segunda-feira, 27 de maio de 2013
Millôr desenhista, por ruy castro
RIO DE JANEIRO - Um dia perguntei a Millôr Fernandes quem viera primeiro,
o escritor ou o desenhista, ou qual nele se revelara mais cedo. Ele disse: o
desenhista. Fiquei surpreso porque, para mim, se Millôr nascera para escrever,
o desenho parecia algo que ele tivera de aprender. Eu ainda não sabia o
suficiente de André François, James Thurber e Saul Steinberg para entender que
gênios do desenho, como eles, dispensam a linha reta, a limpeza, o retoque. FOLHA SP 27.05
Millôr me contou que, em sua memória mais remota,
nunca se viu sem desenhar, ao passo que se lembrava de quando começara a ler e
a escrever. Donde seu instrumento primordial era o lápis, não a caneta. Não
será surpresa se o mergulho em seu acervo gráfico, a cargo de Ivan Fernandes,
revelar que o artista Millôr foi tão grande ou maior que o escritor.
Seja como for, é esta última faceta que estará no
monumento em sua homenagem a se inaugurar hoje no Rio, a um ano de sua morte:
um banco de calçada, projetado pelo arquiteto Jaime Lerner, em que a silhueta
recortada de Millôr, traçada por Chico Caruso para lembrar "O
Pensador" de Rodin, atravessa uma placa de aço e permite ver o mar e o pôr
do sol.
O banco fica no recém-batizado largo do Millôr,
junto à pedra do Arpoador, um espaço que ele pisou todos os dias, em seus 58
anos de Ipanema, depois de correr ou caminhar em marcha acelerada pela areia
dura, como o atleta que também era.
Desenhista, pensador, atleta. Mas só agora percebo
que dois presentes com que me honrou tinham a ver com desenho: uma coleção de
sua revista "Pif-Paf" (os oito números originais, de 1964, não a
edição fac-símile, de 2008) e o guache com que ilustrou um artigo que escreveu
em 1999 sobre meu livro "Ela é Carioca - Uma Enciclopédia de
Ipanema", no qual seu verbete foi o mais difícil de fazer. Ele não cabia
em verbetes.
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