terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Para entender o Brasil em seus limites e contextos
Desindustrialização é assunto tomado como tema de
confrontação de interpretações sobre a natureza de etapas do desenvolvimento
brasileiro
Como interpretar o desenvolvimento econômico
brasileiro? Seria necessária uma teoria específica para entender o Brasil ou há
teorias e modelos gerais sobre crescimento econômico aplicáveis ao caso
brasileiro? O histórico debate é revisitado em "Desenvolvimento Econômico
- Uma Perspectiva Brasileira". VALOR ECONÔMICO 29.01
Com organização de quatro economistas - Fernando
Veloso (EPGE-FGV), Pedro Cavalcanti Ferreira (EPGE-FGV), Fabio Giambiagi (chefe
do departamento de risco de mercado do BNDES) e Samuel Pessôa (pesquisador do
Ibre-FGV), o livro mostra a possibilidade de aplicação de teorias gerais de
crescimento econômico na interpretação da realidade brasileira.
Veloso justifica o uso de modelos gerais
matemáticos de crescimento econômico porque acredita que ajudam na organização
do raciocínio. "É uma literatura acadêmica de alto nível e usada em vários
países. Não somos os primeiros a utilizá-los para interpretar uma economia em
desenvolvimento. Não se trata de uma aplicação ingênua". Levam-se em conta
a história e as instituições de cada país. "Por isso, estamos dando
importância à história em dois capítulos [escritos por André Villela], que
servem para mostrar em qual contexto esses modelos vão funcionar."
Instrumentos matemáticos - como o modelo de
crescimento de Robert Solow (criado em 1956) - costumam ser severamente
criticados por economistas heterodoxos. Dentre as críticas, está a de que esses
mecanismos foram criados para explicar a realidade de países desenvolvidos e
não levam em conta aspectos de economias subdesenvolvidas/periféricas.
Portanto, não seriam adequados para uma análise do Brasil. Também são vistos como
um padrão de lições pré-definido, no qual se tenta encaixar a realidade.
Com o livro, segundo Veloso, pretende-se preencher
uma lacuna nos cursos de desenvolvimento econômico, nos quais se estudam
modelos que seriam muito gerais para o Brasil. É comum, por exemplo, a
utilização do manual "Introduction to Economic Growth", de Charles
Jones, professor de Stanford. Mas também se adotam obras focadas somente na
história da economia brasileira. A intenção foi criar um livro complementar,
tanto aos modelos tradicionais quanto aos mais narrativos de história econômica
brasileira, mas sem substituí-los.
Para Gustavo Franco, autor do prefácio, essa forma
de olhar para o desenvolvimento econômico brasileiro - em que pesa o uso de
econometria - significa que o "impressionismo" foi "substituído
pela quantificação". Ele também ressalta como aspecto positivo - e com
isso certamente incomodará heterodoxos - que a coletânea de 15 capítulos é
composta por textos em "permanente diálogo com o que se faz no exterior, e
seguramente há de surpreender a muitos, especialmente aqueles cuja educação
sobre o tema advém apenas dos pioneiros".
O livro traz contribuições de 19 economistas de
escolas de renome, como EPGE/FGV, UNB, Insper e USP. As análises percorrem
temas amplos - muitas vezes, em poucas páginas, para a aridez do assunto. Vão
de desigualdades regionais a política industrial, infraestrutura e educação,
além de perspectivas comparadas, quando são elencadas similaridades e
diferenças da trajetória do Brasil com o desenvolvimento de países asiáticos,
como Coreia do Sul e China. O período histórico de maior foco do livro vai do
pós-guerra até os dias atuais.
Algumas análises saltam mais aos olhos pelas
divergências em relação a outras interpretações. Quando Regis Bonelli, Silvia
Matos e Samuel Pessôa tratam de política industrial, por exemplo, colocam lenha
no debate da desindustrialização, ao entender que parte da queda da
participação relativa da indústria no PIB dos dias atuais tem a ver com o fato
de sua participação ter sido excessiva na década de 1970.
-
Questiona-se em que medida o Brasil se
industrializou demais até a década de 1970. A parcela da indústria no PIB na
época era normal ou alta demais, comparativamente a outros países? Conclui-se
que era alta demais. Assim, parte do processo de desindustrialização, como é
visto hoje, seria natural, tal como ocorreu em outros países.
Essa ideia contraria outras teses, que entendem a
desindustrialização no Brasil como precoce: a indústria brasileira nem teria
atingido maturidade suficiente a ponto de sua presença relativa no PIB recuar,
como teria ocorrido em diversos países hoje desenvolvidos.
Outra interpretação que chama a atenção é sobre a
política econômica, feita por Renato Fragelli Cardoso, em que as reformas do
Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) e as dos anos 1990 são colocadas como
explicações para o "milagre econômico" do fim dos anos 1960 e começo
da década seguinte e para o crescimento dos anos 2000, respectivamente.
A mensagem é de que períodos da história econômica
em que foram feitas reformas estão em geral associados a ganhos de produtividade.
