terça-feira, 29 de janeiro de 2013








Para entender o Brasil em seus limites e contextos

Desindustrialização é assunto tomado como tema de confrontação de interpretações sobre a natureza de etapas do desenvolvimento brasileiro
Como interpretar o desenvolvimento econômico brasileiro? Seria necessária uma teoria específica para entender o Brasil ou há teorias e modelos gerais sobre crescimento econômico aplicáveis ao caso brasileiro? O histórico debate é revisitado em "Desenvolvimento Econômico - Uma Perspectiva Brasileira". VALOR ECONÔMICO 29.01


Com organização de quatro economistas - Fernando Veloso (EPGE-FGV), Pedro Cavalcanti Ferreira (EPGE-FGV), Fabio Giambiagi (chefe do departamento de risco de mercado do BNDES) e Samuel Pessôa (pesquisador do Ibre-FGV), o livro mostra a possibilidade de aplicação de teorias gerais de crescimento econômico na interpretação da realidade brasileira.

Veloso justifica o uso de modelos gerais matemáticos de crescimento econômico porque acredita que ajudam na organização do raciocínio. "É uma literatura acadêmica de alto nível e usada em vários países. Não somos os primeiros a utilizá-los para interpretar uma economia em desenvolvimento. Não se trata de uma aplicação ingênua". Levam-se em conta a história e as instituições de cada país. "Por isso, estamos dando importância à história em dois capítulos [escritos por André Villela], que servem para mostrar em qual contexto esses modelos vão funcionar."

Instrumentos matemáticos - como o modelo de crescimento de Robert Solow (criado em 1956) - costumam ser severamente criticados por economistas heterodoxos. Dentre as críticas, está a de que esses mecanismos foram criados para explicar a realidade de países desenvolvidos e não levam em conta aspectos de economias subdesenvolvidas/periféricas. Portanto, não seriam adequados para uma análise do Brasil. Também são vistos como um padrão de lições pré-definido, no qual se tenta encaixar a realidade.

Com o livro, segundo Veloso, pretende-se preencher uma lacuna nos cursos de desenvolvimento econômico, nos quais se estudam modelos que seriam muito gerais para o Brasil. É comum, por exemplo, a utilização do manual "Introduction to Economic Growth", de Charles Jones, professor de Stanford. Mas também se adotam obras focadas somente na história da economia brasileira. A intenção foi criar um livro complementar, tanto aos modelos tradicionais quanto aos mais narrativos de história econômica brasileira, mas sem substituí-los.

Para Gustavo Franco, autor do prefácio, essa forma de olhar para o desenvolvimento econômico brasileiro - em que pesa o uso de econometria - significa que o "impressionismo" foi "substituído pela quantificação". Ele também ressalta como aspecto positivo - e com isso certamente incomodará heterodoxos - que a coletânea de 15 capítulos é composta por textos em "permanente diálogo com o que se faz no exterior, e seguramente há de surpreender a muitos, especialmente aqueles cuja educação sobre o tema advém apenas dos pioneiros".

O livro traz contribuições de 19 economistas de escolas de renome, como EPGE/FGV, UNB, Insper e USP. As análises percorrem temas amplos - muitas vezes, em poucas páginas, para a aridez do assunto. Vão de desigualdades regionais a política industrial, infraestrutura e educação, além de perspectivas comparadas, quando são elencadas similaridades e diferenças da trajetória do Brasil com o desenvolvimento de países asiáticos, como Coreia do Sul e China. O período histórico de maior foco do livro vai do pós-guerra até os dias atuais.

Algumas análises saltam mais aos olhos pelas divergências em relação a outras interpretações. Quando Regis Bonelli, Silvia Matos e Samuel Pessôa tratam de política industrial, por exemplo, colocam lenha no debate da desindustrialização, ao entender que parte da queda da participação relativa da indústria no PIB dos dias atuais tem a ver com o fato de sua participação ter sido excessiva na década de 1970.
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Questiona-se em que medida o Brasil se industrializou demais até a década de 1970. A parcela da indústria no PIB na época era normal ou alta demais, comparativamente a outros países? Conclui-se que era alta demais. Assim, parte do processo de desindustrialização, como é visto hoje, seria natural, tal como ocorreu em outros países.

Essa ideia contraria outras teses, que entendem a desindustrialização no Brasil como precoce: a indústria brasileira nem teria atingido maturidade suficiente a ponto de sua presença relativa no PIB recuar, como teria ocorrido em diversos países hoje desenvolvidos.

Outra interpretação que chama a atenção é sobre a política econômica, feita por Renato Fragelli Cardoso, em que as reformas do Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) e as dos anos 1990 são colocadas como explicações para o "milagre econômico" do fim dos anos 1960 e começo da década seguinte e para o crescimento dos anos 2000, respectivamente.

A mensagem é de que períodos da história econômica em que foram feitas reformas estão em geral associados a ganhos de produtividade. Estaria no Paeg, realizado entre 1964 e 1967 e que envolveu reforma do sistema financeiro, criação do Banco Central, reforma fiscal, plano de estabilização e reforma tributária, parte considerável das origens do crescimento que ocorreria nos anos seguintes. As reformas dos anos 1990 - como a abertura econômica e as privatizações - são tomadas como explicação para o crescimento econômico dos anos 2000, em conjunto com a estabilização de preços. "Há evidências de que essas alterações tiveram um impacto positivo nos anos subsequentes (do governo Lula)", afirma Veloso.

Em sua avaliação, o desenvolvimento, em qualquer país, e no Brasil também, tem que se dar num processo de reformas contínuas. É dele uma advertência: "Já há alguns anos não são feitas reformas significativas no Brasil e a produtividade total dos fatores está estagnada. Isso é um sinal típico de esgotamento do processo de reformas. É preciso fazer uma nova rodada". Ao adiá-las, o risco será a manutenção de um crescimento econômico pequeno nos próximos anos.

