segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Manchetes do Edu
Chorinho de
menino
Ian Coury, de 11 anos, toca todos os domingos em um café na
Asa Norte. Há quem se espante com a pouca idade, mas todos se rendem ao seu
talento
CORREIO BSB 15.09
Yan Coury se encantou com o bandolim depois de assistir a
um show de Armandinho Macêdo
Admiradores da boa música ficam rendidos com o som extraído
do bandolim por Ian Coury, 11 anos. Os dedos se movem rapidamente no braço do
instrumento colado ao peito de menino. O garoto encanta os frequentadores do
Café do Chef (108 norte) no domingo à tarde. Quando começou ali, há quatro
meses, era acompanhado apenas pelo pai, ao pandeiro, e por um amigo, ao violão.
Hoje, a roda de choro em volta do jovem talento aumentou. Músicos aproveitam a
oportunidade para praticar, trocar experiências e se divertirem. O maestro
dessa brincadeira traz a leveza da infância e convida quem passa a ficar para
ouvir.
“Maravilhoso! Um garoto tão novo tocando daquele jeito é
impressionante”, fala Katherine Limonge, cliente conquistada pela música da
turma. Não foi só o número de músicos que aumentou no últimos meses. A
clientela tem sido atraída pelo bom som. “Todo mundo gosta muito. Estamos até
pensando em fechar mais tarde aos domingos devido aos pedidos”, comenta Nádia
Carvalho, gerente do café.
Tristeza só no nome. O choro ou chorinho é um ritmo que
expressa a alma do brasileiro. É uma música boa, alegre e cheia de sentimento,
segundo Hamilton de Holanda, um dos maiores nomes dessa escola e o grande ídolo
de Ian Coury. Não é o estilo preferido da maioria dos jovens, muito menos das
crianças. Tanto Ian quanto outros talentos da música brasileira seguem os
passos de quem fez e faz história com o choro e preservam a cultura do país.
Quem mostrou o chorinho para Ian foi Carlos, o pai, um dos exemplos que o
menino segue.
Hamilton de Holanda também começou a tocar ainda pequeno.
“Fico feliz de saber que ele vem estudando música, mas sem deixar de brincar
com ela. E tem que ser assim mesmo nessa idade, fazer algo mais lúdico. Pela
musicalidade que ele apresenta, tem futuro. Mas isso depende muito da dedicação
dele”, afirma o músico. Hamilton convidou Ian, no fim do ano passado, para
tocar em um show aqui em Brasília, no evento Bandolim Solidário. “Convidei para
participar do show e ele arrasou, foi super aplaudido”, lembra Hamilton. A
primeira vez que o músico ouviu o garoto foi por meio de um vídeo que um amigo
enviou. “Fiquei impressionado com o jeitão dele para tocar e com a intimidade
que tem com a música”, fala o bandolinista.
Iniciação
Começou a ter aula de cavaquinho aos 7 anos de idade, com
apenas três meses se apresentou pela primeira vez. Continuou os estudos, mas
queria mesmo era tocar guitarra. O pai disse que esperasse mais um pouco que
lhe apresentaria um novo instrumento. Na época, o músico Armandinho Macêdo se
apresentou no Clube do Choro. Ian foi com o pai e se apaixonou pela sonoridade
do bandolim. Ouviu um conselho de um mestre e seguiu. “O Armandinho disse:
larga o cavaquinho, pega o bandolim”, lembra. Esqueceu também da guitarra. Até
tem uma, mas fica esquecida no canto do quarto.
O primeiro bandolim foi de oito cordas. Hoje, toca com um
de 10. A diferença, em termo práticos, é o acréscimo de duas cordas mais
graves. Elas possibilitam novas sonoridades, permitem um som mais completo.
Quem desenvolveu e aprimorou o instrumento foi Hamilton de Holanda. “Pode até
existir um dia alguém que toque como Hamilton, mas não melhor”, fala Ian sobre
o músico que o inspira.
