terça-feira, 13 de agosto de 2013

Textos do Edu

Literatura:  Nos passos de John
Ponte flutuante nos primórdios de Ceres: autor a atravessou
Nas três vezes em que veio ao Brasil, o escritor John Dos Passos perambulou por quase todas as regiões do País.  O POPULAR GO 13.08
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Ele esteve no Nordeste, visitando Recife, Natal e João Pessoa. Foi às cidades históricas de Minas Gerais, como Ouro Preto e Congonhas do Campo, e, no mesmo Estado, ao Vale do Aço. Conheceu as capitais do Sudeste – Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Vitória – e chegou a ingressar em território nacional, via Peru, pela selva amazônica, passando por comunidades ribeirinhas das margens do Rio Solimões e alcançando Manaus.
Mas se há um lugar em que o escritor mergulhou profundamente no Brasil, esse foi Goiás, incluindo aí a então nascente Brasília. Confira como foram as andanças de um dos principais autores norte-americanos do século 20 pelo Cerrado brasileiro.
GOIÂNIA
Na debutante capital goiana – John Dos Passos chegou aqui em 1948, quando a cidade tinha apenas 15 anos de fundação –, o autor se deparou com imagens pouco aprazíveis. O centro urbano idealizado por Pedro Ludovico carecia de muitos serviços, como asfalto. Isso proporcionava cenas não muito agradáveis aos visitantes, como porcos no meio da rua rolando em poças de lama. Mas Dos Passos – que chegou a ficar preso dentro de um dos banheiros do Grande Hotel, na esquina da Rua 3 com a Av. Araguaia, depois que a maçaneta da porta lhe saiu na mão – não foi tão duro com a nova cidade, levando em conta a pouca idade da capital naquela época. Em 1958, a caminho de uma Brasília ainda em construção, ele voltou a Goiânia, ainda que rapidamente. Sua impressão mudou radicalmente. Já bem melhor estruturada, a cidade ganhou elogios do autor, que chegou a dizer que seu desenvolvimento era um bom presságio para os planos que Juscelino Kubitschek para a nova capital federal que estava sendo plantada no Planalto Central brasileiro.
“Depois de sete horas de voo do Rio, chegamos a Goiânia. Essa nova capital de um novo estado fora fundada havia apenas quinze anos. Consistia de uma avenida com árvores ornamentais até o palácio do governo, alguns prédios públicos, algumas poucas ruas transversais com toscas casas de estuque, um hotel novo já caindo aos pedaços e alguns folhetos bem impressos de planos para o futuro.”
“Embora porcos ainda chafurdassem nas ruas enlameadas, Goiânia já ostentava uma escola de música e uma academia de letras. ”
“Em 1958, Goiânia era uma cidade florescente de 50 ou 60 mil habitantes, com ruas arborizadas e pavimentadas, um aeroporto eficiente e vários hotéis, restaurantes limpos, água corrente quente e fria e um ar de pressa e atividade. Percebia-se isso até mesmo nos varredores de rua. Os subúrbios estavam se desenvolvendo. As pessoas nas lojas pareciam bem alimentadas e bem vestidas. Uma cidade de classe média como algumas pequenas cidades agrícolas do Meio-Oeste dos Estados Unidos. Nenhum sinal de desesperada pobreza rural que ainda víamos nos arredores de Anápolis, embora esse assentamento mais antigo tenha se desenvolvido principalmente como centro industrial e de produção de queijo.”
CERES
A Colônia Agrícola de Goiás fundada nas margens do Rio das Almas por Bernardo Sayão prosperou e hoje a cidade de Ceres é uma referência na região do Vale do São Patrício. Em 1948, quando John Dos Passos chegou à região a bordo de um avião do governo estadual, tudo era bem diferente. O projeto, em seu início, apresentava muitas dificuldades. A conquista do Oeste se fazia no improviso e na raça. O escritor, por exemplo, pôde passar pela famosa Ponte dos Tambores, uma engenhoca flutuante que por muito tempo foi a ligação de Ceres ao restante do Estado. O autor se impressionou com a força e a vitalidade do idealizador do lugar, Bernardo Sayão, e chegou a escrever que “ele tinha mais capacidade de liderança do que qualquer homem que jamais conheci”. Ceres nascia no meio do nada e à custa de muito trabalho desbravador. John Dos Passos registrou esse momento.
