domingo, 10 de fevereiro de 2013
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Goiânia, cidade sustentável
Por Itami Campos, cientista
político, professor do
Mestrado em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente
na UniEvangélica itamicampos@gmail.com
Importante, fundamental mesmo, a discussão de
sustentabilidade que se tenta fazer em Goiânia. Cidade sustentável... a questão
da sustentabilidade tem ganhado destaque pela importância de serem colocadas as
condições do futuro nas ações e atividades que se desenvolvem aqui e agora (hic
et nunc, como diziam os latinos). O conceito de sustentabilidade vai além, pois
traz para nossa vivência, nosso cotidiano, as demandas ambientais, planetárias,
que o processo de industrialização e o desenvolvimento do capitalismo colocaram
na prateleira para ser apenas e tão somente objeto de consumo. Daí a grande
dificuldade, pois a modernização e o crescimento econômico, que tão
ansiosamente aspiramos e incorporamos nos hábitos e modos de vivência, tornaram
a natureza e os bens naturais descartáveis. Esses bens passaram a fazer parte
do modo de vida burguês que nós ocidentais (e hoje, também os orientais)
incorporamos e também passamos a consumir. O POPULAR /GO 10.02
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A sustentabilidade exige repensar esse esquema,
mudar a forma de ver e viver essa natureza, consumindo conscientemente,
começando a pisar no freio desenfreado do consumo, uma vez que os recursos
naturais não são ilimitados. Exige mudança de hábito, de modo de vida, também a
adoção de novos paradigmas no modo de ver o mundo. Ser sustentável exige pensar
o todo, repensar a nossa relação com a natureza, pois os problemas se colocam
planetariamente, a terra em seu conjunto, a gaia como totalidade e num mundo
cada vez mais pragmático, individualista. A dificuldade está em termos nos
tornado prisioneiros de uma mentalidade colonizada – “em se plantando, tudo
dá”, como escreveu Pero Vaz de Caminha a El Rei na certidão de batismo deste
País, Brasil.
Por isso, retomar a ideia de uma Goiânia
sustentável fora do período eleitoral apresenta-se fundamental, desafiadora.
Goiânia cresceu mais que devia. Cresceu pelas condições que passou a oferecer,
no esvaziamento e pobreza dos campos, das terras férteis da prosperidade dos
donos. Na revolução verde, na modernização do campo, restou ao morador do campo
migrar para a cidade e para a capital que, com seus palácios oficiais, com suas
luzes e avenidas, tornou-se sedução para o morador da roça e da pequena cidade.
Daí o crescimento desmesurado de muitas cidades, das capitais especialmente
que, para o interiorano sem recurso e sem perspectiva de uma vida mais digna,
apresenta-se como alternativa.
Assim, cidade sustentável significa repensar a
cidade em novos parâmetros, na busca da qualidade para todos os residentes,
sejam de setores nobres, sejam das periferias. Torna-se necessário pensar a
cidade para o futuro, mas com os pés na realidade presente. Daqui a 20 anos, em
2033, Goiânia fará cem anos. Cidade nova, com problemas estruturais, advindos
do crescimento e demandas cada vez maiores, com um trânsito caótico e um
sistema de transporte público deficiente, com uma violência crescente e
desmedida. Muito embora tenha problemas, apresenta boa qualidade de vida,
possibilitando vida normal e tranquila, daí a base para ser trabalhada.
Construir uma Goiânia sustentável é repensar a
cidade, devolvendo-a aos seus moradores, retirando-a do domínio das
construtoras/imobiliárias e dos automóveis; assim, rever a construção de
viadutos benéficos à praga do automóvel, também os parques estruturados para os
lucros das imobiliárias. Sustentabilidade exige rever o consumo de combustível,
repensando a mobilidade urbana, com um olhar especial para o sistema de
transporte urbano de Goiânia – por que apesar do crescimento dos habitantes o
número de usuários do transporte público tender a diminuir? Ele será mesmo
público? Por que razão nunca foram adiante as discussões sobre metrô e
transporte de massa na capital? Qual a justificativa para novamente refazer o
Eixo- Anhanguera, se um eixo norte-sul se faz tão necessário e não existe; não
será mais um equívoco, como da avenida construída no antigo leito ferroviário,
onde poderia ter se estruturado um metrô de superfície, ligando Senador Canedo
a Trindade? E por estas bandas pode ir a discussão...
Por fim. Como processar essa discussão, realizando
debates e dando sequência às iniciativas decididas. Não parece fácil. Como
envolver o governo estadual que historicamente tem decisivo papel em Goiânia?
