segunda-feira, 9 de julho de 2012
A pose da literatura
Há mais de três décadas, o argentino Daniel
Mordzinski faz um mapa fotográfico de escritores do mundo inteiro. Correio bsb
07/07
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Um acaso colocou o argentino Daniel Mordzinski na
rota da literatura. Se é que se pode chamar de acaso um encontro com Jorge Luis
Borges e outro com Julio Cortázar em questão de dois ou três anos. Mordzinski,
estudante de cinema e estagiário na produção de um filme sobre o pai do
realismo fantástico na Buenos Aires dos anos 1970, fotografou Borges durante
depoimento para um documentário. Uma bela foto, feita com câmera emprestada
pelo pai, na qual o escritor cego mira a escuridão enquanto um ponto de luz se
abre na direção de seu olhar.
Em Paris, alguns anos depois, Mordzinski ainda se
debatia entre as ideias de ser cineasta ou fotógrafo quando recebeu, tal qual
um religioso, uma confirmação. Ao procurar na lista telefônica o contato da
única pessoa que conhecia na capital francesa para convidar para a primeira
exposição, Mordzinski esbarrou no nome de Julio Cortázar. Humilde, o autor de O
jogo de amarelinha mantinha o nome em uma lista pública. O fato impressionou o
jovem estudante, que telefonou e deixou recado na secretária eletrônica.
Convidou o escritor, e ele foi. “Que personagem maravilhoso e generoso deveria
ser pensei. Qualquer um que venda 20 exemplares tira seu nome da lista
telefônica. No recado, eu disse: Olá, Julio. Sou Daniel. Não sou ninguém, nunca
fiz nada. Mas amanhã inauguro minha primeira exposição e seria o menino mais
feliz do mundo se pudesse acompanhar-me. Te deixo o endereço. No inverno, com a
oferta cultural que há em Paris, ele foi apadrinhar-me. Depois ficamos amigos”.
Daniel Mordzinski, cuja exposição 200X200 —
Duzentos anos de independências em duzentos retratos de escritores fica em
cartaz no Museu Nacional da República até o fim do mês, como parte da
programação do Festival Latino-Americano de Arte e Cultura (Flaac), tem hoje 52
anos e um portifólio capaz de contar boa parte da história da literatura do
século 20. Para a exposição em Brasília,
ele separou apenas imagens de escritores latino-americanos, mas a extensão de
seu arquivo atinge os quatro continentes. Depois de registrar Cortázar e
Borges, o estudante teve a certeza de que seria melhor fotógrafo do que
cineasta. “Quando se começa com Borges e depois passa por Cortázar fica
impossível se dedicar à fotografia de futebol, com o que seguramente eu teria
vivido melhor”, repara.
A fotografia de Mordzinski se constrói em cima de
narrativas, mas se engana quem patina na tentativa de encontrar na imagem algo
sobre a obra do retratado. Pode acontecer, embora nem sempre seja esse o
caminho empreendido pelo fotógrafo. “Sempre digo ao escritor que a viagem que
proponho a ele é muito pessoal, com humor, respeitosamente, mas nunca
ridículo.”
Respeito e dignidade
Exercitar as possibilidades lúdicas da imagem e do
personagem costuma ser uma premissa para Mordzinski. Assim pode conseguir poses
como a do espanhol Enrique Vila-Matas com um sobretudo aberto cheio de imagens
do próprio penduradas. “Uma foto bem ‘vilamatiana’”, constata. Ou o Nobel Mario
Vargas Llosa em postura pueril sob uma tenda de cobertores brancos seguido de
um travesso Quino, o pai da Mafalda, prestes a furar um balão amarelo. “A
fronteira pode ser muito tênue entre essa coisa lúdica de colocar os escritores
em lugares que aparentemente pouco têm a ver com a literatura, mas muito com a
vida em si. Sempre faço com muito respeito e dignidade.”
