quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Manchetes do Edu
LITERATURA »
Brasileiros contemporâneos
Autores jovens revelam uma diversidade muito grande de
abordagens, do realismo ao surrealismo, do drama ao escracho
CORREIO BSB 08.08
Um Borges que inspira o nazismo, uma eterna fuga
metafórica, uma neozelandesa em crise em Sidney e um brasileiro estacionado em
Dublin. O conjunto não faz parte de um mesmo romance nem protagoniza a mesma
história, mas é reflexo de uma produção diversa na forma e no conteúdo. Os
personagens estão nos mais recentes lançamentos de autores brasileiros
contemporâneos numa produção que pode ser lida de várias maneiras. Há ficção
conspiratória da mais paranoica, delírios ultramar para lá de bizarros e
histórias de amor sem muita firula, um cardápio que reflete a produção
literária deste início de século 21.
Nas prateleiras desde a semana passada, Ithaca Road, de
Paulo Scott, e Digam a Satã que o recado foi entendido, de Daniel Pelizzari,
são os dois romances mais recentes da série “Amores Expressos”, que enviou 17
escritores brasileiros contemporâneos a capitais do mundo inteiro com a missão
de escrever uma história de amor. Até o mês que vem, a coleção ganha ainda
Barreira, de Amilcar Bettega. De decisões de júris de prêmios importantes para
a revelação de novos talentos vêm Abilio Godoy, com Plano de fuga, e Marcos
Peres, com O evangelho segundo Hitler.
A televisão ajudou a lapidar a escrita de Vincent Villari,
contratado como roteirista pela Rede Globo aos 16 anos. Hoje, com 35, depois de
participações em roteiros como os das novelas Sangue bom e A favorita, ele
lança o primeiro livro de contos, a que ponto chegamos. Em Meu coração de
pedra-pomes, de Juliana Frank, a linguagem é escrachada e a personagem, pura
traquinagem com sua coleção de macumbas inéditas inventadas para situações
específicas. O Diversão&Arte fez uma seleção de lançamentos que merecem
leitura e refletem o melhor da produção brasileira.
Ithaca Road
De Paulo Scott. Companhia das Letras, 110 páginas. R$ 32
Narelle é neozelandesa, mestiça, filha de maori com inglês,
mas está em Sidney para ajudar o irmão a salvar o restaurante do qual é sócio.
Trixie é australiana, skatista, recém separada da namorada e com dificuldades
de relacionamento. As duas são amigas. Na verdade, melhores amigas. E foram
inventadas por um brasileiro. O romance mais curto do gaúcho Paulo Scott é a
prova de que a literatura pode ser mesmo universal, independentemente da
história contada. Ele foi um dos escritores que o projeto Amores Expressos —
idealizado pelo produtor Rodrigo Teixeira e pelo escritor João Paulo Cuenca —
mandou para 17 capitais de outros países com a incumbência de escrever sobre o
amor. O livro de Scott é delicado e fala do amor de diversas formas, sendo a
liberdade um ponto central.
Plano de fuga
De Abilio Godoy. Prumo,
120 páginas. R$ 19,90.
O compromisso de Abilio Godoy sempre foi com dois aspectos
dos contos de Plano de fuga: primeiro, a linguagem experimental, depois, o tema
da fuga. Quando escreveu o primeiro conto, em 2008, Godoy tratou de um rapaz em
constante fuga. Cada dia, o personagem acorda em um lugar diferente. O tema
continuou perseguindo o autor e apareceu em três outros contos. Godoy concluiu
então que tinha uma possível direção e começou a aprofundar a temática da fuga
que perpassa os 20 textos do livro, cuja publicação foi possível graças o
prêmio de finalização do Programa Petrobras Cultural de 2010. “A ideia por trás
do livro tem a ver com questões da psicanálise: você se guia por prazer e dor.
E as pessoas sempre querem fugir da dor. Só que, às vezes, é fácil fugir da
dor, principalmente quando é externa. Mas e quando é uma dor interna, quando se
perde alguém ou se tem um trauma, como fazer?”, se perguntou Godoy. “Fui
pensando nesse tema e escrevendo.” A escrita hermética também foi intencional.
Nada é servido de bandeja. “Minha proposta é fazer uma literatura que desafie
um pouco o leitor. Acredito numa literatura dialética, em que o sentido tem que
ser construído com o leitor. Não gosto de dar algo pronto”, a visa.
Meu coração de pedra-pomes
De Juliana Frank. Companhia das Letras, 112 páginas. R$ 31.
