segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013


Leminski, um punk parnasiano, entre outras coisas
Reedição de seis livros do poeta resgata a elegância dos versos loucos e sóbrios de um renovador da poesia . CORREIO BSB 25.02

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Samurai malandro, caipira cabotino, Rimbaud curitibano, caboclo polaco-paranaense, concreto beatnik, Paulo Leminski inspirava tantos apelidos que até ele mesmo chegou a se autointitular com alcunhas tão engraçadas quanto contraditórias. Dependendo do interlocutor, ele se dizia um dadaísta clássico ou um punk parnasiano. Provinciano, isso Leminski tinha certeza de que era. Mas o melhor mesmo era sua capacidade de “samurai preciso”, definição da crítica Leyla Perrone-Moisés para a habilidade de ser elegante, sóbrio, limpo, sem graçolas, apesar dos jogos de palavras, e adepto do silêncio, da distância segura da verborragia desatada. Seja nos haicais, ou haikais, seja nos poemas mais longos. Para isso a publicação Toda poesia, publicado pela Companhia das Letras, é bastante útil.

O volume reúne os seis livros publicados entre 1976 e 1994, e uma compilação de poemas quase-inéditos, que ficaram de fora de edições oficiais depois de serem publicados em pequenos livrinhos independentes e de baixa tiragem. Entre as obras selecionadas pela editora, muita coisa fora de catálogo volta agora a circular, caso do raríssimo Quarenta clics em Curitiba, a estreia do poeta. Colocados lado a lado, os livros aparecem em uma sequência que permitirá ao leitor descobrir o “polilingue paroquiano cósmico” que Haroldo de Campos identificou no prefácio de Caprichos & relaxos.

O texto de Haroldo lembra como o poeta trouxe fôlego à poesia brasileira. “(…) Leminski vem chovendo no endomingado piquenique sobre a erva em que se converteu a neoacadêmica poesia brasileira de hoje, dividida entre institucionalizadas marginalidades plácidas e escoteiros orfeônicos, de medalhinha e braçadeira”, escreve o concretista. Como todo artista, lembra Leyla Perrone-Moisés, Leminski era um formalista, porém jamais se aproximaria de um poeta de gabinete. Na raiz da poesia do curitibano, aponta a crítica, estão o amor, a amizade, a inquietação e a raiva. “(…) Mas esses sentimentos libertam-se do anedotário pessoal para encontrar a forma justa, que encanta e ensina (…)”, escreve Leyla no posfácio de Toda poesia.

Latim

Leminski nasceu em Curitiba em agosto de 1944. Filho de um polonês e de uma negra, escreveu o primeiro poema ainda na infância. No prefácio do livro, a ex-mulher e poetisa Alice Ruiz lembra que o primeiro poema foi escrito em latim, nos tempos em que o poeta estudava em um internato católico.
A musicalidade era traço facilmente reconhecido nas poesias de Leminski. Caetano Veloso e Arnaldo Antunes sabiam disso. Para a contracapa de Caprichos&relaxos, o primeiro escreveu que Verdura “é um sonho”, “é genial”, “um haikai da formação cultural brasileira”. O cantor gravou a música em 1981, no disco Outras palavras. Arnaldo Antunes também fez parceria com o poeta e gravou Luzes em Paradeiro. Outros artistas como Ney Matogrosso, Moraes Moreira, Jair Oliveira, José Miguel, Ná Ozetti, Itamar Assunção e Zizi Possi gravaram músicas com letra do poeta. Abaixo, o Diversão & Arte fez uma seleção de poemas de Toda poesia, assim como um pequeno histórico dos livros aos quais pertencem.
Quarenta clics em curitiba — 1976

Foi o fotógrafo Jack Pires quem propôs ao poeta fazer um livro de fotos e versos. Alice Ruiz conta que os dois espalharam fotos pelo chão e procuraram poemas que conversassem com as imagens.

será preciso
explicar o sorriso
da Mona Lisa
para que você
acredite em mim
quando digo
que o tempo passa?


Caprichos e relaxos — 1983
Aqui entraram quase todos os versos do poeta escritos até 1983, incluindo os livros Polonaises e Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase, de 1980. Na epígrafe, o autor avisa que os poemas devem ser lidos em silêncio, em voz alta ou cantando.

um dia desses quero ser
um grande poeta inglês
do século passado
dizer
ó céu ó clã ó destino
lutar na índia em 1866
e sumir num naufrágio clandestino



Distraídos venceremos — 1987
Leminski dedica o livro a Antônio Cícero, Arnaldo Antunes e Itamar Assumpção. E, claro, a Alice Ruiz. É a última obra publicada em vida.

arte do chá

ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo

ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo

La vie en close — 1991
O livro é póstumo, mas a seleção foi feita pelo poeta antes de morrer. Alguns poemas apareceram em livros mais antigos e os primeiros versos, Leminski fez em francês.


Quem sai aos seus

vozes a mais
vozes a menos
a máquina em nós
que gera provérbios é a mesma que faz poemas,
somas com vida própria
que podem mais que podemos



O ex-estranho — 1996
Os primeiros poemas deste livro eram inéditos e foram deixados dentro de um envelope com sugestão de título do próprio autor e a segunda parte traz versos que Leminski e Alice fizeram um para o outro.

S.O.S

não houve sim que eu dissesse
que não fosse o começo
de um esse o esse


Winterverno — 2001
Quando a editora Iluminuras publicou pela primeira vez esses versos, trouxe-os ilustrados por desenhos de João Suplicy, mas a Companhia das Letras optou por publicar apenas os poemas.

a hora do tigre

um tigre
quando se entigra
não é flor
que se cheire
não é tigre
que se queira

ser tigre
dura a vida
inteira

Poemas esparsos
Aqui entram os poemas que apareceram em algumas edições independentes e de tiragens muito baixas que acabaram de edições posteriores.


vão é tudo
que não for prazer
repartido prazer
entre parceiros

vãs
todas as coisas que vão

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