segunda-feira, 7 de março de 2016
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O tardio perdão aos povos originários pelo papa
Francisco
Papa pediu
perdão pelos séculos de dominação e de de sofrimento
POR LEONARDO
BOFF
1/03/2016 ÀS
21:38 PM
Foi memorável a
data de 15 de fevereiro de 2016, quando o papa Francisco esteve na cidade
colonial San Cristóbal de las Casas,
capital do estado mais pobre do México, Chiapas, lá onde em 1994 irrompeu a
rebelião dos zapatistas que perdurou até 2005. Encontrou-se com os povos
originários, maias, quichés e outros. Diante de cem mil pessoas celebrou missa
utilizando as línguas deles.
Foi uma visita
de dupla reparação. Primeiro aos povos originários, pedindo perdão pelos
séculos de dominação e de de sofrimento: “Muitas vezes, de maneira sistemática
e estrutural, os vossos povos foram alvo de incompreensão e excluídos da
sociedade. Alguns consideraram inferiores seus valores, cultura e tradições,
(…) e isso é muito triste. O que nos faria bem, a todos nós, seria um exame de
consciência e aprender a pedir perdão.”
Ecoam ainda aos
nossos ouvidos as palavras comovedoras do profeta maia Chilam Balam de
Chumayel: “Ai entristeçamo-nos porque chegaram… vieram fazer nossas flores
murchar para que somente a sua flor vivesse; entre nós se introduziu a
tristeza, veio o cristianismo; esse foi o princípio de nossa miséria, o
princípio de nossa escravidão.”
O impacto da
invasão dos espanhóis foi tão violenta que dos 22 milhões de astecas existentes
em 1519 quando Hernán Cortés penetrou no México, só restou em 1600 apenas um
milhão de pessoas. Muitos morreram em guerras e a grande maioria por doenças
dos europeus contra as quais não tinham imunidade. Foi um dos maiores
genocídios da história humana. Os colonizadores sujeitaram os corpos, os
missionários conquistaram as almas. Na linguagem de um indígena do século XVI,
os espanhóis, todos cristãos, “foram o anti-cristo na Terra, o tigre dos povos,
o sugador do índio”.
Agora nos vem
um papa da América Latina que não escamoteia, como sempre se fez pela Igreja
oficial e pela Espanha, esta devastação de inteiras nações. Reconhece os
pecados e abusos e pede perdão.
Fez uma segunda
reparação: o resgate do bispo Dom Samuel Ruiz García, incompreendido pela
hierarquia mexicana, em grande parte conservadora e literalmente perseguido
pelo Vaticano por introduzir diáconos indígenas e por colocar as bases de uma
“igreja indígena” que combinava elementos de Catolicismo e da cultura autóctone
que inclui ramos de pinheiros, ovos e referências a Deus como Pai e como Mãe. O
papa reconheceu as três línguas principais como línguas litúrgicas: chol,
tzotzil e tzeltal. Deteve-se diante do túmulo de Dom Samuel Ruiz e rezou
longamente.
Mais ainda. O
papa reconhece a grande contribuição que podem dar ao mundo pela forma como
tratam a Pacha Mama, com respeito, veneração e harmonia. Retoma o discurso da
encíclica sobre o “Cuidado da Casa Comum” e diz enfaticamente: “Não podemos
permanecer indiferentes perante uma das maiores crises ambientais da história.
Nisto, vós tendes muito a ensinar-nos. Os vossos povos, como reconheceram os
bispos da América Latina, sabem relacionar-se harmoniosamente com a natureza,
que respeitam como fonte de alimento, casa comum e altar do compartilhar
humano.”
Acrescenta
ainda: “Entre os pobres mais abandonados e maltratados está o nosso oprimido e
devastado planeta. Não podemos fazer-nos surdos face a uma das maiores crises
ambientais da história.” E novamente convoca esses povos originários a serem
referência viva de um outro modo de habitar a Casa Comum, de produzir, de
distribuir e de consumir em consonância com os ritmos da natureza e na equidade
na participação dos bens e serviços naturais.
De minhas
andanças pelos vários países latino-americanos constato dois fenômenos
visíveis: o resgate biológico dos povos originários. Eles estão crescendo em
número e refazendo sua população, outrora quase exterminada. E o segundo é a
reconquista de sua cultura com suas religiões com e sua sabedoria ancestral,
transmitida pelas “abuelas e abuelos” (as avós e os avôs), de geração em
geração. É uma experiência inolvidável participar de suas celebrações dirigidas
pelos seus sacerdotes, sacerdotisas e sábios. Aí se sente uma profunda
sacralidade e comunhão com todos os elementos do universo, da natureza e da Mãe
Terra.
Eles não são
filhos da modernidade secularizada. Guardam a sagrada veneração por todas as
coisas. Sentem-se filhos e filhas das estrelas e em profunda comunhão com os
ancestrais. Estes são apenas invisíveis mas estão presentes, acompanhando o
povo com seus conselhos transmitidos pelos anciãos e pelos sábios.
Devemos
revistar estas culturas ancestrais. Nela estão vivos princípios e valores que
nos poderão inspirar formas de superar a nossa crise de civilização e garantir
o nosso futuro.
(Leonardo Boff
é articulista do JB on line e escreveu “América Latina: da conquista à nova
evangelização”, Vozes 1992)
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