quinta-feira, 4 de março de 2010

A Copa e o desafio do esporte brasileiro

Coluna Econômica - 04/03/2010


Um dos grandes desafios, para os próximos anos, será compatibilizar a profusão de grandes eventos esportivos internacionais com a precariedade das estruturas esportivas do país.

Haverá recursos do governo para obras em estádios, além de um conjunto amplo de ações destinadas a preparar a casa. Estão sendo montadas estruturas de apoio e fiscalização dos recursos. Acontece que, na ponta, a ação será de clubes esportivos, federações e confederações que ainda pertencem ao lado cinzento da economia.

Não apenas isso.

Hoje em dia, em nível mundial, passa pelos esportes – especialmente o futebol – uma das pernas principais do crime organizado.

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O futebol é uma atividade econômica de difícil controle, especialmente pela impossibilidade de se precificar seu principal ativo: o passe do jogador.

Em um mercado moderno, jogador jamais seria contabilizado como ativo – ou seja, um bem que tem preço e pode se valorizar ou desvalorizar. A cada temporada, os clubes contrariam jogadores, pagariam pelo trabalho feito e se remunerariam pelo aumento da bilheteria, dos direitos de arena (transmissão) e pelo marketing. Assim, a contabilização do jogador seria pelo fluxo de resultados do ano.

Quando se inclui o preço do passe, cria-se uma mixórdia. Não há maneira de definir o que seria preço justo. Se um clube quiser pagar uma montanha de dinheiro por um perna de pau, ou uma ninharia por um craque, quem há de contestar? Ninguém.

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Essa dificuldade permite toda sorte de operações para esquentar ou esfriar dinheiro.

Estudioso do tema, o juiz Fausto de Sanctis explica que há dois crimes pesados envolvendo a atividade internacional do futebol. O mais grave e evidente é o comércio de crianças - “agentes intermediários”, que buscam crianças na África (Costa do Marfim, Camarões), não pagam nada à família nem ao atleta, prometem futuro no futebol europeu e terminam por deixá-los à própria sorte, morando nas ruas. Calcula-se que esses agentes já tenham levado cerca de 20.000 africanos para a Europa.

A FIFA tentou regulamentar esse mercado, mas os clubes europeus sempre encontram brechas para contornar as proibições.

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O segundo ponto é a questão da lavagem de dinheiro.

Em 2009, o GAFI (Grupo de Ação Financeira) – organização que nasceu em 1989 para coibir a lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo - publicou um relatório com suas análises em 25 países do mundo sobre a prática de lavagem em clubes. Analisou a Argentina a partir de dados disponíveis da Argentina.

No Brasil, desde 2003 os clubes são obrigados a publicar seu balanço comercial ou “demonstrações financeiras” (através do artigo 46-A da Lei Pelé e pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007). Mas o grau de transparência ainda é mínimo.

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Talvez seja a hora de se pensar em um órgão regulador – como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) – destinado a fiscalizar as operações financeiras dos clubes.

Na França, esse órgão é a Direção Nacional de Controle de Gestão. Existe desde 1984 e tem o poder de fiscalizar, jurídico e financeiramente, todos os clubes da Liga Francesa e da União Europeia.

www.luisnassif.com.br

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Editoriais – FSP 04/03


A hora da educação

Relatório do governo revela avanços lentos no ensino na última década; faltam objetivos claros para políticas públicas

É PREOCUPANTE , embora não surpreenda, o balanço apresentado em relatório do governo federal sobre o desempenho da educação brasileira na última década. Encomendado pelo ministro Fernando Haddad, o documento revela que apenas 33% das 294 metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação, de 2001, haviam sido cumpridas em 2008, último ano com dados consolidados no estudo.
É um resultado desalentador para uma sociedade que só agora vai alcançando o consenso necessário acerca da importância da educação para enfrentar seus desafios, do potencial de crescimento econômico à violência urbana -ao mesmo tempo em que se dá conta de oportunidades desperdiçadas.
Fica claro que o país não foi capaz, nesse período, de diminuir a evasão no ensino médio, conter de maneira satisfatória as taxas de repetência e ampliar tanto quanto seria recomendável o acesso à universidade. Cada uma dessas falhas cobrará o seu preço nos próximos anos, e será mais lento o ritmo em que o país caminhará na direção de melhores condições sociais, com a necessária redução das desigualdades.
Ao mesmo tempo foram tantos os objetivos definidos em 2001, que a taxa de cumprimento das metas precisa ser analisada com cautela. Faltou ao plano identificar prioridades, estabelecer metas passíveis de serem acompanhadas por indicadores confiáveis e, em alguns casos, uma perspectiva mais realista.
Chama a atenção, por exemplo, o projeto de matricular, em uma década, metade das crianças de zero a três anos em creches. Em relatório de 2005, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que congrega países industrializados, listava apenas Dinamarca e Islândia, em uma lista de 28 nações, como cumpridoras desse louvável objetivo.
Esse tipo de irrealismo acaba por obscurecer conquistas do período, quando o país dobrou a parcela de crianças de zero a três anos na escola -de 9% para 18%.
Os resultados positivos, no entanto, não são capazes de dissipar a impressão geral negativa propiciada pelo estudo. O Brasil avançou pouco, e por vezes retrocedeu, em índices educacionais importantes. O gasto total com educação ficou estagnado em cerca de 5% do PIB até 2007. A parcela de jovens entre 15 e 17 anos no ensino médio passou de pífios 45,4%, em 2001, para 50,4%, em 2008.
É preciso não só melhorar os indicadores, mas fazê-lo em ritmo muito mais intenso. O país discutirá em 2010 seu novo Plano Nacional de Educação, que fixará objetivos para os próximos dez anos. É uma oportunidade para elaborar diretrizes mais precisas, estabelecer prioridades claras e criar incentivos ao cumprimento de metas que possam ser acompanhadas com mais precisão e regularidade.

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