Rapidez também faz parte do glossário que define o
trabalho do argentino. Fotojornalista para o cotidiano espanhol El país, ele
divide o fascínio pelo mundo das letras com o imperativo do jornalismo diário.
Mordzinski trabalha como um minimalista: não usa tripé, fotografa muito rápido,
raramente inclui um assistente e sempre desenvolve com o fotografado um diálogo
intelectual que, inúmeras vezes, o deixou tão satisfeito que não queria mais
fotografar. “O jornalismo me deu essa capacidade de entrar em um lugar e
escaneá-lo rapidamente, de ver de onde vem a janela, a luz, e de resolver. Às
vezes fica melhor, às vezes, pior, mas sempre faço muito rápido.” Escritores,
para Mordzinski, são figuras fascinantes e sedutoras. “São como mariposas,
frágeis, há de todas as cores, preto e branco, há tímidas e vaidosas, mas são
todos maravilhosos.”
José Saramago
» Mordzinski
fotografou Saramago várias vezes e foi ao revisitar alguns desses negativos que
escolheu a imagem da exposição: o rosto do escritor aparece refletido em um
pequenino espelho sob fundo preto. “É muito misteriosa, ele está ,mas não está,
não se entende bem.” Também é do argentino a imagem em preto e branco de
Saramago com um sobretudo à beira do Sena (Paris), usada pelo Instituto Camões
para a promoção após o anúncio do Nobel.
Jorge Amado
» “De alguma maneira devo a Jorge Amado meu
primeiro livro”, revela o fotógrafo. Foi graças ao baiano que Mordzinski
conseguiu publicar o livro de estreia, La ciudad de las palabras, no qual
combinava imagem de escritores com cartas nas quais explicavam por que Paris fascina a classe literária
latino-americana. “Amado fez um texto precioso que dizia algo assim: quando
estou em Paris tenho saudade da Bahia e quando estou na Bahia, tenho saudade de
Paris. Em Paris, tenho as três coisas que amo: uma cama para dormir, uma
máquina para escrever e Zélia, minha companheira de toda a vida.”
Gabriel Garcia Márquez
» O
fotógrafo subverteu as regras da composição para dar à imagem forte carga
simbólica. “Pela lei básica da composição, o espaço tem que estar no sentido do
olhar. Se a pessoa olha para a direita, o espaço tem que estar à direita. E o
que fiz foi colocá-lo contra, como se estivesse ao fim da vida. Atrás, está
toda sua obra. Adiante há pouca coisa, mas a luz também vem dali.”
"Sempre digo ao escritor que a viagem que
proponho a ele é muito pessoal, com humor, respeitosamente, mas nunca ridículo”
Daniel Mordzinski, fotógrafo
200X200 — Duzentos anos de independências em
duzentos retratos de escritores
Exposição de fotografias de Daniel Mordzinski.
Visitação até 29 de julho, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu
Nacional da República.
>>>
10ª FLIP »
"Vida sonhada"
Há 27 anos o haitiano Dany Laferrière corre o mundo
com sua literatura. Ao Correio, ele conta como se tornou escritor. Correio bsb
07/07
-
Paraty (Rio de Janeiro) — Uma das atrações deste
sábado, penúltimo dia da décima Festa Literária Internacional de Paraty (Flip),
Dany Laferrière divide mesa de debates com Zoe Valdés, cubana radicada na
França. Laferrière nasceu no Haiti, na capital Porto Príncipe. Quando a
ditadura de Baby Doc se tornou insuportável, deixou o país e buscou refúgio em
Montreal. A literatura chegou até ele como uma espécie de megafone existencial:
um que lhe permitisse reclamar seu espaço de cidadão do mundo, para além da
pátria amada e da pátria do exílio. E essa marcação de território se deu pelo
alcance da palavra em sua forma mais livre: irônica, cômica, e sempre
autobiográfica.