"Desenvolvimento Econômico - Uma Perspectiva Brasileira"
Vários autores. Editora: Campus. 449 págs., R$ 89,90









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Estratégias bem-sucedidas são as sempre repensadas



Como A.G. Lafley e Roger Martin escrevem em "Playing To Win", "um número muito pequeno de empresas tem uma estratégia vencedora clara, confiável e que traga alternativas". Pior ainda, executivos que desenvolvem alguma abordagem bem-sucedida acabam, muitas vezes, aprisionados. Lê-se em "Strategic Transformation": "O que era uma fonte de força se torna o oposto - as barras invisíveis de uma prisão, da qual é muito difícil escapar".  VALOR ECONÔMICO 29.01



A tarefa de avaliar alternativas pode ser "opressiva, até paralisante", escrevem Lafley e Martin. O excesso de guias de orientação sobre o assunto pode aumentar ainda mais a indecisão. No entanto, os dois novos livros, bastante diferentes entre si, são um ponto de partida excelente.

"Playing to Win" é fruto da parceria entre Lafley, o aclamado executivo-chefe da Procter & Gamble (P&G) até 2009, e seu consultor Roger Martin, agora reitor da Rotman School of Management, de Toronto. O livro promete mostrar o modelo que tornou a P&G tão bem-sucedida sob o comando de Lafley.

"Não há estratégia perfeita que dure para sempre. Isso torna essencial desenvolver a capacidade de pensar estrategicamente"

Os autores de "Strategic Transformation" - professores de administração na Solvay Brussels School, Lancaster University School e Ceibs - seguem uma trilha mais acadêmica. Céticos quanto a análises jornalísticas que atribuem estratégias de sucesso à influência de líderes individuais, valem-se de uma base de dados de empresas britânicas com vários anos de existência e direcionam o foco a três delas: a rede varejista Tesco, a fabricante de doces e bebidas Cadbury Schweppes e a empresa de aparelhos médicos Smith & Nephew - que não apenas tiveram bom desempenho no período de 20 anos analisado, mas também o fizeram em meio a mudanças de estratégias e do comando. Os autores entrev istaram ex-gerentes e escavaram arquivos das empresas para encontrar pistas sobre como conseguiram e por que se deram melhor do que três outras empresas em setores similares.

Mas o livro que acaba funcionando mais como um manual de estratégia para profissionais é o de Lafley e Martin, enquanto o que revela um conteúdo mais pitoresco sobre a complicada tarefa de elaborar estratégias é o de Hensmans, Johnson e Yip.

As entrevistas dos professores rendem, por exemplo, a história de como Jack Cohen, o lendário fundador da Tesco, certa vez cruzou espadas literalmente com seu genro Leslie Porter - que comandava a cada vez mais importante divisão de produtos não alimentícios -, quando "pegaram as espadas Wilkinson que decoravam a sala da diretoria e se confrontaram como duelistas".

Pessoas que conheceram a Smith & Nephew de perto descrevem o processo de decisões nas décadas de 1960 e 70 como "administração por discussão", "administração por medo" e "ser o mais rude possível com os outros".

Essas descrições soam mais fiéis à realidade da vida empresarial do que os relatos um tanto estéreis das sessões de estratégia da P&G em "Playing To Win", em que os gerentes se esforçam para criar um "diferencial que aumente a margem [de lucro] no fio [dental]". Em certo ponto, Lafley e Martin descrevem como um até então cético cientista sênior da recém-adquirida Gillette acaba admitindo, com "lágrimas nos olhos", a sabedoria do estilo P&G de realizar pesquisas de campo com os consumidores.

Não é preciso, no entanto, envolver-se emocionalmente com as consequências das "guerras das fraldas" para compreender as medidas cruciais que o executivo-chefe e seu assessor tomaram para mapear seu caminho estratégico. Eles as apresentam com clareza, respaldadas em diagramas que mostram a torrente de alternativas disponíveis diante das empresas, incluindo questões do tipo "Onde jogar?" e "Como vencer?".

Mas seria um grande erro supor que um bom planejamento é tudo o que é necessário. "Simplesmente, não há uma estratégia perfeita que dure para sempre", escrevem Lafley e Martin. "É por isso que desenvolver uma capacidade de pensar estrategicamente é tão vital."

"Strategic Transformation" mostra como. Seus autores citam quatro "tradições" que são comuns a "transformadores estratégicos" que permanecem - continuidade, antecipação, contestação e mobilidade - e que ajudam as empresas a explorar os "acidentes felizes" que acontecem em todas as firmas.

Uma visão judiciosa da estratégia futura, a compreensão do ambiente competitivo e a capacidade de gerir a eficiência operacional - como também defendida por Lafley e Martin - são ingredientes "necessários, mas não suficientes", para um sucesso no longo prazo, escrevem os professores. Para evitar que se perca o rumo estratégico, algo mais precisa ser incluído.

Em suas três histórias de sucesso, os gestores conseguiram reinventar modelos históricos bem-sucedidos estimulando coalizões alternativas de gestão. Esses gerentes mais jovens foram capazes de contestar os líderes sêniores antes que estes tivessem fossilizado suas posições. Os gestores de empresas de sucesso "estimularam, e até mesmo celebraram" a tensão construtiva e diversidade de pensamento. Embora a Cadbury Schweppes tenha, mais tarde, se fracionado e a linha de produção de doces e guloseimas tenha sido vendida para a Kraft, em seu auge, o grupo incubou uma geração mais jovem que ousou defender um modo de pensar novo.

Os professores a contrastam com a Unilever, que foi durante décadas dominada por um "comitê especial", que aplicou uma abordagem super-rígida ao planejamento de sucessões. A Cadbury encontrou seus novos executivos internamente, ao passo que a Unilever teve de fazer uma busca externa para encontrar Paul Polman (que, coincidentemente, havia trabalhado sob Lafley na P&G) - para deflagrar sua transformação em 2009.

Lafley e Martin não ignoram essas lições. Deixam claro que mente aberta e ceticismo são essenciais para qualquer discussão envolvendo estratégias. Mas há pouco material, em seu livro, sobre a longa história da P&G, que seria preciso conhecer para se fazer uma transformação estratégica bem-sucedida. Onde "Playing To Win" é o livro que um estrategista em formação leria para preparar-se para uma reunião de planejamento, "Strategic Transformation" é o roteiro aprofundado para como manter e renovar a estratégia com o passar do tempo.

Os dois livros têm outra lição clara: cuidado com tamanho e predomínio. Lafley e Martin salientam que as estratégias do tipo "o vencedor leva tudo", praticadas por Toyota, Dell e Microsoft, têm sido objeto de ataques; até mesmo a atual escala e sucesso da Apple e do Google não proporcionam proteção permanente. A própria P&G tropeçou.

