segunda-feira, 13 de maio de 2013


O tema da escravidão em Machado de Assis. Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2013. Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

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O problema da escravidão é um dos mais complexos na obra de Machado de Assis. Pode-se atribuir à ironia machadiana uma crítica muito bem engendrada a mais sórdida fórmula de exploração que o Brasil conheceu, que muito nos envergonha, e que nos choca, sempre, e sempre.

 

O assunto é um dos temas do conto Pai contra Mãe, publicado em Relíquias da Casa Velha, já na edição de 1906. Trata-se da estória de um caçador de escravos: Cândido Neves, o Candinho da intimidade da família. Cândido Neves, ao que pode parecer, era branco-branco, no inusitado nome. Candinho era um homem andado. Passara por muitas empresas, trabalhara no comércio, aprendera tipografia. Mas Candinho nunca se fixou em ofício nenhum. Ganhava a vida (muito mal) na maligna tarefa de capturar escravos foragidos. Era a ocupação que encontrou depois de que quase tudo havia tentado. Segundo Machado:

 

Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador, como abrira mão de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. Não obrigava a estar longas horas sentado. Só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Cândido Neves lia os anúncios, copiava-os, metia-os no bolso e saía às pesquisas. Tinha boa memória. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido, gastava pouco tempo em achá-lo, segurá-lo, amarrá-lo e levá-lo. A força era muita, a agilidade também. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de coisas remotas, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificação; interrompia a conversa e ia atrás do vicioso. Não o apanha logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificação nas mãos. Nem sempre saía sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão (MACHADO DE ASSIS, 2008, p. 184).

 

Candinho casou-se com Clara, moça casadoura, mas muito operosa, e que costurava para fora. Por falta de melhor opção, Clara acabou acomodando-se com Candinho. Vida dura. Dividiam o cômodo alugado com a tia de Clara. Ela se chamava Mônica. Clara engravidou. A espera da criança coincidiu com um declínio da atividade nefasta de Cândido. As condições de vida haviam piorado. Rareavam escravos foragidos:

 

Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou os anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde. O senhorio mandava pelos aluguéis (MACHADO DE ASSIS, cit., pp. 184-185).

 

Tudo muito irônico. E muito triste. Clara auxiliava o marido como podia. E tudo fazia; “não tinha sequer tempo de emendar a roupa do marido, tanto era a necessidade de coser para fora” (MACHADO DE ASSIS, cit., loc. cit.). Quanto a Cândido, prossegue Machado de Assis:

 

Quando ele chegava à tarde, via-se lhe pela cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já lhe sucedia, ainda que raro, enganar-se de pessoa, e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor; tal era a cegueira da necessidade. Certa vez capturou um preto livre; desfez-se em desculpas, mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem (MACHADO DE ASSIS, cit., loc.cit.).

 

A tia que vivia com o casal sugeriu que a criança que nasceria fosse levada à roda dos enjeitados, como então se chamava algo que sugere os orfanatos que surgiram mais tarde. Cândido resistia. Os credores ameaçavam de todos os lados, e de todos os modos. O senhorio deu a Cândido um prazo fatal para pagamento do débito: cinco dias. E Cândido, continua Machado de Assis:

 

(...) saiu por outro lado. Nesses lances não chegava nunca ao desespero, contava com algum empréstimo, não sabia como nem onde, mas contava. Demais, recorreu aos anúncios. Achou vários, alguns já velhos, mas em vão os buscava desde muito. Gastou algumas horas sem proveito, e tornou para casa. Ao fim de quatro dias, não achou recursos; lançou mão de empenhos, foi a pessoas amigas do proprietário, não alcançando mais que a ordem de mudança. A situação era aguda. Não achavam casa, nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma; era ir para a rua (MACHADO DE ASSIS, cit., p. 187).

 

Cândido não se rendeu aos fatos e ainda tentava alternativas, antes de deixar o filho entre crianças abandonadas. Tentava, e lembrou-se de uma velha nota de escravos foragidos, que davam conta de uma mulata; oferecia-se uma quantia que resolveria os problemas de Cândido. Em vão, Cândido buscou informações, e continuou:

 

Saiu de manhã a ver e indagar pela Rua e Largo da Carioca, Rua do Parto e da Ajuda, onde ela parecia andar, segundo o anúncio. Não a achou; apenas um farmacêutico da Rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga, três dias antes, à pessoa que tinha os sinais indicados (MACHADO DE ASSIS, cit., p. 188).

 

Sem mais opções e sem recursos, desiludido, e com a criança no colo, rumava para a tal roda dos enjeitados. Foi quando teve a impressão de ter visto a tal escrava foragida. Deixou o filho no farmacêutico, a quem pediu que cuidasse da criança, por um instante. Cândido alcançou a escrava — Arminda— a quem capturou, na linguagem de Machado de Assis, após ter “tirado o pedaço de corda da algibeira”, e de quem “pegou dos braços” (cf., MACHADO DE ASSIS, cit., p. 189).

 

E agora com a escrava capturada, enquanto o filho estaria com o boticário, Cândido apressou-se a ter com o dono da presa, na busca da recompensa. A cena é chocante:

 

Foi arrastando a escrava pela Rua do Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor (MACHADO DE ASSIS, cit., p. 190).

 

Constatou-se que a escrava estava grávida. O realismo da narrativa impressiona, deprime: Machado de Assis descreve o aborto vivido pela pobre escrava, o que ocorria enquanto Cândido recebia a recompensa:

 

Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem-mil réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinquenta-mil réis, enquanto o senhor novamente dizia a escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou. O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer as consequências do desastre (MACHADO DE ASSIS, cit., p. 191).

 

Cândido ainda conseguiu apanhar o filho. Pagou as dívidas. Retornou a vida com alguma esperança. Alguma maldade o marcava; justificou para si o aborto, “nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração” (MACHADO DE ASSIS, cit., loc.cit.).

 

No contexto desta narrativa atemorizante, de quem testemunhou ou conheceu testemunhas de tal tempo (Machado de Assis nasceu em 1839 e morreu em 1908), descreve-se os horrores da escravidão. Não se sabe (e nem se saberá) se o fez como espectador desinteressado (do que duvido) ou como par de Castro Alves, ainda que sem métrica, rima, Eugênia Câmara ou furor romântico e revolucionário. É o que sugere o primeiro parágrafo do conto:

 

A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, uma para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque era geralmente dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança com o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras (MACHADO DE ASSIS, cit., p. 179).

 

Os pormenores sugerem imagens que capturam aquele odioso tempo. Nesse sentido, e esse o argumento do ensaio, em Machado de Assis captura-se importante fragmento de nosso direito, com realismo impressionante, ainda que explicitado em prosa de ficção:

 

O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também, à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado (MACHADO DE ASSIS, cit., p. 180).

 

O bruxo do Cosme Velho descrevia com muita naturalidade a situação de seu tempo. Comprova-nos a situação do escravo que fugia, fazendo-o com a percepção de quem tudo vivenciou; não há testemunho mais ortodoxo, fonte primária mais eloquente:

 

Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e ao mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando (MACHADO DE ASSIS, cit., loc.cit.)

 

A captura de escravos fugidos parece ter sido ofício rentável, que alimentava uma então sofisticada e autoenganadora ideia de se“pôr ordem à desordem” (MACHADO DE ASSIS, cit., loc. cit.).

 

A narrativa machadiana permite que se vejam com olhos privilegiados peculiaridades e tristezas de uma época difícil. A riqueza do pormenor é mais enfática do que imagens remanescentes dos daguerreótipos. Instituições e rotinas que escapam à narrativa oficial do Direito são captadas, com toda intensidade, também na literatura de ficção, justificando-se algum argumento que anima a aproximação entre o direito e as humanidades, no sentido de que a literatura seja instância privilegiada para compreensão das fórmulas institucionais de nossos antepassados.