Ainda no Haiti, trabalhou como jornalista. Saiu de
lá aos 23 anos, em 1976, mas não pôde continuar escrevendo como repórter no
Canadá, por causa da exigência de diploma. Laferrière deve ter dado de ombros,
pois seguiu em frente. Trabalhou na indústria de curtume, conheceu outros
imigrantes e, sabendo bem que não seria operário para sempre, começou a
escrever. “Nasci no Haiti. Mas nasci escritor em Montreal”, diz ele.
Sua obra chegou ao Brasil somente ano passado, com
a publicação de País sem chapéu (Editora 34). Na Flip, ele lança tradução em
português para seu livro de estreia, Como fazer amor com um negro sem se cansar
(1985), adaptado em 1989 para o cinema por Jacques W. Benoit. Brincando com as
novas relações entre os sexos, Laferrière descortina o cotidiano de dois jovens
imigrantes haitianos: um é aspirante a escritor e o outro, um preguiçoso leitor
do Corão e viciado em jazz. Em conversa com o Correio, ele fala sobre como é
escrever entre continentes — Haiti, Canadá e África —, a obsessão pelo texto e
conta quando conheceu Marcello Mastroianni.n
[FOTO2]
Como fazer amor com um negro sem se cansar
De Dany Laferrière. Tradução: Heloisa Moreira e
Constança Vigneron. Editora 34, 152 páginas. R$ 35.
Ponto a ponto / Dany Laferrière
Autoficção e a liberdade de escrita
É mais fácil para mim. Dá mais espaço para
trabalhar a literatura. Não preciso me preocupar com conteúdo. Por outro lado,
isso responde às minhas exigências mais profundas, que eu não sei quais são,
mas me fizeram escrever 20 livros. Mas eu não sei por quê. É como um túnel que
eu sigo. E eu não posso voltar atrás depois de ter entrado nele. Minha escrita
é refletir sobre a ficção. E em Como fazer amor com um negro sem se cansar, o
narrador é lúcido, age, mas para e pensa. É sempre muito consciente. O resto é
a vida. É uma forma de personagem que não deixa que outra pessoa leve ele para
outros caminhos. É ele quem toma a decisão de qual caminho tomar. Não importa o
caminho, a vida é assim. A gente tenta achar o caminho. Mas no fim não importa.
A própria ficção como tema
Sou obcecado pela ideia do presente do indicativo.
A literatura é uma forma de captar esse presente. E eu perdi a batalha (risos).
Perdi porque posso agarrar o presente, mas só na literatura. O próprio fato de
escrever me deixa obcecado. É como se eu escrevesse dizendo para mim que estou
escrevendo. É a única maneira de não parar nunca de escrever. É uma busca por
descrever as coisas cotidianas, as coisas que eu observo. Mas também é um
grande prazer.
Ruptura da memória
Como fazer amor... é muito menos sobre uma memória
coletiva do que os outros livros. É até uma ruptura nessa memória. É uma forma
de criar um indivíduo. O individualismo permite o romance. Mesmo em ruptura, a
memória pessoal volta para esse grande rio da memória coletiva. Tudo que é
individual alimenta a memória coletiva. É um rio que leva tudo. Os haitianos,
de início, não gostaram do livro, acharam que traz estereótipos, e hoje em dia
é o livro de que eles mais gostam. É sempre assim (risos).
O início de carreira
Quando cheguei ao Canadá, tentei trabalhar como
jornalista, mas não consegui porque, naquele momento, a política de trabalho só
permitia jornalistas que tivessem curso acadêmico. E eu não tinha. Fui
trabalhar na indústria de curtume e eu sabia que não era o que iria fazer para
sempre. Mas precisei. Questão de sobrevivência. E comecei também a escrever sem
que ninguém falasse nada sobre isso. Não tenho chefe. Mas eu sou meu chefe. E
sou bem rígido (risos). No Haiti eu era filho mimado. E no Canadá, as pessoas
não queriam saber quem eu era. E isso foi magnífico como experiência. Me deu
liberdade.