Estaria no Paeg, realizado entre 1964 e 1967 e que envolveu reforma do sistema
financeiro, criação do Banco Central, reforma fiscal, plano de estabilização e
reforma tributária, parte considerável das origens do crescimento que ocorreria
nos anos seguintes. As reformas dos anos 1990 - como a abertura econômica e as
privatizações - são tomadas como explicação para o crescimento econômico dos
anos 2000, em conjunto com a estabilização de preços. "Há evidências de
que essas alterações tiveram um impacto positivo nos anos subsequentes (do
governo Lula)", afirma Veloso.
Em sua avaliação, o desenvolvimento, em qualquer
país, e no Brasil também, tem que se dar num processo de reformas contínuas. É
dele uma advertência: "Já há alguns anos não são feitas reformas
significativas no Brasil e a produtividade total dos fatores está estagnada.
Isso é um sinal típico de esgotamento do processo de reformas. É preciso fazer
uma nova rodada". Ao adiá-las, o risco será a manutenção de um crescimento
econômico pequeno nos próximos anos.
"Desenvolvimento Econômico - Uma Perspectiva
Brasileira"
Vários autores. Editora: Campus. 449 págs., R$
89,90
>>>>
Estratégias bem-sucedidas são as sempre repensadas
Como A.G. Lafley e Roger Martin escrevem em
"Playing To Win", "um número muito pequeno de empresas tem uma
estratégia vencedora clara, confiável e que traga alternativas". Pior
ainda, executivos que desenvolvem alguma abordagem bem-sucedida acabam, muitas vezes,
aprisionados. Lê-se em "Strategic Transformation": "O que era
uma fonte de força se torna o oposto - as barras invisíveis de uma prisão, da
qual é muito difícil escapar".
VALOR ECONÔMICO 29.01
A tarefa de avaliar alternativas pode ser
"opressiva, até paralisante", escrevem Lafley e Martin. O excesso de
guias de orientação sobre o assunto pode aumentar ainda mais a indecisão. No
entanto, os dois novos livros, bastante diferentes entre si, são um ponto de
partida excelente.
"Playing to Win" é fruto da parceria
entre Lafley, o aclamado executivo-chefe da Procter & Gamble (P&G) até
2009, e seu consultor Roger Martin, agora reitor da Rotman School of
Management, de Toronto. O livro promete mostrar o modelo que tornou a P&G
tão bem-sucedida sob o comando de Lafley.
"Não há estratégia perfeita que dure para
sempre. Isso torna essencial desenvolver a capacidade de pensar
estrategicamente"
Os autores de "Strategic Transformation"
- professores de administração na Solvay Brussels School, Lancaster University
School e Ceibs - seguem uma trilha mais acadêmica. Céticos quanto a análises
jornalísticas que atribuem estratégias de sucesso à influência de líderes
individuais, valem-se de uma base de dados de empresas britânicas com vários
anos de existência e direcionam o foco a três delas: a rede varejista Tesco, a
fabricante de doces e bebidas Cadbury Schweppes e a empresa de aparelhos
médicos Smith & Nephew - que não apenas tiveram bom desempenho no período
de 20 anos analisado, mas também o fizeram em meio a mudanças de estratégias e
do comando. Os autores entrev istaram ex-gerentes e escavaram arquivos das
empresas para encontrar pistas sobre como conseguiram e por que se deram melhor
do que três outras empresas em setores similares.
Mas o livro que acaba funcionando mais como um
manual de estratégia para profissionais é o de Lafley e Martin, enquanto o que
revela um conteúdo mais pitoresco sobre a complicada tarefa de elaborar
estratégias é o de Hensmans, Johnson e Yip.
As entrevistas dos professores rendem, por exemplo,
a história de como Jack Cohen, o lendário fundador da Tesco, certa vez cruzou
espadas literalmente com seu genro Leslie Porter - que comandava a cada vez
mais importante divisão de produtos não alimentícios -, quando "pegaram as
espadas Wilkinson que decoravam a sala da diretoria e se confrontaram como
duelistas".
Pessoas que conheceram a Smith & Nephew de
perto descrevem o processo de decisões nas décadas de 1960 e 70 como
"administração por discussão", "administração por medo" e
"ser o mais rude possível com os outros".
Essas descrições soam mais fiéis à realidade da
vida empresarial do que os relatos um tanto estéreis das sessões de estratégia
da P&G em "Playing To Win", em que os gerentes se esforçam para
criar um "diferencial que aumente a margem [de lucro] no fio
[dental]". Em certo ponto, Lafley e Martin descrevem como um até então
cético cientista sênior da recém-adquirida Gillette acaba admitindo, com
"lágrimas nos olhos", a sabedoria do estilo P&G de realizar pesquisas
de campo com os consumidores.