Como sugerem os autores de "Strategic Transformation", o status de "oprimido" ajuda a aguçar a vantagem estratégica de uma empresa. Depois que essas empresas tornam-se dominantes, perguntam eles, "sua administração fica fadada a perder de vista as vantagens proporcionadas por seu legado?" Muitas vezes, a resposta é sim.

Quatro "tradições" ajudam as empresas a atingir e sustentar o sucesso em longo prazo (de "Strategic Transformation"): (1) Continuidade: os líderes que se concentram em continuidade e reinvenção de um modelo histórico de sucesso. (2) Antecipação: uma geração seguinte que se prepara para mudanças e se prepara para aproveitar "acidentes felizes". (3) Contestação: uma cultura de contestação e de autocrítica entre os gestores de alto escalão. (4) Mobilidade: um processo de recrutamento, promoção e saída baseado em testes informais de capacitação, em vez de procedimentos formais, de modo a não eliminar "paladinos de ousadia".

... E cinco perguntas para ajudar as empresas a definir sua estratégia (de "Play to Win"): (1) Qual é nossa aspiração vencedora? (2) Onde vamos jogar? (3) Como vamos vencer? (4) Quais capacitações devem estar disponíveis? (5) Quais sistemas gerenciais são necessários?

"Não existe uma estratégia perfeita... É por isso que a construção de uma capacidade de pensar estratégicamente... é tão vital." (Tradução de Sabino Ahumada e Sergio Blum)

“Playing To Win”
A. G. Lafley e Roger Martin. Editora: Harvard Business Review. 272 págs., US$ 27,00

“Strategic Transformation”
Manuel Hensmans, Gerry Johnson e George Yip. Editora: Palgrave MacMillan. 256 págs., US$ 32,00

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013





Buenos Aires amplia circuito cultural

Humor é resultado da reivindicação de mais de uma década de artistas gráficos e cartunistas locais.
No tradicional bairro de San Telmo, um dos mais antigos de Buenos Aires, na Argentina, e conhecido pelas vendas de antiguidades e casas de tango, um moderno prédio espelhado contrasta com a arquitetura. Lá funciona, desde setembro, o Museu de Arte Contemporânea de Buenos Aires (Macba). VALOR ECONÔMICO 28.01


O novo espaço cultural é mais um investimento privado nas artes, seguindo o exemplo do mais antigo e conhecido Museu de Arte Latino Americana (Malba), do empresário do mercado financeiro e imobiliário Eduardo Constantini, e de iniciativas recentes como a Coleção de Arte Amalia Lacroze de Fortabat e o Faena Arts Center.

O Macba possui coleção com ênfase na arte abstrata geométrica. O acervo foi iniciado nos anos 1980 pelo consultor do mercado financeiro Aldo Rubino, reunindo obras de artistas como o venezuelano Carlos Cruz-Diez, os argentinos Enio Iommi, Gyula Kosice e Raúl Lozza (1911-2008) e os brasileiros Lothar Charoux (1912-1987), Almir da Silva Mavignier e João José Costa da Silva.

A curadora do museu e mulher de Rubino, Constanza Cerullo, não revela o valor gasto na obra de construção do prédio nem na aquisição das obras, mas afirma que existe uma demanda para justificar esse tipo de investimento. "Buenos Aires sempre foi um polo artístico importante. O público é bastante receptivo a atividades do setor cultural", diz.

Em apenas quatro meses, o Macba recebeu 15 mil visitantes. No ano passado, mais de 5 milhões de pessoas visitaram os museus de todo o país, segundo levantamento divulgado pela agência de notícias do governo argentino, a Télam. O recordista é o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), de entrada gratuita, com 1,4 milhão de visitantes.


O Macba destaca a arte abstrata geométrica
O Malba recebeu mais de 340 mil pessoas e, de acordo com o Observatório de Turismo da Cidade de Buenos Aires, é o segundo mais visitado por estrangeiros, atrás apenas do Museu Evita. Inaugurado em 2001, atrai especialmente a curiosidade dos brasileiros por guardar um tesouro: o "Abaporu", de Tarsila do Amaral (1886-1973), comprado por US$ 1,5 milhão em 1995.

Embora ainda menos conhecidos, a Coleção Fortabat e o Faena Arts Center têm pelo menos um ponto forte para se consolidarem no roteiro dos estrangeiros: a localização em Puerto Madero.

O bairro é uma antiga região portuária que se converteu na maior aposta imobiliária da cidade e tem grande apelo turístico. O primeiro abriu as portas em 2008 para exibir a coleção particular da empresária Amalia de Fortabat, que morreu no ano passado. Já o Faena, inaugurado em 2011 num moinho centenário, é um espaço para grandes instalações, como o crochê suspenso do brasileiro Ernesto Neto, exposto no ano passado.

O setor público também investe em novos espaços culturais. Do governo federal, um dos destaques é o Museu do Livro e da Língua, na Recoleta, que, embora menor, tem aspectos em comum com o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, como interatividade e acervo virtual.

"Visitamos o museu brasileiro e vimos que nosso orçamento era muito menor. Mas nos alegra quando os brasileiros chegam aqui e dizem que há semelhança entre os dois", diz Cecília Calandria, assessora cultural da Biblioteca Nacional, à qual o museu é vinculado. O custo do espaço, que mostra a história da língua escrita e falada na Argentina, foi de 12 milhões de pesos em 2011, cerca de R$ 5 milhões.

Em maiores proporções são as cifras da Prefeitura de Buenos Aires, que tem à frente Maurício Macri, um dos principais opositores da presidente Cristina Kirchner. Um exemplo foi o investimento de mais de 110 milhões de pesos, ou cerca de R$ 50 milhões, para transformar uma usina elétrica do início do século passado, na Boca, em uma casa de espetáculos para até 1.200 pessoas na sala de concertos e 400 na destinada a orquestras de câmara.

A Usina das Artes abriu as portas em maio. Para o vice-diretor do espaço, Gustavo Mozzi, a qualidade acústica é um destaque. "Temos a melhor acústica depois do Teatro Colón", diz.

Ao lado da Usina, foi reinaugurado, numa nova sede em 2011, o Museu do Cinema Pablo Ducrós Hicken, depois de ficar fechado por sete anos. "Já veio gente do México, do Uruguai para conhecer e levar o modelo a outros países", diz a diretora Paula Didier sobre o espaço, destinado exclusivamente à memória do cinema numa configuração de museu.

