quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013


Quando um negócio malsucedido é credencial para um novo projeto
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Brunno Galvão, do site Remarcados, seu quarto negócio: importância de detectar problemas e alterar rota
Procura-se uma pessoa jovem, com ideias inovadoras, capacidade administrativa, fácil de se relacionar e... que já tenha "quebrado" uma empresa. Pode causar surpresa, mas muitos fundos de participações, especialmente aqueles voltados a negócios de tecnologia e internet, passaram a investir em empreendedores que estão em seu segundo ou terceiro negócio, depois de terem criado empresas que, por alguma razão, acabaram malsucedidas. VALOR ECONÔMICO 20.02

É uma mudança radical de visão. "Antes, pensava-se que o fato de [um empresário] ter dado errado uma vez significava que ia dar errado de novo, mas isso começa a mudar", afirma Marcelo Amorim, sócio da Jacard Investimentos, de Florianópolis. Para os administradores do fundo, ter fechado uma empresa não é, necessariamente, motivo para não receber novos aportes. A Jacard tem um caso desse tipo em seu portfólio - a Zuggi, um site de busca para crianças.

Essa mudança ganha força à medida que se dissemina uma percepção muito comum em centros de inovação globais, como o Vale do Silício, na Califórnia, e Israel. A ideia é que pessoas que não se deixam abater por um revés em seus primeiros projetos, a ponto de começar tudo de novo, têm a propensão de criar negócios em série - um ponto importante para quem quer patrocinar companhias nascentes.

Muitos fundos internacionais passaram a fazer aportes no Brasil recentemente, o que explica essa mudança de humor no mercado, segundo gestores de fundos e candidatos a investimentos. A tendência é que o número de casos de "empreendedores reincidentes" aumente no país, por uma razão simples: com recursos financeiros disponíveis, mais gente vai partir para a criação de seu próprio negócio. Muitos podem errar, mas um número maior deles seguirá tentando.

Natalia Monteiro é um exemplo dessa tendência. O primeiro negócio da administradora, criado em 2009, foi um site de comércio eletrônico de produtos infantis, que começou vendendo aparelhos de inalação. Na época, Natalia achava que o plano tinha tudo para dar certo. Hoje, porém, ela reconhece que esqueceu de um aspecto importante. "Deixei de ouvir o consumidor e pesquisar sobre o real apelo de venda daquele tipo de produto pela internet", diz.

Ter superestimado o potencial de vendas mostrou-se um erro fatal, mas o aprendizado contou pontos a favor de Natalia em 2010, quando ela decidiu criar o Zuggi. Desde então, o site de busca infantil já recebeu duas rodadas de aportes da Jacard e de outros dois investidores. Os valores não são revelados.

Um estudo divulgado pela Harvard Business School, em 2008, mostra que empreendedores que já falharam têm 20% de chance de conseguir um investimento para um novo negócio. Já os que estão no primeiro projeto têm 18% de chance, de acordo com o levantamento, feito nos Estados Unidos.

Na Redpoint e.Ventures, um fundo que dispõe de US$ 130 milhões para investir em companhias novatas de tecnologia no Brasil, existem três cenários possíveis em relação à experiência do candidato. "O melhor deles é um empreendedor que já teve um caso de sucesso. O segundo melhor é o da pessoa que teve uma experiência malsucedida, mas com a qual teve um aprendizado", diz Anderson Thees, sócio da Redpoint. O novato completo - sem experiência de qualquer tipo - aparece apenas no terceiro lugar de preferência.

Trajetórias como a de Brunno Galvão não chegam a ser novidade nos Estados Unidos, mas constituem uma raridade no Brasil. Atualmente, o publicitário comanda o Remarcados, um catálogo on-line de produtos em liquidação. Antes disso, porém, ele teve outros três negócios digitais, que não deram o resultado esperado. O primeiro deles, criado em 2010, foi um site de serviços de orientação profissional via web. Depois, Galvão investiu na criação de um aplicativo para buscar emprego via dispositivos móveis. O último negócio antes do Remarcados foi um site de leilão reverso, no qual os fornecedores oferecem preços cada vez menores para conquistar um cliente.

Uma das principais lições aprendidas com as experiências anteriores, diz Galvão, foi não demorar para admitir as dificuldades e buscar alternativas para salvar o negócio. O Remarcados é resultado dessa mentalidade. O site de leilão reverso que o antecedeu já havia recebido R$ 1 milhão da Gávea Angels, um associação privada de investidores-anjos, quando Galvão percebeu que o negócio não deslanchava. Em vez de insistir no modelo, a decisão adaptar o site e transformá-lo em um catálogo de liquidação. "Foi uma atitude que eu só consegui tomar porque já tinha visto isso em projetos anteriores", diz Galvão.

Nem todo tipo de experiência malsucedida, porém, é vista de maneira positiva pelo mercado. É importante definir com clareza as causas do erro e convencer os potenciais investidores de que o fracasso não foi consequência de desinteresse ou negligência. Algumas empresas, por exemplo, são muito sensíveis a questões macroeconômicas, sobre as quais não têm domínio, como é caso do câmbio para lojas virtuais de produtos importados.

Na Redpoint e.Ventures, muitas companhias são analisadas constantemente, diz Thees. A maioria das que chegam às fases finais de avaliação é de pessoas que já tiveram uma experiência malsucedida, embora nem todas tenham uma segunda chance.

Gustavo Guida já protagonizou tanto um caso de sucesso quanto uma decepção nos negócios. Em 1999, ele fundou o Bondfaro, site de comparação de preços que resistiu ao estouro da bolha de internet no início dos anos 2000, e se uniu ao Buscapé em 2006. Guida passou nove meses trabalhando no Buscapé, mas três anos depois voltou ao mercado com dois novos projetos: o Tuite Fone e o HelpSaúde.

O Tuite Fone não prosperou. O principal produto da empresa era uma ferramenta que transformava ligações telefônicas em um arquivo de áudio, que podia ser postado no Twitter. O projeto mostrou-se inviável, diz Guida, devido ao modelo do Twitter de oferecer diretamente os serviços disponíveis no microblog. O empresário tentou vender o Tuite Fone a terceiros, mas as negociações não foram adiante.

A história foi diferente com o HelpSaúde, um site de agendamento de consultas médicas pela internet. A companhia recebeu um aporte da gestora de fundos Astella Investimentos em 2011. No ano passado, outra gestora, a Kaszek Ventures, anunciou um aporte na empresa. Os valores não são divulgados. "Acho que aprendemos muito mais com o fracasso. O sucesso legitima tudo e costuma levar o empreendedor a não analisar possíveis erros de estratégia", diz Guida.



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