sexta-feira, 17 de maio de 2013


CULTURA »  Lisboa prestigia Athos Bulcão.  A partir do dia 29, parte das obras do multiartista será exposta no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa. A mostra interativa levará para a Europa painéis característicos à paisagem de Brasília, como as peças da Igrejinha da 307/308 Sul. CORREIO BSB 17.05

.

A vanguarda da arquitetura e do urbanismo de Brasília ganhou o mundo. Depois de Oscar Niemeyer encantar Paris com a mostra Brasília, meio século da capital do Brasil e a cidade ser prestigiada em Nova York numa exposição fotográfica apresentada também no livro Brasília vista do céu, é a vez de Athos Bulcão se revelar no berço artístico da azulejaria. As obras do artista que adotou a capital federal atravessarão o Oceano Atlântico e desembarcarão em Portugal. De 29 de maio a 28 de julho, parte delas estará exposta no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, por iniciativa da Fundação Athos Bulcão (Fundathos).

Duas salas foram reservadas para abrigar as peças da exposição Azulejos em Brasília, azulejos em Lisboa. Athos Bulcão e a tradição da azulejaria barroca. Em um desses ambientes, será montado um gabinete de curiosidades, com três televisores de LCD. Serão mostradas entrevistas sobre a arte de Bulcão, imagens dele trabalhando, fotos dos trabalhos, intervenções em Brasília, além de filmes sobre a azulejaria portuguesa no Brasil. Além de Brasília, Belém, Salvador, Belo Horizonte e São Luiz ganharão destaque.

Quem visitar a obra terá acesso a máscaras, painéis e serigrafias de Athos. Também será possível montar peças de azulejos fixados com imãs em duas paredes dispostas na primeira sala. Segundo a secretária executiva da Fundathos, Valéria Cabral, esse espaço foi criado com o intuito de apresentar as facetas do multiartista, além dos segmentos em que ele transitava. “O contato com a primeira área é uma espécie de preparação do espectador antes de ele adentrar na segunda.”

No cômodo seguinte, os azulejos de Athos ganham destaque. Ao todo, serão posicionadas 44 peças para a apreciação do público. Todas estarão destacadas em grandes molduras. No mesmo ambiente, serão estendidos ainda painéis portugueses. “Vamos dar oportunidade para as pessoas verificarem o diálogo existente entre as obras brasileiras e as portuguesas”, argumentou Valéria. “Este, na verdade, é o objetivo desta ação: discutir as influências da azulejaria portuguesa na brasileira e fazer essa ligação entre as duas, sem deixar de lado, é claro, de exibir o universo que engloba o artista.”

A curadora da exposição, Marília Panitz, num texto de apresentação da mostra, comentou sobre a influência da azulejaria mudéjar e da barroca portuguesa na obra de Athos Bulcão. “Aproximando a cidade modernista da capital portuguesa, o nosso convite é para um percurso onde se revela a relação entre o artista maior de Brasília e os azulejos de Lisboa”, mencionou. A visitação é gratuita. A exposição faz parte da programação do Ano do Brasil em Portugal.
        
Residência Ivany Valença, Brasília, 1972

Em curso

Até 30 de junho, franceses e turistas de todo o mundo poderão conhecer um pouco da história da capital brasileira e da obra de Oscar Niemeyer. A mostra Brasília, meio século da capital do Brasil, que inclui o desenho original do Plano Piloto e uma maquete da cidade, ocorre na sede do Partido Comunista, em Paris. Desde a abertura, a iniciativa atraiu 7 mil visitantes. A exposição de Nova York, por sua vez, revela fotografias aéreas da capital federal. Foi aberta na última terça-feira e vai até 26 de junho. As imagens são do fotógrafo Bento Viana. Entre as paisagens, estão o Lago Paranoá, a Ponte JK e o Museu Nacional. Os registros estão na sede do Banco do Brasil, no centro de Manhattan, entre a 5ª e a 6ª avenidas.

No segundo semestre, a Subsecretaria de Marketing e Eventos, da Secretaria de Turismo do DF fará uma licitação para a promoção de eventos sobre Brasília na Argentina, no Uruguai, no Peru, na Colômbia e nos Estados Unidos.

        

Para saber mais
O artista em Roma

Em março, a presidente Dilma Rousseff presenteou o papa Francisco (foto) com réplicas de azulejos de Athos Bulcão produzidas pela fundação que leva o nome dele, a Fundathos. Um deles retratava a Pomba do Espírito Santo; o outro, a Estrela de Belém. Ambos são símbolos católicos. O caminho feito por um dos principais trabalhos de Athos até o Vaticano começou em 2010. Ainda no governo Lula, o então embaixador-chefe de Cerimonial do Itamaraty, Jorge Prata, entrou em contato com a Fundação para que fossem confeccionados múltiplos de arte — réplicas — de obras do artista. O objetivo era presentear chefes de Estado e autoridades que se encontrassem com o presidente no Brasil ou no exterior, valorizando o trabalho do artista brasileiro e divulgando a cultura do país.

>>> 

Educação pode ser abatida no IR. VALOR ECONÔMICO 17.05



Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) não julga a discussão sobre o limite de abatimento de gastos com educação no Imposto de Renda (IR), contribuintes têm obtido liminares na Justiça Federal favoráveis à dedução integral das despesas.