Haiti, Canadá e África
Eu pensava que África, Haiti e América eram uma
coisa orgânica, que formavam uma coisa só. Porque os negros só estavam lá na
América por causa da escravidão. E para mim então havia África, Europa e
América. E tentei falar disso de uma forma irônica, por meio do sexo. Mas
também tudo isso faz parte de uma história só — a de uma realidade terrível, da
escravidão.
Visitas ao Brasil
Já vim outras duas vezes. Estive em São Paulo,
Porto Alegre, Salvador e Rio de Janeiro. E é o que sempre quis fazer: viajar
por meio da literatura. Há 27 anos não compro uma passagem de avião. Eu viajo
por causa da literatura. Encontro pessoas interessantes em todos os lugares. É,
realmente, incrível. Porque nenhuma história dura 27 anos. É uma vida sonhada.
Encontrei um amigo no hotel, e ele estava um pouco chateado, dizendo que a cama
não foi feita, essas coisas. Eu disse: você está viajando sem gastar nada, você
é um impostor como eu. A polícia vem te pegar. Eles é que têm de reclamar de
você (risos).
Marcello
Mastroianni
Eu ajudei a abrir uma editora, em Paris. E chamamos
o Mastroianni para almoçar num pequeno restaurante. Ele escrevia também, além
de ser ator. Tínhamos um texto dele para a nossa editora. E ele dizia o tempo
inteiro: que magnífico, que ótimo estar aqui, que vida, que maravilha! E ele
morreria em dois, três anos (em 1996).
O repórter viajou a convite do Itaú Cultural
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Coleta seletiva
Sem conseguir avançar, só 7% dos resíduos são
reciclados
Quase 10 mil toneladas de lixo reciclável são
descartadas no aterro sanitário todo mês. O popular/GO 08.07
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Ecologia
Técnica pioneira comprova danos do agronegócio
sobre aves do cerrado
Estudo do biólogo Fernando Goulart usou método
inovador para indicar que agricultura intensiva causa mais danos ao meio
ambiente do que a tradicional. www.unb.br
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ARTE
O talento multifacetado de
Ariano Suassuna
Professor da Federal de Pernambuco mostra na
Universidade de Brasília trabalhos como artista plástico do renomado escritor.
Ilustrações interferem em suas narrativas. www.unb.br
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Affonso Romano de Sant'Anna
www.affonsoromano.com.br
Estórias sobre rodas
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Quem sabe das estórias de uma cidade não são os
novelistas da Globo, nem os romancistas de plantão, sequer os jornalistas da
crônica policial. Quem sabe das estórias da cidade, creiam-me, é o chofer de
táxi. Primeiro, porque percorre toda cidade, toda a polis de seu tempo;
segundo, porque transporta os tipos mais heterogêneos e, terceiro, porque ouve
coisas de que Deus já não mais duvida.
Por isso, alguns são tão falantes, boquirrotos.
Tanto ouvem que têm que contar para alguém. Senão, que graça teria? Dizem as
más línguas que eles inventam, são romancistas orais. Não sei. Outro dia peguei
um chofer musical. Exato. Compunha sambas. E atravessou a cidade cantando seus
sambas, tamborilando no volante (por isso, errou o caminho) e narrou-me com
detalhes o esforço que fazia para ser reconhecido como sambista, pois tinha que
pagar o DJ, etc. Para dar corda ao enredo do taxista-compositor e para aumentar
o muro de lamentações, contei-lhe parte da minha carreira frustada de sambista
(apesar de ter desfilado na Comissão de Frente da Mangueira naquele heroico
1987, quando Drummond foi o tema da escola).
