sábado, 6 de outubro de 2012
Dicas de Português
dadsquarisi.df@dabr.com.br
Correio
Bsb 30.01
-
Bate-boca
supremo
Ora
vejam! O programa que bate recordes de audiência é o julgamento do mensalão.
Brasileiros de norte a sul do país ligam a tevê e lá ficam com os olhos colados
na telinha. Os ministros fazem jus ao sucesso. Falam uma língua que a maioria
da população entende. Viva! Só de vez em quando um ou outro têm recaída.
A
sessão de quarta ganhou atração extra. Relator e revisor se estranharam.
Trocaram gentilezas sem vênias e excelências. O povo sabido não deixou por
menos. Chamou a discussão de bate-boca. Aí, pintou a dúvida. Qual o plural da
duplinha?
Bate-boca
joga no time de arranha-céu, guarda-roupa, beija-flor, vira-lata, caça-níquel.
O primeiro elemento, invariável, não muda. Só o segundo se flexiona:
bate-bocas, arranha-céus, guarda-roupas, beija-flores, vira-latas,
caça-níqueis.
É
campeão
Viva!
O Santos bateu a Universidad de Chile por 2x0. Com a vitória, conquistou a
Recopa Sul-Americana. Palmas pra ele. E, pra nós, uma diquinha. Sul e norte
pedem hífen na formação de adjetivos pátrios. É o caso de sul-americano,
sul-coreano, sul-vietnamita, sul-asiático, norte-americano, norte-coreano.
Caxirola
Adeus,
vuvuzela. Abra alas para a caxirola. Criada e batizada pelo músico baiano
Carlinhos Brown (foto), a polissílaba é instrumento de percussão para a Copa de
2014. O nome vem de caxixi. Que bicho é esse? É o chocalho usado pelos
tocadores de berimbau. Que nos traga sorte!
Duas
festas, um cuidado
Em
27 de setembro há duas comemorações. Uma: Cosme e Damião. A meninada fica
assanhada pra receber docinhos. Nós correspondemos. Damos. Damos. Damos. A
outra: dia da doação. Com ele, a conjugação do verbo doar entra em cartaz. A 1ª
pessoa do singular do presente do indicativo impõe cuidados. É que o acento do
hiato oo perdeu o chapeuzinho. Agora aparece sem lenço e sem documento: eu doo,
ele doa; eu voo, ele voa; eu coroo, ele coroa; em perdoo, ele perdoa.
O
conceito de cada um
Não
há uma verdade. Há muitas. A variedade depende do olhar de cada um. Eduardo
Galeano prova:
A
Igreja diz: O corpo é uma culpa.
A
ciência diz: O corpo é uma máquina.
A
publicidade diz: O corpo é um negócio.
O
corpo diz: Eu sou uma festa.
Ursinho
doidão
“Viver
é negócio muito perigoso”, dizia Guimarães Rosa. “Viver é negócio pra lá de
perigoso”, acrescentamos nós. Perigoso e chato. Como quem não quer nada, mil olhos
e mil ouvidos nos veem e nos escutam. Ao menor descuido, lá vamos nós prestar
contas à Justiça. O big brother começou com a língua. Cuidados se impõem pra
não tropeçar no politicamente incorreto. Depois, atacou os livros. Até a obra
As caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, caiu em desgraça. Tachada de
racista, corre o risco de banimento das salas de aula e das bibliotecas
escolares.
A
mais recente investida partiu do delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado
federal. A vítima: o filme Ted, em cartaz nas principais salas de cinema. A
película tem indicação para 16 anos. Ele levou o filho de 11. Indignado com a
cena em que o ursinho fuma maconha, pediu a censura do filme. Depois, recuou.
Propôs 18 anos.
Cruz-credo!
Como nesta vida nada se perde, tudo se aproveita, vale a etimologia de censura.
A palavra vem do latim censura (condenação). Pertence à família de censo, que
originou censor. Entre os romanos, censor era a pessoa que recenseava a
população e zelava pelos bons costumes. Entre nós, tornou-se, sobretudo,
sinônimo de proibição.