Todas as manhãs são reservadas para as lições. Intercala os
dias com aulas de teoria musical, harmonia, improviso, coral e técnica. À
noite, pratica um pouco antes do cansaço do dia abater. Além das aulas na
escola de música, tem lições particulares com mais três professores. A rotina
tão puxada não é um peso. Ian leva o chorinho com prazer. A grande escola foi
participar da roda de choro Vila Madá, no Deck Shopping (Lago Norte), aos
sábados. Já são dois anos ali aprendendo e brincando. Há muita diferença entre
tocar somente para o professor e acompanhar outros instrumentos. Ali, o menino
aprendeu a tocar em grupo. “Perdi o medo, fiquei mais solto para tocar”, conta.
Enquanto não sai pelo Brasil afora se apresentando, Ian
segue com os estudos. O cuidado agora é com a técnica. Aprimorar cada vez mais
o som. Ian Coury quer entrar na Universidade de Brasília e cursar composição. O
futuro está todo desenhado, ou melhor, musicado pelo menino.
“Convidei o Ian a participar do show e ele arrasou, foi
superaplaudido. Fiquei impressionado com o jeitão dele para tocar e com a
intimidade que ele tem com a música”
Hamilton de Holanda, bandolinista
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A presença de
Glauber
A diretora Paula Gaitán, última mulher do cineasta e
mestre, traz ao Festival de Brasília o longa Exilados do vulcão. CORREIO BSB
16.09
“É sempre um prazer falar dele”, admite, ao telefone, a
multiartista Paula Gaitán. O “ele” em questão — na conjuntura de vida da
cineasta, fotógrafa e poeta — foi seminal: entre 1976 e 1981, Glauber Rocha
viveu ao lado dela como marido e incentivador. A satisfação é completa, nesse
sacudir de memórias que, por sinal, formatam a obra, em cinema, de Paula
Gaitán.
“As pessoas falam do Glauber com muito carinho porque sabem
que o afeto nosso se mantém muito vivo. Pra mim, não tenho resistência de falar
dele, porque sempre foi uma pessoa muito importante na minha vida. Ele
representa um pensamento vivo, rico e luminoso do cinema brasileiro. Glauber só
traz alegria, para quem vê seus filmes ou lê seus livros”, analisa. A cineasta
teve dois filhos com o diretor baiano. Em Diário de Sintra, feito há seis anos
e assinado pela diretora, traz “uma reflexão, em voz alta” da intimidade do
casal.
Diretora de arte de A idade da Terra (1980), fita
glauberiana com tomadas em Brasília (locação em que o cineasta esparramou o
intelecto pelas páginas do Correio Braziliense, onde trabalhou nos anos 1970),
Paula Gaitán voltará à capital que alimentou a paixão por Glauber, na disputa
por prêmios Candango, com a abertura, terça-feira, do 46º Festival de Brasília
do Cinema Brasileiro. “Exilados do vulcão, que será apresentado, é meu quinto
longa. Como dirijo filmes há 25 anos, as pessoas sabem dividir muito bem minha
vida com Glauber: já tenho um espaço próprio.”
Na nova passagem por Brasília, Paula traz na bagagem (e na
equipe, ao lado da filha Maira Senise), “uma herança compartilhada” com
Glauber: os filhos Eryk Rocha (produtor do longa) e Ava Rocha (presente na
trilha e à frente da câmera, como atriz). “Nós somos muito unidos, nos
respeitamos bastante. Tentamos nos encorajar nessa vida tão difícil de
cineasta”, comenta a mãe, aos 59 anos. Brasília traz à lembrança ainda a
exibição do primeiro longa, Uaka (1988), feito no Xingu e vencedor de cinco
prêmios, na extinta mostra de 16mm.