Daí há dias peguei outro táxi (ando cada vez menos
no meu carro, vocês sabem o porquê) e quando na conversa vadia mencionei o
chofer sambista que conheci, o outro sabia quem era, deu-me o nome e
acrescentou: ele tem uma filha lindíssima e anda com um bandolim ao lado do seu
assento. O senhor não viu? Nos sinais, ele pára e toca para treinar.
E dizendo isso, em contraponto, engrenou logo outra
história, que desta vez mais parecia um conto de Machado de Assis, pois o
personagem tinha o “seu ninho de amor” no subúrbio do Rio. Só que era (para
humilhação de muitos machos) um senhor de 92 anos, viúvo, superpotente, que
tinha uma amante em Vila Valqueire.
Pois o nosso chofer, durante 20 anos, levou o
impávido senhor (que era um brioso militar que aparentava uns 50 anos) ao seu
glorioso encontro amoroso. Isso se dava uma vez por semana. O ínclito cavaleiro
dizia (referindo-se ao seu apetite sexual) que enquanto a natureza mandasse ele
cumpriria ordens. Assim, toda semana lá ia o nosso tipo inesquecível à Vila Valqueire,
uma espécie de meio personagem de Machado de Assis, meio personagem de Nelson
Rodrigues.
Mas primeiro passava com o chofer pelo supermercado
e enchia o carro de toda sorte de comida para levar para a sua segunda casa.
Era um amante provedor. Os filhos eram contra aquela relação, achavam que a
mulher o estava explorando. Segundo o chofer, isso era deslavada calúnia.
Durante 20 anos, levava piamente o reformado, que não estava reformado
eroticamente, e ficava o dia inteiro, de prontidão, até trazê-lo, exangue e
feliz, à sua rotina.
O fato é que quando o carro que peguei já ia me
depositar na porta da TV Brasil, para uma entrevista, o chofer, como uma
verdadeira Sherazade sobre rodas, estava adiantado na estória de uma velhinha
que colheu certa vez na porta de um bingo em Copacabana. Já tenho ouvido de
taxistas estórias de velhinhas que tomam taxi só para sair de casa e poderem
conversar com alguém, mas com essa senhora no bingo foi diferente. Ela
perguntou-lhe meio constrangida se poderia levá-la ali de Copacabana até Barra
do Piraí — umas duas ou três horas de distância. Ele, bom profissional, não
mugiu nem tugiu, lá foi serena e rodoviariamente. E no transcurso, a certa
altura da viagem na serra de Petrópolis, ela lhe abriu o coração: confessou-lhe
que era viciada em bingo, que tinha que ir todos os dias, que aquilo era uma
condenação danada de prazerosa. Diante dessa fatalidade, ele acertou com ela
que faria sempre essa viagem entre Barra do Piraí e Copacabana e vice-versa.
Machado de Assis descreveu a relação entre Brás
Cubas e Marcela dizendo que havia durado “15 meses e 11 contos de réis”. Pois a
relação do nosso chofer com a aquela senhora, medida no taxímetro, durou muito
tempo e só de táxi ela gastava com ele 9 mil reais por mês. (Imaginem o que
gastava no bingo).
Chego em casa, narro essas coisas e minha mulher me
conta que ouviu também de um taxista sobre uma outra mulher viciada em jogo:
quando fecharam o bingo na cidade, passou a frequentar o bingo lá no Paraguai.
Era, sem dúvida, bem mais caro, convenhamos.
E os pilotos do avião, solitários em sua cabine, ao
contrário dos motoristas, nunca souberam jamais dessa estória.
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Literatura
Franzen diz que escritores ‘exageram sua própria
desgraça’
O POPULAR/GO 09/07
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Apesar de ter começado com pequenos desencontros e
uma lista de perguntas que a plateia não deveria fazer, a apresentação do
americano Jonathan Franzen, uma das mais aguardadas da Flip 2012, acabou
transcorrendo pacificamente. O início foi um tanto confuso: Franzen foi avisado
de que leria um trecho de seu livro mais recente, Liberdade, mas não havia
exemplar disponível. “Esse é o primeiro problema que eu tive com qualquer coisa
relacionada à Flip”, disse, antes de elogiar o evento e a cidade. Também fez
piada ao pegar um exemplar na plateia: “É um livro grande para trazer dos EUA”.
