domingo, 13 de janeiro de 2013


Leitura
Não é prioridade
Tempo dedicado aos livros é ainda muito pequeno entre os brasileiros, ficando atrás de países como Argentina
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Verdadeiro parâmetro para avaliar a leitura de livros pelo País, o comportamento do leitor brasileiro pode até ter mudado, mas muito timidamente, segundo estudos recentes. Os hábitos de leitura definitivamente não estão entre as prioridades dos brasileiros, mesmo com o aumento da escolaridade e o estímulo da internet.  O POPULAR 13.01

É o que mostra a 3º edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro e pelo Ibope Inteligência. De acordo com pesquisa, a leitura ocupa apenas a quinta posição entre as atividades preferidas dos brasileiros. O tempo médio dedicado a ela varia entre uma a três horas por semana, baixo em relação a países como o mesmo patamar de escolarização, como a Argentina.
Mesmo assim – quase paradoxalmente –, o Brasil vem sendo considerado um gigante do ramo editorial. Pelos menos no que se refere a negócios. Segundo a Associação Internacional de Editores, o mercado verde-amarelo já é o 9º maior do mundo.
Dados da Câmara Brasileiras do Livro dão conta de que em 2011 foram vendidos no País 469,5 milhões de exemplares, que geraram um faturamento de ostensivos R$ 4,837 bilhões para o setor. Não é à toa que o mercado vem atraindo transnacionais, que aos poucos tendem a engolir livrarias familiares que trabalham com somente uma ou duas unidades.
MUDANÇAS
O novo quadro ajuda a explicar mudanças substanciais em cidades como Goiânia, onde livrarias que fizeram história no comércio tradicional sucumbiram à migração do público para lojas de grandes redes em shoppings. Foi o caso da Livraria Cultura Goiana, inaugurada em 1967 no Centro da cidade, que agonizou até julho de 2008, quando cerrou as portas diante da crise financeira. Cada vez mais raras, a livrarias antigas do Centro de Goiânia, entre elas muitos sebos, sobrevivem hoje da venda do tripé clássicos no formato pocket, livros de ficção usados e literatura didático-escolar.
Leitores persistem no hábito de frequentá-las, garimpando preciosidades, como a estudante Bárbara Teles, 14 anos, que faz questão de ir a livrarias do Centro. O motivo pelo qual ela circulava por estes locais na semana passada era buscar livros didáticos da escola. Mas também aproveitava para encontrar algo extra.
“Aqui mesmo já encontrei boas surpresas, como um Sherlock Holmes”, cita ela, lembrando o clássico detetive criado por Arthur Conan Doyle. “Essa figura ainda é muito importante para nós. É ela que segura as pontas da livraria em meses dos ano em que o movimento escolar é baixo”, ressalta o gerente da livraria Páginas Antigas, Max de Brito, referindo a clientes como Bárbara. Com experiência de anos, ele reconhece, no entanto, que as livrarias de rua já não podem mais se fiar só na venda da produção literária.
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Cinema incentiva compra de livros
A jornalista Pollyana Reis: “Gosto de ler clássicos, romances e literatura para adolescentes”
A força mercadológica hoje está concentrada em livrarias de shoppings, a exemplo de redes como Cultura, Fnac e Saraiva, presentes na capital goiana. Para o coordenador de produtos editorias da Fnac, Clayton Moreira, o mercado consumidor de livros observou mudança substancial nos últimos dez anos, tempo em que atua no ramo. O POPULAR 13.01
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“Há busca maior pela leitura”, garante. Ele nota principalmente aumento do interesse entre jovens e crianças, incentivadas pelos pais. Também de acordo com o coordenador, o cinema – por paradoxal que possa parecer – tem sido um grande incentivador na busca por livros de ficção entre os mais jovens.
“O caso do personagem Percy Jackson (do escritor norte-americano Rick Riordan) é um exemplo. Depois de assistirem às adaptações no cinema, eles vêm procurar os livros. Como as histórias são baseadas em mitologia, acabam buscando livros sobre o tema”, afirma. O profissional destaca também que a maior parte do público adulto já entra decidido sobre o que vai levar. “Só cerca de 30% dos frequentadores vêm para degustar”, calcula.
Professora de inglês Cláudia Tolentino, 32 anos, gosta de ler sobretudo livros sobre esoterismo, mas confessa que não cultiva muito o hábito de frequentar livrarias. “Quando vou, sou atraída pelo conjunto entre o título e a capa. Essa história de que se compra o livro pela capa é verdadeira”, brinca ela, observando que já chegou a se decepcionar depois. O preço, segundo ela, ainda é um dos desestimulantes na hora de adquirir o livro. “Até em torno de 50 reais ainda é viável levar. Acima disso, já deixa de ser atrativo.”
DENSIDADE
O universitário Rodrigo Magalhães dos Santos, 23, por sua vez, diz que está no momento de investir em leituras densas. Quando foi abordado pela reportagem em uma livraria da cidade, ele lia trechos de O Mundo Como Vontade e Representação, obra-prima do filósofo alemão Arthur Schopenhauer.
“A questão que mais dificulta a leitura é o tempo. Vivemos uma época em que é difícil conciliar leitura com trabalho, estudo, vida social”, analisa ele, que vem tentando investir em clássicos filosóficos estimulado por amigos e pela família.
Mestranda, a jornalista Pollyana Reis, 22, tem se dedicado especialmente à literatura nacional, seu objeto de estudo. “Mas gosto muitos de ler clássicos, romances e literatura para adolescentes”, cita, lembrando também do estímulo que teve há alguns anos com a saga Harry Potter, na pré-adolescência. “Tento ler de tudo. Não tenho restrição”, garante.
Na pilha de livros que levava ao balcão de pagamento estavam A Cabana (do canadense William P. Young), Um Dia (do inglês David Nicholls) e uma compilação do modernista brasileiro Oswald de Andrade.
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Em Rio Verde, última livraria foi fechada há seis anos
Quando se mudou para Rio Verde, em 2004, a professora universitária Fernanda Ribeiro Queiroz de Oliveira encontrou três livrarias na cidade. Como tinha acabado o mestrado e recém-iniciado o curso de doutorado, a sua demanda por livros era enorme.O POPULAR 13.01
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A facilidade de encontrar obras acadêmicas ou literárias na cidade, no entanto, não duraria muito para a educadora. Logo os três estabelecimentos foram fechados e, há quase seis anos, não existe mais nenhuma livraria na cidade.
Apesar da existência de faculdades públicas e particulares e da explosão demográfica das últimas décadas, nenhum novo empreendimento do segmento de livros surgiu nos últimos anos. A única biblioteca pública do município está fechada há cerca de um ano devido a uma reforma. Atualmente, só existe uma banca de revistas e jornais para atender uma população de quase 200 mil habitantes. Ali, alguns livros de autores locais e best sellers são colocados à venda, mas a saída é pequena.
EXPERIÊNCIA DE SUCESSO
A última tentativa de comercialização de livros usados em Rio Verde foi realizada no final da década de 1990, pelo professor Gilberto José de Faria Queiroz. O sebo funcionou durante dois anos e, segundo o antigo dono, o motivo do fechamento não foi a falta de leitores, mas a sua própria carência de tempo para se dedicar ao negócio. Hoje, aposentado, afirma que “morre de vontade” de retomar o “sebinho”.
O comércio de livros seminovos e usados começou com um acervo de 600 títulos e, graças às constantes trocas com o público, terminou dois anos depois com cerca de 2 mil obras. “É um negócio de baixa renda, mas que se mantém facilmente”, conta.
Frequentador inveterado de lojas de livros usados em todo o País, ele acredita que os sebos são mais eficazes do que as próprias bibliotecas públicas na formação de leitores. “É um ambiente mais agradável e muito menos carrancudo”, compara.
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Livrarias e bibliotecas “intimidam”, diz pesquisadora
(Fernando Machado)
13 de janeiro de 2013 (domingo)
Mestre e doutora em Letras pela Universidade Federal de Goiás, Fernanda Ribeiro Queiroz de Oliveira acha que está na hora de livrarias e bibliotecas deixarem de ser ambientes “apenas para apreciadores de café e pessoas que usam blusa amarrada no pescoço”. “Os espaços públicos e comerciais de leitura precisam ser mais convidativos e menos intimidadores”, argumenta a professora e escritora.
Atualmente morando em Brasília, ela conta que percebeu em várias cidades onde trabalhou, inclusive Rio Verde, que alguns “guardiões” de bibliotecas não emprestam os livros para crianças e adolescentes para evitar que estraguem. Segundo ela, muitas bibliotecas parecem verdadeiros mausoléus, ambientes opressores para os que não se sentem à vontade com o universo “letrado”. Ao invés de dessacralizar a figura do leitor, dentro do senso comum o ato de ler é colocado como algo para predestinados.
Fernanda não acredita que a falta de livrarias com endereço físico ocorra por falta de clientela ou porque “brasileiro não gosta de ler.” “O ser humano é movido pela simbolização de sua realidade e não existe indivíduo sobre a terra que não se interesse por uma boa leitura”, afirma. Um dos principais problemas é mesmo o custo do livro. “A verdade é que o trabalhador que ganha salário mínimo não consegue dispor de 40 reais para gastar em um único livro por mês.”

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