O acervo tem raridades como uma das nove câmeras dos irmãos Lumiére existentes no mundo e uma cópia com trechos inéditos de "Metrópolis" (1927), de Fritz Lang, além de figurinos, croquis, roteiros originais e mais de 60 mil latas de filmes, principalmente do cinema argentino.

Outra novidade do circuito cultural portenho é o Museu do Humor, instalado no prédio da cervejaria Munich, dos anos 1920, em Puerto Madero. O lugar abriu as portas no ano passado para contar a história da arte gráfica argentina desde o século XIX.

O país tem tradição na área, com nomes de sucesso mundial, como o cartunista Quino e a sua mais famosa criação, Mafalda. Segundo o diretor do espaço, Hugo Maradei, a inauguração do museu é resultado de uma reivindicação de mais de uma década de artistas gráficos e cartunistas locais.

O circuito turístico do humor se completa com o recém-lançado Paseo de la Historieta. A ideia é instalar até o final deste ano estátuas de 15 personagens, a partir da Mafalda, que ocupa uma esquina de San Telmo desde 2009, seguindo pelas ruas do bairro de Montserrat até chegar ao museu. "Para transformar os desenhos 2D em monumentos 3D contamos com a ajuda dos próprios cartunistas", afirma Maradei.

A maioria dos investimentos se concentra na zona sul da cidade, área mais pobre (com exceção de Puerto Madero) do que a zona norte, onde estão bairros como Palermo e Recoleta. Uma lei municipal, aprovada em dezembro, transforma parte da região em Distrito das Artes e prevê incentivos, como isenção de impostos sobre faturamento por dez anos, descontos de impostos que vão de 25% a 35% do valor dos investimentos, além de possibilidade de linha de crédito do banco municipal.

"É uma região que convoca artistas naturalmente e, transformada em corredor cultural, vai se desenvolver da melhor forma possível", diz Mozzi.




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Injustiça favorece o Leão


VISãO DO CORREIO



Mais de 25 milhões de brasileiros começam a se preparar para acertar as contas com o Leão do Imposto de Renda. Quem teve rendimentos do trabalho ou de outras fontes acima R$ 1.637,11 por mês no ano passado deve prestar as informações solicitadas no formulário eletrônico da Receita Federal e, dependendo do tipo de despesas que teve, pode levar uma mordida adicional às que o Leão já deu todos os meses no contracheque do assalariado de classe média. É nessa hora que o contribuinte que puxar pela memória vai descobrir armadilhas armadas contra ele. Correio Bsb 28.01

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Aparentes bondades fiscais podem esconder atos que resultam em mais arrecadação para o governo e menos renda para o contribuinte. O exemplo mais comum é o da retenção na fonte em valores acima do que era realmente devido. Não falta quem comemora a devolução, que pode demorar mais de um ano, como se fosse um benefício, quando se trata apenas de um erro que não foi do contribuinte e que nem deveria acontecer, tendo em vista a tecnologia disponível.

Mas o que o contribuinte vai descobrir quando preparar a declaração é algo que tira para sempre uma pa rcela de sua renda e, nesse caso, sem devolução. Trata-se da correção da tabela de aplicação das alíquotas do Imposto de Renda. Esse é um golpe antigo no bolso do cidadão. A tabela de descontos na fonte e de cálculo do tributo a pagar no ajuste anual vem sendo corrigida abaixo da inflação há anos. Atualmente, está em vigor uma lei que fixa em 4,5% ao ano a correção das tabelas do IR para todo o primeiro mandato da presidente Dilma, ou seja, de 2011 a 2014.

Trata-se do percentual identificado pelo governo como o centro da meta de inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Ora, essa meta foi cumprida pela última vez em 2009. Em 2010, o IPCA ficou em 5,90%; em 2011, 6,50%; e em 2012, 5,83%. Este ano, pelo menos durante o primeiro semestre, nem o governo espera inflação de 4,5%. Ou seja, o governo corrigiu a tabela do IR com um índice com o qual nem ele tem compromisso, preferindo admitir como satisfatório e não como e xceção o teto de 6,50%. A perda do contribuinte é óbvia.

Para quem pretende estimular o consumo, essa distorção poderia ser corrigida, ainda que paulatinamente, já que, por mal antigo, o acumulado contra o contribuinte é enorme, impagável de uma só vez: 66,4%, segundo cálculos do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional). Já foi pior. Logo depois do Plano Real, o governo congelou por muito tempo a tabela do IR, a título de eliminação da memória inflacionária. O resultado foi que o crescimento do imposto cobrado das pessoas físicas ficou cerca de cinco vezes maior do que o dos preços e salários, entre 1996 e 2008, segundo estudo feito à época pela consultoria Ernst & Young.

Como nunca é tarde para trocar o errado pelo certo, a presidente não terá a menor dificuldade em aprovar rapidamente uma mudança na Lei nº 12.469/11, antes que os descontos nos contracheques do assalariado aumente m o tamanho dessa injustiça fiscal.

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Memórias familiares vencem em Mostra de Tiradentes
Uma documentarista que busca, a partir de entrevistas com seu pai, resgatar memórias familiares e relatos sobre a tortura durante a ditadura militar foi a grande vencedora da 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes.  FOLHA SP 28.01.13
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"Os Dias Com Ele", de Maria Clara Escobar, venceu os prêmios da crítica e do júri jovem na edição deste ano do festival, que se encerrou ontem com um público estimado de 35 mil pessoas (ao longo de nove dias).
Metalinguístico, o filme traz o processo que a diretora enfrentou ao tentar extrair depoimentos de seu pai, o filósofo e dramaturgo Carlos Henrique Escobar.
Preso em 1973, ele perdeu quase toda a audição após ser torturado --desde então, evita falar sobre o ocorrido.
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Maria Clara parte da história do pai, de quem busca também lembranças familiares por ter convivido pouco com ele (atualmente vive em Portugal), para tentar resgatar parte da história da luta armada durante a ditadura.
Para Cezar Migliorin, professor de cinema da Universidade Federal Fluminense e mediador do debate sobre o longa, a luta dela diante do fracasso iminente da empreitada talvez seja "grande parte da experiência que o filme nos permite".
A ditadura foi também pano de fundo de outras três obras exibidas em Tiradentes. Entre elas está "Dossiê Jango", documentário de Paulo Henrique Fontenelle que venceu o prêmio do júri popular. O longa lança suspeitas sobre as circunstâncias da morte do ex-presidente João Goulart (1919-76), exilado após o golpe de 1964.
Entre os curtas, Gabriel Martins e Victor Furtado venceram o prêmio da crítica com "Meu Amigo Mineiro", produzido pelo coletivo cearense Alumbramento, e o cineasta pernambucano Gabriel Mascaro venceu os prêmios do júri popular e do Canal Brasil com "A Onda Traz, O Vento Leva".