» Lawanda é uma faxineira desbocada que trabalha em um
hospital e gosta de imaginar aquelas sujeirinhas que não limpou como pequeninos
fragmentos de liberdade. Lawanda também é cheia de crenças. Acha que pode fazer
macumba para convencer o amante a deixar a mulher. Vive inventando fórmulas
milagrosas nunca antes experimentadas. Para atrair o amante, basta fazer uma
receita de comida batida com um pentelho do dito cujo. A moça acredita ainda
que costurar borboletas em suas calcinhas pode ter o mesmo efeito, desde que a
linha seja da mesma cor da asa. E o amante pode até mudar de lado no sofá se a
moça acertar nas misturas. Enfim, Lawanda é uma personagem bem divertida, a
cara de Juliana Frank, também criadora da filosoquenga, a prostituta filósofa
de Quenga de plástico.
A que ponto chegamos
De Vincent Villari. Prumo272 páginas. R$ 33,90
Os personagens de Villari carregam uma divertida bizarrice.
Tem o demente motorista do IML que quer ser chamado de doutor, a ninfomaníaca
que teme uma reclamação de paternidade em relação à única filha, a dona que
nunca mais dormiu depois de avistar o pênis de um vizinho, e o Torresminho,
menino cujo sonho era ter um closet, apesar de morar em um barraco de papelão.
A graça está entranhada nos contos de Villari e vai de par com a técnica
literária: o autor começa todos os contos da mesma maneira, apresentando um
personagem da forma mais pitoresca possível. Villari é uma espécie de
garoto-prodígio da Globo. Contratado como roteirista pela emissora aos 16 anos,
ele trabalhou em coautoria em novelas e minisséries, muitas delas em parceria
com Maria Adelaide Amaral, que assina a orelha do livro e aposta nos contos como
possíveis roteiros de cinema ou televisão.
O evangelho segundo Hitler
De Marcos Peres. Record, 350 páginas. R$ 34,90.
» A combinação do paranaense Marcos Peres é explosiva:
Bíblia, Jorge Luis Borges e nazismo estão entrelaçados em um trama surreal. Fã
de Umberto Eco e curioso sobre tudo que diz respeito a ocultismo e magia, o
escritor nunca entendeu direito por que as pessoas compram com tanta facilidade
as teorias da conspiração mais mirabolantes do planeta. “As pessoas gostam de
acreditar”, diz. Vide Dan Brown e seu O código da Vinci. Peres criou então sua
própria teoria da conspiração: um Jorge Luis Borges que não é o escritor acaba
confundido com o mestre da literatura argentina e precisa assumir o papel ao
ser sequestrado por nazistas. Esses últimos se baseiam em um texto do Borges
verdadeiro para criar as atrocidades do nazismo. “Queria inventar um homônimo
que ficasse à sombra do escritor e o Borges inventado foi um elo entre o Borges
famoso e o nazismo”, avisa Peres. A
trama é cheia de mistério e a linguagem, simples e direta, dois detalhes que
fisgaram o escritor André SantÁnna, membro do júri que deu a Peres o Prêmio
Sesc de Literatura 2012/2013. Desconfiado que uma história tão maluca não
atrairia a atenção de escritores sérios, o paranaense enviou o trabalho à
comissão do prêmio com um pseudônimo. Tudo neste romance de estreia foi muito
bem planejado. “Queria, desde o princípio, fazer com que tivesse esse formato:
que fosse chamativo pelo conteúdo e pelo título e que fosse acessível”, conta o
autor.
Digam a satã que o recado foi entendido
De Daniel Pellizzari. Companhia das Letras, 184 páginas. R$
26
A trama de Daniel Pellizzari para a série Amores Expressos
carrega quase todas as coisas bizarras que formam o gosto do autor: mitologia
céltica, pubs sombrios, assombrações, cultos obscuros e traficantes gregos. Seu
personagem, Magnus Factor, parece, é brasileiro. Tem 27 anos e desembarcou em
Dublin “para passar algumas semanas”. No entanto, um milk-shake de chocolate
maltado que se aproxima da perfeição muda tudo. Factor deixa de lado todos os
“talvez” que o levaram à Irlanda e decide ficar por lá. Mas não é só Factor
quem conduz a narrativa. Pellizzari investiu na polifonia e vários narradores
se encarregam da trama. E estar em Berlim fez bastante diferença para construir
a ambientação do romance. Autor e narradores se apropriaram da cidade com boa
dose de realismo. “Ter estado em Dublin foi crucial para o romance, e ele não
poderia ter outro cenário que não a Irlanda”, admite Pellizzari, em entrevfista
ao Diversão&Arte. “Enchi dois cadernos de anotações durante o mês que
passei em Dublin. Todos os personagens saíram do mesmo lugar de origem da
maioria dos personagens de qualquer escritor: da observação cuidadosa e do
exercício mental de se colocar na mente de outra pessoa, tudo temperado pelos
limites das minhas próprias percepções.”
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