O jornalista e crítico literário Ángel
Gurría-Quintana, mediador da mesa, começou apresentando o convidado e avisando
ao público que ele não aceitaria quatro perguntas que já se cansou de
responder: “Quais são as suas influências?”, “Onde e a que horas você
escreve?”, “Você dirige os personagens ou eles dirigem você?” e “Sua ficção é
autobiográfica?”. Como piada, Gurría-Quintana fez a primeira das perguntas,
antes de Franzen ler o início de Liberdade em ritmo acelerado.
Na sequência, ele aproveitou uma pergunta que
citava a célebre frase de Tolstói sobre as famílias infelizes para comentar sua
visão sobre o ofício de escrever. “Se tudo está OK com a pessoa, porque você
vai querer ler sobre ela? A lista de falhas morais dos escritores é longa e
tendemos a exagerar nossa própria desgraça, nossa ansiedade. Exageramos tudo,
porque a vida ordinária não é suficientemente interessante, então precisamos
sair dela e inventar um mundo exagerado.”
Mais tarde, ele compararia sua profissão ao mito de
Prometeu acorrentado, cujo fígado é consumido eternamente por uma águia. “A
diferença é que não há águia, sou eu mesmo bicando meu próprio fígado
diariamente. Você abre algo em si e fica se machucando diariamente, por vários
anos. Eu provavelmente não precisaria de terapia se não estivesse tentando
escrever.”
Hesitante em algumas respostas, ocasionalmente
ofegante e disperso (“Acordei às 6h hoje, fiquei a manhã toda observando
pássaros, estou começando a soar tolo”, disse, a certa altura), Franzen também
tratou dos temas políticos presentes em suas obras, após o mediador lhe
perguntar se Liberdade (2010) havia sido sua resposta ao 11 de Setembro.
“O 11 de Setembro não foi um ataque terrorista, foi
um ataque midiático e político baseado em um ataque terrorista. A cada cinco
minutos nos diziam que o país havia mudado para sempre. Eu tinha essa bronca
contra a politização e a midiatização do 11 de Setembro. Demorei tanto tempo
para lançar esse romance para que ninguém mais esperasse que eu fosse escrever
sobre o assunto.”
Segundo o autor, o processo de criação de Liberdade
foi “uma zona completa”. “Seis meses antes de terminar eu estava tentando
escrever um romance inteiramente baseado em documentos encontrados, mas isso
não funcionou.”
ENTRETENIMENTO
Ao falar sobre a necessidade de a literatura
entreter e atrair o leitor, Franzen elogiou escritores brasileiros
contemporâneos. “Vivemos em tempos de distrações, como você atrai e mantém a
atenção das pessoas? Com uma narrativa convincente, e os autores brasileiros
contemporâneos que eu tenho lido parecem entender isso. Estou falando de
[BERNARDO]Carvalho, [CHICO]Buarque e [Milton Hatoum.”
Notando que sua lista de autores nacionais era
masculina, ele disse estar “aceitando sugestões de boas autoras brasileiras”.
“Comentem comigo na fila de autógrafos, por favor, e da próxima vez não vou
citar só homens.” Voltando a falar sobre sua profissão, expandiu seu raciocínio
sobre literatura como entretenimento. “A verdadeira função de um romance sério
não é meramente entreter, mas usar a capacidade de entreter e absorver o leitor
para preservar a possibilidade da individualidade, do livre-arbítrio. E essas
duas coisas são fundamentais para o que uma pessoa é.” Antes de encerrar,
despediu-se bem-humorado: “Esse foi o sermão desta noite, vocês foram uma
plateia muito gentil, obrigado”.
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