Tradicional abertura do calendário anual brasileiro de festivais de cinema, a Mostra de Tiradentes se consolidou como um espaço para jovens cineastas e obras mais autorais e experimentais.

Neste ano, o festival ampliou o número de mostras (para acolher realizadores independentes com filmografias mais extensas) e teve como tema a produção cinematográfica realizada fora do eixo Rio-SP. Curiosamente, a grande vencedora foi uma produção paulista.




Vargas Llosa faz crítica pesada ao mercado cultural
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Gigante de pedra, o Centro de Convenções de Cartagena, numa península na saída da cidade histórica, estava tão cheio pouco antes da conferência de Mario Vargas Llosa que parecia que ia afundar. FOLHA SP 28.01


Herta Müller virá ao Brasil para conferência

Uma hora antes da palestra, atração maior do Hay Festival Cartagena 2013, a fila se estendia até uma enorme escultura de dois pescadores, do outro lado da rua.

O escritor peruano tem seu sorriso reproduzido em painéis eletrônicos, cartazes e leques que sua editora distribuiu para combater os 34°C do noroeste colombiano.

As portas do auditório Getsemaní são abertas e, com um senso de urgência Fla-Flu, o público toma suas mais de 1.400 poltronas púrpuras. Mario, como todos se referem a ele, ainda vai demorar a falar.

Antes há o senhor de gravata roxa falando sobre saídas de emergência (são seis), a lânguida mestre de cerimônia anunciando em tom cartorial que o Governo do Estado de Bolívar considera "o maestro Mario um dos grandes escritores da história". E depois o governador (aplaudido) e o prefeito (vaiadíssimo).

Joaquin Sarmiento/Reuters      

O escritor Mario Vargas Llosa em Cartagena
Em Vargas Llosa penduraram uma faixa como a de presidentes empossados e afivelaram uma comenda. Deram-lhe o título de Hóspede de Honra e as chaves da cidade, além de três diplomas em pergaminho. Há um novo rei nessa cidade-emblema da vida e obra do ex-amigo de Mario, don Gabriel García Márquez.

Quando por fim ouvimos a voz encorpada do autor, ela traz velhas lembranças do Colégio Militar Leoncio Prado, em Lima. Não à toa. Nessas vivências forjou seu primeiro romance, "A Cidade e os Cachorros", do qual hoje se celebram (bastante) os 50 anos.

"A literatura me levou ao colégio militar e o colégio militar me levou à literatura", sentencia o bom frasista Vargas Llosa, 76, acrescentando que, assustado com as veleidades poéticas pouco viris do filho, seu pai decidiu interná-lo ali para que "se curasse".

"A estratégia deu errado. Nunca escrevi tanto como no colégio militar. Nunca li tanto. E ler foi a coisa mais importante que aprendi."

Já nessa época, descobriu três autores-bússola para sua ficção: Flaubert, com a busca incansável pela palavra exata; Faulkner, que lhe apontou como manipular vozes narrativas; e Sartre, que lhe mostrou como as palavras promovem transformações.

TRANSFORMAÇÕES

Sobre elas, as transformações, o escritor se ocupou na segunda parte da conferencia.

Vargas Llosa não anda contente com as mudanças. Em seu recente "A Civilização do Espetáculo" (a ser lançado neste ano no Brasil pela Alfaguara), trata do processo da "frivolização da cultura".

"Nas artes, a palhaçada chegou a termos grotescos, a ponto de museus importantes pagarem centenas de milhões por um tubarão no formol", sentencia, raivosamente.

A julgar pela fala de Vargas Llosa, o que parece faltar na cultura é justamente formol.

"Nada gera conformismo como o entretenimento barato. Podem dizer que a cultura se democratizou, que deixou de ser elitista, mas é um processo que gera conformismo." Este processo, diz ele, influencia até o sexo.

"A civilização e a cultura refinaram o ato sexual, lhe revestiram de uma teatralidade. O erotismo é a desanimalização do sexo. Com o desaparecimento de uma certa cultura, degrada-se o erotismo. Estamos nos animalizando."

Antes de concluir, don Mario diz que terminou há pouco um romance: se chamará "O Herói Discreto" e se passará no Peru contemporâneo. "Oxalá este sobreviva 50 anos, como 'A Cidade e os Cachorros'", concluiu o rei do Hay, para então colher minutos ininterruptos de aplausos.


LIVRO »
Só vou de samba
O antropólogo carioca Marcos Alvito lança coletânea de histórias divertidas sobre personagens marcantes do gênero.
Cartola é protagonista de um episódio sobre a venda de um samba no Largo do Maracanã. CORREIO BSB 28.01

        
Nelson Cavaquinho é lembrado pelo famoso porre do tempo em que era cabo da PM


Maria Rita, sucesso na voz de João Nogueira, foi composta por Luiz Grande, autor dos sambas Suburbano feliz e Minha alegria. A música — que dizia “Por onde andará Maria Rita?/Que andava gingando com laço de fita” — virou hit nacional e não parava de tocar nas rádios. Luiz Grande também era chofer de táxi e dizem que, certa vez, um passageiro pediu para aumentar o volume quando começou a tocar Maria Rita, dizendo que adorava a música. Luiz ficou na dele e não disse que era o “pai” da composição. Ao contar para os amigos o episódio, explicou o porquê do silêncio: “Imagina se eu digo pro cara que eu sou o autor da música? Ele não ia acreditar”.

Esse entre outros “causos” estão em Histórias do samba — De João da Baiana a Zeca Pagodinho, sétimo livro do antropólogo Marcos Alvito. “Também sou professor de história e me aproximei do mundo do samba em 1999, quando passei a dar cursos e aulas sobre o tema. Para que as lições ficassem mais leves, contava episódios da história do samba”, diz Marcos que decidiu fazer o livro por causa de uma paixão.