“Tinha uma sequência com índios kamaiurá no Teatro
Nacional. O filme trata do Quarup e é meio um pioneiro dessa série de
documentários comandados por diretores jovens como o Leonardo Sette (As
hipermulheres). Tornou-se uma referência cult, mas nunca foi lançado — pela
fatídica época de Fernando Collor. A situação era bastante dramática”,
relembra. No exterior, Paula, “cem por cento brasileira” (apesar de nascida em
Paris), foi atrás de um segmento de identidade. Na trilha do pai, o escritor
colombiano Jorge Gaitán Durán (criador da emblemática revista cultural Mito),
Paula fez 40 documentários para tevê colombiana entre 1993 e 2000.
Memória pessoal
“Acho que, no Brasil, as pessoas começaram a perceber meu
trabalho, a partir de 2000, com meu regresso. Com a mãe, brasileira, envolvida
em teatro, Paula congrega “as misturas, como todo brasileiro”, diante da
ascendência eslava. As raízes prometem despontar em Exilados do vulcão,
concorrente ao Festival de Brasília centrado no drama de um fotógrafo que vê a
memória esvanecer. “Meus filmes transitam muito pelo campo da memória; são
carregados da minha história pessoal”, demarca.
Ainda que fuja da narrativa mais conservadora em cinema, a
diretora acredita ter cacife para gerar amplo interesse do público. “Meus
filmes deixam a completa abstração, na medida em que venho do documentário.
Mas, ainda que, aparentemente, antagônicas, ficção e realidade são forças que
se complementam: minha proposta acaba impregnada pelo real”, defende. Mais do
que meras biografias, Vida (2008) e Agreste (2013), respectivamente centrados
nas atrizes Maria Gladys e Marcélia Cartaxo, confirmam a tese. “Quando a gente
trabalha com emoções e sinceridade, a energia é passada para o público, que se
vê contagiado”, entrega, em torno de seu cinema.
Numa corrente dinâmica — “a minha idade criativa é jovem;
muitos se aposentam, mas estou em pleno movimento”, garante —, a última
companheira de Glauber Rocha deixa entrever a origem de Exilados do vulcão,
movido “à força entranhada em nós e que balança nossa aparente placidez”. Desde
já, o que agita a diretora é o encontro com o público da cidade e com
“responsável e séria, crítica; sempre muito boa”. Em tempo de reconhecimento
(“sem vaidades”), a moeda de retribuição é favorável. “Evito ficar ilhada no
meu ego: como professora de workshops, percebo lidar com uma energia muito
recompensadora”. Seguramente, um estímulo glauberiano. “Tenho pelo Glauber uma
enorme gratidão. Ele era tão, tão generoso, que tivemos uma bênção: ele abria
espaço e se dava. Quem esteve perto dele só tem gratidão”, conclui.
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Sinopse
Exilados do vulcão conta a história de uma mulher que
perdeu o homem amado. Um incêndio em sua casa destrói diversos objetos, mas
fotos e um diário escrito por ele são resgatados. É a partir desses pequenos
objetos que ela tenta recuperar a lembrança do companheiro ao percorrer o
caminho feito por ele, conhecendo as mesmas pessoas e vivendo as experiências
indicadas nas fotos e nas frases do diário.
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Unha encravada
- FOLHA SP 15.09 ( Sobre a burocracia no Brasil - Muito bom)
Finda, em 1945, a Segunda Guerra Mundial, o mundo passou a
viver sob a ameaça de guerra nuclear. Foram anos terríveis, que levaram muita
gente ao pânico, a ponto de construir abrigos antiatômicos, providos de
alimentos para tentar sobreviver a uma possível hecatombe atômica. Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e
poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".
Felizmente, a guerra nuclear não houve. De fato,
dificilmente haveria, uma vez que os dois lados em conflito possuíam bombas e
foguetes suficientes para se liquidarem mutuamente. Terminaram por instalar, em
Washington e Moscou, telefones que lhes permitiriam evitar o desastre.
