sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

ELIANE CANTANHÊDE

Fonte: folha.uol.com.br 21/01



Haja estômago!

BRASÍLIA - Continuando aquela nossa aulinha básica de aritmética, daquelas comuns em revistas de palavras cruzadas:
Se um sujeito recebe R$ 24 mil desde o regime militar e para todo o sempre por ter sido governador permanente do Paraná por apenas 39 dias (afora as interinidades), quanto vale o dia de trabalho do distinto no final das contas?
Se um presidente da Assembleia Legislativa assumiu o governo de Mato Grosso por dez dias e um outro por 33, e ambos passaram a ganhar uma pensão de R$ 15 mil mensais desde então e até a morte -ou seja, por 20, 30, 40 anos ou mais-, quanto os dois custam ao Estado ao longo da vida? Sem contar os demais salários, verbas de representação e eventuais comissões.
Se a vice-governadora assumiu interinamente durante as viagens do governador do mesmo Estado e com isso conquistou uma pensão vitalícia de R$ 15 mil mensais, quanto cada viagem do titular vai custar aos cofres públicos durante as décadas seguintes?
Se um quinto cidadão consegue acumular numa só vida duas pensões vitalícias, num total de R$ 40 mil por mês, por ter sido governador de Mato Grosso (antes da divisão do Estado) e de Mato Grosso do Sul (depois), a dúvida é mais abstrata: onde é que nós vamos parar?
Isso, no entanto, é só o fio da meada, porque estamos falando de três Estados e de apenas alguns casos de cada um. Vamos imaginar os 26 Estados mais o Distrito Federal, um mandato de quatro anos para cada governador, todos os vice-governadores e presidentes de Assembleias e todas as interinidades dos últimos, por exemplo, 40 anos. Sem esquecer as viúvas que continuaram embolsando a pensão para todo o sempre, claro.
Não há máquina de calcular capaz de fechar essa conta nem um ser humano capaz de entendê-la. Ou melhor, de digeri-la. Porque isso não é mais questão de cérebro; é de estômago mesmo.

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Reforma agrária, uma agenda atual

ROLF HACKBART

Fonte: folha.uol.com.br 21/01

Recente pesquisa do Incra mostrou que a política de acesso à terra é importante investimento em renda, cidadania e justiça social


Hoje, existem 8.763 assentamentos de reforma agrária no país em que vivem 924.272 famílias. O governo Lula incorporou 48,4 milhões de hectares de terras, assentando 614.092 famílias. Também foram criados 3.551 novos assentamentos nos últimos oito anos.
Em 2003, o orçamento geral do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi de R$ 1,5 bilhão. Em 2010, saltou para R$ 4,5 bilhões. Minha afirmação de que a reforma agrária está colocada na agenda nacional sob os aspectos econômico, ambiental e social foi corroborada com a recente pesquisa sobre qualidade de vida, produção e renda nos assentamentos.
Em dados objetivos, a pesquisa demonstrou que a política de acesso à terra é um importante investimento em renda, emprego, cidadania e justiça social.
Coordenada pelo Incra e executada com o apoio das Universidades Federais do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Pelotas (UFPEL), a pesquisa aplicou um questionário a 16.153 famílias em 1.164 assentamentos de todos os Estados, mais o Distrito Federal.
Essas informações servirão, dentre outros objetivos, para conhecer a realidade dos assentamentos, orientar as prioridades do próximo plano plurianual e referenciar estudos e reformulações das políticas de reforma agrária.
Comparando as condições de vida das famílias em relação à situação anterior ao assentamento, para 64,86% delas o acesso à alimentação melhorou. A mesma aprovação se dá em relação à moradia (73,50%), à renda (63,08%) e à saúde (47,28%). Dentre os 216 produtos pesquisados, leite, milho e feijão se destacam na formação da renda da maioria das famílias.
A produção agropecuária representa a maior fatia na composição da renda, acima de 50%, derrubando a velha falácia de que os assentamentos são improdutivos.
A alfabetização dos assentados alcança 84%, mas o maior desafio está nos ensinos médio e superior, com acesso inferior a 10%. Pelo menos 70% das moradias possuem mais de cinco cômodos, 79% informaram acesso suficiente à água e 76% possuem energia elétrica.
Os primeiros resultados da pesquisa reafirmam o conjunto de políticas públicas desenvolvidas durante o governo Lula e que terão continuidade na gestão Dilma Rousseff, a exemplo do acesso à energia e da comercialização da produção pelos assentados por meio do Programa Nacional de Aquisição de Alimentos, além das compras de merenda escolar.
Ademais, os assentamentos refletem a realidade socioeconômica das regiões em que estão inseridos.
Portanto, a política de reforma agrária deve ser parte integrante do modelo de agricultura que queremos para o país. A geração de renda nos assentamentos, o ordenamento fundiário e a regularização ambiental são, a meu ver, os principais focos de atenção para o próximo período.
Trata-se do desenvolvimento rural sustentável, que tem no seu principal meio de produção, a terra, um fator de distribuição da renda e de redução da pobreza no Brasil.