Leitor
pergunta
Fiquei
com dúvidas sobre discurso da Dilma na ONU. Entre agudizar e impactar,
destaquei esta passagem: “...com reflexos nos países emergentes, inclusive o
Brasil”. Não seria “no Brasil”?
Jaime
Naves, lugar incerto
Agudizar
e impactar figuram no Vocabulário ortográfico da língua portuguesa e nos
principais dicionários. Mas a maior parte dos manuais de redação e estilo
recomenda não usá-los. A frase tropeça na estrutura sintática. Melhor: …com
reflexos nos países emergentes inclusive no Brasil.
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A política econômica, segundo Dilma
Coluna Luis Nassif -
03/10/2012
Os
discursos de Dilma são o melhor instrumento para saber o que ela pensa sobre
economia. A presidente tem por hábito enfiar "cacos" no discurso,
explicitando melhor seu pensamento.
Foi
o que aconteceu no discurso que proferiu na cerimônia de "As Empresas Mais
Admiradas", da revista Carta Capital.
***
Nela,
ficou claro o compromisso do governo com a produção, interrompendo vinte anos
de desatenção que desarticularam o sistema industrial brasileiro. Ao longo do
discurso foi encaixando as principais medidas que seguem a lógica anunciada.
A
primeira, foi a importância do câmbio para defender a produção brasileira.
Enfatizou que a política econômica dos países centrais - inundando o mercado de
moedas ao mesmo tempo em que travam a economia com metas fiscais rígidas - é
prejudicial aos países emergentes. Primeiro, por desvalorizar suas moedas,
frente às dos emergentes; depois, por manter a economia estagnada. Cada país
central mata seu mercado interno com políticas fiscais recessivas; depois
desvalorizam suas moedas para que a produção local possa ser direcionada para o
mercado externo.
Enfatizou
a posição brasileira, de que o câmbio é a pior forma de competição comercial,
não estando sujeito a nenhuma forma de controle da Organização Mundial do
Comércio.
***
Parte
longa do discurso foi explicando as recentes decisões de reduzir o custo da
energia. No preço da energia está embutido uma cota de depreciação - que
consiste em abater, anualmente, um percentual do valor pago pela concessão.
Acontece que a vida útil das usinas é muito maior que a dos contratos de
concessão. Dessa forma, terminado o contrato, a concessionária já amortizou
completamente o valor pago. A usina continua a operar, totalmente amortizada.
Aï o governo faz um novo leilão, é pago um novo valor e a depreciação daquele
valor cai na conta do consumidor pessoa física e jurídica.
A
partir de agora, explicou Dilma, haverá renovação das concessões, acabando com
a cota de depreciação e barateando o custo da energia.
***
Seu
modelo de desenvolvimento - explicou ela - não pode contrapor consumo a
investimento. As prioridades serão a manutenção das políticas sociais,
fortalecendo o mercado de consumo interno, o investimento prioritário em
infraestrutura e em inovação.
***
Passadas
as eleições, disse ela, será a hora do país se debruçar sobre o que fazer com
os recursos do pré-sal. Sua proposta é que seja direcionado para educação.
***
Finalmente,
abordou a questão da nova classe média. A partir de agora, disse ela, essa nova
classe média será cada vez mais exigente em relação aos serviços públicos e
privados. Não aceitará mais celulares que não funcionam, saúde pública que não
atenda suas exigências.
Isso
obrigará a uma nova postura por parte de todos os agentes econômicos.
O
sonho nosso, como país, terminou ela, é sermos um imenso país de classe média,
educada, bem atendida, com saúde.
No público, os maiores empresários brasileiros
concordando que, finalmente, o país partiu para a batalha da produção. Mas será
uma imensa luta recuperar o atraso de tantas décadas.
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Os grandes hospitais e as companhias aéreas
Coluna
Econômica - 04/10/2012
-
Dia
desses fui fazer um checkup e um grande hospital de São Paulo. Tudo pelo plano
de saúde. Era um conjunto de exames em salas diferentes. Chamou-me a atenção o
contraste entre a qualidade desses hospitais e o desastre de atendimento das
companhias aéreas.