“Depois que comemos a habitual refeição de arroz, feijão e carne, perambulamos pela aldeia de Ceres. A estrada passava pelo fundo de um amplo vale desmatado até a metade das encostas. Em todas as direções, em meio aos tocos de árvores, estendiam-se grupos de casas de tijolo inacabadas. Por toda parte havia pedreiros trabalhando, construções subindo. Vislumbrava-se contra o céu as costas nuas de homens mulatos assentando as telhas. Aquela pilha de tijolos ia se tornar um cinema; aquela outra seria um banco. Aqui e ali uma pequena casa de estuque já terminada, caiada e com portas pintadas, se destacava brilhante e nítida. Em todas as colinas ao redor, as grandes e debilitadas árvores da mata destruída se enfileiravam nas margens das clareiras.”
“Começamos a atravessar a ponte flutuante. O sol se pusera atrás das colinas cobertas de matas. No rápido crepúsculo dos trópicos, um ar levemente frio se elevava da ligeira água verde amarronzada.”
BELÉM-BRASÍLIA
John Dos Passos não tinha noção disso, mas ele foi um dos primeiros a transitar pela rodovia Belém–Brasília, isso num tempo em que Brasília nem existia. Em 1948, a bordo de um carro velho e valente, ele, acompanhado de Bernardo Sayão e da filha mais velha do engenheiro, Laís, levantaram poeira no corte que atravessava o Cerrado bravo rumo ao norte. O “fazedor de estradas” que era Sayão queria mostrar ao ilustre visitante seu projeto de ligar o Centro-Oeste ao Norte por meio de uma rodovia com quase 2 mil e 500 quilômetros de extensão. Antes do projeto da nova capital federal, a estrada ligaria Belém a Anápolis, interligando-se à rodovia que levava a Goiânia, Minas Gerais e São Paulo. Eles rodaram muitos quilômetros no chapadão desabitado do Vale do São Patrício e John Dos Passos ouviu uma promessa de Sayão: “vou fazer essa estrada”. O escritor voltou ao Brasil em 1958 e quis se encontrar com Sayão, mas não conseguiu. No ano seguinte, o homem que rasgava o sertão com seus sonhos morreu esmagado por uma árvore na mesma Belém–Brasília que tanto sonhara em ver concretizada.
“Em parte de um barraco adaptado para funcionar como escritório, Sayão caminha até um mapa na parede. Aponta com o indicador para a embocadura do Amazonas. ‘O objetivo é abrir caminho até o Pará; nosso porto ao norte será a cidade de Belém. De São Paulo até Belém temos cerca de 2,4 mil quilômetros. Essas são as estradas de São Paulo até Anápolis. Da nova estrada que sai de Anápolis, já abrimos 340 quilômetros.’”
BRASÍLIA
Um sonho louco. Sim, John Dos Passos não escondia que compartilhava dessa opinião, quase que unânime, quando o presidente Juscelino Kubitschek decidiu transferir a capital federal do Rio de Janeiro para o Planalto Central. Ele veio a Brasília em 1958, no auge da construção da cidade-monumento, e viu os monturos de terra onde seriam erguidas as torres do Congresso Nacional, o grande chapadão onde um dia circulariam os carros pelo Eixo-Monumental, as colunas finas e ousadas que sustentavam o Palácio da Alvorada. Chegou a duvidar que a Catedral Metropolitana, que para ele parecia uma tenda, fosse ficar pronta e temia que o Lago Paranoá se enchesse de lama.
Em 1963, John Dos Passos voltou. JK, que ele entrevistara, não era mais o presidente e Israel Pinheiro, o chefão da Novacap, empresa responsável pela grande obra, estava fora da função. Mas o autor se redimiu de muitas de suas críticas e admitiu que Brasília o surpreendera. A cidade, sim, enfrentava problemas, mas ele já não duvidava que se consolidaria, que não seria uma capital-fantasma. Para essa previsão positiva, o autor se baseava em Goiânia, que ele visitara.
“No ponto em que as fundações da cidade se sobressaem do futuro lago, as amplas janelas do palácio presidencial de Niemeyer brilham no sol da tarde. Eles o chamam de Palácio da Alvorada. Suas estranhas colunas brilham como uma série de pipas brancas dispostas de cabeça para baixo. (...) À esquerda elevam-se as formas tipo caixas dos prédios de apartamento e blocos entrelaçados de pequenas residências de concreto. A pequena construção branca que parece uma tenda é uma igreja.”
“No entanto, mesmo depois de levadas em conta todas as objeções, tem-se de admitir que os projetistas de Brasília criaram uma estrutura magnífica para uma cidade do futuro. As ruas longas e retas, os vastos espaços abertos entre baixos prédios brancos são estimulantes. É uma cidade para a era automotiva, para a época dos jatos e dos helicópteros. Seus vastos espaços combinam com os espinhaços áridos e lisos da paisagem do planalto.”