No Rio de Janeiro, uma advogada conseguiu, na 11ª Vara Federal da capital, o direito de reduzir o valor a ser pago de IR com o abatimento de todos os gastos com cursos de pós-graduação. Em São Paulo, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) obteve liminar para seus associados no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (SP e MS). A decisão, por ter abrangência nacional, beneficia 25 mil sindicalizados, segundo o presidente da entidade, Pedro Delarue. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já recorreu das decisões.

Antiga, a questão ganhou novamente força com a apresentação pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra o teto estabelecido pela União. A entidade argumenta no processo, ajuizado em março, que o limite viola garantias constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e o direito de todos à educação. O impacto da causa, segundo a Receita Federal, seria de R$ 1,2 bilhão ao ano.

A entidade decidiu ir ao Supremo depois de os contribuintes obterem um importante precedente no TRF da 3ª Região. Em março de 2012, o Órgão Especial da Corte declarou o limite inconstitucional por violar o direito de acesso à educação previsto na Constituição Federal, além da capacidade contributiva. "Se a Constituição diz que é dever do Estado promover e incentivar a educação, é incompatível vedar ou restringir a dedução de despesas", diz na decisão o relator do caso, desembargador Mairan Maia.

Em 2006, o TRF da 5ª Região também reconheceu o direito aos contribuintes do Ceará por meio de uma ação civil pública do Ministério Público do Estado. A decisão, porém, está suspensa por uma liminar.

Com os precedentes, contribuintes têm obtido entendimentos favoráveis na Justiça. Em decisão liminar de 13 páginas, proferida no dia 29 de abril, a juíza Fabíola Utzig Haselof, substituta na 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro, julgou que a advogada Ana Paula Sauders tem o direito de abater integralmente do IR os custos com instrução. Para a magistrada, os limites fixados afrontam "violentamente" os objetivos traçados na Constituição, que no artigo 205 reconhece a educação como "direito de todos e dever do Estado e da família".

A advogada preferiu entrar com a ação agora por temer que o Supremo, caso declare inconstitucional o limite, venha a modular os efeitos da decisão. "Tenho receio da modulação. Minha preocupação é com o mestrado que começarei e me custará R$ 54 mil", diz a tributarista que desembolsou nos últimos anos R$ 17 mil com cursos de pós-graduação em direito tributário e cinema.

Em despacho, a Receita Federal informou que é impossível admitir a declaração manual da contribuinte e, por isso, adotará um procedimento especial para cumprir a decisão: informará o número do CPF dela à Coordenação-Geral de Arrecadação e Cobrança para que a partir da declaração seja reconhecida a dedução total das despesas informadas com instrução.

Os próprios auditores fiscais foram ao Judiciário contra o limite. Ao conceder a liminar, no dia 1º de abril, a desembargadora Consuelo Yoshida, do TRF da 3ª Região, entendeu, com base na jurisprudência da Corte, que a incidência do IR sobre despesas com educação "vulnera o conceito constitucional de renda".

Apesar de ter entrado com a ação para derrubar o limite de dedução, o Sindifisco defende o aumento do teto. Na terça-feira, vai propor um projeto de lei de iniciativa popular para elevar o limite dos atuais R$ 3.375 para R$ 12 mil. "Acabar com o limite cria distorções. O Estado seria obrigado a financiar a educação de uma criança que estuda em uma escola caríssima", diz Pedro Delarue, do Sindifisco. "Com o teto de R$ 12 mil, o contribuinte teria uma redução de R$ 4 mil no imposto, o mesmo valor desembolsado pelo Estado para manter um aluno na escola pública", completa.


>>>> 
MinC se pronuncia sobre o novo regimento.  O Estado de S. Paulo - 17/05



Em resposta à matéria publicada ontem no Caderno 2, intitulada Cinemateca reage a novo estatuto, a assessoria de Comunicação do Ministério da Cultura (MinC) enviou comunicado contestando alguns pontos. O documento afirma que o MinC não publicou no Diário Oficial da União alteração exclusivamente ao regimento da Cinemateca, mas sim que publicou alteração do regimento interno do MinC. Além disso, o MinC declara que atualizar o regimento interno é medida necessária em vista do desenvolvimento dos trabalhos e estruturas administrativas e adicionou que, no caso da Cinemateca, a principal necessidade do novo regimento era a de adequá-lo à nova estrutura regimental instituída pelo Decreto 7.743, de 31 de maio de 2012: uma coordenação-geral e quatro coordenações (foram criadas duas novas), pois o antigo regimento espelhava a estrutura já defasada, prevista no Decreto 5.711, de 2006, que previa uma gerência e duas coordenações.

No que diz respeito ao papel do Conselho da Cinemateca, o MinC declara que esse é consultivo e isso não muda e acrescentou que, "como se vê na publicação disponível no site do MinC, não há uma linha sequer sobre isto". Para concluir, também declarou que, diferentemente do dito por Patrícia de Filippi, o cargo de diretor da Cinemateca é de confiança da ministra Marta Suplicy, A tradição tem sido acolher nome do diretor indicado pelo Conselho


>>> 

Arquiteto japonês projeta casa ecológica móvel própria para tomar chá.  FOLHA SP 17.05
.

Imagine tomar o tradicional chá oriental em uma sala nas alturas. Imagine então que seja possível levar esse espaço para onde quiser.

Essa é a proposta do arquiteto japonês Terunobu Fujimori, conhecido por seus projetos inusitados no Japão, que projetou uma 'casa' móvel suspensa especialmente para a hora do chá.

Quatro postes móveis auxiliam na sustentação da casa, que é feita por meio de cabos de aço.