Ambos
tratam com públicos amplos, em operações relativamente complexas: muito mais
complexas nos hospitais.
Inicia-se
pela marcação da passagem/consulta. Nas companhias aéreas, consiste em definir
o número e horário do voo e o lugar do passageiro. Nos hospitais, definir
horários para exames dos mais variados, exigindo preparo antecipado da parte
dos pacientes.
No
meu caso, foram marcados exames em três departamentos diferentes. Alguns dias
antes dos exames, recebi por torpedo as orientações sobre como proceder, o que
não comer e beber etc. E, depois, como me locomover no hospital.
Das
companhias aéreas, nada. Embora possam ser feitas reservas pela Internet, não
raras vezes voos são cancelados, deixa-se o assento livre.
***
Chegando
ao hospital, há uma enorme bancada de atendentes para confirmar as consultas.
Recebe-se uma senha e aguarda-se sentado a informação sobre qual guichê será o
atendimento. São dezenas e dezenas de pessoas na sala de consulta e o tempo
médio de espera é mínimo. A atendente coloca uma fita no pulso do paciente, que
permitirá a ele ser identificado em qualquer laboratório interno.
Nas
companhias aéreas, formam-se enormes filas, sem que o passageiro seja informado
ao certo sobre qual fila entrar.
***
Marcada
a consulta, o paciente deverá se dirigir à sala de espera do primeiro exame.
Embora os prédios sejam antigos, há um sistema de sinalização modelo. Cada sala
de espera é identificada por uma cor. Seguindo a cor – estampada nas paredes do
hospital – chega-se facilmente à sala.
Nos
aeroportos, sai-se do guichê da companhia, entra-se no portão de embarque com
uma indicação de portão – que quase sempre será alterado para outro.
***
Nos
hospitais, para cada consulta há um conjunto de produtos que serão utilizados –
seringas, recipientes, sacolas etc. Em cada consulta, quando o paciente chega
ao laboratório todos os recipientes estão lá, devidamente identificados.
Termina um exame, há uma enfermeira levando o paciente para outro laboratório.
No
caso das companhias aéreas, o único objeto a ser transportado são as malas.
Identifica-se o proprietário e coloca-se o ticket na passagem. Chegando ao
salão de embarque, não há um guichê sequer das companhias, onde o passageiro
possa se informar sobre a confirmação do voo, mudança de portões, cancelamento
ou qualquer outra informação relevante. Chegando ao destino, as bagagens são
derramadas em esteiras, sem nenhum cuidado, obrigando os passageiros a aguardar
muito tempo para retirá-las.
***
Nos
grandes hospitais, todos os funcionários – dos médicos aos balconistas da
lanchonete – são extremamente atenciosos. Nas companhias aéreas, qualquer
manifestação de simpatia é estritamente pessoal – de pessoas que trazem a
educação de casa e não através do treinamento interno.
Os grandes hospitais não são concessão pública; as
companhias aéreas sim. Para melhorar o atendimento, basta serem devidamente
cobradas pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil).
))))))
A
espetacularização e a ideologização do Judiciário
A
ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF
parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou
que Lula chegasse ao Planalto. Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande,
que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa.
Leonardo
Boff - Carta Maior 05.10
-
É
com muita tristeza que escrevo este artigo no final da tarde desta
quarta-feira, após acompanhar as falas dos ministros do Superemo Tribunal
Federal. Para não me aborrecer com e-mails rancorosos vou logo dizendo que não
estou defendendo a corrupção de políticos do PT e da base aliada, objeto da
Ação Penal 470 sob julgamento no STF. Se malfeitos foram comprovados, eles
merecem as penas cominadas pelo Código Penal. O rigor da lei se aplica a todos.
Outra
coisa, entretanto, é a espetacularização do julgamento transmitido pela TV. Ai
é ineludível a feira das vaidades e o vezo ideológico que perpassa a maioria
dos discursos.
Desde
A Ideologia Alemã, de Marx/Engels (1846), até o Conhecimento e Interesse, de J.