 

Referência

Machado de Assis, Joaquim Maria. Contos, São Paulo e Rio de Janeiro: Record, 2008.

 

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

 

 

 

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Lula expõe diferença com sucessora em livro sobre governos do PT. VALOR ECONÔMICO 13.05

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Da festa na qual conheceu o seu vice José Alencar às metáforas que mostram a propensão a enxergar a realidade pela visão simples, do homem comum, a entrevista com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chamariz popular, e ao mesmo tempo revelador da prática política nacional, no livro os "10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma".

 

O volume - que será lançado hoje no Centro Cultural São Paulo, às 19h, em debate com a presença do ex-presidente, do sociólogo Emir Sader, da filósofa Marilena Chauí e do economista Marcio Pochmann - traz uma coletânea de ensaios de 23 intelectuais que analisam os feitos, e alguns defeitos, da era petista na Presidência da República, iniciada em 2003.

 

O destaque, contudo, é mesmo a entrevista concedida por Lula a Pablo Gentili e Emir Sader, organizador do livro coeditado pela Boitempo e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais no Brasil (Flacso Brasil).

 

Para os críticos do anti-intelectualismo do líder petista, nas respostas surge, surpreendentemente, um Lula mais analista do que o político retórico. Com o distanciamento de dois anos do poder, o ex-presidente, sem deixar de lado a linguagem direta, expõe as relações com o Congresso, os partidos, os sindicatos, os empresários, numa abordagem em que fica clara a diferença de estilo com a sucessora, Dilma Rousseff.

 

Se o dogmatismo, a centralização e a tecnocracia têm sido apontados como características de Dilma, Lula mostra como sua cartilha é baseada no relativismo, na divergência de opiniões, na valorização da política, no pragmatismo e na capacidade de esvaziar os problemas.

 

"Eu lembro que, quando eu cheguei para a apuração do primeiro turno, estava todo mundo nervoso: Duda Mendonça [marqueteiro] e Zé Dirceu [então presidente do PT] na televisão, com o computador... Não conseguimos ganhar no primeiro turno. Eu falei: "Gente, olha, a vitória foi apenas adiada por 40 dias. Vamos ganhar estas eleições"", lembra Lula sobre a campanha de 2002 que o levou à Presidência.

 

Foi a vitória conquistada depois de três tentativas frustradas e a partir da decisão de fazer algo diferente. Lula, afirma, era inicialmente contra a Carta ao Povo Brasileiro - na qual estabeleceu o compromisso de respeitar contratos - mas estava convicto de que deveria ampliar as alianças à direita. Só não sabia com quem.

 

Até que, a contragosto, chamado por Dirceu, foi à comemoração dos 50 anos de vida empresarial de um então senador do PMDB - o qual não conhecia - e descobriu em José Alencar o vice ideal: um capitalista, mas que veio de baixo, como ele. "Aí, discursou muita gente, e por último o Zé Alencar. Ele contou toda a história dele e, quando ele terminou de falar, eu falei: "Zé, acabei de encontrar o meu vice. É esse cara aqui"", relata Lula, sobre a festa ocorrida em Belo Horizonte em 11 de dezembro de 2000 (e não de 2001, como registrado no livro).

 

A coligação com o PL (hoje PR) - Alencar precisou sair do PMDB para fazer a coligação - marcava a inflexão para o aliancismo. Um pragmatismo com o qual o ex-presidente, talvez já tarde demais, demonstre preocupação ao distinguir a existência de dois PTs: um de base, dos militantes, e outro eleitoreiro. O assunto é aproveitado para, indiretamente, justificar o escândalo do mensalão, que abalou seu governo em 2005. "O PT cometeu os mesmos desvios que criticava como coisas totalmente equivocadas nos outros partidos políticos", diz Lula, depois de afirmar que às vezes tem "a impressão que partido político é um negócio" e antes de defender a reforma política e o financiamento público de campanha. O ex-presidente é responsável pela única menção à palavra mensalão nas 384 páginas do livro.

 

Mais interessante do que o mea culpa é a demonstração do modus operandi de Lula e sua percepção das instituições políticas e sociais. Para quem acredita que o Congresso viveria de joelhos para o Executivo, o ex-presidente ressalta as dificuldades de se governar e obter apoio no Parlamento - e também fora dele. "Quem ganhar, quem quiser governar, vai ter que conversar com o Congresso, vai ter que conversar com a Câmara, vai ter que conversar com o Senado, vai ter que conversar com o movimento sindical, vai ter que conversar com os empresários. É assim que se governa", diz.

 

A repetição é proposital. Lula fala de diálogo, de conflito, como algo natural ao exercício do papel do presidente - o que, na verdade, remonta à sua origem sindical, forjada em mesas de negociação. "É bom que a gente tenha problema para resolver, porque quanto mais problema você tem, mais você exerce a democracia. E quanto mais você resolve, mais forte você fica", diz.

 

Lula dá como exemplo o dia em que o senador Antônio Carlos Magalhães (ACM) lhe pediu uma audiência. Na reunião, o cacique do então PFL (hoje DEM) teria lhe dito que mandava nos parlamentares e, se Lula o apoiasse à presidência do Senado, teria em troca qualquer projeto aprovado no Congresso. "O que muitos políticos desejam? Um governo fraco, um governo debilitado, porque aí a pressão aumenta, as exigências aumentam. Quando o governo está bem, fica muito mais fácil governar. Mas, mesmo assim, quando o governo está bem, não deve afrontar o Congresso Nacional. O governo tem que entender que o exercício da democracia é a convivência na diversidade. Eu dizia que a democracia não é um pacto de silêncio", diz.

 

Num argumento quase tocqueviliano, Lula afirma que não gosta muito da palavra hegemonia e tem medo de "que se comece a aplicar a ditadura de um partido sobre os demais". "Feliz da nação que tem como interlocutores instituições fortes, sejam elas partidos, sindicatos, igrejas e movimentos sociais. Quanto mais fortes as instituições e os movimentos sociais, mais tranquilidade de que a democracia estará garantida."

 

Pode ser sincero; pode ser ardil. Mas Lula adverte: "Não nascemos para sermos bonitos, nem radicais. Nascemos para ganhar o poder."

 

 

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A moda é dizer que o errado é certo, mesmo não sendo. VALOR ECONÔMICO 13.05

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Há uma nova moda nos círculos administrativos. Ela ainda não tem nome, de modo que vou chamá-la de "o branco é o novo preto", porque envolve pegar algo que todos acreditam ser ruim e afirmar que na verdade é bom (ou vice-versa).

 

Todo mundo adora essa moda. Ela é revigorante, contraditória, libertadora. E também é maneira. No LinkedIn e no site da "Harvard Business Review", os leitores não param de clicar no botão "curtir".

 

Recentemente, me deparei com quatro exemplos. O primeiro e mais popular caso de "o branco é o novo preto" diz que o fracasso não é uma coisa ruim, mas boa. Os pregadores dessa tese, que começaram a aparecer há poucos anos, vêm afirmando com insistência que os erros são vitais porque você aprende com eles. Até aí, tudo bem. O que não é justo é dizer que como é difícil ter sucesso sem fracassar, primeiro você precisa fracassar.

 

Uma postagem no blog da "Harvard Business Review" afirma que o fracasso é tão fantástico que as organizações deveriam realizar regularmente um "festival do fracasso", no qual os funcionários usariam echarpes de penas cor-de-rosa e celebrariam seus erros. Isso não só é idiota e condescendente, como perigoso. É verdade que o medo do fracasso pode paralisar, mas ele também pode ser motivador. Estou no momento trabalhando em uma série para o rádio e a possibilidade terrível e real de a coisa não dar certo não sai da minha cabeça. Se eu soubesse que a BBC organizaria uma festa se a empreitada não desse certo, eu nem tentaria.

