricos
emblemáticos em relação à formação da identidade nacional no Brasil?
Durante o Império, todo o Brasil era muito pouco
integrado ao Rio de Janeiro, onde estava a corte. Não havia transporte
eficiente, como o trem, não havia nem o telégrafo para a comunicação. Então,
tudo que acontecia no Rio demorava muito para se alastrar para o resto do
território. As pessoas não se comunicavam, as províncias, que ainda não eram
Estados, pouco sabiam o que se passava no resto do País. Sabiam somente que deviam
obediência à corte pelo pagamento de impostos. Houve várias tentativas
regionais separatistas, como foi o caso da Revolução Farroupilha (1835-1845).
No início da República (transição entre os séculos 19 e 20), essa integração
física melhorou, mas mesmo assim ainda era muito incipiente. Muitos partidos
políticos tinham uma clara atuação regional. Aqui no Rio Grande do Sul, por
exemplo, existia o Partido Republicano Rio-Grandense. A partir da Revolução de
1930, há um processo de intensificação do sentimento nacionalista. Quando
Getúlio (Vargas) chegou ao poder, ele se deu conta que tinha de fazer várias
coisas para manter a coesão do País, entre elas criar o sentimento de
nacionalidade brasileira. Havia um medo de que o Brasil se desfacelasse como
outros países latino-americanos. Getúlio toma atitudes como proibir hinos e
bandeiras estaduais, torna obrigatório ensinar e falar português nas escolas e
em atividades comunitárias e religiosas. Foi nesta ocasião, por exemplo, que
muitas das colônias de estrangeiros que vieram ao Brasil, como alemães,
italianos, foram obrigadas também a usar o português em suas cerimônias
comunitárias. Esse foi o primeiro momento.
O senhor defende que isto está ocorrendo de novo
agora, não?
Sim. Isso está voltando a acontecer com o novo
contexto econômico do País. Mas é muito dinâmico. Nos Estados Unidos, por
exemplo, os estrangeiros que chegavam eram levados a adotar práticas
americanas, como comer peru no Dia de Ação de Graças. Hoje já há mais uma
valorização no sentido de dizer “sou americano, mas faço questão de manter
minhas características regionais: sou ítalo-americano, sou hispano-americano”.
A nação é algo muito grande e as peculiaridades da nossa região são algo muito
mais palpável e é nela que a gente cria a identidade de primeira ordem. Por
isso que digo que o nacional em um país do tamanho do Brasil passa primeiro
pelo regional.
Em um de seus estudos, o senhor aponta que as
elites no Brasil, em vários momentos, desvalorizam nossa cultura em detrimento
de uma cultura externa dominante. Em outros, passamos, como no movimento da
Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, a valorizar mais nossos símbolos
nacionais. Em que pé estamos neste momento?
O Brasil sempre teve uma oscilação em relação a
isso. Em muitos momentos, houve a ideia de que aqui era um horror, um buraco
nos trópicos, longe de Portugal, e que bom mesmo era a Europa. Quando muito,
valeria por algumas das expressões culturais da elite. Dentro dessa visão, as
coisas do povo não valeriam nada. Outra leitura, depois, veio para dizer o
contrário: elite é um grupo só e ela está sempre pensando fora do País. Autores
românticos, por exemplo, queriam escrever somente como os similares europeus
escreviam. Por essa nova leitura, o que valeria mesmo era a cultura popular.
Antes de 1930, pensadores como Nina Rodrigues e Euclides da Cunha achavam que
seria muito difícil haver uma civilização no Brasil, porque a gente era muito
“misturado racialmente”. De acordo com o pensamento da época, existiriam “raças
superiores e inferiores” e a mistura de raças era inútil. A única solução vista
era embranquecer o Brasil, trazendo mais europeus, de preferência da Europa do
Norte.
Como isso muda depois de 1930?
Surge a ideia de que, quando se constrói uma nação,
é preciso firmar um novo povo. Povo, neste conceito, é formado sempre por
pessoas mais simples e composto de tradições. Gilberto Freyre, quando discute a
questão de raça, diz basicamente que tudo que estava sendo dito estava errado,
porque não haveria problema na mistura racial, que até seria ótima para a
criação de um tipo brasileiro. Esse tipo estaria criando uma cultura nova,
criativa e adaptada aos trópicos. Freyre tem um texto muito interessante sobre
região que faz apologia do folclore, das coisas simples e que defende que o que
vale mesmo é a cultura popular, algo que o Brasil teria de mais adiantado. Essa
oscilação (de valorização da cultura brasileira) existe o tempo inteiro também
no meio acadêmico e ainda em termos de senso comum. Atualmente o Brasil está
vivendo uma fase de certa euforia, com a estabilidade do Real e certa
distribuição de renda. Não passamos pela mesma crise econômica pela qual a
Europa e os Estados Unidos passaram, vamos hospedar Copa e Jogos Olímpicos.
Subitamente as pessoas começam a ficar mais confiantes no Brasil e mais
orgulhosos. À medida que o Brasil está se transformando em uma potência local,
a visão positiva passa a ser mais forte.
Quer dizer: o desempenho econômico trabalha para
quebrar ideias como a brincadeira de Nelson Rodrigues sobre nosso “complexo de
vira-lata” no século passado.
Muito bem lembrado. Nelson Rodrigues, quando criou
essa expressão genial, estava falando de um Brasil da década de 1950. Tínhamos
acabado de perder a Copa do Mundo (1950, no Brasil) e não tínhamos mais nada. O
Brasil era somente um país exportador de café. Se a gente tivesse ganhado a
Copa, pelo menos provaríamos que éramos bom em algo. Isso mudou porque o Brasil
é a sexta economia mundial, o que não é pouca coisa, e está se transformando em
um ator internacional. Pode, por exemplo, ainda não ter conseguido entrar no
Conselho de Segurança (da ONU), mas atuou no Haiti (após o terremoto que
devastou o país) e em outros lugares. Para pegar a metáfora do Nelson
Rodrigues, ele ainda não é um poodle de raça, mas não é mais um cachorrinho que
vira latas na rua. Isso ajuda muito a melhorar a autoimagem.
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