Como a Câmara Municipal se envolveria nesta discussão? Sabe-se da necessária
“democracia participativa”. E o morador de Goiânia? Qual será o interesse deste
morador e como despertá-lo para o debate para que tudo isso não caia no vazio?
Itami Campos é cientista político, professor do
Mestrado em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente
na UniEvangélica itamicampos@gmail.com
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EMBARGOS CULTURAIS
Direito e interpretação jurídica em Ronald Dworkin
Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do
Estado pela PUC-SP.
O pensador norte-americano Ronald Dworkin compara a
interpretação jurídica com a exegese literária. Há um ponto em comum evidente:
a busca do significado dos textos interpretados. Na interpretação literária
pode se deixar de lado o interesse em determinada palavra ou excerto. Revista Consultor Jurídico, 10 de fevereiro
de 2013
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Dworkin lembra os problemas que o estudo de Hamlet
sugere. O personagem de Shakespeare realmente amava a própria mãe? Ou a
detestava? O fantasma do pai realmente existia? Ou Hamlet apenas vivia uma
manifestação esquizofrênica? Hamlet e Ofélia eram amantes, em tempo imaginário
que antecede o início da peça? Dworkin nos lembra que há hipóteses que se
aplicam ao enredo, de um modo geral. Isto é, Hamlet teria como tema a morte, ou
as gerações, ou a política.
E ainda a propósito dos problemas gerais
interpretativos que a peça do bardo inglês suscita, Dworkin observou que a
discussão dessas questões contribui em relação à miríade de aspectos práticos.
É o que, por exemplo, pode auxiliar a um diretor de teatro a conceber elementos
comuns que serão aplicados na preparação, no ensaio e na apresentação da trama
estudada. De igual modo, ainda segundo Dworkin, a reflexão a respeito de
problemas gerais de interpretação propicia que reflitamos sobre nossa cultura.
E estaríamos refletindo sobre o Direito.
Críticos literários discordam a respeito dos
problemas interpretativos que encontram. Dworkin não pretende tomar partido.
Quer apenas apreender por que e não em relação ao que estão discordam. Enuncia
então o que nomina de hipótese estética. Reconhece que a premissa pode ser
banal. E a identifica: uma determinada interpretação literária procura
demonstrar de que modo um texto deve ser lido, apontando um modelo que possa
captar da forma mais artística possível o conteúdo do que se interpreta.
Dworkin adverte que haverá quem pretenda
criticá-lo, afirmando que sua tese confunde interpretação com criticismo.
Também observou que poderá ser apontado como relativista. Teme que possa ser
identificado como negativista, isto é, que discorde de qualquer possibilidade
de interpretação. Insiste na questão e em seguida procura demonstrar por que
tais invectivas não procedem.
Concede que a chamada hipótese estética suscita que
esteja aderindo a tendência contemporânea (identificada com correntes
pós-modernas) no sentido de que há interpretações, e não necessariamente uma
interpretação única, melhor ou mais adequada em torno de determinado poema ou
de uma peça de teatro. Remenda, em seguida, que a hipótese estética não seria
tão selvagem, ou tão fraca, ou inevitavelmente relativista, como pode se pensar
em uma primeira reflexão. Dworkin observou que uma teoria de interpretação deve
conter uma subteoria. Esta última deve padronizar mecanismos e referenciais
para identificação de uma obra de arte. Teorias contemporâneas valem-se da
idealização de textos canônicos.
Dworkin retoma a lembrança de que os críticos
discordam no que se refere à identificação do que conta como integração, que
tipo de unidade seria desejável, e qual delas seria irrelevante ou indesejável.
Para Dworkin as maiores diferenças entre as várias linhas de interpretação não
tocariam em problemas mais verticais.
Por exemplo, haveria um ponto cognitivo na
Literatura? A arte seria melhor quando instrutiva? Positiva a resposta, e
admitindo-se a validade da psicanálise, pergunta Dworkin se a interpretação
psicanalítica de uma obra de arte demonstraria o valor da obra interpretada. A
arte seria positiva apenas quando comunica? A boa interpretação, então, seria
aquela que alcança o que o autor da obra pretendia?
Dworkin acrescenta que teorias da arte não existem
isoladamente da filosofia, da psicologia, da sociologia e da cosmologia.
Explicitando abordagem que reflete metodologia norte-americana, Dworkin observa
que um religioso teria uma teoria da arte distinta de um não religioso. O fundo
teológico da premissa parece muito óbvio.
Para Dworkin a hipótese estética não assume que
todo intérprete de literatura conte com uma teoria estética plena e
adequadamente desenvolvida, ou mesmo que pertença a alguma escola de
interpretação. Dworkin acrescenta que não há interpretação única. Um romance
pode ser lido de várias formas.