Não é preciso, no entanto, envolver-se
emocionalmente com as consequências das "guerras das fraldas" para
compreender as medidas cruciais que o executivo-chefe e seu assessor tomaram
para mapear seu caminho estratégico. Eles as apresentam com clareza,
respaldadas em diagramas que mostram a torrente de alternativas disponíveis
diante das empresas, incluindo questões do tipo "Onde jogar?" e
"Como vencer?".
Mas seria um grande erro supor que um bom
planejamento é tudo o que é necessário. "Simplesmente, não há uma
estratégia perfeita que dure para sempre", escrevem Lafley e Martin.
"É por isso que desenvolver uma capacidade de pensar estrategicamente é
tão vital."
"Strategic Transformation" mostra como.
Seus autores citam quatro "tradições" que são comuns a
"transformadores estratégicos" que permanecem - continuidade,
antecipação, contestação e mobilidade - e que ajudam as empresas a explorar os
"acidentes felizes" que acontecem em todas as firmas.
Uma visão judiciosa da estratégia futura, a
compreensão do ambiente competitivo e a capacidade de gerir a eficiência
operacional - como também defendida por Lafley e Martin - são ingredientes
"necessários, mas não suficientes", para um sucesso no longo prazo,
escrevem os professores. Para evitar que se perca o rumo estratégico, algo mais
precisa ser incluído.
Em suas três histórias de sucesso, os gestores
conseguiram reinventar modelos históricos bem-sucedidos estimulando coalizões
alternativas de gestão. Esses gerentes mais jovens foram capazes de contestar
os líderes sêniores antes que estes tivessem fossilizado suas posições. Os
gestores de empresas de sucesso "estimularam, e até mesmo celebraram"
a tensão construtiva e diversidade de pensamento. Embora a Cadbury Schweppes
tenha, mais tarde, se fracionado e a linha de produção de doces e guloseimas
tenha sido vendida para a Kraft, em seu auge, o grupo incubou uma geração mais
jovem que ousou defender um modo de pensar novo.
Os professores a contrastam com a Unilever, que foi
durante décadas dominada por um "comitê especial", que aplicou uma
abordagem super-rígida ao planejamento de sucessões. A Cadbury encontrou seus
novos executivos internamente, ao passo que a Unilever teve de fazer uma busca
externa para encontrar Paul Polman (que, coincidentemente, havia trabalhado sob
Lafley na P&G) - para deflagrar sua transformação em 2009.
Lafley e Martin não ignoram essas lições. Deixam
claro que mente aberta e ceticismo são essenciais para qualquer discussão
envolvendo estratégias. Mas há pouco material, em seu livro, sobre a longa
história da P&G, que seria preciso conhecer para se fazer uma transformação
estratégica bem-sucedida. Onde "Playing To Win" é o livro que um estrategista
em formação leria para preparar-se para uma reunião de planejamento,
"Strategic Transformation" é o roteiro aprofundado para como manter e
renovar a estratégia com o passar do tempo.
Os dois livros têm outra lição clara: cuidado com
tamanho e predomínio. Lafley e Martin salientam que as estratégias do tipo
"o vencedor leva tudo", praticadas por Toyota, Dell e Microsoft, têm
sido objeto de ataques; até mesmo a atual escala e sucesso da Apple e do Google
não proporcionam proteção permanente. A própria P&G tropeçou.
Como sugerem os autores de "Strategic
Transformation", o status de "oprimido" ajuda a aguçar a
vantagem estratégica de uma empresa. Depois que essas empresas tornam-se
dominantes, perguntam eles, "sua administração fica fadada a perder de
vista as vantagens proporcionadas por seu legado?" Muitas vezes, a
resposta é sim.
Quatro "tradições" ajudam as empresas a
atingir e sustentar o sucesso em longo prazo (de "Strategic
Transformation"): (1) Continuidade: os líderes que se concentram em continuidade
e reinvenção de um modelo histórico de sucesso. (2) Antecipação: uma geração
seguinte que se prepara para mudanças e se prepara para aproveitar
"acidentes felizes". (3) Contestação: uma cultura de contestação e de
autocrítica entre os gestores de alto escalão. (4) Mobilidade: um processo de
recrutamento, promoção e saída baseado em testes informais de capacitação, em
vez de procedimentos formais, de modo a não eliminar "paladinos de
ousadia".
... E cinco perguntas para ajudar as empresas a
definir sua estratégia (de "Play to Win"): (1) Qual é nossa aspiração
vencedora? (2) Onde vamos jogar? (3) Como vamos vencer? (4) Quais capacitações
devem estar disponíveis? (5) Quais sistemas gerenciais são necessários?
"Não existe uma estratégia perfeita... É por
isso que a construção de uma capacidade de pensar estratégicamente... é tão
vital." (Tradução de Sabino Ahumada e Sergio Blum)
“Playing To Win”
A. G. Lafley e Roger Martin. Editora: Harvard
Business Review. 272 págs., US$ 27,00
“Strategic Transformation”
Manuel Hensmans, Gerry Johnson e George Yip.
Editora: Palgrave MacMillan. 256 págs., US$ 32,00
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário