sexta-feira, 17 de maio de 2013
CULTURA » Lisboa prestigia Athos Bulcão. A partir do dia
29, parte das obras do multiartista será exposta no Museu Nacional do Azulejo,
em Lisboa. A mostra interativa levará para a Europa painéis característicos à
paisagem de Brasília, como as peças da Igrejinha da 307/308 Sul. CORREIO BSB
17.05
.
A vanguarda da arquitetura e do urbanismo de Brasília
ganhou o mundo. Depois de Oscar Niemeyer encantar Paris com a mostra Brasília,
meio século da capital do Brasil e a cidade ser prestigiada em Nova York numa
exposição fotográfica apresentada também no livro Brasília vista do céu, é a
vez de Athos Bulcão se revelar no berço artístico da azulejaria. As obras do
artista que adotou a capital federal atravessarão o Oceano Atlântico e
desembarcarão em Portugal. De 29 de maio a 28 de julho, parte delas estará
exposta no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, por iniciativa da Fundação
Athos Bulcão (Fundathos).
Duas salas foram reservadas para abrigar as peças da
exposição Azulejos em Brasília, azulejos em Lisboa. Athos Bulcão e a tradição
da azulejaria barroca. Em um desses ambientes, será montado um gabinete de
curiosidades, com três televisores de LCD. Serão mostradas entrevistas sobre a
arte de Bulcão, imagens dele trabalhando, fotos dos trabalhos, intervenções em
Brasília, além de filmes sobre a azulejaria portuguesa no Brasil. Além de
Brasília, Belém, Salvador, Belo Horizonte e São Luiz ganharão destaque.
Quem visitar a obra terá acesso a máscaras, painéis e
serigrafias de Athos. Também será possível montar peças de azulejos fixados com
imãs em duas paredes dispostas na primeira sala. Segundo a secretária executiva
da Fundathos, Valéria Cabral, esse espaço foi criado com o intuito de
apresentar as facetas do multiartista, além dos segmentos em que ele
transitava. “O contato com a primeira área é uma espécie de preparação do
espectador antes de ele adentrar na segunda.”
No cômodo seguinte, os azulejos de Athos ganham destaque.
Ao todo, serão posicionadas 44 peças para a apreciação do público. Todas
estarão destacadas em grandes molduras. No mesmo ambiente, serão estendidos
ainda painéis portugueses. “Vamos dar oportunidade para as pessoas verificarem
o diálogo existente entre as obras brasileiras e as portuguesas”, argumentou
Valéria. “Este, na verdade, é o objetivo desta ação: discutir as influências da
azulejaria portuguesa na brasileira e fazer essa ligação entre as duas, sem
deixar de lado, é claro, de exibir o universo que engloba o artista.”
A curadora da exposição, Marília Panitz, num texto de
apresentação da mostra, comentou sobre a influência da azulejaria mudéjar e da
barroca portuguesa na obra de Athos Bulcão. “Aproximando a cidade modernista da
capital portuguesa, o nosso convite é para um percurso onde se revela a relação
entre o artista maior de Brasília e os azulejos de Lisboa”, mencionou. A
visitação é gratuita. A exposição faz parte da programação do Ano do Brasil em
Portugal.
Residência Ivany Valença, Brasília, 1972
Em curso
Até 30 de junho, franceses e turistas de todo o mundo
poderão conhecer um pouco da história da capital brasileira e da obra de Oscar
Niemeyer. A mostra Brasília, meio século da capital do Brasil, que inclui o
desenho original do Plano Piloto e uma maquete da cidade, ocorre na sede do
Partido Comunista, em Paris. Desde a abertura, a iniciativa atraiu 7 mil
visitantes. A exposição de Nova York, por sua vez, revela fotografias aéreas da
capital federal. Foi aberta na última terça-feira e vai até 26 de junho. As
imagens são do fotógrafo Bento Viana. Entre as paisagens, estão o Lago Paranoá,
a Ponte JK e o Museu Nacional. Os registros estão na sede do Banco do Brasil,
no centro de Manhattan, entre a 5ª e a 6ª avenidas.
No segundo semestre, a Subsecretaria de Marketing e
Eventos, da Secretaria de Turismo do DF fará uma licitação para a promoção de
eventos sobre Brasília na Argentina, no Uruguai, no Peru, na Colômbia e nos
Estados Unidos.
Para saber mais
O artista em Roma
Em março, a presidente Dilma Rousseff presenteou o papa
Francisco (foto) com réplicas de azulejos de Athos Bulcão produzidas pela
fundação que leva o nome dele, a Fundathos. Um deles retratava a Pomba do
Espírito Santo; o outro, a Estrela de Belém. Ambos são símbolos católicos. O
caminho feito por um dos principais trabalhos de Athos até o Vaticano começou
em 2010. Ainda no governo Lula, o então embaixador-chefe de Cerimonial do
Itamaraty, Jorge Prata, entrou em contato com a Fundação para que fossem
confeccionados múltiplos de arte — réplicas — de obras do artista. O objetivo
era presentear chefes de Estado e autoridades que se encontrassem com o
presidente no Brasil ou no exterior, valorizando o trabalho do artista
brasileiro e divulgando a cultura do país.
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Educação pode ser
abatida no IR. VALOR ECONÔMICO 17.05
Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) não julga a
discussão sobre o limite de abatimento de gastos com educação no Imposto de
Renda (IR), contribuintes têm obtido liminares na Justiça Federal favoráveis à
dedução integral das despesas.