Habermas (1968 e 1973), sabemos que por detrás de todo conhecimento e de toda
prática humana age uma ideologia latente. Resumidamente, podemos dizer que a
ideologia é o discurso do interesse. E todo conhecimento, mesmo o que pretende
ser o mais objetivo possível, vem impregnado de interesses.
Pois,
assim é a condição humana. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E todo
o ponto de vista é a vista de um ponto. Isso é inescapável. Cabe analisar
política e eticamente o tipo de interesse, a quem beneficia e a que grupos
serve e que projeto de Brasil tem em mente. Como entra o povo nisso tudo? Ele
continua invisível e até desprezível?
A
ideologia pertence ao mundo do escondido e do implícito. Mas há vários métodos
que foram desenvolvidos, coisa que exercitei anos a fio com meus alunos de
epistemologia em Petrópolis, para desmascarar a ideologia. O mais simples e
direto é observar a adjetivação ou a qualificação que se aplica aos conceitos
básicos do discurso, especialmente, das condenações.
Em
alguns discursos, como os do ministro Celso de Mello, o ideológico é gritante,
até no tom da voz utilizada. Cito apenas algumas qualificações ouvidas no
plenário: o mensalão seria “um projeto ideológico-partidário de inspiração
patrimonialista”, um “assalto criminoso à administração pública”, “uma
quadrilha de ladrões de beira de estrada” e um “bando criminoso”. Tem-se a
impressão de que as lideranças do PT e até ministros não faziam outra coisa que
arquitetar roubos e aliciamento de deputados, em vez de se ocuparem com os
problemas de um país tão complexo como o Brasil.
Qual
o interesse, escondido por detrás de doutas argumentações jurídicas? Como já
foi apontado por analistas renomados do calibre de Wanderley Guilherme dos
Santos, revela-se aí certo preconceito contra políticos vindos do campo
popular. Mais ainda: visa-se a aniquilar toda a possível credibilidade do PT,
como partido que vem de fora da tradição elitista de nossa política; procura-se
indiretamente atingir seu líder carismático maior, Lula, sobrevivente da grande
tribulação do povo brasileiro e o primeiro presidente operário, com uma
inteligência assombrosa e habilidade política inegável.
A
ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF
parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou
que Lula chegasse ao Planalto. Seu destino e condenação é a Planície. No
Planalto poderia penetrar como faxineiro e limpador dos banheiros. Mas nunca
como presidente.
Ouvem-se
no plenário ecos vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a Senzala sempre
submissa e silenciosa. Dificilmente, se tolera que através do PT os lascados e
invisíveis começaram a discutir política e a sonhar com a reinvenção de um
Brasil diferente. Tolera-se um pobre ignorante e mantido politicamente na
ignorância. Tem-se verdadeiro pavor de um pobre que pensa e que fala. Pois,
Lula e outros líderes populares ou convertidos à causa popular como João Pedro
Stedile, começaram a falar e a implementar políticas sociais que permitiram uma
Argentina inteira ser inserida na sociedade dos cidadãos.
Essa
causa não pode estar sob juízo. Ela representa o sonho maior dos que foram
sempre destituídos. A Justiça precisa tomar a sério esse anseio a preço de se
desmoralizar, consagrando um status quo que nos faz passar internacionalmente
vergonha. Justiça é sempre a justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos,
a virtude que perpassa todas as virtudes (“a luminossísima estrela matutina” de
Aristóteles). Estimo que o STF não conseguiu manter a justa medida. Ele deve
honrar essa justiça-mor que encerra todas as virtudes da polis, da sociedade
organizada. Então, sim, se fará justiça neste país.
Leonardo Boff é teólogo e escritor.
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Livros didáticos para o ensino médio terão de
integrar matérias
Ministério
da Educação fará a exigência no programa de compra de obras para escolas
públicas
Governo
espera que articulação entre disciplinas ajude a melhorar a qualidade nos
colégios públicos. FOLHA SP 06.10
-
O
Ministério da Educação decidiu que os livros didáticos a serem comprados para
estudantes do ensino médio deverão ter seções que integrem diferentes matérias.