O lado externo é marcado pelo telhado bem definido e a estrutura de barro, material muito usado pelo arquiteto que prioriza o uso de matérias-primas orgânicas.

A parte interna é feita de madeira compensada laminada e piso de gesso de gesso com tábuas de madeira cedro.

As duas janelas ajudam na ventilação, necessária para amenizar o calor que o fogão, instalado em um dos 'cantos', pode produzir.


>>>> 
Lampião de palavras: Graciliano Ramos. Ieda Lebensztayn, autora de "Graciliano Ramos e a Novidade: o Astrônomo do Inferno e os Meninos Impossíveis" (Editora Hedra), é doutora em literatura brasileira pela USP e pós-doutoranda no IEB-USP, bolsista da Fapesp VALOR ECONÔMICO 17.05
.
Na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, encontrei "Dois Irmãos", artigo de Graciliano Ramos inédito em livro. Saiu em "Diretrizes" em setembro de 1938, um mês e alguns dias depois de terem sido decapitados Lampião, Maria Bonita e cangaceiros do seu bando. Integra uma série de crônicas em que o escritor reflete sobre problemas do Nordeste, do Brasil e da civilização a partir da questão do cangaço: "Lampião", "Virgulino", "Cabeças", "O Fator Econômico no Cangaço", "Dois Cangaços", "Antônio Silvino", "Corisco" e "Desordens".

A primeira delas, "Lampião", de 1931, foi publicada na revista alagoana "Novidade" e hoje consta do livro de crônicas "Viventes das Alagoas". Graciliano já explicitava que não lhe interessava apenas o indivíduo Virgulino Ferreira, mas a motivação do "lampionismo": a necessidade de viver levava os sertanejos a aderirem ao banditismo.

Posterior à prisão de Graciliano (1936), como os demais textos mencionados, "Dois Irmãos" chama a atenção para as "chuvas de notícias sangrentas" que vinham do Nordeste em 1938: o problema da seca na região, não resolvido até hoje, aponta para o fator econômico e político, fonte de violência. A barbaridade afligia o escritor, então no Rio de Janeiro, migrante forçado, saído da cadeia no início de 1937. A estrutura social fincada em desigualdades, gerando fome e luta por sobreviver, resultava na violência de cangaceiros e da polícia, patente na degola de Lampião e de seu grupo em julho de 1938 e na exposição das cabeças, atrocidades tão noticiadas à época.

Revoltado contra injustiças e desejoso de ação, porém intelectual, afeito à palavra escrita, Graciliano se inquietou com as questões do cangaço e do beatismo. Mais do que meros assuntos na ordem do dia, eles carregam uma rede de problemas que atingiam a sensibilidade do escritor, pedindo-lhe reflexão e forma artística.

O mote de "Dois Irmãos" é "Pedra Bonita", romance de José Lins do Rego lançado em 1938. Mas Graciliano não trata minuciosamente do livro, e sim de uma divisão nele presente, entre dois irmãos - o cangaceiro e o afilhado do padre. Com agudez, destaca que "a dispersão de forças" entre os irmãos, ambos desgraçados e sequiosos de mudanças, porém adeptos de "processos de salvação contraditórios", favorecia seus opressores.

É notável a força poética e crítica do artigo de Graciliano. Evocando as imagens de Esaú e Jacó, o bruto e o sonhador, mostra que fome e injustiças levavam sertanejos à brutalidade, à sede de vingança, daí o lampionismo; mas também podiam resultar em resignação, no potencial de piedade e de consciência crítica. Nesses caminhos possíveis dos sertanejos, o leitor reconhece os impasses que dão forma às personagens de Graciliano.

O "Esaú sertanejo" é Lampião: depois de aguentarem injustiças, muitos se entregavam ao cangaço, a assassinatos e roubos - reações violentas à exploração no eito, aos desmandos dos soldados, dos poderosos.

"Esaú é arrojado, tem o coração ao pé da goela e pouco interior. O que vem de fora não o penetra muito: bate e volta, traduz-se em movimento. E como o que recebe de ordinário é brutalidade, a brutalidade faz ricochete e atinge quem o ofendeu. [] Por isso, quando na feira um soldado lhe planta a reiuna em cima da alpercata, apruma-se e rebenta-lhe o focinho com um murro, se o agressor está desacompanhado; se não está, vai esperá-lo numa volta de caminho, passa duas semanas emboscado []. Mata-o, fura-lhe a carótida com o punhal []."

Essa imagem do Esaú sertanejo traz à mente o desejo irrealizável de Fabiano, de "Vidas Secas" (1938): tornar-se cangaceiro e se vingar do soldado que o prendera injustamente e o espancara - matar os donos do soldado, os governantes. E como não pensar em Paulo Honório, de "São Bernardo" (1934), cuja realidade de explorado se traduziu em movimento até que, assassino e ladrão, ele se fizesse proprietário explorador? Funcionário humilhado, Luís da Silva respondeu com ódio de "cangaceiro emboscado" a Julião Tavares, redundando no crime de "Angústia" (1936).

Já o outro irmão, o Jacó sertanejo,, é o homem capaz de sonhos, gentileza, piedade e paciência. A miséria o acompanha: "Jacob, homem de sonho, diverge muito do irmão. É doce, resignado, constrói escadas que anjos percorrem, aguarda longos anos a realização de promessas que julga ter recebido. Como as promessas não se efetuam, fica outros anos encolhido, espiando o céu. [] esse homem piedoso continua miserável, habitante duma região medonha que certa literatura tem revelado indiscretamente".