No Rio de Janeiro, uma advogada conseguiu, na 11ª Vara
Federal da capital, o direito de reduzir o valor a ser pago de IR com o
abatimento de todos os gastos com cursos de pós-graduação. Em São Paulo, o
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) obteve
liminar para seus associados no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região
(SP e MS). A decisão, por ter abrangência nacional, beneficia 25 mil
sindicalizados, segundo o presidente da entidade, Pedro Delarue. A
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já recorreu das decisões.
Antiga, a questão ganhou novamente força com a apresentação
pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de uma ação direta de
inconstitucionalidade (Adin) contra o teto estabelecido pela União. A entidade
argumenta no processo, ajuizado em março, que o limite viola garantias constitucionais,
como a dignidade da pessoa humana e o direito de todos à educação. O impacto da
causa, segundo a Receita Federal, seria de R$ 1,2 bilhão ao ano.
A entidade decidiu ir ao Supremo depois de os contribuintes
obterem um importante precedente no TRF da 3ª Região. Em março de 2012, o Órgão
Especial da Corte declarou o limite inconstitucional por violar o direito de
acesso à educação previsto na Constituição Federal, além da capacidade
contributiva. "Se a Constituição diz que é dever do Estado promover e
incentivar a educação, é incompatível vedar ou restringir a dedução de
despesas", diz na decisão o relator do caso, desembargador Mairan Maia.
Em 2006, o TRF da 5ª Região também reconheceu o direito aos
contribuintes do Ceará por meio de uma ação civil pública do Ministério Público
do Estado. A decisão, porém, está suspensa por uma liminar.
Com os precedentes, contribuintes têm obtido entendimentos
favoráveis na Justiça. Em decisão liminar de 13 páginas, proferida no dia 29 de
abril, a juíza Fabíola Utzig Haselof, substituta na 11ª Vara Federal do Rio de
Janeiro, julgou que a advogada Ana Paula Sauders tem o direito de abater
integralmente do IR os custos com instrução. Para a magistrada, os limites
fixados afrontam "violentamente" os objetivos traçados na
Constituição, que no artigo 205 reconhece a educação como "direito de
todos e dever do Estado e da família".
A advogada preferiu entrar com a ação agora por temer que o
Supremo, caso declare inconstitucional o limite, venha a modular os efeitos da
decisão. "Tenho receio da modulação. Minha preocupação é com o mestrado
que começarei e me custará R$ 54 mil", diz a tributarista que desembolsou
nos últimos anos R$ 17 mil com cursos de pós-graduação em direito tributário e
cinema.
Em despacho, a Receita Federal informou que é impossível
admitir a declaração manual da contribuinte e, por isso, adotará um
procedimento especial para cumprir a decisão: informará o número do CPF dela à
Coordenação-Geral de Arrecadação e Cobrança para que a partir da declaração
seja reconhecida a dedução total das despesas informadas com instrução.
Os próprios auditores fiscais foram ao Judiciário contra o
limite. Ao conceder a liminar, no dia 1º de abril, a desembargadora Consuelo
Yoshida, do TRF da 3ª Região, entendeu, com base na jurisprudência da Corte,
que a incidência do IR sobre despesas com educação "vulnera o conceito
constitucional de renda".
Apesar de ter entrado com a ação para derrubar o limite de
dedução, o Sindifisco defende o aumento do teto. Na terça-feira, vai propor um
projeto de lei de iniciativa popular para elevar o limite dos atuais R$ 3.375
para R$ 12 mil. "Acabar com o limite cria distorções. O Estado seria
obrigado a financiar a educação de uma criança que estuda em uma escola
caríssima", diz Pedro Delarue, do Sindifisco. "Com o teto de R$ 12
mil, o contribuinte teria uma redução de R$ 4 mil no imposto, o mesmo valor
desembolsado pelo Estado para manter um aluno na escola pública",
completa.
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MinC se pronuncia
sobre o novo regimento. O Estado de S. Paulo - 17/05
Em resposta à matéria publicada ontem no Caderno 2,
intitulada Cinemateca reage a novo estatuto, a assessoria de Comunicação do
Ministério da Cultura (MinC) enviou comunicado contestando alguns pontos. O
documento afirma que o MinC não publicou no Diário Oficial da União alteração
exclusivamente ao regimento da Cinemateca, mas sim que publicou alteração do
regimento interno do MinC. Além disso, o MinC declara que atualizar o regimento
interno é medida necessária em vista do desenvolvimento dos trabalhos e
estruturas administrativas e adicionou que, no caso da Cinemateca, a principal
necessidade do novo regimento era a de adequá-lo à nova estrutura regimental
instituída pelo Decreto 7.743, de 31 de maio de 2012: uma coordenação-geral e quatro
coordenações (foram criadas duas novas), pois o antigo regimento espelhava a
estrutura já defasada, prevista no Decreto 5.711, de 2006, que previa uma
gerência e duas coordenações.
No que diz respeito ao papel do Conselho da Cinemateca, o
MinC declara que esse é consultivo e isso não muda e acrescentou que,
"como se vê na publicação disponível no site do MinC, não há uma linha
sequer sobre isto". Para concluir, também declarou que, diferentemente do
dito por Patrícia de Filippi, o cargo de diretor da Cinemateca é de confiança
da ministra Marta Suplicy, A tradição tem sido acolher nome do diretor indicado
pelo Conselho
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Arquiteto japonês
projeta casa ecológica móvel própria para tomar chá. FOLHA SP 17.05
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Imagine tomar o tradicional chá oriental em uma sala nas
alturas. Imagine então que seja possível levar esse espaço para onde quiser.
Essa é a proposta do arquiteto japonês Terunobu Fujimori,
conhecido por seus projetos inusitados no Japão, que projetou uma 'casa' móvel
suspensa especialmente para a hora do chá.