“Durante 10 anos, guardei os casos que chegavam até mim por entrevistas e por pesquisas, quando me apaixonei pela Cabrocha de Copacabana (nome do último capítulo do livro, que faz referência à esposa, Licia Paranhos). No afã de conquistá-la, mandava para ela uma história por dia. E mesmo depois de juntos, continuei escrevendo os contos, quando decidi reuni-los em um livro.”
A escolha dos episódios que entrariam na publicação foi rápida e, em seis meses, o autor tinha as 100 histórias, que contam curiosos acontecimentos do mundo do samba. Uma das mais tristes e “talvez uma das mais bonitas”, de acordo com autor, é O último samba, que abre o livro. O capítulo narra os derradeiros momentos de Noel Rosa, ao batucar no tampo da mesa de cabeceira a composição de despedida.

Crônicas musicais

Histórias do samba — De João da Baiana a Zeca Pagodinho é um achado para os amantes do gênero. Os mais entendidos verão histórias clássicas, como a de Nelson Cavaquinho, que era levado pelo cavalo até o quartel em dias de bebedeiras mais intensas. O problema veio no dia em que o animal se soltou e voltou sozinho para a repartição militar. Nelson foi a pé para o serviço e não só encontrou o cavalo, como também um sargento bem irritado.
Outro famoso mangueirense protagoniza uma cena interessante com Noel Rosa. Cartola estava com o Poeta da Vila, no Largo do Maracanã (Zona Norte do Rio de Janeiro), quando encontrou o cantor Francisco Alves. Sem nenhum tostão e ávida por uma cerveja, a dupla aceitou o desafio de Chico Viola, que propôs comprar músicas, caso fossem compostas na hora. Cartola fez Qual foi o mal que te fiz, enquanto Noel criou Estamos esperando. “E este samba que fiz de parceria/Depois de feito não é dele, nem é meu/Escuta que o violão está gemendo/Tuas cordas vão dizendo/Que este samba é só teu”, escreveu Noel no samba de duplo sentido: a letra pode soar romântica, mas também é uma crítica à avareza de Francisco Alves.
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HISTÓRIAS DO SAMBA — DE JOÃO DA BAIANA A ZECA PAGODINHO
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Qual foi a maior dificuldade durante a pesquisa de Histórias do samba?
Existe um mar de histórias. Talvez o maior empecilho tenha sido encontrar a maneira certa de contar esses episódios. É preciso buscar uma forma que respeite o que aconteceu. Sou historiador. Eu não invento nada. Não posso fazer nem quero. É preciso encontrar um ponto que imprima a história com leveza, veracidade e respeito. CORREIO BSB 28.01


Algum episódio foi contado exclusivamente para o livro?
Sim. Fui a vários sambas de roda da Bahia e a encontros com a Velha Guarda da Portela e, a partir dali, surgiram os contos, como o Conexão Juiz de Fora. Samba-zen nasceu depois de uma roda de samba em Santa Teresa. Como eu misturo minhas histórias com as de grandes sambistas, essas também são inéditas.

Há planos de escrever outra publicação sobre samba?
Quero escrever mil e uma histórias sobre o samba. Material é o que não falta. Já estou produzindo um novo livro, porém ainda sem nome. Sambista não tem pressa.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013










Revolução em sala de aulaGraças à dedicação de uma professora de português, estudantes da periferia de Planaltina foram estimulados a perder a inibição e a colocar as ideias em forma de texto. O resultado? Dezesseis passaram no vestibular.  CORREIO BSB 18.01.13

Extra, extra! Alunos do 3ª ano do Ensino Médio do Centro Educacional Pompílio Marques de Souza, em Planaltina, experimentaram, no ano passado, uma cápsula do tempo imaginária, na qual depositaram seus sonhos de vida. Uns querem ser médicos, professores e promotores de Justiça; outros, arquitetos, empresários, enfermeiros, nutricionistas, advogados e jornalistas. Dezesseis jovens garantiram vaga para o sucesso e estão aprovados em universidades federais e estaduais de Goiás.

A viagem ao futuro foi possível graças à dedicação da direção e dos docentes, em especial, da professora de português Conceição Guisardi. Apaixonada pela profissão, ela enxergou na escola — localizada no bairro Mestre D’Armas, periferia da cidade —, uma possibilidade de dar saltos mais altos. Tudo começou em 2012, quando a mestra chegou ao colégio transferida de uma unidade educacional do Paranoá. “Os alunos tinham pavor de redação. Para mim, aquilo não era normal”, observou ela.

Em uma tentativa de eliminar o bicho-papão da cabeça deles, a professora decidiu reinventar. Em uma das primeiras atividades do ano, incentivou-os a escreverem uma carta para quem quisessem. A atividade se chamava cápsula do tempo. Nela, a ideia era que cada jovem contasse como se imaginava dentro de uma ou mais décadas. “Um aluno disse que tinha se tornado um médico e o outro, um advogado”, contou Conceição, orgulhosa.

Ela ainda usou e abusou da tecnologia como recurso pedagógico. Tornou-se amiga da turma no Facebook. Postava os conteúdos a serem estudados via mensagem. Tinha data e horário para isso. Corrigia-os discretamente quando escreviam palavras como “hipocrisia” sem h.

As postagens de Camila Nunes, 17 anos, e de Lucas Oliveira, da mesma idade, na rede social foram usadas na prova bimestral, confeccionada em cores e com as mesmas regras de vestibular: era proibido usar corretivo e as respostas tinham que ser marcadas com caneta azul ou preta. Caso alguém fosse pego “colando”, a avaliação seria anulada.

O texto “Saudade que já dói”, de Lucas, gerou duas questões subjetivas para serem analisadas e marcadas. O que deveria ser um sufoco trouxe estímulo. “Montei uma prova colorida, com fotos e publicações deles e imprimi tudo em casa. Eles quase enlouqueceram ao verem os próprios textos na avaliação”, emocionou-se. Enlouqueceram mesmo. Mais que isso. Sentiram-se importantes, capazes, estimulados.

Aprovação

O Centro Educacional Pompílio Marques de Souza recebe os louros da aprovação de 16 estudantes em universidades públicas do país. Todos passaram na Universidade Estadual de Goiás (UEG), sendo 11 para letras e os demais para pedagogia, matemática e história.