Diversa dessa divisão de caracteres de "Pedra Bonita", a arte da personagem Fabiano é carregar em si a tensão entre os "dois irmãos". Esaú e Jacó sertanejo, embora bruto e sedento de se vingar das injustiças, o retirante não mata o soldado: "guarda a sua força", é ético em sua resignação e apego aos sonhos de mudança junto à família. Também Paulo Honório e Luís da Silva têm uma face de Jacó: narradores de suas tragédias, doçura e piedade convertidas em angústia, são homens de sonhos frustrados.

Ressaltam do artigo a sensibilidade e o olhar crítico às incongruências do país, em que o intelectual, Lampião de palavras, entre o ímpeto revoltoso de Esaú e o sonhar compungido de Jacó, é combatido como "extremista". Graciliano alude com ironia à sua prisão (1936): a denúncia dos problemas da realidade brasileira, tornada chavão com a revolução de 1930, redundou em sofrimento para quem denunciava de fato, sem enfeites, os molambos.

Assim, "Dois Irmãos" expressa o desejo do escritor de que se observasse o cangaço em sua complexidade: propalado como heroico pela imprensa, o assassinato de alguns bandoleiros pela força policial não significava o fim da miséria no Nordeste.

Em sua arte, assim como ao dirigir a Instrução Pública de Alagoas, Graciliano agiu contra a miséria, a ignorância e os preconceitos gritantes. Esse "extremismo" seria repreendido com a prisão do escritor, e a ironia da carta (não enviada) a Getúlio Vargas, igualmente de 1938, nos cala.

"[] Como disse a V. Excia., a comissão repressora dum dos extremismos [] achou inconveniente que eu permanecesse em Alagoas, trouxe-me para o Rio e concedeu-me hospedagem durante onze meses. Sem motivo, suprimiu-se a hospedagem, o que me causou transtorno considerável. Agora é necessário que eu trabalhe, não apenas em livros, mas em coisas menos aéreas. Ou que o Estado me remeta ao ponto donde me afastou, porque enfim não tive intenção de mudar-me nem de ser literato. [] ignoro as razões por que me tornei indesejável na minha terra. Acho, porém, que lá cometi um erro: encontrei 20 mil crianças nas escolas e em três anos coloquei nelas 50 mil, o que produziu celeuma. Os professores ficaram descontentes, creio eu. E o pior é que se matricularam nos grupos da capital muitos negrinhos. Não sei bem se pratiquei outras iniquidades. É possível. Afinal o prejuízo foi pequeno, e lá naturalmente acharam meio de restabelecer a ordem."

Ieda Lebensztayn, autora de "Graciliano Ramos e a Novidade: o Astrônomo do Inferno e os Meninos Impossíveis" (Editora Hedra), é doutora em literatura brasileira pela USP e pós-doutoranda no IEB-USP, bolsista da Fapesp


>>>> 

Literatura;     O livro como um fetiche.  Arquitetos propõem novos rumos para o livro físico na era digital, que põe em xeque um modelo de relação entre as obras, as livrarias e os leitores.  José Godoy é escritor, editor e comentarista da rádio CBN.    VALOR ECONÔMICO 17.05


O "cantinho do escritor", no Library Hotel, Nova York, onde cada um dos andares se dedica a um tipo de obra: pode-se fazer reserva baseada na preferência por gênero literário
Em uma mostra de decoração, realizada em março no Rio, a arquiteta Ana Lucia Jucá compôs um dos seus ambientes com uma pintura do artista plástico francês Benoit Gentil. A obra se valia da técnica do "trompe-l'oeil" para simular uma biblioteca real, ocupando sete metros de uma das paredes do evento. Na época, em entrevista para "O Globo", Ana Lucia defendia esse tipo de opção, em clara oposição a estantes de livros. "Não precisamos mais ter livro em casa, eles estão no iPad, a um clique", disse a arquiteta, e, prosseguindo, ao menos encontrou um uso derradeiro para esses velhos objetos: dar "aconchego à decoração". Por mais que cause consternação aos amantes de obras impressas, as ideias de Ana Lucia apontam para mais uma das profundas transformações que tomam o mercado editorial. Não se trata apenas da migração de acervos para o mundo digital ou da modificação de hábitos de leitura, mas sim de uma atualização dos fetiches despertados pelas edições em papel.

Por alguns séculos, bibliotecas desempenharam em âmbito doméstico essa função. Cômodos nos quais se acumulavam volumes, que, além de "aconchego" aos ambientes, traziam status e demonstração de poder aos seus proprietários. Não era incomum, por exemplo, em famílias afluentes, a encomenda de bibliotecas de livros falsos, formadas por blocos de lombadas geminadas.

Alguns desses valores foram transferidos, nas últimas décadas do século passado, para as megalivrarias, que brotaram primeiro nos Estados Unidos e depois se espalharam por todo o mundo. Um local onde era possível passar parte do dia percorrendo seções, lendo trechos de obras, tomando café expresso ou cappuccino, e até comprando livros e uma série de outros itens, de preferência com descontos.

Essa é a equação que Joe Fox, personagem de Tom Hanks em "Mensagem para Você", filme de Nora Ephron, do fim dos anos 1990, defende. Com todos os estereótipos associados aos tubarões capitalistas, ele capitaneia o avanço da rede de livrarias de sua família, levando antigos e tradicionais estabelecimentos, como a livraria infantil criada pela mãe da personagem de Meg Ryan, à bancarrota.

