quarta-feira, 18 de setembro de 2013

De Guimarães Rosa à resistência do circo
Primeiro dia da Mostra Competitiva traz uma ficção do Ceará e um documentário do Espírito Santo. CORREIO BSB 19.09



A história de um circo que perambula por cidades do sertão e as dificuldade dos artistas envoltos por pobreza, mas cientes do valor da arte, são o mote do longa da ficção que abre a Mostra Competitiva do 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A produção é dirigida pelo cearense Rosemberg Cariry. “É um filme com uma dimensão humana muito marcada. Da precariedade, mas ao mesmo tempo do sonho, da arte, e é essa mistura que deixa o filme legal”, define o diretor.

Cariry é formado em filosofia, mas, mesmo antes de ingressar na faculdade, já estava completamente envolvido pelo cinema, em carreira iniciada em 1975. Concorrente habitual aos Candangos distribuídos no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o cineasta mantém o foco em enredos  populares.

Os pobres diabos têm em seu elenco Chico Diaz, que participou da última adaptação de Gabriela, e Sílvia Buarque, do longa Gonzaga. Além deles, Everaldo Pontes (sempre uma forte presença no festival), Gero Camilo, Zezita Matos, Sâmia Bittencourt e Nanego Lira integram a trupe de Cariry.

O diretor, que também é escritor e poeta, pesquisa temas ligados à cultura popular e tem vários livros publicados. Em sua obra mais recente, que será exibida no Cine Brasília, hoje, às 21h, escreveu o roteiro e participou da montagem. Os pobres diabos é um longa sobre o circo e seus percalços, mas também se anuncia como um filme sobre encantamento que, como visto anteriormente no trabalho de Cariry, retoma aspectos do povo que vive no interior do país, mas tudo embalado por tragédia conduzida de maneira direta.

O diretor tem produtora própria, a Cariri Filmes, e sempre filma no Nordeste. Esse detalhe tem interferência direta na estética das produções de Cariry. Segundo ele, o público pode esperar de Os pobres diabos um filme “brasileiríssimo”, em que as dificuldades lutam com o amor pela arte. “Todo filme em festival é valorizado sobretudo pelo momento de encontro com o público. Brasília tem espectadores apaixonados por cinema e é sempre especial mostrar filmes aqui”, diz Cariry.


Os pobres diabos
(CE, ficção, 98min, 14 anos); às 21h

Outro sertão
(ES, documentário, 73min, 10 anos); às 19h

Cine Brasília (R$6,00 e R$12,00) Teatro Sesc Newton Rossi (Ceilândia), Espaço Cultural Paulo Autran (Sesc Taguatinga), Teatro do Sesc Gama, Teatro de Sobradinho e Teatro do Guará – entrada franca


           

Deixem Diana em paz  (PE, Animação, 10min, 16 anos); De Julio Cavani
Aos 30 anos, Diana resolve largar tudo para se dedicar apenas ao mar e ao sono

           

Sylvia  (PR, Ficção, 17min, livre). De Artur Ianckievicz
Sylvia é camelô e passa grande parte do tempo em uma academia de boxe, onde conhece Nathalia.


Filme conta período em que o escritor morou na Alemanha      
Filme conta período em que o escritor morou na Alemanha


Sertão Nazista
O primeiro documentário da Mostra Competitiva é resultado de uma parceria das diretoras Adriana Jacobsen e Soraia Vilela. Ambas se debruçaram sobre período em que João Guimarães Rosa esteve diretamente exposto aos efeitos da Alemanha nazista. O diplomata de carreira foi vice-cônsul em Hamburgo entre 1938 e 1942. O filme adentra essa experiência.

O longa é, para Adriana, uma novidade histórica. “O documentário trata de um assunto importante para a história do país e pouco conhecido do público em geral. É produto de longa pesquisa na Alemanha, no Brasil e em Israel, mostrando uma série de imagens e documentos inéditos que vão surpreender o espectador. O filme remonta, por meio de imagens e sons de arquivo, a atmosfera em Hamburgo nos anos 1940. Dividido em capítulos, Outro sertão aborda vários aspectos da vida do escritor e diplomata brasileiro em um período tão conturbado da história mundial”, diz a diretora.

Soraia destaca outros aspectos, como testemunhos de pessoas que tiveram suas vidas salvas graças a vistos emitidos pelo consulado brasileiro de Hamburgo na época, e belas e raras imagens de arquivo. “Além da cuidadosa trilha sonora assinada pelo duo O Grivo”, destaca Soraia.


Ambas as diretoras têm proximidade com a Alemanha. Adriana estudou comunicação na Universidade Livre de Berlim e vive se dividindo entre o Brasil e a Alemanha. Soraia é jornalista graduada pela PUC (MG), mas estudou cinema na Universidade Humboldt de Berlim e, hoje, mora em Belo Horizonte.

A realização do documentário estendeu-se por quase uma década e as diretoras estão ansiosas para a exibição. “O Festival de Brasília é a plataforma ideal para a estreia de Outro sertão, por ser uma mostra de amplitude nacional. Esperamos que a divulgação em Brasília sirva para provocar debate e inspirar mais filmes históricos e biográficos”, diz Adriana.