O grupo ainda se inscreveu em vestibulares de universidades federais. Maria Beatriz Soares, 18 anos, foi uma delas. Ela passou em direito na Universidade Federal de Mato Grosso e aguarda o resultado da Universidade de Brasília (UnB). “Nas questões discursivas, a redação ajudou muito a gente. Quero ser promotora de Justiça porque acho uma linda profissão”, destacou.

Joadyson Silva Barbosa, 17 anos, deixou de lado os pensamentos negativos e se dedicou ainda mais aos estudos. Tirou 860 pontos na redação (1.000 é a nota máxima) e passou pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para odontologia, na Universidade Federal de Uberlândia (MG), mas agua rda resultado do vestibular para medicina na UnB. “Se eu não passar, vou tentar até conseguir. Medicina é tudo, é o meu sonho. Antes eu tinha complexo de inferioridade, mas vi que sou capaz”, admitiu o jovem.

A mãe, Gilmária Santana, trabalha como auxiliar de serviços gerais no colégio Pompílio Marques e não disfarça a felicidade. “Na família, ele é o espelho. Estuda o dia inteiro e não quer saber de Facebook ou videogame. Fico muito orgulhosa”, admite.

Joadyson ainda venceu um concurso de redação promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ano passado. Havia cerca de dois mil concorrentes. O trabalho literário tinha como tema “O papel da internet na educação”. O estudante escreveu num trecho da redação que “a internet transforma paradigmas e integra as pessoas, mostrando-se aliada no processo de educação, tanto nas questões sociais quanto nas científicas”.

Furacão na escola

Joyce Rodrigues, 16 anos, tirou 900 pontos na prova dissertativa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do ano passado. Ela, porém, estava no 2º ano e não poderá cursar administração. “A redação foi decisiva. Amo ler e acabo escrevendo bem”, raciocinou a jovem, que diz ler pelo menos três livros literários por mês. Entre eles, estão A hora da estrela, de Clarisse Lispector e Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Ravane Rabelo da Silva, 17 anos, passou para letras, na UEG, e prontificou-se a dar aulas de reforma ortográfica a professores do colégio. “Eu tinha muita dificuldade para escrever, mas a professora levantou minha autoestima”, garantiu. A mãe, Maria Leni Rabelo Campos, 50 anos, estava maravilhada. “O que aconteceu na escola foi uma revolução. Eu só tenho o que agradecer a professora. Ela mora no meu coração”, elogiou.

A professora Conceição teve o apoio do diretor Welton Rabelo. Ambos realizaram projetos e atividades o ano passado inteiro. Promoveram aulões, uma vez que os jovens não tinham condições de pagar cursinhos. Diversos simulados foram aplicados em turno contrário. Alunos disputavam quem tirava nota maior, quem desempenhava melhor as tarefas designadas.

 “Em 2012 passou um furacão na escola. Foi cansativo, mas quando se tem dedicação e vontade, as coisas funcionam. Os alunos do 3º ano deixaram bons exemplos para as outras turmas”, destacou Welton. “Eles são os mais ciumentos e dedicados que conheci em 14 anos de profissão”, concluiu Conceição. Fica a saudade.

Vagas na internet
O informatizado Sistema de Seleção Unificada (Sisu), gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), é um portal de ensino no qual instituições públicas de educação superior oferecem vagas para candidatos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
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Prefeito faz discurso de aproximação aos movimentos sociais

Um dia depois de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aconselhá-lo a abrir seu governo para a participação popular, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), discursou para representantes de movimentos sociais e pediu a ajuda da sociedade para debater as propostas para o município e ajudá-lo na comunicação com os paulistanos, para evitar a paralisação de projetos da nova gestão.  VALOR ECONÔMICO 18.01.13

"Tenho consciência da fragilidade de estar à frente do Poder Executivo sem contar com o apoio da população para resolver os nossos problemas", afirmou ontem, no lançamento da 4ª edição dos Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município, feita pelo Ibope e pela Rede Nossa São Paulo, que reúne mais de 100 entidades da sociedade civil (ver reportagem na página 10).

Segundo a pesquisa, segue baixa a confiança em instituições como a prefeitura, a Câmara Municipal, o Judiciário e o Tribunal de Contas do Município. O item com pior avaliação, dos 169 pesquisados, foi "honestidade dos governantes", com nota 2,9, de 10 possíveis. "Hoje, a sensação na cidade é que tem uma negociata por trás de todo empreendimento, por trás de toda iniciativa pública", disse o prefeito, que reclamar das inúmeras consultas do Ministério Público aos projetos e da necessidade de responder a uma série de órgãos para viabilizar cada empreendimento.

O petista evitou, porém, criticar a gestão anterior, do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), que na campanha foi atacada por Haddad pelos casos de corrupção. A mudança de postura ocorreu logo após a eleição, quando Kassab se tornou um aliado importante para garantir a governabilidade na Câmara - o PSD tem a terceira maior bancada.

Haddad preferiu adotar o discurso de que essa sensação de negociatas é nutrida pela falta de comunicação. "Quando você se expõe e discute os problemas sem reservas, as pessoas passam a acreditar e ver a sinceridade dos seus argumentos. Quanto mais você explicar para as pessoas, mais vai angariar apoio para as difíceis decisões que o dia a dia te impõe", afirmou.

Haddad, contudo, buscou mostrar diferenças em relação a Kassab, que investiu pesado em propagandas na televisão para melhorar a avaliação do governo. Para o petista, o essencial é o diálogo com a sociedade. "Não vejo outra possibilidade do que ganhar a batalha da comunicação. E para isso não é a propaganda na TV, é disposição para debater e dialogar. Não é publicidade e propaganda", pontuou.

Segundo Haddad, a receita da cidade para investimentos é pequena e será preciso firmar parcerias com os governos estadual e federal, a iniciativa privada e a comunidade. O prefeito previu que eventuais problemas surjam disso e pregou o diálogo para resolver isso. "Se eu contava com recurso federal que não veio, vou dizer. Se um secretário meu falhou, vou dizer. Se eu falhei, vou dizer. É a única maneira de corrigir os erros", afirmou.