Visto hoje, o filme parece uma fábula sobre um curto período de tempo na história do mercado editorial. Afinal, uma década mais tarde, foi a vez de negócios como o de Joe Fox serem engolidos por novos gigantes como a Amazon, como bem atestam a falência da rede Borders alguns anos atrás, e a séria crise que atinge a Barnes & Nobles.

O Brasil tem uma trajetória singular nessa história. Por aqui os grandes grupos crescem em espaço físico e número de lojas, tornando-se polos de atração num país carente de espaços públicos de convívio. Ao mesmo tempo, em mais uma das inúmeras contradições locais, o consistente fluxo de clientes desses empreendimentos contrasta com a falta de leitores. Segundo a última pesquisa do Instituto Pró-Livro, do ano passado, o país tem hoje uma média inferior a duas obras lidas por habitante a cada ano.

A indústria da decoração tem se mostrado habilidosa em dar novos rumos a essas mudanças, que põem em xeque um determinado modelo de relação entre livros, livrarias e leitores. O que decoradores e arquitetos propõem, em diversos projetos, parece uma afirmação de que o fetiche por livros físicos agora se resume à sua mera presença física, ou de seus simulacros, como no caso da obra de Benoit Gentil. É como se, com a transferência para as novas tecnologias de sua função original de suporte, o livro em papel se tornasse um elemento preponderantemente táctil-visual.

Com lojas ocupadas por seu catálogo de livros-objeto, que se situam entre arte e decoração, a Taschen alterou o interesse por livros físicos

Alguns empreendimentos recentes ajudam a pontuar essa percepção. Em Nova York, o Library Hotel, na avenida Madison, desde o nome anuncia um franco interesse pelo tema. Além de um acervo de 6 mil volumes, cada um de seus andares se dedica a um determinado tipo de obra - das científicas às de religião, de história à literatura - ou seja, pode-se fazer reservas baseadas na preferência por um determinado gênero literário. Além disso, o hotel conta com uma sala de leitura, aberta 24 horas por dia, na qual segundo seu site é possível "descontrair-se" com um livro ou conviver com outros hóspedes que, se imagina, também estejam "descontraídos" por suas escolhas recentes. O Library ainda mantém em sua cobertura um "cantinho do escritor", para a eventualidade de que, diante de tamanha oferta, alguns dos seus frequentadores venham a ouvir o chamado de uma vocação literária. Já no NoMad Hotel, na Broadway, é possível beliscar e beber coquetéis em seu bar-biblioteca, acompanhado da austera presença de dois andares de estantes repletas de importantes volumes sobre a história da cidade de Nova York.

Em Paris não é diferente. No Hotel Bel-Ami, no coração de Saint-Germain-de-Près, seu hall e café é tomado por estantes de livros, com destaque especial para a obra de Maupassant que batiza o estabelecimento. Em janeiro, numa semana de neve intensa e hóspedes espalhados por seus sofás, nenhum de seus volumes foi páreo para tablets ou celulares.

No Rio, o projeto de uma nova filial de uma das principais cadeias de livros do país, inaugurada recentemente num shopping de alto luxo, não contemplava o acesso de seus atendentes ao topo das belas estantes que tomam todo o pé direito da loja. Já, em outro shopping da cidade, os usuários de seu serviço de valet contam com uma estante de livros, enquanto aguardam a chegada de seus automóveis.

Tais exemplos de certa forma remetem a parâmetros estabelecidos pelo próprio mercado editorial. A alemã Taschen talvez seja o exemplo mais bem acabado dessas transformações. Com suas lojas ocupadas por seu catálogo de livros-objeto, que se situam cada vez mais no entroncamento entre arte e decoração, a Taschen alterou profundamente o interesse por livros físicos, atraindo um público não exatamente interessado em edições com obras como "Goat - A Tribute to Muhammad Ali" cuja Champ's edition, com tiragem limitada a mil cópias, era vendida quase dez anos atrás por US$ 15 mil.

No prefácio a "Um Corpo na Biblioteca", Agatha Christie ressalta o fato de as bibliotecas se tornarem um lugar tão óbvio para se situar crimes em romances policiais que foram necessários alguns anos de estudo de novas situações até que ela pudesse voltar ao tema. A ideia serve como indicativo da fascinação um dia despertada por esses ambientes repletos de livros em escritores e leitores. Resta observar hoje, na era da euforia digital, com arquivos digitais e dispositivos móveis se espalhando por toda parte, se ela prosseguirá e de que forma. Se o efeito do cheiro do papel e a oportunidade de tatear capas e folhear miolos resistirão, ou se a ilusão do trompe-l'oeil será o suficiente para aplacar esse interesse. Se for este o caso, o melhor que se tem a fazer é convocar Miss Marple para vasculhar em projetos e portfólios de arquitetos e decoradores as pistas sobre o último corpo a tombar numa biblioteca.

José Godoy é escritor, editor e comentarista da rádio CBN

>>> 

"A democracia está em retrocesso". VALOR ECONÔMICO 17.05


Kurlantzick: "O Brasil fechou os olhos para o Irã, a Venezuela e outras regiões".
.
A democracia está em retrocesso no mundo e as grandes potências cometem um erro se acham que se trata apenas de um ciclo temporário e que o avanço global das eleições e das liberdades é um processo natural e inexorável. Esse é o alerta do recém-lançado livro "Democracy in Retreat: The Revolt of the Middle Class and the Worldwide Decline of Representative Government" (o recuo da democracia: a revolta da classe média e o declínio mundial do governo representativo; Yale University Press), do americano Joshua Kurlantzick, pesquisador do Council on Foreign Relations, um dos mais importantes centros de estudos de política externa e relações internacionais dos Estados Unidos.