           

Luna e Cinara  (RJ, Documentário, 14min, livre) De Clara Linhart Sinopse: O curta mostra a relação atípica da aposentada Luna e sua empregada, Cinara.

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Sociedade
Uma nova espiritualidade
A busca da felicidade deve ocorrer onde pode se concretizar: no amor, no idealismo, na solidariedade. E não em um consumismo desenfreado e irrefletido  -    por Ciro Gomes —  CARTA CAPITAL 18.09
 
 felicidade
Ser feliz hoje parece resumir-se a responder a uma pergunta tosca: quanto atendemos de uma expectativa de consumo?


Não gosto, mas constato que a fugidia busca da felicidade que mais ou menos lucidamente nos guia na vida transitou da minha para a atual geração de um ambiente espiritual para um ambiente puramente materialista. E um materialismo em seu pior significado, o consumismo.

Não estou, claro, falando de religião quando me refiro à dimensão imaterial, idealista, espiritual, onde se buscava encontrar a tal felicidade. Era a poesia, a seresta, a boemia, o amor romântico, mas, acima de tudo, uma crença confiante de que éramos capazes de enfrentar não só o cabo da esquina, mas de mudar tudo que quiséssemos mudar, mesmo que fossem as estruturas da família mononuclear ou até mesmo – o maior talvez de todos os equívocos – a superação dos limites psicofísicos de nosso cérebro pela viagem lisérgica. Tal era ser feliz! Ou ao menos havia uma bastança enorme nessa busca em nossas almas.

Hoje em dia, e nisso não há nenhuma nostalgia, mas um diagnóstico para uma nova e generosa frente de luta, ser feliz, parece, resume-se a responder a uma pergunta tosca: quanto de uma expectativa de consumo dramaticamente excitada por uma infinda e maravilhosa oferta global damos conta de saciar com a renda apertada de que dispomos? Sim, pois, na mesma proporção que nossa renda possa evoluir, muito mais velozmente evoluem os encantos do consumismo.

E a única coisa efetivamente globalizada é a informação, o resto é mera manipulação ideológica imposta pela perversão liberal, tal como o “Consenso de Washington” a definiu.

Não é a miséria, por exemplo, como uma generosa, porém equivocada, opinião esquerdista sustenta, a causa da violência que explode em nossas cidades – todas na mesma ocasião em que o País retira da pobreza mais de 20 milhões de indivíduos. É, penso eu, o desdobramento natural do que reparto aqui: os jovens atuais, desespiritualizados, são induzidos a referir sua felicidade a um conjunto de elementos iconográficos do consumo moderno de massa, seja para portar os símbolos do êxito, seja para ser aceitos pelos seus grupos ou pelas meninas... E não têm dinheiro para adquiri-los. Frustração no primeiro momento. No seguinte, em consequência da justaposição da opulência, revolta e violência. A droga nada mais é que um escapismo anestesiante de uma vida vazia e careta. De um vácuo espiritual.

Dessa constatação resultam consequências muito práticas e concretas para quem imagina que estou divagando à beira de filosofia barata: se ser feliz modernamente é acessar ao bom, bonito e barato, cuja notícia global (sem trocadilho) nos chega pela televisão ou pela internet, trata-se de perguntar se as condições de produzir esse padrão desejado, como o próprio ser feliz, são globais.
Óbvio: a taxa de juros campeã mundial, o retardo tecnológico extenso e a economia baseada (ao menos sob o ponto de vista do emprego) em pequenas empresas que por definição trabalham em pequena escala não fazem do Brasil um país propriamente protagonista mundial desse ideal de consumo. Essa assimetria competitiva arbitrada por um consumidor desespiritualizado e com renda precária merecerá mais reflexões aqui, sob o ponto de vista econômico.

É, porém, uma batalha mundialmente perdida. O que quer dizer que, ao lado de modelos econômicos e de inserção internacional rebeldes à corrente dominante, há de se fortalecer uma luta global, especialmente entre nós, brasileiros, tanto mais com os jovens e as crianças, por uma nova espiritualidade.

É a tarefa histórica que os estetas, intelectuais, artistas (pensei muito em você, Patrícia) e especialmente políticos que não tenham só minhocas na cabeça e compulsão eleitoral devem realizar: temos de devolver a busca ansiosa pela felicidade onde ela tem alguma chance de se revelar real: ao amor, ao idealismo, à solidariedade, à austeridade, à parcimônia e ao respeito verdadeiro à natureza.

O novo consumidor deverá ser capaz de fazer três e não apenas uma pergunta no seu ato de consumo. Hoje só perguntamos quanto custa, seja para ter, seja para se frustrar. É preciso que perguntemos sempre quanto custa, pois a vida é dura, mas é preciso mais duas perguntas: quem se aproveita economicamente do meu ato de consumo e se esse meu ato é amistoso em relação à natureza na origem e nos rejeitos. Seria o começo de uma nova revolução.





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