ROLF HACKBART é economista e ocupa a presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desde 2003.

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Arquitetos tentam criar "gramática de museus" no país

Fonte: folha.uol.com.br 21/01


Sócios no escritório Brasil Arquitetura, Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci constroem agora seis novos centros

Projeto mais ambicioso, o Cais do Sertão Luiz Gonzaga, pretende oferecer "experiência concentrada do sertão"

No marco zero de Recife, à beira do mar, um prédio novo deve ser anexado a um antigo galpão, deixando embaixo um enorme vão livre para que a torre Malakoff não perca a vista que tem para o mar.
Do lado de fora, o Cais do Sertão Luiz Gonzaga, projeto da firma Brasil Arquitetura que começa agora a sair do papel, lembra o Masp, obra de Lina Bo Bardi na avenida Paulista. Dentro, um córrego artificial irriga salas de exposição, como no Sesc Pompeia, da mesma arquiteta.
Não espanta que Marcelo Ferraz, homem por trás desse novo museu dedicado à memória do sertão, tenha passado 15 anos ao lado de Bardi em projetos museológicos.
Também esteve ao lado de Oscar Niemeyer na adaptação do antigo edifício Castello Branco, em Curitiba, hoje transformado em museu com formato de olho gigante a mirar o centro da cidade.
Agora com o sócio Francisco Fanucci, está tocando outras cinco obras do tipo depois dos prêmios que recebeu com o Museu do Pão, na cidade gaúcha de Ilópolis, e o Museu Rodin, em Salvador.
Juntos no escritório de nome patriótico, a dupla tem se especializado em museus num momento em que o Ministério da Cultura parece dar continuidade à política um tanto ufanista de gestões anteriores de levar uma construção desse tipo a cada um dos municípios do país.
Ferraz chegou a trabalhar no MinC a convite do ex-ministro Gilberto Gil, mas deixou o posto um ano e meio depois. Não sem antes batalhar no Instituto Brasileiro de Museus, órgão interno do ministério, pela expansão de instituições com foco em memória local por todo o país.
"Esses museus não têm nada a ver com a ideia de museu de 200 anos atrás, aqueles que armazenam coisas", resume Ferraz. "Eles devem contar histórias, têm um papel importante a cumprir na sociedade contemporânea, que não é o de falar a língua da Igreja nem a da escola."
De fato, os projetos que executa agora exaltam aspectos imateriais, ligados a noções de identidade local.
Enquanto o mais ambicioso deles tenta criar uma "experiência concentrada de sertão", partindo da figura de Luiz Gonzaga, outros concretizam questões históricas que marcaram de algum modo aquele ponto no mapa.
No lugarejo de Andaraí, na Bahia, um museu vai relembrar a história da mineração ali. Em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, o Museu do Trabalho e do Trabalhador deve narrar o histórico da luta sindical. No meio do pampa, ruínas de uma enfermaria da Guerra do Paraguai também viram museu.
"Museus são portadores da identidade de cada lugar", diz Fanucci. "Eles se reportam sempre a uma experiência humana muito forte."

MODERNIDADE AGRESTE
E no plano das formas arquitetônicas, essa experiência roça cânones modernistas que a dupla parece ter herdado de Lina Bo Bardi. Não são formas puras, mas uma modernidade agreste, que não disfarça contrastes entre erudito e popular nem as fortes marcas do tempo.
Todos parecem incorporar ruínas, como a enfermaria no pampa, casebres de garimpeiros e até um engenho de cana-de-açúcar, aos traços arrojados do concreto armado, o vidro estrutural e uma preocupação extrema com a integridade dos materiais.
"Tudo depende da preexistência de circunstâncias históricas, culturais, topográficas", diz Fanucci. "Cada projeto tem sua gramática própria", acrescenta Ferraz. "Mas não existe ainda uma língua fechada dos museus."

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