O fim do sistema comunista pôs termo à histeria nuclear. Só
quem viveu aqueles anos pode avaliar o quanto é bom livrar-se de semelhante
pesadelo. E pode dizer a quem não o viveu: você é feliz, cara, e não sabe!
É verdade. Sucede que o homem é um bicho especial,
particularmente porque o que lhe interessa é ser feliz agora. Se a vida poderia
ser pior --como naqueles anos-- pouco importa. Importam mesmo as aporrinhações
de agora. A ameaça nuclear se foi, mas ficaram outros problemas, menos
assustadores, mas, ainda assim, chatos para cacete.
Um deles é a burocracia. E você dirá: não dá para comparar
uma coisa com a outra. Tem razão, mas que a unha encravada dói, dói. Claro, é
melhor ter unha encravada do que câncer no estômago, mas bom mesmo é não ter
nem uma coisa nem outra. Noutras palavras: a ameaça nuclear era terrível, mas
passou, e a burocracia, não; pelo contrário, nos aporrinha cada dia mais.
Não estou querendo dar uma de terrorista, mas às vezes me
pergunto aonde vai chegar a burocracia que silenciosamente continua se
infiltrando e tomando conta de todos os setores de nossa vida.
Você vai achar que eu exagero, mas a gente só se dá conta
do problema quando se vê anulado por ele.
Um pequeno exemplo foi o que ocorreu comigo no banco onde
recebia minha aposentadoria. Ia lá todo mês, apresentava meu cartão de
aposentado, a carteira de identidade e recebia o dinheiro.
A senhora que me atendia já sorria para mim quando eu
chegava ao guichê, reconhecendo-me. Mas eis que um dia esqueci a carteira de
identidade e essa mesma funcionária não me pagou a aposentadoria.
Argumentei: mas a senhora me conhece, recebo esse pagamento
de suas mãos todos os meses. E ela: "Sim, claro, mas mediante a
apresentação de sua carteira de identidade; sem ela, de acordo com as normas do
banco, não posso pagar". E não pagou.
O problema são as normas, seja do banco, seja do INSS, seja
do Ministério da Fazenda, seja do inferno. Quando me chega uma carta de
qualquer dessas entidades, entro em pânico: é aporrinhação na certa.
A burocracia emperra nossa vida e a própria vida do país.
Outro dia, vi na televisão uma reportagem que mostrava toda uma rede de
turbinas tipo cata-ventos instaladas no Nordeste para a geração de energia
eólica. Dezenas de turbinas espalhadas por milhares de quilômetros, que
custaram uma fortuna e não produzem energia nenhuma. Sabem por quê? As linhas
de transmissão não foram construídas porque o processo burocrático, que
autorizaria sua instalação, nunca chega ao fim.
Enquanto isso, grande parte da energia que consumimos está
sendo produzida por geradores movidos por óleo e carvão, que são caros e
altamente poluidores. A produção de energia limpa, essa a burocracia
inviabiliza.
Não sei se você se lembra do ministro Hélio Beltrão, que
foi nomeado com o objetivo de desburocratizar o Brasil. Criou-se o Ministério
da Desburocratização, faz mais de 30 anos. Eu, como sempre, otimista que sou,
vibrei. Pois bem, esse ministério não existe mais e, em vez da
desburocratização do Estado brasileiro, o que aconteceu foi exatamente o
contrário: nada mais burocrático no Brasil do que o nosso serviço público.
Outro dia soube de mais uma: um pequeno produtor de cinema
conseguiu aprovar pela Lei Rouanet o projeto para um filme, mas antes de
terminá-lo, achou que era melhor mudar-lhe o nome.
Quem disse que pôde? A resposta dos burocratas foi a
seguinte: se trocar o nome do filme, perde o financiamento, vai ter que entrar
com outro pedido que será aprovado ou não. Como tinha levado quase um ano para
conseguir a aprovação do tal projeto, desistiu de mudar o nome do filme.
Ferreira Gullar
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