O intérprete da obra de arte o faz com base em
conjunto que reflita determinada linha ou escola de interpretação. Esse
conjunto existe, ainda que de modo tácito. Não é simples reação do intérprete.
No entender de Dworkin trata-se de uma crença genuína.
Dworkin realça que pode haver críticas à hipótese
estética. Esta seria trivial. Seus pontos de partida seriam prenhes de
obviedades. E porque visões sobre arte também refletem subjetividades e
idiossincrasias, Dworkin insiste que diferentes teorias da arte refletem e
informam inúmeras escolas de interpretação. Ainda sobre a hipótese estética
Dworkin acrescenta que teorias interpretativas talvez não sejam mais do que
discursos pretendentes a uma melhor resposta para questões substantivas
colocadas para interpretação.
Assim, não se poderia diferenciar interpretação de
criticismo. A interpretação indicaria como se descobrir o verdadeiro
significado de uma obra de arte. O criticismo valoraria o sucesso ou a
importância da obra interpretada, ou criticada. Dworkin assumidamente deixa de
lado a objetividade, que reputa como temática de para outra discussão,
permanentemente aberta. Julgamentos a propósito de obras de arte podem ser
verdadeiros ou falsos, válidos ou inválidos.
Para Dworkin nenhuma percepção estética poderia ser
verdadeira ou falsa. Continua Dworkin afirmando que interpretação é
empreendimento, é instituição pública, em face do que se deva adotar
comportamento empírico. Dworkin indica então o que entende por teoria da
reversibilidade, isto é, uma teoria da arte depende de uma teoria da
interpretação, e a recíproca seria verdadeira.
Dworkin em seguida retoma o tema do
intencionalismo, doutrina que reputa como muito vulnerável. Observa que a
aceitação de que teorias de interpretação não qualificam análises
independentes, e que - - antes - - são baseadas em teorias normativas da arte.
Deve-se, como conseqüência, aceitar-se que há fragilidade quando se criticam as
teorias nas quais se baseiam as várias análises interpretativas.
Dworkin lembra-nos que a arte deve ser entendida
como comunicação entre falante e audiência, o que dimensiona alternativamente
questões colocadas pela tradição filosófica continental, como lida em Chain
Perelman e em Jürgen Habermas.
Observa Dworkin que nenhuma teoria da interpretação
plausível sustentaria que a intenção do autor seja irrelevante. Por isso, ainda
segundo Dworkin, os intencionalistas não se opõem à hipótese estética. No
entanto, Dworkin parece opor reservas à tese intencionalista que fixa a busca
do estado mental do autor no centro dos mecanismos de interpretação.
Com base em exemplo tirado da Literatura, A Mulher
do Tenente Francês, de John Fowles, Dworkin ilustra que o próprio Fowles
reconhecera que autores têm intenções subconscientes, anteriores, que se
alteram ao longo da composição da obra, reconhecendo - - efetivamente - - que
se variou o rumo da narrativa ou da composição, muito depois da conclusão do
trabalho.
E o próprio Fowles, que ao longo da composição da
narrativa transitava entre vários planisférios de intenção, teria repensado a
própria linha expositiva , após assistir a adaptação de seu texto para o
cinema. Com base em Fowles, tem-se que um mundo genuinamente criado deve ser
livre de seu criador.
Romancistas criam mundos. Intenções de autor não
são como listas de compras, levadas a um supermercado (e o exemplo é típico na
argumentação da jusfilosofia norte-americana); intenções de autor são
estruturadas, reagentes e atuantes em contexto muito amplo. Para o autor aqui
estudado, a escola intencionalista reduziria o valor de um trabalho a uma visão
muito estreita da vontade do autor.
Alcança então Dworkin a concepção de corrente
interpretativa do Direito, idéia que substancializa o vínculo que se estabelece
entre Direito e Literatura. Dworkin sugere que há diferenças entre os papéis
protagonizados pelo artista e pelo crítico. Criação e interpretação seriam
instâncias muito distintas, embora ligadas por uma corrente, que tem como ponto
comum vínculos indissociáveis entre criação, criador, interpretação,
intérprete, crítica e crítico. A relação é recorrente em exegese literária.
Ronald Dworkin pretende o uso de modelos de interpretação literária como método
de análise jurídica.
Casos difíceis (hard cases, imagem recorrente em
Ronald Dworkin) exigem mecanismos hermenêuticos que qualificam exercícios de
análise e de crítica literárias. O que ainda mais recursivo no common law, onde
o uso do precedente determina interpretação autorizada.