 

O fracasso é uma coisa ruim e não deveria ser celebrado nem punido, a menos que provocado por preguiça e negligência. Nesse caso, posso pensar em um uso melhor para os echarpes- forçar os funcionários a comê-los.

 

Isso leva à segunda teoria de "o branco é o novo preto", que diz que a preguiça pode ser boa em um chefe. Essa ideia é vendida no livro de Richard Koch, "The 80/20 Manager". Nele, Koch escreve: "Administradores preguiçosos conseguem resultados excepcionais." Ele chega ao ponto de dizer que a indolência é um dom que os gestores precisam se esforçar para adquirir.

 

Koch está certo ao afirmar que a maior parte de nosso trabalho é um esforço perdido; mas a questão é separar o que vale a pena. Na vida real há poucos chefes preguiçosos, uma vez que se você é uma lesma em marcha lenta, tende a não ser promovido. Os poucos com que me deparei eram incompetentes, malvistos e no geral não duraram muito.

 

A terceira ideia é uma outra tendência nova empurrada em um artigo do consultor Jordan Cohen no site da "Harvard Business Review". Ele afirma que dizer aos trabalhadores o que eles devem fazer -outro princípio que serve de base à vida organizacional - é uma má ideia. Ele "prova" isso com uma história engraçadinha e depois com a neurociência. Quando as pessoas são mandadas a fazer algo, diz ele, "o centro de resposta emocional do cérebro pode provocar uma queda no funcionamento cognitivo".

 

Sempre suspeito de escritores que não são neurocientistas e que usam essa ciência para me colocar em posição submissa. Muito obrigado, mas vou ficar com o que penso após décadas prestando atenção: a maioria dos funcionários precisa de instruções. Não consigo deixar de acreditar que, se Cohen se visse em um hospital passando por uma cirurgia em um dos "centros de resposta" de seu cérebro, ele não iria gostar se os funcionários do hospital fossem orientados a algo como: cortem o cérebro deste homem como vocês acharem melhor.

 

O exemplo final está descrito em um artigo que está no LinkedIn, intitulado: "Como Manter Talentos? Ensine-os a irem embora, diz a KBS+". Isso mostra como a KBS+, uma agência de propaganda de Nova York, está ensinando seus funcionários a iniciar suas próprias empresas. Adivinhe só, alguns estão aproveitando a oportunidade e fazendo isso.

 

Mas não importa: a KBS+ insiste que essa é uma grande maneira de manter seu staff motivado. Para mim, isso parece um jeito absurdo de tentar segurar talentos. Tornar seus empregos mais interessantes e usar o velho e bom "obrigado" pode ser uma maneira melhor - e mais barata - de fazer isso.

 

Portanto, o branco não é o novo preto, afinal de contas. Preto é preto, branco é branco, e qualquer companhia que tiver um símbolo matemático como parte do nome, está enviando um sinal claro para o mundo que renunciou à lógica há muito tempo.

 

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira

 

 

 

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País rico é país com educação. FOLHA SP 13.05

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Semana passada defendi a alocação exclusiva dos recursos do pré-sal na educação brasileira. Volto ao tema para lembrar que, com grande atraso, está em tramitação no Congresso o Plano Nacional de Educação para a próxima década. Aprovado na Câmara, o PNE vai agora ao exame do Senado, apontando novas e desafiadoras metas a serem alcançadas pelo país.

 

Lamentavelmente, compromissos assumidos muitas vezes não se traduzem em realidade. Basta ver o resultado das metas estabelecidas pelo plano anterior: exemplo simbólico é a que previa pelo menos 50% das crianças de 0 a 3 anos nas creches em 2010. Ela está de volta na nova versão do plano, como se sua repetição fosse algo natural e aceitável.

 

Para que se efetive, o PNE precisa estar ancorado em uma "Lei de Responsabilidade Educacional" capaz de transformar uma carta de boas intenções em direitos e deveres a serem cumpridos pelas diferentes instâncias de governo, podendo alcançar instituições privadas e a comunidade escolar, nela incluídas as famílias brasileiras. Trata-se de colocar no seu devido lugar o gigantesco esforço que precisa e merece ser empreendido não só pelo poder público, mas também pela sociedade.

 

O único caminho seguro para o futuro do Brasil é transformar a educação em prioridade de Estado, com ampla participação da população. Foi assim nas trajetórias de diversos países que deram o grande salto para o desenvolvimento. Em todos houve decisivos investimentos em educação e em qualificação profissional.

 

Priorizar a educação é passo fundamental numa travessia que o Brasil apenas iniciou, com o advento da estabilidade e dos ganhos de renda derivados, em sua maior parte, do trabalho e complementados pelos programas sociais.

 

Todos sabemos que, apesar desses avanços, resta ainda intocada uma longa lista de carências sociais que se agiganta frente ao flagrante limite do processo de gestão diária da pobreza, sem sua definitiva superação. É hora de enfrentar distorções históricas que não podem mais ser varridas para debaixo do tapete.

 

No campo da educação, o Brasil tem a terceira pior taxa de evasão escolar entre 100 países com maior IDH, atrás apenas da Bósnia-Herzegovina e das Ilhas de São Cristóvão e Névis. Um em cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental abandona a escola antes de completar a última série. Cerca de 50% dos brasileiros não têm sequer o ensino médio completo.

 

Não se vence a pobreza e a desigualdade sem mobilidade social. Sem mais anos de estudo. Sem melhor empregabilidade. Sem desprendimento e generosidade para a construção de uma grande convergência nacional. O slogan que deveria mobilizar o Brasil agora é outro: "País rico é país com educação".

 

 

Aécio Neves é senador pelo PSDB-MG. Foi governador de Minas Gerais entre 2003 e 2010. É formado em economia pela PUC-MG. Escreve às segundas-feiras na página A2 da versão impressa.

 

 

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Imortal Geraldo Holanda Cavalcanti lança livro de referências poéticas. FOLHA SP 13.05

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Compêndio de mais de cinco décadas em que coletou citações e referências sobre poesia, "A Herança de Apolo" exprime o universo de anotações e reflexões que Geraldo Holanda Cavalcanti, 84, teceu ao longo da vida.

 

Diplomata de carreira, o poeta --que ingressou na Academia Brasileira de Letras em 2010 e hoje ocupa o cargo de secretário-geral-- morou durante 40 anos no exterior, onde teve contato direto com a literatura mundial.

 

Ao longo dos anos, os conceitos e definições foram registrados em vários suportes: primeiramente nas fichas manuscritas, depois em folhas datilografadas e, finalmente, em arquivos eletrônicos.

 

Rafael Andrade/Folhapress

 

Geraldo Holanda Cavalcanti posa para foto em seu apartamento, no Rio, na época de sua eleição para a ABL, em 2010

"Aos 80 anos, descobri uma vontade de pôr ordem em todas estas anotações, pois, quando leio, eu risco, tomo notas, faço observações", afirma Cavalcanti.

 

Estruturado em três capítulos (divididos em Poesia, Poeta e Poema), o volume abrange todas as faces deste gênero literário.

 

Na primeira parte, o autor faz uma reflexão sobre a poesia. "É o capítulo mais teórico, mas tratado de maneira não acadêmica, de modo ensaístico", diz. Na segunda, estabelece uma tipologia do poeta. "Há o metafísico, o pensador, o revolucionário, o inventor de formas, o sofredor." Na terceira, trata do poema como objeto. "É um estudo do gênero", diz.

 

O calhamaço de 462 páginas traz 525 livros na bibliografia de obras citadas.

 

Defensor da citação como procedimento literário, como escreve no prefácio, Cavalcanti mostra como o método sempre foi útil para sistematizar o conhecimento.

 

"A citação também pode servir como uma provocação para a reflexão, não é simplesmente algo para demonstrar erudição", acrescenta.