A partir de pesquisas de três renomadas instituições - Freedom House, Bertelsmann Foundation e Economist Intelligence Unit -, que detectam a expansão dos regimes repressivos, Kurlantzick afirma que o declínio democrático não se concentra em uma região ou continente específicos e escreve que "diferentemente das ondas de retrocesso dos anos 1960 e início dos 1970, as democracias nascentes hoje têm novos modelos de desenvolvimento que fundem capitalismo bem-sucedido com governo não democrático" - a maior dessas fontes de inspiração seria o Consenso de Pequim, termo criado pelo jornalista americano Joshua Cooper Ramo para definir o capitalismo autoritário chinês. Em entrevista ao Valor, Kurlantzick discorre sobre este e outros temas econômicos mundiais da atualidade.

Valor: O senhor diria que o FMI, o Banco Mundial e as grandes potências que defenderam o Consenso de Washington podem ser responsabilizados pelo atual declínio da democracia, na medida em que todas as promessas neoliberais vendidas por ele mostraram-se irrealistas?

Joshua Kurlantzick: Creio que apenas de forma tangencial, pois, antes de mais nada, os problemas estão em países em desenvolvimento, e têm que ser resolvidos por esses países. Mas atores externos realmente tiveram um papel ao vincular crescimento e democracia, ao passo que tais vínculos não existem nos estágios iniciais da democracia.

Valor: Com a China ganhando cada vez mais proeminência, é aposta segura acreditar que o Consenso de Pequim terá mais seguidores? Por outro lado, a demanda por democracia não vai crescer dentro da China, como sugerem experimentos com eleições diretas em algumas cidades?

Kurlantzick: Não houve eleições de verdade em cidades grandes na China. É possível que a China mude, mas na verdade eu diria que o país se tornou menos livre, entre as classes médias e elites, do que nos anos 1980 - elas estão mais cooptadas. Penso que, se a China continuar tendo um forte crescimento, o Consenso de Pequim terá, sim, ressonância.

Valor: O senhor mencionou o México como exemplo de país no qual a democracia está em risco, com os militares ganhando mais poder. Mas o presidente Enrique Peña Nieto parece estar acelerando reformas profundas no país. Isso não é prova da resistência da democracia mexicana?

Kurlantzick: Acho que isso dependerá do papel de longo prazo das forças de segurança, da relação delas com o governo e do nível de controle que o presidente tem sobre elas.

Valor: O senhor diz que as potências emergentes não estão defendendo a democracia com a ênfase que deveriam, e cita o Brasil como exemplo. Mas não concorda que, nos dois casos recentes em que o Brasil poderia de fato exercer influência, nos golpes em Honduras e no Paraguai, o país foi firme na defesa da democracia?

Kurlantzick: Creio que o Brasil tem sido melhor do que, por exemplo, a África do Sul, mas ele adotou uma posição de fechar os olhos para o Irã, a Venezuela e outras regiões. Além disso, como eu menciono no livro, o Brasil geralmente não vota nas Nações Unidas para criticar o histórico de outros países quanto aos direitos humanos.

Valor: O senhor considera crucial para as novas democracias a obtenção do apoio das classes médias. Para evitar que elas se rebelem contra a democracia, novos governos deveriam colocá-las na frente das classes pobres em suas prioridades?

Kurlantzick: Não necessariamente, não creio que as duas classes sejam hostis entre si. Há líderes, como Lula, que ajudaram imensamente os pobres sem destruir os direitos constitucionais, ao contrário do que fizeram outros líderes que enfureceram as classes médias. Não se trata de um equilíbrio impossível.

Valor: A maioria dos marqueteiros diria que para vencer eleições é necessário vender sonhos. É viável para um político em campanha administrar as grandes expectativas e, ao mesmo tempo, ganhar a eleição?

Kurlantzick: Acredito que é possível para a primeira geração de líderes eleitos, os Nelson Mandelas, as Cory Aquinos etc., já que gozam de enorme autoridade moral. Essa autoridade não é tão grande no caso dos líderes posteriores.

Valor: Com a atual crise econômica global, o senhor vê alguma grande democracia em risco?

Kurlantzick: Sim, Itália e Grécia.

Valor: O senhor terminou de escrever o livro no fim de 2011. Há alguma coisa que tenha ocorrido desde então que acrescentaria à sua obra?

Kurlantzick: Haveria um pequeno adendo sobre o Egito, que eu imagino que ainda esteja numa situação indefinida. As classes médias e superiores egípcias parecem estar reagindo de uma maneira similar a de outros países que eu estudei. Mas ainda é muito cedo para dizer algo.
.


>>> 

Trabalho ou lazer?  VALOR ECONÔMICO 17.05
.

Por Ana Paula Sousa | Para o Valor, de Londres
Bridget Conor alerta para as armadilhas do trabalho da classe criativa: "A produção artística sempre esteve ligada a prazer, a algo que você não precisaria ser pago para fazer"
Em 2002, Richard Florida, professor das Universidades de Nova York e Toronto, cunhou a expressão "classe criativa". No livro "A Ascensão da Classe Criativa", que logo se tornou um best-seller, o urbanista americano defende a ideia de que, no século XXI, o mundo do trabalho será dominado por quem atua em setores como games, software, audiovisual, design, moda, editoração e mídia. Diferentemente da classe operária, a nova classe teria o privilégio de trabalhar com o que gosta, num ambiente mais livre e menos hierárquico. Uma década depois, enquanto Florida segue fazendo palestras, muitos criativos, no mundo real, lidam com relações informais de trabalho, instabilidade financeira, autogestão e com a ansiedade de alimentar, incessantemente, a rede de contatos, considerada um bem valioso na "economia da reputação".

Passada a euforia em torno da "creative class", Inglaterra e Estados Unidos enfrentam, neste momento, outra questão: a dos trabalhadores criativos. A pergunta que está sendo feita é: o que o "hype" virou na prática? Trata-se de uma discussão que, muito provavelmente, também o Brasil enfrentará dentro de alguns anos. Para falar sobre o assunto, o Valor entrevistou a pesquisadora Bridget Conor, professora do departamento de mídia e indústrias culturais e criativas do King's College, de Londres, que prepara livro sobre o ofício dos roteiristas de cinema e TV.

Valor: No Brasil, é incomum ouvir o termo trabalhadores criativos com tanta frequência como se ouve nos Estados Unidos e no Reino Unido. É possível que estejamos atrasados ou a expressão e a discussão são novas mesmo?

Bridget Conor: Esse é um termo relativamente novo e bastante controverso. Surgiu como parte das políticas culturais que, influenciadas pelo discurso das indústrias criativas, passaram a se preocupar em treinar uma nova geração para desenvolver o setor. Antes, se falava em artistas ou trabalhadores do setor cultural. Apesar de saber que o termo "trabalhador criativo" é complicado, até por ser abrangente demais, acredito que ele pode nos ajudar a entender essas novas práticas de trabalho e suas particularidades em relação à manufatura ou ao setor de serviços, por exemplo. Ao mesmo tempo, quando as palavras criatividade e trabalho são entrelaçadas, há uma tendência a pensar em algo novo, positivo, excitante, como se o trabalho fora dessa indústria fosse menos estimulante. Apesar de uma visão mais crítica ter começado a surgir, ainda há uma valorização excessiva em torno da expressão.

Valor: O Brasil, recentemente, aderiu ao discurso em torno da economia criativa. Será que, em alguns anos, estaremos discutindo a situação dos trabalhadores criativos?

Bridget: Eu me arriscaria a dizer que vai se falar, primeiro, da formação de profissionais, das possibilidades de emprego e, então, do significado do trabalho criativo. Depois dessas etapas, quem sabe se discutam as condições de trabalho, ou seja, os trabalhadores em si.

Valor: Quais são as condições de trabalho no Reino Unido, considerado o berço da ideia de indústrias criativas?

Bridget: Há muita precariedade e desigualdade de oportunidades. Basicamente, as relações de trabalho são flexíveis, as pessoas podem trabalhar de casa, tendem a ser mais autônomas e a tocar vários projetos simultaneamente. Nesse sentido, é curioso que o Yahoo! tenha, recentemente, chamado os funcionários de volta ao escritório, pondo fim ao "home office". Claro que há problemas ligados à companhia, que tem perdido mercado, mas o caso também parece mostrar os limites da ideia de que, nas companhias "high tech", você pode trabalhar de pijama, que todo mundo é "cool", jovem e o ambiente é divertido. Há muito de "hype" nisso. Mas, nas indústrias criativas, ninguém quer falar sobre condições precárias de trabalho ou sobre quanto flexibilidade não significa necessariamente liberdade ou vantagem. Essa não é uma conversa bem-vinda.

Valor: Os jovens que querem entrar nessa área também parecem não estar preocupados com isso. No Reino Unido, a quantidade de pessoas de 25, 26 anos que fazem estágios não remunerados, durante até dois anos, em organizações culturais, é espantosa.

Bridget: Esse é um setor muito sedutor. E a indústria alimenta a imagem de ser feita para pessoas jovens, cheias de energia, smartphone a postos noite e dia. Em Londres, neste momento, muitas companhias contam com a mão de obra de estagiários que, na maioria das vezes, não serão contratados. Isso, para mim, é trabalho não remunerado, simples assim. Esses jovens pagam para estar no ambiente criativo, gastando com transporte e alimentação. É preocupante que o trabalho não remunerado tenha se tornado parte da estrutura da indústria cultural. Uma das consequências é que, se não tiver recursos para se manter, você não passa nem pela porta das empresas. Isso vai contra a imagem dessa indústria - a de ser mais livre e capaz de desenvolver a nova economia.

Valor: Isso tem ligação com o fato de, nesse setor, a fronteira entre trabalho e prazer tende a ser menos clara?

Bridget: Essa é uma das armadilhas para a análise do trabalho criativo. Filosoficamente, criatividade e produção artística sempre estiveram ligadas a prazer, a algo que você não precisaria ser pago para fazer. É assim que, muitas vezes, a exploração ocorre. O que é lazer e o que é trabalho? No cinema, roteiristas ou produtores trabalham o tempo todo. Se não estão fazendo um roteiro, estão indo a reuniões ou a bares para encontrar pessoas. De alguma maneira, estão sempre cavando novos trabalhos.

Valor: Os profissionais se dão conta disso?

Bridget: Penso que a maioria é muito consciente, mas o que os impele a continuar é o fato de adorar o que fazem. O amor pelo que se faz é muito forte nesse setor.

Valor: No Brasil, por causa de uma nova lei que exige certa quantidade de conteúdo nacional na TV paga, temos uma grande demanda por roteiristas. Na sua pesquisa, a senhora fala muito dos cursos de roteiro, algo que tem explodido no Brasil. É assim em todo lugar?