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Um livro inquietaste:   Autor(es): Octaciano Nogueira. (…) O livro de Carlos Heitor Cony sobre Juscelino alude à Comissão Externa da Câmara criada para esclarecer a morte do ex-presidente, em depoimento perante a qual o governador Miguel Arraes terminou com uma afirmação categórica: “JK foi assassinado”.Correio Braziliense - 13/08/2013




Historiador e cientista político

Publicado pela Editora Objetiva em 2012, o livro de Carlos Heitor Cony JK e a ditadura, dividido em 12 capítulos e 238 páginas, é uma obra desafiadora e inquietante para não ser esquecida pelos que viveram a era JK, e útil para os que não tiveram a oportunidade de desfrutá-la. Trata-se de um período não só correspondente à fundação de Brasília, mas também à Presidência de Juscelino (1956-1961) e os episódios que se seguiram à sua sucessão, até a morte, em 1976.

O livro descreve, com indiscutível equilíbrio, uma longa e angustiante fase da vida política do país, que inclui o advento do regime militar, com a sucessão dos cinco militares que ocuparam o poder — Castelo Branco, Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista de Figueiredo — e dos cinco atos institucionais que enodoaram o próprio sistema jurídico do país. O texto que precede o “Capítulo 1 — O sucessor, sem sucesso”, refere-se a Jânio Quadros, que, eleito pelo voto popular, renunciou ao mandato depois de sete meses de governo, e registra a utilização do recurso ilusório da adoção do parlamentarismo que não vingou, tornando-se um precedente hoje esquecido na conturbada evolução de nosso sistema político.

Dessa fase angustiante, segue-se no capítulo 8 o título “Mil dias de exílio”, em que o autor transcreve o texto em que, indagado por que motivo se ausentara do país, naquela fase aguda de nossa vida política, Juscelino explicou: “Respondo com uma pergunta. Se a minoria política constituída por meus adversários, pressionava o governo, a ponto de compeli-lo a praticar o ato de minha cassação, com que garantias poderia eu contar, depois do esbulho em que nem sequer me foi facultado o direito de defesa? Saí do Brasil como um protesto em face do mundo, e, também, por não encontrar ambiente de segurança que me permitisse defender-me das calúnias e infâmias, distribuídas à larga contra mim”.

Há uma parte do livro em que Carlos Heitor Cony reproduz o que JK escreveu a um amigo, quando se encontrava envolvido no cipoal de Inquéritos Policiais Militares (IPMs) abertos contra ele:

— Eu estava engasgado pelo exílio. Fiz as malas sem esquecer das recomendações dos amigos que me pediam prudência, que ficasse mais uns dias em Paris, esperando o desenrolar dos acontecimentos. Mas eu vivia um drama pessoal. A possibilidade de passar um novo inverno no exílio era apavorante. Eu nunca sentira o terror antes. Em nenhuma situação de minha vida fui assaltado por esse sentimento, que é pior que o medo, mais devastador que o pânico. Era o terror mesmo. A alternativa que tinha, então, era voltar e ficar — e, se ficasse, dificilmente eu dominaria esse terror que se apossara de mim. Sou um homem de fé, católico praticante. Dei provas inúmeras vezes, de coragem pessoal e moral. Mas naquele momento eu não teria forças para vencer o drama que vivia. Era voltar ao Brasil, ou meter uma bala no peito.

A década de 60 do século 20 foi, sem dúvida, um período de inquietações e incertezas. Sucessor de JK, Jânio Quadros, eleito em 1960, tinha como símbolo uma vassoura que, segundo ele, serviria para varrer a corrupção no Brasil. Seu período de governo deveria ter ido de 31 de janeiro de 1961, data da posse, até 31 de janeiro de 1966; o vice-presidente era João Goulart. Como era de se esperar, porém, Jânio renunciou ao fim de sete meses de governo, por meio de mensagem enviada ao Congresso que, por sua redação, mais parecia um dos muitos bilhetinhos com que aterrorizava o próprio ministério: “Nesta data, e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões de meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República. Brasília, 25-8-1961”.

Os anos que antecederam e que sucederam ao gesto insólito do único presidente que renunciou ao mandato são, sem dúvida, momentos de inquietação que melhor teria sido esquecer, já que o país viveu o golpe militar de 1964 e o período seguinte, ocupado pelos cinco generais. Gesto mais insólito na política brasileira, só o suicídio de Getúlio Vargas, o brasileiro que durante nada menos de 15 anos dirigiu os destinos do Brasil.

O livro de Carlos Heitor Cony sobre Juscelino alude à Comissão Externa da Câmara criada para esclarecer a morte do ex-presidente, em depoimento perante a qual o governador Miguel Arraes terminou com uma afirmação categórica: “JK foi assassinado”.


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