quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013



Poder distante do cidadão
Já terá sido citada neste espaço sentença consagrada pelo economista César Maia, antes de se enredar nos labirintos da política. Segundo ele, o Estado, hoje, é grande demais para cuidar com eficiência dos problemas corriqueiros do cotidiano do cidadão comum e pequeno demais – e sem instrumentos adequados - para enfrentar os gigantescos dramas das grandes cidades - além do mais, atolado nos meandros da política, que o impedem de se mover sem perder aliados e votos.  O POPULAR/GO 07.02 - Washington Novaes é jornalista
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Pode-se tomar como exemplo a cidade de São Paulo ou sua região metropolitana. E começar pelo trivial do dia a dia do cidadão - o tempo perdido nos congestionamentos de trânsito ou os dramas gerados pela poluição do ar. Como fará um prefeito, por exemplo, para dizer que a cidade não comporta mais veículos, se eles continuam a receber até subsídios governamentais para serem fabricados e serão alguns milhões mais de veículos nas próximas décadas?
Quem abrirá as portas a um prefeito paulistano para ter mais R$ 42,9 bilhões capazes de permitir a construção de mais 30 quilômetros de linhas de metrô (O Estado de S. Paulo, 15/12) , se a receita total da Prefeitura para este ano é de R$ 42 bilhões? Quem compensará o humilde morador da cidade pela perda média de mais de duas horas diárias no trânsito congestionado? E pelas 3 mil mortes anuais geradas pela poluição do ar?
E se o problema for o saneamento básico, já que quase metade dos domicílios brasileiros não está conectada a redes de coleta e apenas 30% do que é coletado recebem alguma forma de tratamento? Que farão as prefeituras? Recorrer ao governo federal, que não consegue prover 10% dos brasileiros do abastecimento doméstico de água potável, nem enfrentar a “situação crítica” em todas as bacias hidrográficas, da Bahia ao Sul, diagnosticada pela Agência Nacional de Águas? O governo federal provavelmente responderá que não tem recursos sequer para o polêmico projeto de transposição de águas do São Francisco – que também não resolverá a situação no Semiárido nordestino.
Se a questão for a das enchentes urbanas, o prefeito da grande cidade coçará a cabeça, diante da necessidade de conseguir articular-se com os prefeitos – e outros políticos - de todos os municípios das bacias dos rios que deles provêm, cortam sua cidade e provocam inundações. Terá de conseguir deles ações efetivas para impedir o desmatamento nesses rios, que leva sedimentos para os leitos, diminui a área disponível para a vazão, contribui para o aumento do fluxo – e para as inundações rio abaixo.
Terá de enfrentar “ruralistas” que acham tudo isso “frescura de ambientalistas”. Também terá de aplicar recursos vultosos na sua própria área municipal, de modo a impedir o mesmo desmatamento, a deposição de lixo e outros sedimentos que favoreçam as enchentes. Onde buscará esses recursos - inclusive para o lixo, pois em mais de metade dos municípios ele vai para lixões? E como fará para remover dezenas de milhares de moradores em áreas de risco, se já não consegue atender ao déficit habitacional, mesmo sem computar essa nova demanda ?
Imagine-se então se o prefeito quiser dar atenção aos “apagões” que atormentam quase diariamente, na estação das chuvas, os moradores de seu município. A competência é federal e estadual, pensará ele, aliviado, num primeiro momento. Mas os prejuízos financeiros nas indústrias e lojas e os problemas nas residências são locais. Como fará para intervir na caótica política nacional de energia, que opta por construir faraônicas hidrelétricas na Amazônia e depois não consegue articular as linhas nacionais de transmissão, caríssimas, desperdiçadoras de energia – ao mesmo tempo que não constrói as ligações com as usinas eólicas já implantadas e de custo ambiental quase zero?
O cidadão ficará perguntando a seus botões por que não se opta por pequenas centrais dispersas pelo território, que evitem linhas de transmissão de milhares de quilômetros. Enquanto isso, se perguntará por que o atormentam (inclusive em Goiânia) com usinas termelétricas altamente poluidoras, de energia cara e que, com seu barulho ensurdecedor durante 24 horas, não o deixam dormir em paz.
Certamente o administrador público poderá acionar seus órgãos ambientais para enquadrá-las na legislação – mas que fará com os inimigos poderosos que conquistar? Da mesma forma, se decidir enfrentar igrejas e seus ritos que atormentam vizinhos, ou casas de espetáculo. Quem lhe dará votos para substituir os perdidos?
Falta de segurança? É problema estadual, responderá o administrador do município. Educação? Só no primeiro nível, o resto não é com ele. Restam os buracos nas calçadas, mas esses só serão resolvidos se os pedidos de financiamentos forem atendidos pelas outras esferas de governo, quando dois terços dos municípios não podem candidatar-se a eles, por inadimplência.
A recente tragédia em Santa Maria (RS) é mais uma evidência de quanto a ausência do poder público diante dos problemas do cotidiano pode ter consequências dramáticas. E assim vamos, com poderes grandes demais e olhar longínquo para os problemas do cotidiano do homem comum, e pequenos demais para os dramas gigantescos das grandes cidades, das megalópoles. E o cidadão comum, perplexo. Imóvel.

Washington Novaes é jornalista



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