Bridget: Sim, há um interesse geral. Há, além de cursos, manuais que ensinam a ser roteirista em dois meses, duas semanas, dois dias, e centenas de sites com dicas e ensinamentos. São tantos os cursos e livros para dizer às pessoas como virar roteirista que fica parecendo que é fácil escrever para cinema ou televisão. Mas a verdade é que praticamente ninguém consegue viver disso.

Valor: Mesmo no Reino Unido?

Bridget: Com certeza. Há muito fetiche ao redor desse ofício. Isso resultou em algo que é uma indústria em si, a indústria de "como ser um roteirista". Profissionais que não conseguem viver só de roteiros ganham um dinheiro extra ensinando, escrevendo manuais e dando workshops. Como em quase todos os trabalhos criativos, a mensagem geral é que todo mundo pode virar roteirista. Nas indústrias culturais, um dos motores do trabalho é a ilusão.


>>> 


O mau brasileiro. Carlos Heitor Cony é membro da Academia Brasileira de Letras   FOLHA SP 17.05
.
Ainda não me motivei o suficiente para a campanha da Olimpíada de 2016. Como todo pessimista, acho que não vai dar certo. O Rio aguentou bravamente a barra da Eco-92: o evento era de menor duração e menos gente.

Tivemos dezenas de chefes de Estado, reis e muitos turistas, apesar de alguns problemas com a infraestrutura, demos conta do recado, sobretudo no item da segurança: a criminalidade baixou a quase zero, devido, sobretudo, à colaboração das Forças Armadas.

Tantos anos depois, continuamos com os mesmos problemas na infraestrutura: bons alojamentos, boa segurança, bons hospitais para os casos de emergência. Não creio que haja dinheiro nem tempo para a construção de vilas olímpicas, novas vias de acesso, estádios e instalações para as diversas modalidades de esporte.

Tampouco acredito que o nosso futuro dependa de uma Olimpíada. Estamos jogando para frente essa coisa nebulosa e nem sempre provável que é o futuro tão prometido e louvado antecipadamente. Acreditávamos que só teríamos o respeito do mundo depois de ter ganho uma Copa do Mundo. Ganhamos cinco --nem por isso nossos méritos e glórias receberam consagração universal.

Houve também o caso de Frank Sinatra. Passamos duas décadas esperando pelos seus olhos azuis com histérica obstinação, nada seríamos como nação e povo enquanto não ouvíssemos de corpo presente "The Girl from Ipanema" cantada pela Voz.

Pois Sinatra cantou para 150 mil pessoas no Maracanã, foi beijado pelo Beijoqueiro, deu uma bicicleta para um guri, prometendo pagar-lhe os estudos. Veio, disse adeus e foi embora --como naquela cantiga de roda. Continuamos na mesma, com nossos problemas e esperanças.

Até o papa veio, e Madonna e Paul McCartney, os Rolling Stones --não era por aqui que o futuro se abriria a nosso favor. Essa turma costuma ir a todos os lugares. Bem verdade que a Olimpíada representa investimentos que transcendem o espaço da competição e ficam.

Há também a questão da imagem. Durante um mês, desde os preparativos até a cerimônia de encerramento, de alguma forma o mundo tomaria conhecimento de nossa existência e de nossas infinitas possibilidades.

Não sei não. Pior do que não ter Olimpíada é ter uma olimpíada chinfrim, mal organizada como a de Atlanta. Hitler conseguiu empolgar aqueles anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial porque, entre outras coisas, promoveu uma Olimpíada monumental, histórica, tão histórica que um negro americano (Owens) derrotou os arianos.

Tenho dúvidas sobre a capacidade nacional de aguentar duas semanas organizadamente, sem dar vexame. A taça Jules Rimet de 1950 reuniu bem menos gente e o mundo era diferente, não havia uma câmera de TV em cada banheiro para saber se havia água na torneira.

Somos bons em explosões em piques como o Carnaval. Se o mundo pegasse fogo, e os povos de todas as nações buscassem refúgio aqui, nos dois primeiros dias seriamos impecáveis, abrigaríamos a todos com generosidade e alegria. No terceiro começaríamos a sacanear os gringos.

No caso específico da Olimpíada, antecedida por uma Copa do Mundo, sabemos que as coisas não estão arrumadas. Alojamentos, acessos, transportes, aeroportos e, sobretudo, estádios e pistas de atletismo estão não apenas atrasados, mas atrasadíssimos.

A Fifa e o Comitê Olímpico passaram meses cobrando mais agilidade do governo brasileiro, especialistas internacionais já estiveram mais pessimistas, mas volta e meia uma comissão oficial faz a inspeção rotineira e para não criar caso com o governo, admite que tudo é possível, inclusive, que tudo dê certo.

Apesar de mau brasileiro, desprezando o otimismo próprio e o dos outros, acredito que não daremos um vexame monumental, mas continuaremos longe do futuro que nos foi prometido e no qual a maioria do povo acredita.

Na Copa do Mundo de 1998, na França, ouvi muitos comentários dos jornalistas que cobriam o evento. Já se discutia a possibilidade de o Brasil sediar uma das próximas Copas. A opinião mais ou menos geral era a necessidade de derrubar o Maracanã inteiro para colocá-lo em igualdade com o estádio de Saint-Denis, palco principal dos jogos daquele ano.


Carlos Heitor Cony é membro da Academia Brasileira de Letras 

Nenhum comentário: