sexta-feira, 5 de março de 2010

AÇÕES AFIRMATIVAS - Cotas Raciais

Formados pelo sistema de cotas, ex-alunos mudaram sua realidade

De uma família de cinco irmãos, o arquivista Francisco Oliveira é o único com graduação completa. “Minha mãe diz que nunca me mandaria prestar vestibular na UnB porque é difícil, e como sempre estudei em escola pública, ela achou que eu não passaria. E eu digo ‘Você nunca mandou, mas eu passei!'”, conta o arquivista. Ele é um dos 444 alunos cotistas que já se formaram desde que o sistema é aplicado na Universidade de Brasília.

Um ano depois que a primeira turma de cotistas se formou, a UnB Agência procurou alguns desses ex-alunos para saber como a graduação influenciou suas vidas. O jornalista Diogo Alcântara trabalha para uma emissora de TV, lotado no Palácio do Planalto, cobrindo a rotina do presidente Lula. Tem um bom carro e já fez viagens internacionais pela América Latina. Diogo faz parte da primeira turma formada do curso de Comunicação Social com alunos cotistas.

Diogo foi o único do seu núcleo familiar mais próximo a se formar no ensino superior. Hoje arca praticamente sozinho com todas as despesas da casa. “É bom poder retribuir aos meus pais o que fizeram por mim e dar para eles mais qualidade de vida. Mas o melhor é ter minha independência financeira”, explica. Diogo conta que depois de formado pode comprar bens que outros jovens que estudavam com ele já possuíam. “Pude comprar, por exemplo, meu primeiro carro. Meu pai nunca tinha tido um carro zero. Pode parecer fútil, mas faz muita diferença porque moramos em cidade satélite”, afirma.

Diogo também comemora poder ter estudado o curso que gosta. “Muitas pessoas desistem de cursar o que querem e acabam se frustrando depois. Eu preferi apostar todas as minhas fichas em Jornalismo”. Ele acredita que até poderia ter passado sem as cotas, mas acha que demoraria mais tempo.

CONSCIÊNCIA – Para a historiadora Dayane Augusta, estudar na UnB não foi importante somente pelas portas que um curso superior pode abrir. Segundo ela, a universidade a ajudou a pensar sobre questões raciais. “Pude perceber que as diferenças existem e que tem seu lugar na sociedade. Hoje mudei a minha forma de me vestir e não tenho vergonha de dizer que sou negra. Até me sinto mais bonita”, conta.

Dayane começou a prestar vestibular em 2003, antes que o sistema de cotas fosse implantado. Entrou na UnB no segundo semestre de 2005 e concluiu o curso de História no final de 2009. Tem três irmãos mais velhos, mas nenhum deles cursou a universidade. “Minha família sempre teve dificuldade em investir na nossa educação, mas acredito que é uma questão de escolha. E eu escolhi estudar”, explica. Atualmente Dayane trabalha no Núcleo de Estudos da Cultura, Oralidade, Imagem e Memória do Centro-Oeste (Necoim), vinculado à UnB. Mas o que Dayane quer é seguir a carreira acadêmica. “Pretendo prestar a prova do mestrado no meio do ano. Quero ser professora da universidade”, planeja.

ESTÍMULO – No caso do arquivista Francisco de Oliveira, ´citado no início da reportagem, seus pais e seus irmãos não terminaram nem o ensino médio. Francisco concluiu o segundo grau em 1994, aos 23 anos, mas teve de adiar o sonho de cursar a universidade porque precisava trabalhar para pagar suas contas. Ele conta que chegou a pensar em fazer cursinho alguns anos depois de formado, mas que não tinha condições de pagar. “Procurei um pré-vestibular e consegui uma bolsa de 50%, mas ainda assim ficava pesado para eu pagar”, lembra Francisco.

No final de 2003, decidiu que não adiaria mais a entrada na universidade. Prestou o vestibular, mas não passou. Foi quando descobriu que a UnB adotaria o sistema de cotas. “As cotas foram um estímulo a mais para mim. Percebi que poderia ter uma chance de passar”, diz. Francisco passou para Arquivologia no segundo semestre de 2004, aos 33 anos.

O arquivista afirma que a graduação possibilitou uma melhoria considerável de renda. “Assim que formei, passei em dois bons concursos, com salários superiores a R$ 9 mil”, comemora. Francisco espera ser chamado para assumir o cargo em um deles em março desse ano. Hoje, trabalha como concursado em um órgão do Judiciário, recebe R$ 4,5 mil e custeia as despesas da mãe, que vive com a aposentadoria de um salário mínimo.