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...E O HOMEM CRIOU DEUS A

pós receber o Jabuti como ilustrador, Ferreira Gullar revela ao Correio as inspirações do recém-lançado monólogo escrito para o teatro



“A primeira coisa que eu quis ser na vida foi pintor. Não deu certo.” Ainda bem. Caso contrário, o país talvez não conhecesse o neoconcretismo. Ferreira Gullar, um dos maiores expoentes da poesia nacional, seria anônimo. Obras como A luta corporal (1954) ou o célebre Poema sujo jamais viriam à tona. Árduos sacrifícios. Em se tratando de Gullar, porém, não há prejuízos. Depois do mérito literário alcançado, sobrou tempo para a pintura reger os poemas. Ou vice-versa.  CORREIO BSB 18.01.13


Quando subiu ao palco da Sala São Paulo, em 2011, para receber o Prêmio Jabuti pela obra Em alguma parte alguma, não seria nenhum absurdo imaginar que no ano seguinte ele poderia repetir o feito. Afinal, o mais tradicional prêmio literário nacional já o laureou algumas vezes. Dito e feito. Em outubro de 2012, Ferreira Gullar voltou a ser contemplado. Dessa vez, como ilustrador.


 Bananas podres reflete o melhor da habilidade plástica do poeta. Pinturas, recortes, colagens e desenhos reunidos em um curto, mas expressivo livro. Segundo trabalho de ilustrações a chegar ao público (o primeiro foi Zoologia bizarra, de 2010), a obra deu a Gullar oportunidade de exercitar uma paixão que o persegue desde a infância. “Era garoto em São Luís quando fiquei fascinado pela pintura. Fiz, pintei. Até me entregar à poesia”. O encantamento permaneceu: “Comecei a escrever sobre pinturas, frequentar os pintores. Eu, inclusive, sempre fui muito mais ligado aos pintores do que aos escritores. Até hoje”, contou, em entrevista ao Correio.


A disposição para exercer, profissionalmente, estilos menos recorrentes não se restringe às ilustrações. Depois de 26 anos sem divulgar qualquer obra dramatúrgica, Gullar reaparece para o teatro com o recém-lançado O homem como invenção de si mesmo, um ousado monólogo que apresenta os elementos vitais da vida como resultados da criativa mente humana. Sem exceções. Assim, temos o intelectual de volta às acirradas discussões culturais. Aos 82 anos, Gullar bebe de uma fonte inesgotável de vitalidade, que continua a render trabalhos (neste ano, há dois novos livros previstos) e uma das mais intrigantes mentes da cultura nacional.


Cinco perguntas / / Ferreira Gullar

Foram mais de 20 anos para voltar a fazer algo para o teatro. Por que tanto tempo?
Não sou uma pessoa que planeje a vida com uma preocupação profissional ou pensando em ganhar dinheiro. Não é essa minha cabeça. Faço as coisas pelo prazer e suscitado por coisas casuais, como foi o caso dessa peça (O homem como invenção de si mesmo). Nem estava pensando em escrever para o teatro. Não que eu tivesse algo contra, mas não funciono assim. Sou motivado pela vontade, pelo processo de vida, pelo espontâneo.

Como se deu o processo de criação do enredo?
Eu comecei a entender que a vida é uma coisa inventada. Estou convencido disso. O homem se inventa enquanto pessoa, enquanto ser humano. Nascemos incompletos. O homem não é capaz de sobreviver somente com as mãos, os pés, a boca, os dentes. Não sobrevive dispondo só disso. Então, ele precisa criar a lança, o machado, a roda, o avião, o computador. Ele vive em um mundo inventado. A cidade é uma coisa inventada. Não nasce espontaneamente.

O texto defende que Deus faz parte dessas invenções. A justificativa é a mesma?
Claro! Da mesma maneira que o homem nasce incompleto na questão física, ele nasce perplexo, indagando: “O que estou fazendo aqui?” e “o que é o mundo?”. Perguntas sem respostas. O mundo foi inventado ou sempre existiu? Não há resposta. Se você diz: “O mundo existe porque Deus o criou”, está tudo respondido. Deus é a resposta para as perguntas sem respostas. O homem inventou Deus para que esse o criasse. Como diz Waldick Soriano: “Eu não sou cachorro, não”. “Sou filho de Deus”, mas para isso, preciso criá-lo primeiro. Eu não quis escrever um tratado de filosofia sobre isso. Não tenho essa pretensão. São ideias minhas que quis expor. Acredito nelas. Não acho que sejam uma bobagem.

Co mo, então, Ferreira Gullar responde aos enigmas humanos?
Eu fico sem as respostas. Acho a religião fundamental para a vasta maioria das pessoas. Feliz aquele que acredita. Não falo do fanatismo, do sectarismo. Isso é o oposto, algo negativo. Mas a religião como amor pelo ser humano, como tentativa de entender a vida, é importante. Quem tem isso convive mais tranquilamente. Tem mais consolo do que uma pessoa como eu. Mas tampouco sou um ateu mal-humorado, negativo: “Deus não existe, o mundo é um absurdo”. Nada disso. O incompreensível ultrapassa a capacidade humana de entender, pela sua vastidão, pela amplitude. Por isso mesmo, torna-se fascinante e extraordinário.

Aos 82 anos, há algo que o deixe temeroso?
Eu, às vezes, fico deprimido. Mas não tenho razão para isso. Pela minha vida, meu histórico, não acho que há motivo. Acho que seja algo biológico. Tenho meus filhos, netos. Pessoas carinhosas ao meu re dor. Minha companheira, Cláudia. Meus amigos, pessoas tão gentis. Meus leitores, tão generosos comigo. Então, não há motivo. Bate uma certa depressão, mas passa. Só pode ser biológica, porque lógica não é! (risos). Nada que me atrapalhe. Na maior parte do tempo, estou trabalhando, discutindo. E rende. Sou insultado por tudo quanto é canto! (risos). Há pouco, publicaram uma antologia da literatura negra. E fui dizer que não há literatura branca, nem negra. Há literatura e ponto. Escrita por negros e brancos. Eu inventei de escrever isso. Para quê? Embora eu tenha dito que o maior escritor brasileiro é um mulato, sem nenhuma dúvida: Machado de Assis. As pessoas são cheias de preconceitos. Principalmente, quando falamos das minorias, mulheres ou gays. Não existe mais opinião. Existe preconceito. Se o cara mencionar uma opinião crítica sobre isso, ele é preconceituoso. Mas discuto sem raiva. É uma das funções do escritor.



             

O homem como invenção de si mesmo
De Ferreira Gullar. Editora José Olympio, 80 páginas. Preço médio: R$ 29,90.