sexta-feira, 11 de janeiro de 2013




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O mundo inteirinho se enche de graça
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VALOR ECONÔMICO 11.01

Sem Vinicius de Moraes, a música brasileira deixaria de ter um de seus maiores hits mundiais - a "Garota de Ipanema" - e a carreira musical de Antonio Carlos Jobim talvez tivesse tomado outro rumo. Também sem Jobim (e sem João Gilberto), Vinicius talvez não houvesse decidido mergulhar de cabeça no universo da composição popular, embora já tivesse se aventurado nessa área nos tempos de estudante (compondo com os irmãos Paulo e Haroldo Tapajós) e tenha crescido em família ligada à música - a mãe cantava e tocava piano; o pai e um jovem tio tocavam violão.

Vinicius chegou a Jobim por intermédio do jornalista e musicólogo Lúcio Rangel, no bar Vilarino, no Rio. Estava à procura de alguém para compor a música da peça "Orfeu da Conceição" e Rangel sugeriu seu nome. Após perguntar, timidamente, se iria "ter um dinheirinho nisso", Jobim aceitou e eles começaram imediatamente o trabalho, que rendeu canções belíssimas, como "Se Todos Fossem Iguais a Você" e "Lamento no Morro". Em seguida, mais clássicos: "Chega de Saudade", "Eu Sei Que Vou Te Amar", "Insensatez". E a amizade que durou a vida inteira. Ao lado, os dois se apresentam com o cantor Agostinho dos Santos na década de 1960.

Depois disso, não houve volta e o poeta já razoavelmente conhecido se reuniu aos jovens compositores da recém-criada bossa nova para espalhar belas letras pelo país e até compor, sozinho, algumas canções, como a pungente "Serenata do Adeus". Essas parcerias produziram clássicos da MPB: "Você e Eu", "Minha Namorada" (com Carlos Lyra), "Canto de Ossanha", "Samba da Bênção", "Samba em Prelúdio" (com Baden Powell), "Arrastão" e a trilha sonora da peça "Deus lhe Pague" (com Edu Lobo), "Samba de Orly", "Valsinha" (com Chico Buarque), só para citar algumas canções e alguns parceiros.

Mais tarde, já nos anos 70, caiu no samba com Toquinho - seu parceiro em sucessos até hoje lembrados, como "Tarde em Itapuã", "Regra Três", "Onde Anda Você", "Sei lá (A Vida Tem Sempre Razão)" - esta última integrante da trilha sonora que compuseram para a novela "Nossa Filha Gabriela". A dupla, aliás, também assinou várias músicas de outras telenovelas históricas, como "Fogo sobre Terra" e "O Bem Amado".

Não só. Toda uma geração de letristas da década de 70 em diante bebeu na fonte de Vinicius, como Paulo César Pinheiro, Cacaso, Tite de Lemos, Abel Silva, Vitor Martins, Fernando Brant, Hermínio Bello de Carvalho e Fátima Guedes - todos autores de canções igualmente memoráveis. (Luíza Mendes Furia)


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Dois irmãos num tempo de trevas
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Volta a meia, entra em discussão as relações entre o intelectual e o artista com o poder, o poder que realmente é poder, ou seja, o poder econômico e político, que geralmente estão entrelaçados.

Acredito que a questão nunca foi posta com tanta clareza durante o nascimento do nazismo na Alemanha, após a primeira guerra mundial. Destaque especial, entre outros, para os irmãos Mann, vindos de uma família do norte da Alemanha, Lübeck, que durante muito tempo foi sede da Liga Hanseática que dominou o Báltico e grande parte da Europa, com o famoso lema "Navegar é preciso", frase de Pompeu que muitos atribuem a Fernando Pessoa e até a Caetano Veloso.

Em 1925, Heinrich Mann escreveu "Intelecto e Ação", em que diz com clareza e simplicidade: "um intelectual que se liga ao grupo no poder trai o intelecto".

E em artigo seguinte, é mais explícito: "Para ser capaz de realizar, nenhuma hesitação é possível; realizar é achar-se no pleno domínio de si mesmo. De outro modo, é claro que aquele que duvida perderá sua coragem em face dos novos contemporâneos que não têm dúvidas sobre coisa alguma. A sociedade os apóia, são os seus salvadores. Não havendo esperado isso, o estado mental daquele que duvida agora lhe parece anárquico. Começa a se sentir alienado em relação ao mundo, ele, o homem que certa vez o dominou. Retira-se, sua casa se transforma numa ilha com um fosso ao redor. A atividade e os gestos da vida continuam durante alguma tempo, mas realmente só em função do passado, já são pó antes que ele os reduza a isso, ou seja, ao mesmo pó".

Heinrich sempre ficou à sombra de seu irmão mais famoso, que ganhou o Nobel e é considerado um segundo Goethe nas letras alemãs. Mesmo assim, ele emplacou um sucesso internacional que o cinema consagrou, "O Anjo Azul", adaptação de seu extraordinário romance, "Professor Unrat oder das Ende eines Tyrannen", que fez de Marlene Dietrich uma das maiores estrelas do século 20.

Por sua vez, antes mesmo de comprar briga com o poder que surgia na Alemanha depois de Versalhes (os nazistas fizeram uma pilha de seus livros para queimá-los em praça pública), Thomas Mann escreveu seu "Um Apelo à Razão":

"Há momentos de nossa vida em comum em que a arte não consegue se justificar na prática; em que a urgência interior do artista lhe falha, em que as necessidades mais imediatas de nossa existência o fazem engolir o próprio pensamento; em que a crise e a desgraça gerais o abalam demasiado, de tal modo que tudo aquilo que chamamos de arte, a feliz e apaixonada preocupação com valores eternamente humanos, chega a parecer ocioso, efêmero, um bem supérfluo, uma impossibilidade mental."

Em contexto bastante diverso, mas com as mesmas desconfianças a respeito da arte e da atividade intelectual, Jean Paul Sartre, que também ganharia o Nobel mais tarde, num estudo sobre Faulkner (outro premiado com o Nobel), declarou que "a arte é uma generosidade inútil".

Também em outro contexto, outro gigante das letras alemãs, Schopenhauer ameaçava uma linha de pensamento paralelo: "No momento em que se começa a falar, se começa a errar. Meu segundo lema é: assim que nossos pensamentos conseguiram se moldar em palavras, eles não mais são sentidos pelo coração e, no fundo, deixam de ser sérios".

Os dois irmãos, apesar da amizade que os unia, acabaram se separando, Heinrich ficou para enfrentar a Alemanha que passara a desprezar, Thomas, embalado pelo sucesso internacional de "A Montanha Mágica" e "Morte em Veneza", iniciou uma diáspora pessoal que incluiu a Itália, os Estados Unidos e, finalmente, a Suíça, onde morreu aos 80 anos em Zurique.

De qualquer forma, os dois irmãos de Lübeck marcaram o período entre as duas guerras mundiais, são referências para se compreender a natureza humana no que ela tem de mais contraditório: a aspiração do belo e do bem em confronto com a realidade que Heinrich mostrou em "Anjo Azul", mostrando a repugnante decadência física e moral do Professor Unrat.

Por sua vez, Thomas teve a lucidez para retomar o tema do "Doktor Faustus" e mostrar a humanidade enferma num sanatório suíço numa montanha realmente mágica.


Carlos Heitor Cony FOLHA SP 11.01

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