Fonte: UnB.br

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PGR e OAB defendem cotas raciais nas universidades

A Procuradoria Geral da República e a Ordem dos Advogados do Brasil apoiaram o sistema de cotas da forma como ele é adotado atualmente. A Secretaria Especial de Direitos Humanos, representada pelo coordenador-geral de Educação em Direitos Humanos, Erasto Fortes de Mendonça, defendeu o sistema de cotas por considerar um fracasso as políticas tradicionais de acesso ao ensino superior. Para Mendonça, é positiva a atuação do Estado para criar oportunidades iguais para as pessoas vítimas de discriminação. “As políticas universais de acesso não lograram êxito no sentido de incluir essa parcela”, afirmou.

As manifestações foram feitas no primeiro dia da audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal para discutir a adoção de políticas afirmativas com critério racial. O debate, que começou nesta quarta-feira (3/3) termina na sexta-feira (5/3). STF decidiu ouvir a sociedade após receber duas ações que questionam a possibilidade, do ponto de vista constitucional, a reserva de vagas nas instituições a partir do critério racial.

O STF vai julgar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi ajuizada pelo DEM e um Recurso Extraordinário de um estudante que se sentiu prejudicado pelo sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

No primeiro dia de audiência se manifestaram instituições estatais responsáveis pela regulação e organização das políticas nacionais de educação e de combate à discriminação étnica e racial e as partes relacionadas aos processos selecionados para a audiência pública.

Em entrevista coletiva, o ministro Ricardo Lewandowski declarou estar “extremamente bem impressionado com o alto nível e a qualidade dos debates”. E ainda comentou: “Temos que primeiramente examinar se é possível do ponto de vista constitucional estabelecer critério que privilegie um grupo que historicamente não tem tido acesso às universidades, seja por razões econômicas, raciais, deficiência física ou outra”.

Não há data estipulada para o julgamento da ADPF e do RE, mas o ministro espera que as ações sejam julgadas o mais rápido possível diante do interesse da sociedade em torno do tema. “Farei esforços para que esse tema venha a ser julgado pelo plenário ainda este ano”, disse.

Os prós
Para a secretária de ensino superior do Ministério da Educação, Maria Paula Dallari Bucci, “existe uma distância histórica no campo da educação e essa distância se reproduz ao longo dos anos quando se compara os dados educacionais entre negros e brancos”. Ela acredita que esse dado esvazia a tese de que o ideal seria melhorar o ensino como um todo para a inclusão dos negros. Maria Paula ressaltou que, historicamente, essa melhora não diminuiu a desigualdade e persistente entre os dois grupos. A secretária ainda apresentou um gráfico demonstrando que essa distância permanece intocada nos últimos vinte anos.

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, considerou a política de cotas adequada a Constituição Federal. “As políticas de cotas raciais revelam uma atuação estatal amplamente consentânea com a Constituição Federal, pois foram elaboradas a partir da autonomia universitária, com o propósito de projetar para a realidade os valores e objetivos estabelecidos pela Constituinte”. Ele relacionou seu discurso com os princípios e valores previstos na Carta Magna e defendeu o estabelecimento de medidas compensatórias para amenizar o quadro de discriminação no país, por meio de ações distributivas e destinadas a integrar a comunidade negra não apenas no cenário econômico, mas “em todos os campos de expressão humana”.

"Para se ter igualdade é necessário ter políticas públicas e leis que façam dos desiguais iguais, uma vez que, sem as políticas, se manterá a desigualdade", opinou o professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Carlos Frederico de Souza Mares. Ele falou em nome da Fundação Nacional do Índio e ressaltou que “não há notícias de que haja políticas públicas específicas para reserva de vagas nas universidades diretamente para povos indígenas", mas que é absolutamente fundamental que se tenha cotas para negros.

Sentido oposto
O advogado do estudante que se sentiu prejudicado pelo sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Caetano Cuervo Lo Pumo, defendeu a adoção do critério do mérito para delimitar o acesso de estudantes às universidades públicas no país. “Ele teria se classificado pelo critério do mérito, mas foi excluído. “É fundamental que nós lembremos que esse critério de cotas inclui, mas exclui. Esquecemos que alguns [estudantes], que pelo mérito estariam na universidade, estão fora, como se fossem privilegiados”, observou.

O advogado lamentou não ter ocorrido discussão parecida na época da implementação do sistema de cotas nas universidades. Ele lembrou que o Brasil pode ser prejudicado pela relativização do mérito no ensino superior, já que o país é signatário do Protocolo de São Salvador, que, como a Constituição Federal de 1988 e a Declaração de Direitos Humanos da ONU de 1948, busca garantir ensino fundamental e básico a todos, e ensino superior conforme o mérito, a capacidade. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal.

www.conjur.com.br 03/02

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