sábado, 25 de junho de 2016

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Tomás More: patrono dos governantes e dos políticos

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» José Carlos Brandi Aleixo
Professor emérito da Universidade de Brasília
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CORREIO BZB  23/06/2016
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O quingentésimo aniversário da publicação de A utopia, em 1516, em Lovaina, oferece grande incentivo para refletir sobre a vida e a obra de seu célebre autor Tomás More. As múltiplas edições do livro em diversos idiomas e a excelente acolhida ao filme, de 1966, A man for all seasons (intitulado no Brasil O homem que não vendeu sua alma), de Fred Zinneman, são eloquentes encômios a respeito dele.
Filho de pais abastados e influentes, nasceu e faleceu em Londres (1478-1535). Com estudos em Oxford e em outros famosos educandários, tornou-se advogado. Do seu casamento com Jane Colt (1505-1511), nasceram quatro filhos. Seu lar acolhia genros, noras, netos e estava aberto a amigos e jovens à procura de orientação. Segundo biógrafos, foi de exemplar vida matrimonial.

Em 1504 elegeu-se, pela primeira vez, parlamentar. Em 1521 foi galardoado com o título de Cavaleiro. Em 1523 tornou-se Presidente da Câmara dos Comuns. Em 1529 Henrique VIII designou-o Chanceler. Era estimado pela integridade moral, competência, sutileza de pensamento, afabilidade e cultura ímpar.

Na primavera de 1515, a pedido do rei e de mercadores ingleses, juntou-se à delegação enviada a Flandres para negociar tratados comerciais e diplomáticos. Dificuldades para reunir-se com os representantes da França e dos Países Baixos permitiram que More conversasse mais tempo com o amigo Erasmo de Rotterdam, autor de Elogio à Loucura e de A Educação de Um Príncipe Cristão. No mesmo período, em visita a Antuérpia, cidade com Feitoria portuguesa, palestrou com o notável navegante lusitano Rafael Hitlodeu. Ambos conheciam bem autores helênicos e romanos e interessavam-se pela organização política dos povos. Rafael havia muito viajado, quer com Américo Vespúcio, quer separadamente. Visitou a ilha Utopia. More registrou os seguintes comentários do seu interlocutor:
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[...] a Justiça da Inglaterra e de muitos países se assemelha aos mestres que espancam os alunos em lugar de instruí-los. Fazeis sofrer os ladrões pavorosos tormentos; não seria melhor garantir a existência a todos os membros da sociedade a fim de que ninguém se visse na necessidade de roubar primeiro e de morrer depois? A principal causa da miséria pública reside no número excessivo de nobres zangões ociosos, que se nutrem do suor e do trabalho de outrem e que para aumentar seus rendimentos mandam cultivar suas terras escorchando os rendeiros até a carne viva. [...]

Eles subtraem vastos tratos de terra da agricultura e os convertem em pastagens; abatem as casas, as aldeias, deixando apenas o templo para servir de estábulo para os carneiros. A honra de vosso senhor e a sua felicidade consistem na riqueza de seus súditos mais ainda do que na sua própria. Os homens fizeram os reis para os homens e não os homens para os reis; colocaram chefes à sua frente para que pudessem viver comodamente ao abrigo das violências e dos ultrajes; o dever mais sagrado do príncipe é velar pela felicidade do povo antes de velar pela sua própria; como um pastor fiel, deve dedicar-se a seu rebanho e conduzi-lo às passagens mais férteis [...] A dignidade real não consiste em reinar sobre mendigos, mas sobre homens ricos e felizes.
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Rafael louvou o general romano Fabricius, Cônsul de 282 a 275 a.C., que expressou: prefiro governar ricos a eu mesmo ser rico.  Sabe-se que Pirro tentou, em vão, suborná-lo. Em 1529 More exerceu, novamente, funções diplomáticas. Com Cuthbert Tunstall, em Cambrai (Cambraia), em negociações com representantes de Francisco I da França, e de Carlos V, da Alemanha e da Espanha, assegurou interesses da Inglaterra. More comemorou o êxito da missão na Igreja de Chelsea, cidade vizinha de Londres.
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Em 1532, Tomás More demitiu-se do cargo de chanceler. Em 1534 negou-se a aceitar a pretendida supremacia de Henrique VIII  Act of Supremacy como chefe da Igreja da Inglaterra. Não endossou o divórcio do Rei. Entre 17 de abril de 1534 e 6 de julho de 1535 viveu encarcerado na Torre de Londres. Textos redigidos durante sua dolorosa permanência nesse ergástulo foram publicados no livro A sós com Deus, pela Editora Quadrante, em São Paulo, em 2002. Antes de ser decapitado, declarou: Morro servidor fiel do rei, mas de Deus em primeiro lugar.

Tomás More grafou como seu epitáfio: Não odioso à nobreza nem desagradável ao povo, mas temido por ladrões, assassinos e heréticos. O irlandês Jonathan Swift (1667-1745), autor das Viagens de Gulliver, parco em elogios, enalteceu-o como a pessoa mais virtuosa que este reino jamais produziu. Vladimir Lenin, em 1918, erigiu estátua sua no Jardim Aleksndrovsky, perto do Kremlin. Dele declarou Pio XI: Homem verdadeiramente completo. João Paulo II, na Carta Apostólica E Sancti Tomae Mori, em 31 de outubro de 2000, proclamou-o Patrono dos Governantes e dos Políticos. Nela se lê:

Da vida e martírio de São Tomás More emana uma mensagem que atravessa os séculos e fala aos homens de todos os tempos da dignidade inalienável da consciência... A sua figura é vista como fonte de inspiração para uma política que visa como seu fim supremo o serviço da pessoa. Vinte e dois de junho é a data da comemoração litúrgica do martírio seu e do bispo John Fischer. Utopia não é ucronia. O que não há hoje, poderá existir amanhã algures.


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