 

A escrita de Cavalcanti é segura, sem receios, norteada pela extensa referência do autor, tradutor experiente de poesia e dono de inúmeros prêmios. Já na primeira página do texto, ele cita o equívoco de Hegel, em sua "Estética", ao acabar "confundindo poesia com poema".

 

Ele avança mencionando as definições que os grandes nomes da literatura deram para poesia, trazendo o pensamento de Octavio Paz, Borges, Shelley e João Cabral de Melo Neto, entre outros.

 

Em alguns momentos, a leitura do livro mostra-se árdua, devido ao acúmulo de citações enumeradas, mas a fluência de escrita do autor minimiza o problema.

 

CITAÇÕES LONGAS

 

Outro obstáculo são algumas longas citações em inglês e espanhol sem tradução no rodapé ou em notas de fim de texto. Breve detalhe, diante do monumental empenho de Cavalcanti em discorrer sobre a arte poética.

 

A HERANÇA DE APOLO

AUTOR Geraldo Holanda Cavalcanti

EDITORA Civilização Brasileira

QUANTO R$ 59,90 (462 págs.)

 

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RAIO-X

GERALDO HOLANDA CAVALCANTI

 

VIDA

Nasceu no Recife, em 1929. Diplomou-se em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito do Recife, em 1951

 

CARREIRA

É poeta, contista, ensaísta e tradutor. Verteu para o português livros dos poetas italianos Eugenio Montale e Salvatore Quasimodo. Foi diplomata entre 1954 e 2001. Hoje ocupa o cargo de secretário-geral da Academia Brasileira de Letras

 

LIVROS PUBLICADOS

"Encontro em Ouro Preto" (2007), "Memórias de um Tradutor de Poesia" (2006), "O Mandiocal de Verdes Mãos" (1964), entre outros

 

 

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UNB » Professores apoiam as cotas para negros. CORREIO BSB 13.05

 

 

A importância do sistema que reserva vagas para afrodescendentes é reconhecida pela maioria dos docentes, mas todos defendem que a universidade apresente dados capazes de embasar a decisão sobre o futuro da política

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Prestes a ser formada a comissão que discutirá o futuro do sistema de cotas para negros na Universidade de Brasília (UnB), diretores das unidades acadêmicas da instituição se preparam para avaliar o resultado da política afirmativa nos últimos 10 anos. O Correio conversou com nove dos 12 responsáveis pelos institutos e, na opinião da maioria deles, a reserva de vagas deve ser mantida, mas com a ressalva de que se crie um banco de dados capaz de fundamentar os prós e os contras da iniciativa.

 

Até outubro do ano passado, quando decreto presidencial regulamentou a Lei das Cotas Sociais, a UnB reservava 20% das vagas oferecidas em cada vestibular para o sistema de cotas para negros (leia O que diz a lei). A norma federal impôs um sistema mais abrangente, uma vez que são considerados cotistas todos os candidatos que cursaram, com aprovação, as três séries do ensino médio em escolas públicas ou educação de jovens e adultos (EJA) ou tenham obtido certificado de conclusão do ensino médio pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

 

A diretora do Instituto de Artes da UnB, Izabela Costa Brochado, lembra que a discussão sobre as vantagens e as desvantagens da política de inclusão estava prevista quando o sistema de cotas raciais foi implantado. Segundo ela, a condição para introduzir a nova não pode ficar presa a burocracias internas, afirma a professora. “A avaliação do sistema é necessária, o ideal era que tivéssemos algo para subsidiar as avaliações do sistema”, declara.

 

Na prática, a Lei Federal nº 12.711/2012 cria regras gerais para iniciativas afirmativas que já são adotadas pelas instituições de ensino superior, aprovadas pelos conselhos. “Acho inaceitável que tomemos posições sem o conhecimento dos fatos e dos dados. Temos 10 anos da existência do sistema e nenhum estudo publicado a respeito do impacto, positivo ou negativo”, critica o diretor do Instituto de Ciências Biológicas, Jader Soares Marinho.

 

Segundo Marinho, a expectativa é de que, com a formação da comissão, a universidade possa fazer uma avaliação segura do resultado de uma década de inclusão dos negros para, a partir daí, saber se haverá necessidade de adaptar o sistema. “Os dados existem, mas são brutos e precisam ser analisados e estabelecidos solidamente, em cima de estatísticas”, pondera.

 

O diretor do Instituto de Ciências Exatas, Noraí Romeu Rocco, destaca que existem dissertações e teses de doutorado feitas em cima da avaliação do desempenho dos cotistas, no entanto, ainda em processo de finalização. Segundo ele, a universidade dispõe de estudos sobre o acompanhamento do sistema. “Tive acesso a essas informações, de avaliações dos alunos que ingressaram a partir do primeiro semestre de 2005, e a média de desenvolvimento acadêmico entre os cotistas, os que entraram pelo vestibular tradicional e os aprovados pelo PAS, é muito próxima”, conta.

 

Segundo Noraí, dois fatores devem ser considerados na hora de analisar as vantagens do sistema de cotas: o desempenho na universidade e no mercado de trabalho.

 

A formação da comissão avançou em alguns pontos, mas ainda não está definida. A reitoria da UnB começou a colher informações sobre o tema e já convidou alguns professores envolvidos com a discussão para integrar o grupo, que deve ser composto por seis membros. “Estamos com a cara desse colegiado mais ou menos definida. Não quero um grupo muito grande, porque isso dificulta o trabalho, será quase uma comissão executiva”, explica o reitor, Ivan Camargo, lembrando que não terá poder deliberativo. Os docentes vão analisar e discutir os dados disponíveis sobre as cotas, mas as deliberações serão aprovadas pelo Conselho Universitário (Consuni), em data a ser marcada.

 

Ponto crítico

Você é a favor das cotas raciais e sociais?

 

SIM

» Mário Diniz, vice-diretor do Instituto de Ciências Humanas

 

“Somos a favor da cota. Tudo foi amplamente discutido na universidade, pelos conselhos de gestão, e a UnB é uma referência nessa política. Considero que o sistema tem sido exitoso, por princípio, não por meritocracia. Como professor, acho que os recursos públicos devem priorizar as políticas públicas, e essa discussão sobre dados concretos, se é 50%, 30% ou 20% de inclusão, é secundária.”

 

NÃO

» Geraldo Magela Silva, diretor do Instituto de Física

 

“Não vejo o sistema como um benefício. O candidato que perde a vaga por causa disso não acha tão bom. De modo geral, pela experiência, a melhor forma de avaliar um aluno é pelo mérito, não pela cor ou situação. Usando sistema de cotas, a universidade acaba sendo utilizada como uma forma de justiça social e não para o seu real fim, que é gerar conhecimento. Não sei se vale a pena, o assunto precisa ser melhor discutido, e a UnB tem de fazer isso.”

 

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Escritor Karl Ove Knausgard esmiúça intimidades da família. FOLHA SP 13.05

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O mais ambicioso projeto literário do norueguês Karl Ove Knausgard, 44, o transformou, em 2009, numa espécie de celebridade de "Big Brother", com canais de TV locais esmiuçando sua vida em entrevistas com quem quer que o conhecesse.

 

Isso já seria incomum o suficiente se levássemos em conta que Knausgard (pronuncia-se "quenausgorde") era, àquela altura, muito mais um autor elogiado pela crítica do que frequentador das listas de mais vendidos.

 

Mas muito mais estranho que isso é saber que o tal projeto, que acabou por vender 500 mil exemplares -num país de 5 milhões de habitantes-,tratava-se de uma caudalosa autobiografia romanceada de 3.500 páginas em seis volumes, à moda de "Em Busca do Tempo Perdido", do francês Marcel Proust.