A semelhança (ou dessemelhança) entre casos
anteriores faz com que, segundo Dworkin, em versão livre minha, “na decisão de
um novo caso cada juiz deve se ver como um sócio em um empreendimento de uma
corrente complexa de decisões, estruturas, convenções e práticas, que são
história; é seu trabalho dar continuidade a essa cadeia histórica (...)”.
Interpreta o que ocorrera antes porque tem como
responsabilidade dar continuidade a este empreendimento. E ainda segundo
Dworkin, nos termos do próprio julgamento é que o intérprete determina até onde
chegam as decisões anteriores.
Retoma, então, o caso hipotético da Corte de
Illinois, referente à imaginária indenização a ser (ou não) paga à mãe e à tia
que perderam filha e sobrinha em um acidente, no qual a mãe tudo presenciou ou,
no segundo caso, a tia soube da notícia por uma ligação telefônica. O
intérprete deve fixar um ponto de partida.
No caso, segundo Dworkin, por exemplo, a
responsabilidade do motorista. O intérprete, segundo o autor estudado, deve
buscar a melhor leitura da cadeia de decisões à qual ele deve dar continuidade.
Seu anelo é a obtenção de identidade, coerência, integridade. Porém, obtempera
Dworkin, o Direito, ao contrário da Literatura, não é um empreendimento
artístico.
É uma empreitada política. O melhor princípio e o
melhor resultado devem marcar a atuação do intérprete. Para Dworkin, a função
do hermeneuta e, no caso específico, do magistrado, é a interpretação de uma
história normativa encontrada, e não a criação de uma nova história.
Para Dworkin, juízes desenvolvem abordagens
particulares de interpretação, na medida em que formam ou redefinem teorias
políticas que se mostram sensíveis às questões levadas à decisão. A
interpretação de casos particulares depende intrinsecamente da influência
subliminar dessas teorias políticas, que o intérprete pode apontar como sua
filosofia jurídica. É o caso por exemplo, do magistrado que vincula Direito e
Economia, no sentido de que pretende decidir de modo a propiciar maior
eficiência.
E a propósito da teoria intencionalista, Dworkin
opõe-se a concepção que negue a interpretação do Direito como ajuste
essencialmente político. Retoma o problema da subjetividade do julgador, tão
caro ao realismo jurídico norte-americano, inclusive mencionando indiretamente
a metáfora do café-da-manhã. Era mote do realismo jurídico a aceitação de que a
natureza de uma decisão dependia, entre outros, do que o julgador tomara na
refeição matinal. Subjetividade e objetividade são valores, ou referências, que
também se opõem na teoria literária.
Dworkin também considera objeções que podem ser
lançadas à hipótese política da interpretação jurídica. Comparando esta última
com a hipótese estética na interpretação literária, observou que a idéia
poderia ser combatia na medida em que não colocara na devida posição o problema
da intenção do autor.
Lembra o eterno problema da jurisprudência
norte-americana, divida na busca (ou não) da intenção original dos framers, dos
founding fathers, dos pais fundadores, como se denominam os constituintes
daquele país. E ainda, no caso do common law, não há como se ter certeza em
relação ao que se passava na cabeça de todos os juízes que decidiram anteriormente,
e que criaram todo o conjunto de precedentes.
Retoma-se, então, a questão da definição de
política em âmbito de interpretação jurídica. O confronto entre liberais e
conservadores emerge sempre que se tocam em temas delicados, a exemplo do conceito
de igualdade na constituição norte-americana. Conservadores argumentam em torno
da intenção dos framers. Inclusive, acusam liberais, que chegam a conclusões
mais igualitárias, de inventarem ao invés de interpretarem o Direito.
Ronald Dworkin exemplifica com o argumento de
Stanley Fish, para quem o debate entre escolas rivais é mais político do que
meramente argumentativo. Para Fish, debates acadêmicos apenas possibilitam que
acadêmicos rivais disputem o poder. E a maioria dos problemas que são levados à
interpretação jurídica é de extrema sensibilidade política. Dworkin exemplifica
esta sua assertiva com temas de moralidade política, feminismo, patriotismo,
entre outros.
Dworkin pretende explorar conexões indiretas entre
teorias estéticas e políticas. Insiste que toda teoria da arte tem uma base
conceitual epistemológica, reflete idéias sobre a experiência humana,
autoconsciência, percepção e formação de valores. O mesmo se dá em âmbito de
teorias políticas, e Dworkin exemplifica com o peso que o liberalismo confere à
autonomia do indivíduo. Conclui Dworkin que apenas relata sua opinião, no
sentido de que política, arte e direito estão unidos, de algum modo, na
filosofia.
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