terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Não basta parecer novo ( FERREIRA GULLAR ).
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Falando francamente, nada me alegra mais do que
deparar-me com uma obra de arte que, além de suas qualidades artísticas, seja
inovadora. Não poderia ser de outro modo, pois costumo dizer que a arte existe
porque a vida não basta. E quando digo vida, nela incluo, claro, também a arte
que já existe. E queremos mais. Daí porque o surgimento do novo é inerente à
própria criação artística. Nenhum artista quer fazer o que já fizeram ou o que
ele próprio já fez. Por isso que fazer arte é fazer o novo. Só que o novo não precisa ser um paletó de
três mangas, que nunca ninguém se deu ao trabalho de fazer pelo simples fato de
que as pessoas têm apenas dois braços. O novo, autenticamente novo, não é uma
criação a partir de nada, mas, sim, uma manifestação inusitada que surge do
trabalho do artista, do processo expressivo em que está mergulhado. Esse
processo não tem a lógica comum ao trabalho habitual, já que o trabalho criador
é, essencialmente, a busca do espanto. Falo das artes plásticas, uma vez que,
na poesia, se dá o contrário, o espanto está no começo: é o novo inesperado que
faz nascer o poema. Sem dúvida, a
história da arte mostra que houve momentos em que a necessidade do novo --o
esgotamento do atual-- levou a um salto qualitativo que determinou uma ruptura
com a tendência em voga. Exemplo disso foi quando Claude Monet pintou a célebre
tela "Impression, Soleil Levant", que determinou o surgimento do
impressionismo. Este foi um caso
especial, já que para ele concorreram fatores diversos, que vão desde a
implantação das estradas de ferro, que facilitaram a ida das pessoas ao campo,
até a nova teoria das cores, que as explicava como resultado da vibração da luz
solar sobre a superfície das coisas. O pintor, então, sai do ateliê, vai pintar
ao ar livre e a pintura se torna também o registro do "devenir", da
mudança cromática da paisagem com o passar das horas. Mas isso é a explicação
teórica; na prática, a pintura impressionista revela uma nova beleza, um novo
encantamento. Essa é a visão geral,
porque, na verdade, cada um daqueles pintores revelou alguma beleza nova a
nossos olhos. Até que Paul Cézanne provoca uma nova ruptura nessa nova linguagem. É a partir de então --particularmente com o
cubismo-- que a busca do novo se acelera, talvez até em consequência do
dinamismo da vida moderna. A própria sociedade --a economia, a produção
industrial, as descobertas científicas-- muda a cada dia. E assim, de certo
modo, o novo, que era consequência natural da criatividade artística, tornou-se
o objetivo do artista. Mais do que fazer arte, ele deseja agora fazer o novo,
que passou a ser um valor em si mesmo.
Sucede que a busca do novo pode conduzir à desintegração da linguagem
artística, o que ocorreu com as artes plásticas durante o século 20. Não tendo
mais linguagem, os que tomaram esse rumo passaram a usar as coisas mesmas como
meio de expressão, bastando, para isso, deslocá-las de sua situação usual e
pô-las num museu ou numa galeria de arte.
Mas há artistas que, sem voltar ao tradicional, criam novas linguagens,
como, por exemplo, Alexandre Dacosta, que se vale de múltiplas relações formais
e vocabulares para nos instigar a imaginação e nos divertir. Ele atua nos mais diversos campos da
expressão visual, mas aqui vou me ater aos dois livros que editou recentemente
e que se intitulam "Tecnopoética" e "Adjetos". São criações
de gratificante originalidade, em que ele mescla objetos, cores, palavras,
signos visuais, postos todos a serviço de um senso de humor que explora o
nonsense. Ao contrário de outros
artistas que tentam se impor pelo gigantismo das obras, Alexandre inventa
pequenos objetos, às vezes "máquinas inúteis", à la Picabia. Exemplo: O "receptor descartável de
impropérios", e outro, chamado "suruba", feito de tomadas
elétricas encaixadas umas nas outras. Há um outro, que consiste num sapato com
rodas de patins e uma hélice que o faria levantar voo. Ele define seus objetos como "utensílios
capazes de deslocar a percepção para uma invertida reflexão do cotidiano".
Trata-se de uma das manifestações mais inteligentes e criativas dentre as que
vi ultimamente nesse gênero de arte. FOLHA SP 06.01
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