 

Chester Higgins Jr./The New York Times

 

Karl Ove Knausgard, que teve 500 mil cópias vendidas na Noruega

A razão do sucesso de público, é claro, foi muito mais o fator "big brotheriano" que a qualidade da narrativa, esta reconhecida por críticos celebrados como James Wood, autor de "Como Funciona a Ficção" (Cosac Naify).

 

A questão foi que, nos seis volumes de "Minha Luta", Knausgard não poupou ninguém que conhecesse. Nem mesmo (ou principalmente) seu pai, morto em 1998, vítima do alcoolismo, e a avó paterna, cuja demência senil e incontinência urinária nos últimos anos de vida ele descreve com riqueza de detalhes.

 

CONCESSÕES

 

"A Morte do Pai", o primeiro dos seis livros, que chega em breve às livrarias do país pela Companhia das Letras, fez com que metade da família de Knausgard tentasse impedir a publicação da obra e cortasse relações com ele.

 

O autor, confirmado no time internacional que participa da próxima Festa Literária Internacional de Paraty, em julho, fez só algumas poucas concessões -trocou nomes de familiares e cortou uma cena do segundo livro que incomodara sua mulher.

 

Mostra-se dividido sobre como lida com as consequências do projeto do qual mais se orgulha literariamente. Mas diz que ninguém poderia lhe tirar o direito de contar uma história que era sua.

 

"Tive a chance de não ir em frente, já que minha família conheceu o conteúdo antes. Publicar o livro seria como dizer a eles 'minha literatura é mais importante que suas vidas', o que não é certo. Por outro lado, quem teria o direito de me impedir de escrever sobre minha relação com o meu pai?", argumenta.

 

RELAÇÃO

 

O pai de Knausgard morreu em 1998, no verão em que o autor publicava seu primeiro e elogiado romance, "Ute av Verden" (Fora do Mundo).

 

As lembranças turbulentas que tinha da relação com o pai logo o fizeram perceber que a história que queria contar num livro, na realidade, era sua história com o pai, figura enigmática cujo declínio ele acompanhou aos poucos, enquanto se preocupava mais com típicos dilemas juvenis, como a descoberta da maturidade sexual.

 

Mas foi só quando completou 40 anos, idade com que o pai morreu, que Knausgard se sentiu confiante para escrever. "Eu me senti mais identificado com ele. Já era pai e tinha atribulações como ele. Mas, em vez de me destruir com o alcoolismo, como ele fez, usei a literatura"

 

O fato é que ninguém pode acusar Karl Ove Knausgard de não gostar de uma polêmica. Não bastasse a abordagem dos livros, resolveu batizar o conjunto com o nome nada inocente de "Minha Luta", título que remete às memórias de Adolf Hitler.

 

"O título tem a ver com a vida de todo mundo, viver é uma luta. Mas é claro que foi uma provocação. Meu editor não queria aceitar de jeito nenhum. Bati o pé", diz.

 

Mas a provocação dentro dos livros era tanta que até que não pegaram no pé dele por causa do que vinha escrito na capa. (RAQUEL COZER)

 

A MORTE DO PAI

AUTOR Karl Ove Knausgard

TRADUÇÃO Leonardo Pinto Silva

EDITORA Companhia das Letras

QUANTO R$ 49,50 (512 págs.)

 

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RAIO-X

KARL OVE KNAUSGARD

 

ORIGEM

Nasceu em Oslo, na Noruega, em 6 de dezembro de 1968

 

FORMAÇÃO

História da arte e literatura na Universidade de Bergen

 

CARREIRA

Estreou com "Ute av Verten" (1998); virou best-seller com "Minha Luta" (2009-2011)

 

 

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Escritor espanhol Agustín Fernández Mallo mescla linguagens em romance pop. FOLHA SP 13.05

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Na tela de fundo, um filme estrelado por Charles Bronson. Adiante, dois sujeitos com um Mac aberto e papéis avulsos espalhados sobre uma mesa.

 

Um parece uma versão hispânica do Moby, o outro é um cara alto, esguio, com um jeitão de Woody Allen. Leem poesias e fragmentos de textos avulsos.

 

Esse é o duo espanhol de "spoken word" Afterpop, que mistura música, literatura e teatro e pode ser visto no YouTube em várias apresentações feitas em festivais europeus.

 

Alberto Aja/Efe

 

O escritor Agustín Fernández Mallo, que tem seu livro "Nocilla Dream" lançado no Brasil

O tipo com ares de Woody Allen é o galego Agustín Fernández Mallo, 46, idealizador do projeto e que tem seu primeiro romance, "Nocilla Dream", lançado no Brasil.

 

"Acredito numa arte feita de mistura e de fragmentos, de cenas e de outras artes, porque assim é a vida contemporânea. Não lidamos com a linearidade nem com a homogeneidade em nosso dia a dia. Penso que a arte deve refletir isso", diz Mallo à Folha, por telefone.

 

De fato, o romance de 2006, que inaugurou a trilogia "Nocilla", é uma colagem de cenas poéticas que só vão tomando sentido quando lidas em conjunto. Após "Nocilla Dream", vêm "Nocilla Lab" e "Nocilla Experience", títulos que a editora ainda traduzirá no Brasil.

 

Nocilla é um creme de chocolate muito popular na Espanha e em Portugal, semelhante ao Nutella, e acabou virando um rótulo para designar os autores da geração de Mallo, que hoje é conhecida como a geração Nocilla.

 

"Não gosto de rótulos, é uma coisa inventada pelo jornalismo cultural. Mas concordo que há uma busca por uma ruptura nos escritores contemporâneos com a qual me identifico."

 

No caso de Mallo, essa ruptura se dá pela mescla de poesia com prosa, e com a intersecção de linguagens. O escritor galego é também físico de formação e defende um tratamento poético das questões básicas da ciência.

 

"A ciência não pode ser separada das humanidades, simplesmente porque é também uma invenção humana."

 

BORGES

 

Seus textos-colagens ainda trazem referências da publicidade, da televisão e da internet. "A prosa espanhola era muito conservadora e sujeita a regras específicas da literatura. Creio que estamos conseguindo fugir disso."

 

Entre suas influências, estão autores como Don DeLillo e David Foster Wallace. A geração Nocilla já foi identificada como uma "prima" de movimentos latino-americanos como o Macondo chileno e o Crack mexicano, mas Mallo não está de acordo.

 

"Não são conceitos que se podem transportar. Designam quiçá uma mudança geracional na literatura contemporânea, e nesse sentido podemos ser considerados próximos, mas artisticamente há pouco a ver."

 

Em 2011, Mallo enfrentou uma dura batalha com a viúva do escritor argentino Jorge Luis Borges, María Kodama, que conseguiu que a editora Alfaguara retirasse das livrarias a obra "El Hacedor (de Borges) Remake" (2011). O livro era uma "recriação" da obra homônima de Borges, e Kodama viu nele um plágio.

 

Mallo o considera de outra maneira. "Para mim é a melhor forma de homenagear Borges. Só o que fiz foi aplicar seus próprios conceitos à sua obra." Os argumentos, porém, não convenceram, e seu livro segue proibido.

 

Por conta do veto, na Argentina e na Espanha acabou virando uma obra de culto.

 

"Meu consolo é que hoje em dia é quase impossível proibir uma obra de arte."

 

NOCILLA DREAM

AUTOR Agustín Fernández Mallo

EDITORA Companhia das Letras

TRADUÇÃO Joana Angélica d'Avila Melo

QUANTO R$ 35 (216 págs.)

 

 

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Crítica: Publicação revela lado humano de Chet Baker. FOLHA SP 13.05

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Chet Baker cantava Edu Lobo e Antonio Carlos Jobim. Ao piano, João Donato. Mil novecentos e sessenta e seis, Califórnia. Durante algumas semanas, The João Donato Trio featuring Chet Baker se apresentou no clube Trident, na pequena Sausalito, Baía de São Francisco.

 

Até o dia em que Chet Baker apareceu, atrasado como sempre, mas dessa vez com um lenço sobre a boca ensanguentada. Havia sido espancado, segundo ele por "cinco jovens negros, sem motivo aparente".

 

Não tocou mais naquela noite nem nas próximas, abortou-se o plano de um disco João Donato/Chet Baker, e a carreira do trompetista demorou para se recuperar. Como consequência da agressão, acabou removendo todos seus dentes superiores e, quando conseguiu voltar a tocar, já era outro.

 

"Fiquei chateado, claro -ver aquilo acontecer com uma pessoa bonita, com quem eu trabalhava todos os dias. Ele não podia tocar da mesma maneira depois disso. Então eu o mandei para casa e disse, se cuide", lembra Donato, na biografia "Funny Valentine", do britânico Matthew Ruddick, que conta a história de Chet Baker de um ponto de vista mais humano.

 

A história da agressão que mudou sua carreira, bem quando mais tinha contato com a música brasileira, é um dos vários pontos da vida de Chet Baker abordados no longo livro.

 

São mais de 800 páginas na versão inglesa da biografia, que também inclui discografia completa e comentada do trompetista.

 

AFP

 

Chet Baker ao piano: músico tem sua vida esmiuçada nas 830 páginas do livro, que ainda inclui discografia comentada

"Ele exerce um fascínio que se estende para além do jazz", comentou Ruddick, em entrevista à Folha.

 

"E isso continua a existir, esse fascínio com seu tom frágil de tocar, seu canto delicado. E, claro, com o visual dele -no começo, quando ele era bonito como uma estrela de cinema, e também nos anos mais tarde, quando seu estilo de vida cobrava seu preço."

 

Com seu toque cristalino, voz romântica e sorriso de Mona Lisa, e sua história tão ligada a drogas, mulheres, carros, prisões, Chet Baker é grande figura cult, que já inspirou tributos, documentários, homenagens, relançamentos de suas centenas de discos, fama em vida e póstuma.

 

DROGAS

 

Vinte e cinco anos depois de sua misteriosa morte, ao cair de uma janela de quarto de hotel em Amsterdã, na madrugada de 13 de maio de 1988-outra história investigada na biografia-, continua um dos nomes que mais atraem interesse no jazz.

 

Tão famoso por sua longa e intensa relação com a heroína como com a música, o Chet Baker que se revela em "Funny Valentine" é um personagem algo mais humano, com um perfil mais completo e musical que o de sua outra biografia famosa de alguns anos atrás, "No Fundo de um Sonho" (lançada no Brasil pela Companhia das Letras).

 

"Foi relativamente fácil falar sobre as drogas", disse Ruddick. "Porque James Gavin, autor de 'No Fundo de um Sonho', explorou a questão com profundidade -a ponto de vários músicos com quem falei terem sentido que o livro não focava suficientemente na música. Então, me propus a criar um retrato mais equilibrado de Chet."

 

Baseado em Hong Kong há oito anos, o autor conta que falou com um total de mais de 150 músicos e amigos do trompetista.

 

"Comecei a trabalhar no livro quando morava em Londres, estava em contato com o filho de Chet, Paul Baker", conta Ruddick.

 

"Mas infelizmente sua mãe, a terceira mulher de Chet, Carol Baker, decidiu que meu livro poderia atrapalhar seus planos de vender os direitos de imagem de Chet para um produtor de Hollywood fazer um filme", diz.

 

"Nos anos seguintes, a internet explodiu e tornou minha pesquisa muito mais fácil. Fiz muitas entrevistas por telefone, mas também encontrei pessoalmente com um número de pessoas chave em viagens à Europa e aos Estados Unidos", afirma.

 

FUNNY VALENTINE - THE STORY OF CHET BAKER

AUTOR Mathew Ruddick

EDITORA Melrose Brooks

QUANTO R$ 53, aproximadamente (US$ 25,99 na Amazon.com) (830 págs.)

CLASSIFICAÇÃO ótimo

 

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LITERATURA » A poesia resiste. CORREIO BSB 13.05

 

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O lançamento de um livro de verdadeira poesia é sempre motivo para celebração: já não há lugar para o poema em nosso tempo real, duro e global, movido a informação. Não se publica poesia porque os poetas estão em extinção. Ou será o contrário? Volta a Ítaca, que está sendo lançado pela parceria entre as editoras Lacre e Boca da Noite, é um livro que nos devolve o sonho helênico, matriz de todos os sonhos ocidentais, nos versos do brasileiro Virgilio Costa e nas gravuras da artista plástica grega Artemis Alcalay. Como diz o poeta Alexei Bueno em seu prefácio, o verso e o traço ganham “uma simbiose perfeita e inarredável”.

 

A Grécia, seus deuses, mitos e heróis, inspiraram dezenas, talvez centenas de obras literárias, na prosa e na poesia. Boa parte delas centrada em Ulisses, em sua venturosa viagem de volta à ilha de Ítaca, enfrentando o mar bravio, os ciclopes, os dragões e o canto traiçoeiro das sereias. Os poemas de Volta a Ítaca cultuam esse universo não como pura evocação histórica, mas para falar de sentimentos e situações de nosso tempo.

 

Alguns, mais confessionais, falam de exílio, andanças por terras distantes, enfrentamentos políticos, o amor e as perdas, na experiência do autor. O mar é uma constante, plácido ou agitado. “É um viagem. Nostalgia. Noite no Mar Egeu. Barco de homens de pele queimada e estranha língua. A mesma face, a mesma raça”, ressaltam os versos de Virgilio.

 

O poeta, doutor em artes e humanidades, mestre em artes visuais, graduado em teoria da comunicação, é pesquisador em história da Casa de Rui Barbosa, ensaísta e pintor. Os desenhos de Artemis foram produzidos em Nova York de 1985 a 1995. “São frutos de árvores distintas, debaixo da mesma tempestade”, destaca Virgilio. A nostalgia pela Grécia e o sentimento comum de exílio refletido nos poemas do amigo criaram as bases para o livro, aponta Artemis. Um livro para ser sorvido, nos versos e nas formas. De volta a Ítaca será lançado amanhã, na Casa de Rui Barbosa, no Rio, com a exposição das gravuras. O lançamento em Brasília está sendo programado.

 

 

Volta a Ítaca

De Alexei Bueno, com ilustrações de Artemis Alcalay. Editoras Boca da Noite e Lacre. Número de páginas 130.

 

 

Canto

 

Supõe que um poema

é apenas um poema

E que a alegria é apenas alegria.

— Você ainda ia querer

escrever um poema?

 

A garganta

Corto sua garganta.

O sangue escorre

seus olhos são arrancados.

A morte vem rápida até o corpo.

 

Logo, logo,

ele não consegue mais lembrar

quem é sua mãe, seu pai, seus filhos…

 

 

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Custo do investimento fica mais caro no Brasil. VALOR ECONÔMICO 13.05

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A queda do investimento no Brasil não é apenas conjuntural e resultado da crise econômica. O país vem se tornando um lugar cada vez mais caro para investir, reduzindo a capacidade do Brasil de atrair novos projetos. Estudo feito pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) coloca o Brasil em 13º lugar num ranking do preço do investimento (mais caro) em 54 países.

 

O custo aqui é mais elevado do que o de concorrentes diretos como os Tigres Asiáticos e de emergentes como Índia, Rússia, Africa do Sul e México, mas abrir uma fábrica no Brasil chega a ser mais caro do que nos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido.

 

 

"O Brasil ficou caro em relação a outros países. Num contexto em que as empresas operam cadeias produtivas globais e escolhem onde vão se instalar, os investidores olham o Brasil e decidem ir para outro lugar" explica Cristina Reis, consultora do Iedi no estudo.

 

O que se observa no caso brasileiro é que o preço do investimento cresceu de forma muito mais acelerada a partir de 2003. Até 2000, o Brasil ocupava a 39ª posição no ranking, superando China, Índia, Rússia e asiáticos como a Malásia e a Indonésia, mas ainda muito distante de países desenvolvidos. Em 2010 esse quadro já havia mudado e o Brasil estava entre os mais caros do mundo para se investir.

 

"A resposta provável é o aumento de demanda frente a limitações de oferta" explica Cristina Reis. O aumento da renda puxado pela política de reajuste do salário mínimo bem acima da inflação e a expansão da chamada classe média fortaleceram o mercado consumidor nacional. Mas a política de estímulo ao consumo não foi combinada com aumento de investimentos.

 

"Houve um descompasso. Talvez uma crença excessiva de que apenas o mercado consumidor de massa daria conta [de manter o crescimento econômico]", diz o professor Mauro Thury de Vieira Sá, da Universidade Federal do Amazonas e consultor no estudo.

 

A comparação internacional é feita a partir da "Penn World Table", uma base de dados da Universidade da Pensilvânia (EUA), que reúne informações econômicas de diversos países que podem ser comparadas entre si. Os pesquisadores do Iedi avaliaram a evolução do custo da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) - medida do que o país gasta em máquinas e equipamentos e em obras de construção - mais a variação de estoques para estimar o custo total do investimento até 2010.

 

Em 2003, a formação bruta de capital fixo no Brasil foi o equivalente a 15,3% do PIB, percentual mais baixo desde a estabilização da economia. O pico ocorreu em 2010, quando esse indicador chegou a 19,5% do PIB, percentual que caiu para 18,1% do PIB no ano passado. Durante todo esse período, a curva mostra altos e baixos, mas não um crescimento consistente do investimento.

 

A desvantagem do Brasil não se resume apenas ao preço do investimento produtivo em relação a outros emergentes. Quando a comparação é feita com países desenvolvidos, o Brasil perde também porque tem infraestrutura muito inferior a oferecer. Mauro Sá explica que em países onde o investimento é caro há, de modo geral, diferenciais favoráveis que explicam esse preço. O caso brasileiro, no entanto, não é esse.

 

Não há dados disponíveis para comparar o Brasil a outros países nos dois últimos anos. O Iedi analisou apenas os dados do PIB brasileiro para avaliar a tendência recente. A conclusão é que em 2011 e 2012, o preço do investimento brasileiro continua subindo. Mas há um detalhe curioso: a formação bruta de capital fixo de máquinas e equipamentos cresce num ritmo mais baixo que o investimento total.

 

A diferença entre os dois indicadores é que a formação bruta total inclui despesas com construção e instalação, além do maquinário. A conclusão dos pesquisadores, portanto, é que a pressão vem da área de construção, onde o preço da mão de obra também vem subindo acima da inflação.

 

As políticas de desoneração tributária do governo mostram ter efeito sobre o custo de máquinas e equipamentos, especialmente os juros abaixo do mercado cobrados pelo BNDES nos bens de capital. Mas esse incentivo não é suficiente para baratear o investimento total. O governo vem defendendo que há, em curso, uma recuperação do investimento no país.

 

Dados da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda apontam um crescimento de 7,8% na formação bruta de capital fixo no primeiro trimestre desse ano. Além disso, argumentam que a política econômica está privilegiando o investimento. As informações oficiais indicam que 71% das desonerações de R$ 163,6 bilhões estimadas para esse ano e o ano que vem estão direcionadas para o investimento e produção.

 

Entre as políticas capazes de aumentar a competitividade do investimento brasileiro, o governo cita a desoneração da folha de pagamentos, da energia elétrica, além do programa de concessões de R$ 240 bilhões. "Não é trivial reverter esse quadro. O governo ainda tem alguma margem de manobra, mas está cada vez mais estreita", diz Mauro Sá.

 

 

 

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O 'prefeito' da Cidade das Artes. VALOR ECONÔMICO 13.05

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Emilio Kalil quer criar sociedade de patronos da Cidade das Artes, inspirado na experiência dos tempos de diretor dos teatros municipais de São Paulo e do Rio

O produtor cultural Emilio Kalil está acostumado a correr contra o tempo, driblar limitações da administração pública e ir além de eventuais barreiras do mundo da arte brasileira. Mas, desta vez, o desafio que enfrenta é um dos maiores de sua história profissional. Desde novembro, a convite do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), preside a Fundação Cidade das Artes. Após quatro anos com as obras civis praticamente prontas, mas fechado ao público, o gigantesco complexo cultural será oficialmente inaugurado na quinta-feira.

 

A Cidade das Artes precisa não apenas buscar recursos financeiros - já que o orçamento da prefeitura é insuficiente -, como garantir uma programação atraente para conquistar espaço no circuito cultural brasileiro. "Vai funcionar. Eu garanto que vai funcionar. Trabalho com essa coisa de palco desde 1977", afirma.

 

Aos 62 anos de idade, Kalil acumula a experiência de quem já foi diretor do Theatro Municipal do Rio e do de São Paulo. Por 11 anos esteve na administração do conceituado Grupo Corpo, de dança contemporânea. Antes de assumir a Cidade das Artes, foi secretário municipal de Cultura do Rio. Um dos destaques de sua carreira foi ajudar a pilotar - "com um grupo de doidos", afirma em tom de brincadeira - a montagem, em exíguos quatro meses, de uma das maiores exposições de arte brasileira já realizadas no país e que correu o mundo.

 

Foi em 2000. Com um time de profissionais experientes como Bia Lessa, Daniela Thomas, Paulo Pederneiras e Marcos Flaksman, entre outros, foi o coordenador de cenografia da "Mostra do Redescobrimento", realizada no parque Ibirapuera, em São Paulo, em comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil. O convite, em 1999, para montar a exposição foi de Edemar Cid Ferreira, então principal controlador do Banco Santos - que teve falência decretada em setembro de 2005.

 

Apesar dos muitos problema de Edemar com a Justiça, Kalil faz questão de frisar que continua seu amigo. "O que ele fez pela cultura no Brasil não tem preço. O que ele fez no banco não me interessa. Não é minha área", afirma Kalil. "Se ele fez, ele que resolva. Se não fez, ele que se defenda - como está fazendo. Nunca fui funcionário do banco e tenho o maior carinho pelo Edemar."

 

Quando foi chamado para montar a exposição, Edemar disse a Kalil que estava em busca de algo diferente, novo. Era fim de novembro de 1999. A proposta era inaugurar a exposição, com acervo de colecionadores, museus e igrejas, no fim de abril de 2000 dentro de uma área de 56 mil m2 em três prédios do parque Ibirapuera. Havia pouco tempo para restauros de determinadas obras. A solução foi montar um laboratório dentro da própria mostra - cerca de mil peças foram restauradas.

 

A exposição durou cinco meses e, depois, dividida em módulos, viajou pelo Brasil e Estados Unidos, além de França e Inglaterra. "Ocupamos o prédio inteiro do Guggenheim [em Nova York]. A mostra se chamava 'Brasil Body & Soul'. Na China, tivemos espaço dentro da Praça Vermelha, e isso abriu espaço para que a exposição dos guerreiros viesse para cá", afirma Kalil, em referência à exposição "Guerreiros de Xi'an e os Tesouros da Cidade Proibida", que foi apresentada na Oca, no parque Ibirapuera, em 2003.

 

"É um projeto que está pronto e tem que funcionar, não tem mais volta", diz presidente da Fundação Cidade das Artes

 

A Cidade das Artes também é um empreendimento de superdimensões. Com 97 mil m2 de área construída, foi por quatro anos esquecida na primeira administração de Eduardo Paes. Após uma polêmica envolvendo sua construção, com o questionamento dos mais de R$ 500 milhões investidos pela administração do prefeito anterior, Cesar Maia, Paes declarou que a então Cidade da Música não era prioridade. Mas, em janeiro, um aquecimento da Cidade das Artes ocorreu, com o espetáculo "Rock in Rio, o Musical". A produção entrou com cerca de R$ 1 milhão para ajudar "a pagar as contas" e implantar o serviço de bilhetaria. Na inauguração de fato, na quinta-feira, entram em cena dois espetáculos.

 

Na Grande Sala, com 1.800 lugares, a Cia de Dança Deborah Colker (que completa 20 anos de atividades) apresenta "Tatyana", inspirado no clássico da literatura russa "Eugene Onegin", de Aleksander Pushkin (1799-1837). Já no Teatro de Câmara, Marco Nanini apresenta o monólogo "A Arte e a Maneira de Abordar seu Chefe para Pedir um Aumento", inspirado em obra de George Perec (1936 -1982) e com direção de Guel Arraes.

 

Quem caminha pelo vão central da Cidade das Artes consegue ter noção do gigantismo do projeto do prestigiado arquiteto francês Christian de Portzamparc, vencedor do Prêmio Pritzker em 1994, o principal no segmento. Uma dúvida pode surgir no visitante: será que houve megalomania ou ousadia na proposta? Kalil responde de forma enfática. "Acho que houve um exagero." Mas, em seguida, completa: "É um projeto que está pronto e tem que funcionar, não tem volta".

 

Só para operar a Cidade das Artes, ele precisará de R$ 26 milhões por ano. "Falo só da manutenção, não falo de programação. Todo esse tamanho cria uma situação complicada para manutenção. O orçamento deste ano é de R$ 17 milhões porque não vamos ter produções o ano todo", afirma.

 

Além dos dois teatros, a Cidade das Artes abriga sala de música de câmara (500 lugares), 13 camarins, salas de ensaio, três cinemas, galeria de arte, restaurante e um grande espaço no vão central além dos jardins.

 

"Vi um projeto idêntico, na Inglaterra, em Newcastle, que se chama Sage e tem exatamente as mesmas condições em número de salas, teatros, restaurantes, cinema. Igualzinho, mas num espaço físico que deve ser um quinto deste", diz.

 

Kalil critica a localização: "Se fosse começar um projeto com essas características, jamais faria num cruzamento de duas avenidas [das Américas e Ayrton Senna, na Barra da Tijuca]. Faria proximo de um parque e onde tivesse uma grande circulação de público pedestre - que aqui foi anulado". Para ele, a praça central é "linda", mas, mesmo assim, proporia uma solução distinta. "Não faria tão aberto, escancarado como projeto, numa área como a Barra da Tijuca - próximo ao mar, onde venta e as chuvas são fortes. Em uma grande chuva não se consegue sair de uma área para outra por conta dos ventos e da chuva que cruzam aqui dentro."

 

Após cinco meses, com equipe trabalhando quase 24 horas por dia, a oxidação dos materias que foram colocados, mas não tiveram uso, está sendo limpada. "As salas são boas. Há alguns defeitos, como no grande teatro com lateralidade, onde a visibilidade é prejudicada. Os camarins são distantes do palco. O artista tem que sair do teatro e pegar um elevador para chegar ao camarim. Isso foi feito por gente que não entende de teatro", afirma.

 

Kalil sempre quis trabalhar com arte, teatro e dança - este último, "uma paixão". Filho de pais libaneses radicados no Rio Grande do Sul, ele não teve muitas opções ao entrar para a faculdade. Pela família, cursaria medicina, advocacia ou engenharia. Escolheu, sob pressão, a engenharia. Fez apenas quatro anos e, corajosamente, passou para a graduação de jornalismo.

 

Os 97 mil m2 de área construída abrigam duas salas de espetáculos, três cinemas, salas de aula e restaurante, entre outros

Formado, Kalil foi para a TV Difusora, em Porto Alegre. Durante a ditadura, criou séries de programas de caráter documental - como artes cênicas e literatura. "Fiz um programa sobre dança em que entrou o Grupo Corpo. Estavam lançando seu primeiro espetáculo, 'Maria, Maria' [1976]." Em seguida, viria uma série focada em literatura. Até que veio a censura.

 

"Uma professora tornou-se responsável pela censura. Ela assistiu a um dos programas e disse que eu precisava cortar parte de uma entrevista. Era uma ordem", conta.

 

"Fiquei com aquilo na cabeça quando o Grupo Corpo me convidou para ir a Belo Horizonte montar uma escola de dança. Pensei que seria uma insanidade mudar de cidade, mas senti que não poderia ficar naquela situação. Tudo que eu fazia na televisão tinha que ser censurado por aquela senhora. Numa tarde mudei minha vida", afirma Kalil. No mesmo dia ele apagou todas as fitas das séries, pediu demissão, colocou a mudança no carro e seguiu para Belo Horizonte, onde ficou por 11 anos.

 

Em dezembro de 1987 foi a vez de receber um convite para reunião com a filósofa Marilena Chauí, então secretária municipal de Cultura de São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina. "Achei que era para dirigir a escola de dança, mas me surpreendi, pois era para dirigir o Theatro Municipal." Foram quatro anos em que desenvolveu habilidade em buscar recursos financeiros - atividade também exercida nos quatro anos (1995 a 1999) em que comandou o Theatro Municipal do Rio, função que deixou quando o governo de Marcelo Alencar foi concluído. "Saí porque terminou o mandato e entrou [Anthony] Garotinho. Imagine se iria trabalhar com Garotinho."

 

A obtenção de recursos é um dos grandes desafios na administração pública. Um dos caminhos que Kalil buscou no Theatro Municipal de São Paulo (e depois no Rio) foi a criação de uma sociedade de amigos do teatro, formada por empresários e amantes das artes. O grupo passou a atuar no apoio à programação e na busca de recursos para financiar a vinda de grandes nomes.

 

Na Cidade das Artes, pretende criar algo semelhante. Lembra-se de um episódio do passado, em que um artista contratado estava prestes a chegar ao Brasil, mas o cachê não havia sido liberado.

 

"Liguei para o José Ermírio de Moraes Filho, que era presidente da sociedade dos amigos do teatro. Ele me perguntou: 'Quanto é? Mando o cheque agora'."

 

Kalil lembra que, na administração pública, o orçamento é anual e com pouco espaço de manobra. Por isso, com a sociedade dos amigos - que será formada por pessoas com influência no mercado -, vai participar e avalizar as decisões e ajudar a trazer patrocinadores. Mas adianta: "Teremos aqui a Comédie- Française e o congresso de museus de todo o mundo. Espero que nos próximos seis meses as pessoas possam vir aqui e escolher entre o Nanini no Teatro de Câmara, um concerto no teatro grande, um espetáculo de dança na sala de ensaio lá em cima, ou um workshop aqui embaixo".

 

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Cotas impõem desafio a empresas e deficientes. VALOR ECONÔMICO 13.05

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Mais tolerância e planos de carreira

A contratação de profissionais com deficiência, obrigatória depois da lei que criou cotas de 2% a 5% para esses trabalhadores, continua sendo um desafio para os dois lados. As empresas alegam não encontrar mão de obra qualificada e especialistas dizem que faltam oportunidades de crescimento para essas pessoas no mundo corporativo. Segundo pesquisa da empresa de recrutamento iSocial, 74% das pessoas com deficiência não tiveram promoção no último trabalho ou no atual, sendo que quase 50% estavam no emprego há mais de dois anos.

 

Para fugir dessa tendência, no Itaú Unibanco, que já cumpre a cota de 5% há cerca de dois anos, a ênfase agora é treinar os contratados. "Como já temos o número, trabalhamos na qualidade", diz Marcele Correia, superintendente de atração e seleção.

 

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