Quatro postes móveis auxiliam na sustentação da casa, que é
feita por meio de cabos de aço.
O lado externo é marcado pelo telhado bem definido e a
estrutura de barro, material muito usado pelo arquiteto que prioriza o uso de
matérias-primas orgânicas.
A parte interna é feita de madeira compensada laminada e
piso de gesso de gesso com tábuas de madeira cedro.
As duas janelas ajudam na ventilação, necessária para
amenizar o calor que o fogão, instalado em um dos 'cantos', pode produzir.
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Lampião de palavras:
Graciliano Ramos. Ieda Lebensztayn,
autora de "Graciliano Ramos e a Novidade: o Astrônomo do Inferno e os
Meninos Impossíveis" (Editora Hedra), é doutora em literatura brasileira
pela USP e pós-doutoranda no IEB-USP, bolsista da Fapesp VALOR ECONÔMICO 17.05
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Na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, encontrei
"Dois Irmãos", artigo de Graciliano Ramos inédito em livro. Saiu em
"Diretrizes" em setembro de 1938, um mês e alguns dias depois de
terem sido decapitados Lampião, Maria Bonita e cangaceiros do seu bando.
Integra uma série de crônicas em que o escritor reflete sobre problemas do
Nordeste, do Brasil e da civilização a partir da questão do cangaço:
"Lampião", "Virgulino", "Cabeças", "O Fator
Econômico no Cangaço", "Dois Cangaços", "Antônio
Silvino", "Corisco" e "Desordens".
A primeira delas, "Lampião", de 1931, foi
publicada na revista alagoana "Novidade" e hoje consta do livro de
crônicas "Viventes das Alagoas". Graciliano já explicitava que não
lhe interessava apenas o indivíduo Virgulino Ferreira, mas a motivação do
"lampionismo": a necessidade de viver levava os sertanejos a aderirem
ao banditismo.
Posterior à prisão de Graciliano (1936), como os demais
textos mencionados, "Dois Irmãos" chama a atenção para as "chuvas
de notícias sangrentas" que vinham do Nordeste em 1938: o problema da seca
na região, não resolvido até hoje, aponta para o fator econômico e político,
fonte de violência. A barbaridade afligia o escritor, então no Rio de Janeiro,
migrante forçado, saído da cadeia no início de 1937. A estrutura social fincada
em desigualdades, gerando fome e luta por sobreviver, resultava na violência de
cangaceiros e da polícia, patente na degola de Lampião e de seu grupo em julho
de 1938 e na exposição das cabeças, atrocidades tão noticiadas à época.
Revoltado contra injustiças e desejoso de ação, porém
intelectual, afeito à palavra escrita, Graciliano se inquietou com as questões
do cangaço e do beatismo. Mais do que meros assuntos na ordem do dia, eles
carregam uma rede de problemas que atingiam a sensibilidade do escritor,
pedindo-lhe reflexão e forma artística.
O mote de "Dois Irmãos" é "Pedra
Bonita", romance de José Lins do Rego lançado em 1938. Mas Graciliano não
trata minuciosamente do livro, e sim de uma divisão nele presente, entre dois
irmãos - o cangaceiro e o afilhado do padre. Com agudez, destaca que "a
dispersão de forças" entre os irmãos, ambos desgraçados e sequiosos de
mudanças, porém adeptos de "processos de salvação contraditórios",
favorecia seus opressores.
É notável a força poética e crítica do artigo de
Graciliano. Evocando as imagens de Esaú e Jacó, o bruto e o sonhador, mostra
que fome e injustiças levavam sertanejos à brutalidade, à sede de vingança, daí
o lampionismo; mas também podiam resultar em resignação, no potencial de
piedade e de consciência crítica. Nesses caminhos possíveis dos sertanejos, o
leitor reconhece os impasses que dão forma às personagens de Graciliano.
O "Esaú sertanejo" é Lampião: depois de
aguentarem injustiças, muitos se entregavam ao cangaço, a assassinatos e roubos
- reações violentas à exploração no eito, aos desmandos dos soldados, dos
poderosos.
"Esaú é arrojado, tem o coração ao pé da goela e pouco
interior. O que vem de fora não o penetra muito: bate e volta, traduz-se em
movimento. E como o que recebe de ordinário é brutalidade, a brutalidade faz
ricochete e atinge quem o ofendeu. [
] Por isso, quando na feira um soldado lhe planta a reiuna em cima da
alpercata, apruma-se e rebenta-lhe o focinho com um murro, se o agressor está
desacompanhado; se não está, vai esperá-lo numa volta de caminho, passa duas
semanas emboscado [
]. Mata-o, fura-lhe a
carótida com o punhal [
]."
Essa imagem do Esaú sertanejo traz à mente o desejo
irrealizável de Fabiano, de "Vidas Secas" (1938): tornar-se
cangaceiro e se vingar do soldado que o prendera injustamente e o espancara -
matar os donos do soldado, os governantes. E como não pensar em Paulo Honório,
de "São Bernardo" (1934), cuja realidade de explorado se traduziu em
movimento até que, assassino e ladrão, ele se fizesse proprietário explorador?
Funcionário humilhado, Luís da Silva respondeu com ódio de "cangaceiro
emboscado" a Julião Tavares, redundando no crime de "Angústia"
(1936).
Já o outro irmão, o Jacó sertanejo,, é o homem capaz de
sonhos, gentileza, piedade e paciência. A miséria o acompanha: "Jacob,
homem de sonho, diverge muito do irmão. É doce, resignado, constrói escadas que
anjos percorrem, aguarda longos anos a realização de promessas que julga ter
recebido. Como as promessas não se efetuam, fica outros anos encolhido,
espiando o céu. [
] esse homem piedoso
continua miserável, habitante duma região medonha que certa literatura tem
revelado indiscretamente".
Diversa dessa divisão de caracteres de "Pedra
Bonita", a arte da personagem Fabiano é carregar em si a tensão entre os
"dois irmãos". Esaú e Jacó sertanejo, embora bruto e sedento de se
vingar das injustiças, o retirante não mata o soldado: "guarda a sua
força", é ético em sua resignação e apego aos sonhos de mudança junto à
família. Também Paulo Honório e Luís da Silva têm uma face de Jacó: narradores
de suas tragédias, doçura e piedade convertidas em angústia, são homens de
sonhos frustrados.
Ressaltam do artigo a sensibilidade e o olhar crítico às
incongruências do país, em que o intelectual, Lampião de palavras, entre o
ímpeto revoltoso de Esaú e o sonhar compungido de Jacó, é combatido como
"extremista". Graciliano alude com ironia à sua prisão (1936): a
denúncia dos problemas da realidade brasileira, tornada chavão com a revolução
de 1930, redundou em sofrimento para quem denunciava de fato, sem enfeites, os
molambos.
Assim, "Dois Irmãos" expressa o desejo do
escritor de que se observasse o cangaço em sua complexidade: propalado como
heroico pela imprensa, o assassinato de alguns bandoleiros pela força policial
não significava o fim da miséria no Nordeste.
Em sua arte, assim como ao dirigir a Instrução Pública de
Alagoas, Graciliano agiu contra a miséria, a ignorância e os preconceitos
gritantes. Esse "extremismo" seria repreendido com a prisão do
escritor, e a ironia da carta (não enviada) a Getúlio Vargas, igualmente de
1938, nos cala.
"[
] Como disse a V. Excia., a comissão repressora dum dos extremismos [
] achou inconveniente que eu permanecesse em Alagoas,
trouxe-me para o Rio e concedeu-me hospedagem durante onze meses. Sem motivo,
suprimiu-se a hospedagem, o que me causou transtorno considerável. Agora é
necessário que eu trabalhe, não apenas em livros, mas em coisas menos aéreas.
Ou que o Estado me remeta ao ponto donde me afastou, porque enfim não tive
intenção de mudar-me nem de ser literato. [
] ignoro as razões por que me tornei indesejável na minha
terra. Acho, porém, que lá cometi um erro: encontrei 20 mil crianças nas
escolas e em três anos coloquei nelas 50 mil, o que produziu celeuma. Os
professores ficaram descontentes, creio eu. E o pior é que se matricularam nos
grupos da capital muitos negrinhos. Não sei bem se pratiquei outras
iniquidades. É possível. Afinal o prejuízo foi pequeno, e lá naturalmente
acharam meio de restabelecer a ordem."
Ieda Lebensztayn, autora de "Graciliano Ramos e a
Novidade: o Astrônomo do Inferno e os Meninos Impossíveis" (Editora
Hedra), é doutora em literatura brasileira pela USP e pós-doutoranda no
IEB-USP, bolsista da Fapesp
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Literatura; O livro como um fetiche. Arquitetos propõem
novos rumos para o livro físico na era digital, que põe em xeque um modelo de
relação entre as obras, as livrarias e os leitores. José Godoy é escritor, editor e comentarista
da rádio CBN. VALOR ECONÔMICO 17.05
O "cantinho do escritor", no Library Hotel, Nova
York, onde cada um dos andares se dedica a um tipo de obra: pode-se fazer
reserva baseada na preferência por gênero literário
Em uma mostra de decoração, realizada em março no Rio, a
arquiteta Ana Lucia Jucá compôs um dos seus ambientes com uma pintura do
artista plástico francês Benoit Gentil. A obra se valia da técnica do
"trompe-l'oeil" para simular uma biblioteca real, ocupando sete
metros de uma das paredes do evento. Na época, em entrevista para "O
Globo", Ana Lucia defendia esse tipo de opção, em clara oposição a estantes
de livros. "Não precisamos mais ter livro em casa, eles estão no iPad, a
um clique", disse a arquiteta, e, prosseguindo, ao menos encontrou um uso
derradeiro para esses velhos objetos: dar "aconchego à decoração".
Por mais que cause consternação aos amantes de obras impressas, as ideias de
Ana Lucia apontam para mais uma das profundas transformações que tomam o
mercado editorial. Não se trata apenas da migração de acervos para o mundo
digital ou da modificação de hábitos de leitura, mas sim de uma atualização dos
fetiches despertados pelas edições em papel.
Por alguns séculos, bibliotecas desempenharam em âmbito
doméstico essa função. Cômodos nos quais se acumulavam volumes, que, além de
"aconchego" aos ambientes, traziam status e demonstração de poder aos
seus proprietários. Não era incomum, por exemplo, em famílias afluentes, a
encomenda de bibliotecas de livros falsos, formadas por blocos de lombadas
geminadas.
Alguns desses valores foram transferidos, nas últimas
décadas do século passado, para as megalivrarias, que brotaram primeiro nos
Estados Unidos e depois se espalharam por todo o mundo. Um local onde era
possível passar parte do dia percorrendo seções, lendo trechos de obras,
tomando café expresso ou cappuccino, e até comprando livros e uma série de
outros itens, de preferência com descontos.
Essa é a equação que Joe Fox, personagem de Tom Hanks em
"Mensagem para Você", filme de Nora Ephron, do fim dos anos 1990,
defende. Com todos os estereótipos associados aos tubarões capitalistas, ele
capitaneia o avanço da rede de livrarias de sua família, levando antigos e
tradicionais estabelecimentos, como a livraria infantil criada pela mãe da
personagem de Meg Ryan, à bancarrota.
Visto hoje, o filme parece uma fábula sobre um curto
período de tempo na história do mercado editorial. Afinal, uma década mais
tarde, foi a vez de negócios como o de Joe Fox serem engolidos por novos
gigantes como a Amazon, como bem atestam a falência da rede Borders alguns anos
atrás, e a séria crise que atinge a Barnes & Nobles.
O Brasil tem uma trajetória singular nessa história. Por
aqui os grandes grupos crescem em espaço físico e número de lojas, tornando-se
polos de atração num país carente de espaços públicos de convívio. Ao mesmo
tempo, em mais uma das inúmeras contradições locais, o consistente fluxo de
clientes desses empreendimentos contrasta com a falta de leitores. Segundo a
última pesquisa do Instituto Pró-Livro, do ano passado, o país tem hoje uma
média inferior a duas obras lidas por habitante a cada ano.
A indústria da decoração tem se mostrado habilidosa em dar
novos rumos a essas mudanças, que põem em xeque um determinado modelo de
relação entre livros, livrarias e leitores. O que decoradores e arquitetos
propõem, em diversos projetos, parece uma afirmação de que o fetiche por livros
físicos agora se resume à sua mera presença física, ou de seus simulacros, como
no caso da obra de Benoit Gentil. É como se, com a transferência para as novas
tecnologias de sua função original de suporte, o livro em papel se tornasse um
elemento preponderantemente táctil-visual.
Com lojas ocupadas por seu catálogo de livros-objeto, que
se situam entre arte e decoração, a Taschen alterou o interesse por livros
físicos
Alguns empreendimentos recentes ajudam a pontuar essa
percepção. Em Nova York, o Library Hotel, na avenida Madison, desde o nome
anuncia um franco interesse pelo tema. Além de um acervo de 6 mil volumes, cada
um de seus andares se dedica a um determinado tipo de obra - das científicas às
de religião, de história à literatura - ou seja, pode-se fazer reservas
baseadas na preferência por um determinado gênero literário. Além disso, o
hotel conta com uma sala de leitura, aberta 24 horas por dia, na qual segundo
seu site é possível "descontrair-se" com um livro ou conviver com outros
hóspedes que, se imagina, também estejam "descontraídos" por suas
escolhas recentes. O Library ainda mantém em sua cobertura um "cantinho do
escritor", para a eventualidade de que, diante de tamanha oferta, alguns
dos seus frequentadores venham a ouvir o chamado de uma vocação literária. Já
no NoMad Hotel, na Broadway, é possível beliscar e beber coquetéis em seu
bar-biblioteca, acompanhado da austera presença de dois andares de estantes
repletas de importantes volumes sobre a história da cidade de Nova York.
Em Paris não é diferente. No Hotel Bel-Ami, no coração de
Saint-Germain-de-Près, seu hall e café é tomado por estantes de livros, com
destaque especial para a obra de Maupassant que batiza o estabelecimento. Em
janeiro, numa semana de neve intensa e hóspedes espalhados por seus sofás,
nenhum de seus volumes foi páreo para tablets ou celulares.
No Rio, o projeto de uma nova filial de uma das principais
cadeias de livros do país, inaugurada recentemente num shopping de alto luxo,
não contemplava o acesso de seus atendentes ao topo das belas estantes que
tomam todo o pé direito da loja. Já, em outro shopping da cidade, os usuários
de seu serviço de valet contam com uma estante de livros, enquanto aguardam a
chegada de seus automóveis.
Tais exemplos de certa forma remetem a parâmetros
estabelecidos pelo próprio mercado editorial. A alemã Taschen talvez seja o
exemplo mais bem acabado dessas transformações. Com suas lojas ocupadas por seu
catálogo de livros-objeto, que se situam cada vez mais no entroncamento entre arte
e decoração, a Taschen alterou profundamente o interesse por livros físicos,
atraindo um público não exatamente interessado em edições com obras como
"Goat - A Tribute to Muhammad Ali" cuja Champ's edition, com tiragem
limitada a mil cópias, era vendida quase dez anos atrás por US$ 15 mil.
No prefácio a "Um Corpo na Biblioteca", Agatha
Christie ressalta o fato de as bibliotecas se tornarem um lugar tão óbvio para
se situar crimes em romances policiais que foram necessários alguns anos de
estudo de novas situações até que ela pudesse voltar ao tema. A ideia serve
como indicativo da fascinação um dia despertada por esses ambientes repletos de
livros em escritores e leitores. Resta observar hoje, na era da euforia
digital, com arquivos digitais e dispositivos móveis se espalhando por toda
parte, se ela prosseguirá e de que forma. Se o efeito do cheiro do papel e a
oportunidade de tatear capas e folhear miolos resistirão, ou se a ilusão do
trompe-l'oeil será o suficiente para aplacar esse interesse. Se for este o
caso, o melhor que se tem a fazer é convocar Miss Marple para vasculhar em
projetos e portfólios de arquitetos e decoradores as pistas sobre o último
corpo a tombar numa biblioteca.
José Godoy é escritor, editor e comentarista da rádio CBN
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"A democracia
está em retrocesso". VALOR ECONÔMICO 17.05
Kurlantzick: "O Brasil fechou os olhos para o Irã, a
Venezuela e outras regiões".
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A democracia está em retrocesso no mundo e as grandes
potências cometem um erro se acham que se trata apenas de um ciclo temporário e
que o avanço global das eleições e das liberdades é um processo natural e
inexorável. Esse é o alerta do recém-lançado livro "Democracy in Retreat:
The Revolt of the Middle Class and the Worldwide Decline of Representative
Government" (o recuo da democracia: a revolta da classe média e o declínio
mundial do governo representativo; Yale University Press), do americano Joshua
Kurlantzick, pesquisador do Council on Foreign Relations, um dos mais
importantes centros de estudos de política externa e relações internacionais
dos Estados Unidos.
A partir de pesquisas de três renomadas instituições -
Freedom House, Bertelsmann Foundation e Economist Intelligence Unit -, que
detectam a expansão dos regimes repressivos, Kurlantzick afirma que o declínio
democrático não se concentra em uma região ou continente específicos e escreve
que "diferentemente das ondas de retrocesso dos anos 1960 e início dos
1970, as democracias nascentes hoje têm novos modelos de desenvolvimento que
fundem capitalismo bem-sucedido com governo não democrático" - a maior
dessas fontes de inspiração seria o Consenso de Pequim, termo criado pelo
jornalista americano Joshua Cooper Ramo para definir o capitalismo autoritário
chinês. Em entrevista ao Valor, Kurlantzick discorre sobre este e outros temas
econômicos mundiais da atualidade.
Valor: O senhor diria que o FMI, o Banco Mundial e as
grandes potências que defenderam o Consenso de Washington podem ser
responsabilizados pelo atual declínio da democracia, na medida em que todas as
promessas neoliberais vendidas por ele mostraram-se irrealistas?
Joshua Kurlantzick: Creio que apenas de forma tangencial,
pois, antes de mais nada, os problemas estão em países em desenvolvimento, e
têm que ser resolvidos por esses países. Mas atores externos realmente tiveram
um papel ao vincular crescimento e democracia, ao passo que tais vínculos não
existem nos estágios iniciais da democracia.
Valor: Com a China ganhando cada vez mais proeminência, é
aposta segura acreditar que o Consenso de Pequim terá mais seguidores? Por
outro lado, a demanda por democracia não vai crescer dentro da China, como
sugerem experimentos com eleições diretas em algumas cidades?
Kurlantzick: Não houve eleições de verdade em cidades
grandes na China. É possível que a China mude, mas na verdade eu diria que o
país se tornou menos livre, entre as classes médias e elites, do que nos anos
1980 - elas estão mais cooptadas. Penso que, se a China continuar tendo um
forte crescimento, o Consenso de Pequim terá, sim, ressonância.
Valor: O senhor mencionou o México como exemplo de país no
qual a democracia está em risco, com os militares ganhando mais poder. Mas o
presidente Enrique Peña Nieto parece estar acelerando reformas profundas no
país. Isso não é prova da resistência da democracia mexicana?
Kurlantzick: Acho que isso dependerá do papel de longo
prazo das forças de segurança, da relação delas com o governo e do nível de
controle que o presidente tem sobre elas.
Valor: O senhor diz que as potências emergentes não estão defendendo
a democracia com a ênfase que deveriam, e cita o Brasil como exemplo. Mas não
concorda que, nos dois casos recentes em que o Brasil poderia de fato exercer
influência, nos golpes em Honduras e no Paraguai, o país foi firme na defesa da
democracia?
Kurlantzick: Creio que o Brasil tem sido melhor do que, por
exemplo, a África do Sul, mas ele adotou uma posição de fechar os olhos para o
Irã, a Venezuela e outras regiões. Além disso, como eu menciono no livro, o
Brasil geralmente não vota nas Nações Unidas para criticar o histórico de
outros países quanto aos direitos humanos.
Valor: O senhor considera crucial para as novas democracias
a obtenção do apoio das classes médias. Para evitar que elas se rebelem contra
a democracia, novos governos deveriam colocá-las na frente das classes pobres
em suas prioridades?
Kurlantzick: Não necessariamente, não creio que as duas
classes sejam hostis entre si. Há líderes, como Lula, que ajudaram imensamente
os pobres sem destruir os direitos constitucionais, ao contrário do que fizeram
outros líderes que enfureceram as classes médias. Não se trata de um equilíbrio
impossível.
Valor: A maioria dos marqueteiros diria que para vencer
eleições é necessário vender sonhos. É viável para um político em campanha
administrar as grandes expectativas e, ao mesmo tempo, ganhar a eleição?
Kurlantzick: Acredito que é possível para a primeira
geração de líderes eleitos, os Nelson Mandelas, as Cory Aquinos etc., já que
gozam de enorme autoridade moral. Essa autoridade não é tão grande no caso dos
líderes posteriores.
Valor: Com a atual crise econômica global, o senhor vê
alguma grande democracia em risco?
Kurlantzick: Sim, Itália e Grécia.
Valor: O senhor terminou de escrever o livro no fim de
2011. Há alguma coisa que tenha ocorrido desde então que acrescentaria à sua
obra?
Kurlantzick: Haveria um pequeno adendo sobre o Egito, que
eu imagino que ainda esteja numa situação indefinida. As classes médias e
superiores egípcias parecem estar reagindo de uma maneira similar a de outros
países que eu estudei. Mas ainda é muito cedo para dizer algo.
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Trabalho ou lazer? VALOR ECONÔMICO
17.05
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Por Ana Paula Sousa | Para o Valor, de Londres
Bridget Conor alerta para as armadilhas do trabalho da
classe criativa: "A produção artística sempre esteve ligada a prazer, a
algo que você não precisaria ser pago para fazer"
Em 2002, Richard Florida, professor das Universidades de
Nova York e Toronto, cunhou a expressão "classe criativa". No livro
"A Ascensão da Classe Criativa", que logo se tornou um best-seller, o
urbanista americano defende a ideia de que, no século XXI, o mundo do trabalho
será dominado por quem atua em setores como games, software, audiovisual,
design, moda, editoração e mídia. Diferentemente da classe operária, a nova
classe teria o privilégio de trabalhar com o que gosta, num ambiente mais livre
e menos hierárquico. Uma década depois, enquanto Florida segue fazendo
palestras, muitos criativos, no mundo real, lidam com relações informais de
trabalho, instabilidade financeira, autogestão e com a ansiedade de alimentar,
incessantemente, a rede de contatos, considerada um bem valioso na
"economia da reputação".
Passada a euforia em torno da "creative class",
Inglaterra e Estados Unidos enfrentam, neste momento, outra questão: a dos
trabalhadores criativos. A pergunta que está sendo feita é: o que o
"hype" virou na prática? Trata-se de uma discussão que, muito
provavelmente, também o Brasil enfrentará dentro de alguns anos. Para falar
sobre o assunto, o Valor entrevistou a pesquisadora Bridget Conor, professora
do departamento de mídia e indústrias culturais e criativas do King's College,
de Londres, que prepara livro sobre o ofício dos roteiristas de cinema e TV.
Valor: No Brasil, é incomum ouvir o termo trabalhadores
criativos com tanta frequência como se ouve nos Estados Unidos e no Reino
Unido. É possível que estejamos atrasados ou a expressão e a discussão são
novas mesmo?
Bridget Conor: Esse é um termo relativamente novo e
bastante controverso. Surgiu como parte das políticas culturais que,
influenciadas pelo discurso das indústrias criativas, passaram a se preocupar
em treinar uma nova geração para desenvolver o setor. Antes, se falava em
artistas ou trabalhadores do setor cultural. Apesar de saber que o termo "trabalhador
criativo" é complicado, até por ser abrangente demais, acredito que ele
pode nos ajudar a entender essas novas práticas de trabalho e suas
particularidades em relação à manufatura ou ao setor de serviços, por exemplo.
Ao mesmo tempo, quando as palavras criatividade e trabalho são entrelaçadas, há
uma tendência a pensar em algo novo, positivo, excitante, como se o trabalho
fora dessa indústria fosse menos estimulante. Apesar de uma visão mais crítica
ter começado a surgir, ainda há uma valorização excessiva em torno da
expressão.
Valor: O Brasil, recentemente, aderiu ao discurso em torno
da economia criativa. Será que, em alguns anos, estaremos discutindo a situação
dos trabalhadores criativos?
Bridget: Eu me arriscaria a dizer que vai se falar, primeiro,
da formação de profissionais, das possibilidades de emprego e, então, do
significado do trabalho criativo. Depois dessas etapas, quem sabe se discutam
as condições de trabalho, ou seja, os trabalhadores em si.
Valor: Quais são as condições de trabalho no Reino Unido,
considerado o berço da ideia de indústrias criativas?
Bridget: Há muita precariedade e desigualdade de
oportunidades. Basicamente, as relações de trabalho são flexíveis, as pessoas
podem trabalhar de casa, tendem a ser mais autônomas e a tocar vários projetos
simultaneamente. Nesse sentido, é curioso que o Yahoo! tenha, recentemente,
chamado os funcionários de volta ao escritório, pondo fim ao "home
office". Claro que há problemas ligados à companhia, que tem perdido
mercado, mas o caso também parece mostrar os limites da ideia de que, nas
companhias "high tech", você pode trabalhar de pijama, que todo mundo
é "cool", jovem e o ambiente é divertido. Há muito de
"hype" nisso. Mas, nas indústrias criativas, ninguém quer falar sobre
condições precárias de trabalho ou sobre quanto flexibilidade não significa
necessariamente liberdade ou vantagem. Essa não é uma conversa bem-vinda.
Valor: Os jovens que querem entrar nessa área também
parecem não estar preocupados com isso. No Reino Unido, a quantidade de pessoas
de 25, 26 anos que fazem estágios não remunerados, durante até dois anos, em
organizações culturais, é espantosa.
Bridget: Esse é um setor muito sedutor. E a indústria
alimenta a imagem de ser feita para pessoas jovens, cheias de energia,
smartphone a postos noite e dia. Em Londres, neste momento, muitas companhias
contam com a mão de obra de estagiários que, na maioria das vezes, não serão
contratados. Isso, para mim, é trabalho não remunerado, simples assim. Esses
jovens pagam para estar no ambiente criativo, gastando com transporte e
alimentação. É preocupante que o trabalho não remunerado tenha se tornado parte
da estrutura da indústria cultural. Uma das consequências é que, se não tiver
recursos para se manter, você não passa nem pela porta das empresas. Isso vai
contra a imagem dessa indústria - a de ser mais livre e capaz de desenvolver a
nova economia.
Valor: Isso tem ligação com o fato de, nesse setor, a
fronteira entre trabalho e prazer tende a ser menos clara?
Bridget: Essa é uma das armadilhas para a análise do
trabalho criativo. Filosoficamente, criatividade e produção artística sempre
estiveram ligadas a prazer, a algo que você não precisaria ser pago para fazer.
É assim que, muitas vezes, a exploração ocorre. O que é lazer e o que é
trabalho? No cinema, roteiristas ou produtores trabalham o tempo todo. Se não
estão fazendo um roteiro, estão indo a reuniões ou a bares para encontrar
pessoas. De alguma maneira, estão sempre cavando novos trabalhos.
Valor: Os profissionais se dão conta disso?
Bridget: Penso que a maioria é muito consciente, mas o que
os impele a continuar é o fato de adorar o que fazem. O amor pelo que se faz é
muito forte nesse setor.
Valor: No Brasil, por causa de uma nova lei que exige certa
quantidade de conteúdo nacional na TV paga, temos uma grande demanda por
roteiristas. Na sua pesquisa, a senhora fala muito dos cursos de roteiro, algo
que tem explodido no Brasil. É assim em todo lugar?
Bridget: Sim, há um interesse geral. Há, além de cursos,
manuais que ensinam a ser roteirista em dois meses, duas semanas, dois dias, e
centenas de sites com dicas e ensinamentos. São tantos os cursos e livros para
dizer às pessoas como virar roteirista que fica parecendo que é fácil escrever
para cinema ou televisão. Mas a verdade é que praticamente ninguém consegue
viver disso.
Valor: Mesmo no Reino Unido?
Bridget: Com certeza. Há muito fetiche ao redor desse
ofício. Isso resultou em algo que é uma indústria em si, a indústria de
"como ser um roteirista". Profissionais que não conseguem viver só de
roteiros ganham um dinheiro extra ensinando, escrevendo manuais e dando
workshops. Como em quase todos os trabalhos criativos, a mensagem geral é que
todo mundo pode virar roteirista. Nas indústrias culturais, um dos motores do
trabalho é a ilusão.
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O mau brasileiro. Carlos Heitor Cony é membro da Academia Brasileira de
Letras FOLHA SP 17.05
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Ainda não me motivei o suficiente para a campanha da
Olimpíada de 2016. Como todo pessimista, acho que não vai dar certo. O Rio
aguentou bravamente a barra da Eco-92: o evento era de menor duração e menos
gente.
Tivemos dezenas de chefes de Estado, reis e muitos
turistas, apesar de alguns problemas com a infraestrutura, demos conta do
recado, sobretudo no item da segurança: a criminalidade baixou a quase zero,
devido, sobretudo, à colaboração das Forças Armadas.
Tantos anos depois, continuamos com os mesmos problemas na
infraestrutura: bons alojamentos, boa segurança, bons hospitais para os casos
de emergência. Não creio que haja dinheiro nem tempo para a construção de vilas
olímpicas, novas vias de acesso, estádios e instalações para as diversas
modalidades de esporte.
Tampouco acredito que o nosso futuro dependa de uma
Olimpíada. Estamos jogando para frente essa coisa nebulosa e nem sempre
provável que é o futuro tão prometido e louvado antecipadamente. Acreditávamos
que só teríamos o respeito do mundo depois de ter ganho uma Copa do Mundo.
Ganhamos cinco --nem por isso nossos méritos e glórias receberam consagração
universal.
Houve também o caso de Frank Sinatra. Passamos duas décadas
esperando pelos seus olhos azuis com histérica obstinação, nada seríamos como
nação e povo enquanto não ouvíssemos de corpo presente "The Girl from
Ipanema" cantada pela Voz.
Pois Sinatra cantou para 150 mil pessoas no Maracanã, foi
beijado pelo Beijoqueiro, deu uma bicicleta para um guri, prometendo pagar-lhe
os estudos. Veio, disse adeus e foi embora --como naquela cantiga de roda.
Continuamos na mesma, com nossos problemas e esperanças.
Até o papa veio, e Madonna e Paul McCartney, os Rolling
Stones --não era por aqui que o futuro se abriria a nosso favor. Essa turma
costuma ir a todos os lugares. Bem verdade que a Olimpíada representa
investimentos que transcendem o espaço da competição e ficam.
Há também a questão da imagem. Durante um mês, desde os
preparativos até a cerimônia de encerramento, de alguma forma o mundo tomaria
conhecimento de nossa existência e de nossas infinitas possibilidades.
Não sei não. Pior do que não ter Olimpíada é ter uma
olimpíada chinfrim, mal organizada como a de Atlanta. Hitler conseguiu empolgar
aqueles anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial porque, entre outras
coisas, promoveu uma Olimpíada monumental, histórica, tão histórica que um
negro americano (Owens) derrotou os arianos.
Tenho dúvidas sobre a capacidade nacional de aguentar duas
semanas organizadamente, sem dar vexame. A taça Jules Rimet de 1950 reuniu bem
menos gente e o mundo era diferente, não havia uma câmera de TV em cada
banheiro para saber se havia água na torneira.
Somos bons em explosões em piques como o Carnaval. Se o
mundo pegasse fogo, e os povos de todas as nações buscassem refúgio aqui, nos
dois primeiros dias seriamos impecáveis, abrigaríamos a todos com generosidade
e alegria. No terceiro começaríamos a sacanear os gringos.
No caso específico da Olimpíada, antecedida por uma Copa do
Mundo, sabemos que as coisas não estão arrumadas. Alojamentos, acessos,
transportes, aeroportos e, sobretudo, estádios e pistas de atletismo estão não
apenas atrasados, mas atrasadíssimos.
A Fifa e o Comitê Olímpico passaram meses cobrando mais
agilidade do governo brasileiro, especialistas internacionais já estiveram mais
pessimistas, mas volta e meia uma comissão oficial faz a inspeção rotineira e para
não criar caso com o governo, admite que tudo é possível, inclusive, que tudo
dê certo.
Apesar de mau brasileiro, desprezando o otimismo próprio e
o dos outros, acredito que não daremos um vexame monumental, mas continuaremos
longe do futuro que nos foi prometido e no qual a maioria do povo acredita.
Na Copa do Mundo de 1998, na França, ouvi muitos
comentários dos jornalistas que cobriam o evento. Já se discutia a
possibilidade de o Brasil sediar uma das próximas Copas. A opinião mais ou
menos geral era a necessidade de derrubar o Maracanã inteiro para colocá-lo em
igualdade com o estádio de Saint-Denis, palco principal dos jogos daquele ano.
Carlos Heitor Cony é membro da Academia Brasileira de
Letras
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