Assim,
uma obra de física, em vez de ter só conteúdo da matéria, deverá conter
atividades que envolvam filosofia e geografia, por exemplo.
A
nova exigência constará no edital que será lançado neste ano para o PNLD,
programa em que o governo federal compra obras para enviar às escolas públicas.
Os
livros chegarão aos colégios em 2015. A relação de obras selecionadas também
norteia a rede privada.
A
intenção do ministério é induzir um início de mudança no currículo do ensino
médio, para que ele tenha articulação entre as disciplinas.
A
avaliação do ministério é que a organização dessa etapa de ensino é muito
fragmentada entre as matérias, o que prejudica sua qualidade.
Além
da mudança nos livros, a pasta diz que também definirá exatamente o que o aluno
deve aprender -a articulação entre as matérias será um norte. Atualmente, há
apenas diretrizes gerais.
NOTAS
BAIXAS
Na
última avaliação federal (Ideb), a média do ensino médio estagnou em um nível
considerado insatisfatório pelo próprio ministério.
"O
livro ajudará na articulação [de matérias]", disse o secretário da
Educação Básica da pasta, Cesar Callegari.
"Nem
todos os professores de física, por exemplo, estão preparados para fazer
conexões com filosofia. O livro didático pode dar o caminho."
Segundo
Callegari, atividades que integrem diversas matérias deverão ter boa presença
nas obras, "não apenas em um apêndice". Os detalhes estão sendo
definidos.
No
último programa de compra de obras para o ensino médio, o governo gastou mais
de R$ 800 milhões, em quase 80 milhões de livros.
Para
Nelio Bizzo, professor da Faculdade de Educação da USP, a ideia do governo é
positiva. Ele afirma, porém, que a medida só será eficaz se o ministério deixar
claro no edital o que espera das obras.
"Se
a exigência for muito vaga, o ministério fica com um poder discricionário,
quase arbitrário, para definir qual obra vai entrar."
A
Folha procurou ontem a Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de Livros
Escolares) para saber sua posição sobre o tema, mas ninguém foi localizado.
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Edital para negros divide meio cultural
Medida
anunciada anteontem pela ministra da Cultura deve criar seleções públicas para
criadores afro-descendentes
Marta
Suplicy pediu propostas para Funarte, Biblioteca Nacional e Ancine até o Dia da
Consciência Negra. FOLHA SP 06.10
-
O
anúncio do lançamento de editais exclusivos para criadores e produtores negros,
feito anteontem pelo Ministério da Cultura, dividiu opiniões entre acadêmicos e
artistas brasileiros.
Enquanto
parte defende os editais, que devem ser lançados no Dia da Consciência Negra
(20/11), outros os consideram preconceituosos.
"É
um absurdo. Se eu fosse negro, ficaria muito puto. É uma coisa de demência,
ligada à culpa cristã de classe média branca. É só um passo a mais pelo ódio
racial que está sendo potencializado desde que o PT entrou no poder",
disse o cantor Lobão.
Para
o autor de "Cidade de Deus", Paulo Lins, a medida anunciada pela
ministra Marta Suplicy é boa e necessária.
"O
negro tem que ter privilégio e inclusão em tudo. Ele foi sacrificado durante
400 anos de escravidão no país."
KL
Jay, do Racionais MC's, concorda com Lins sobre a dívida que o Brasil tem com
os descendentes de escravos. "O país me deve muito mais."
Já
o cineasta Zelito Viana, que produziu "Terra em Transe" (1967) e
"Cabra Marcado Para Morrer" (1985), considera a medida
"racista". "Agora haverá editais também para anão e para
mulher?"
Para
o professor de ciência política da Uerj (Universidade Estadual do Rio de
Janeiro) João Feres Júnior, a medida é importante porque a cultura brasileira é
"extremamente branco-cêntrica".
"Os
produtores de narrativas são quase que exclusivamente brancos ou falam de uma
perspectiva da qual a questão do racismo e da discriminação é invisível."
O
compositor, pesquisador e escritor Nei Lopes concorda com Feres Júnior.
"Há
uma grande 'invisibilização' da produção do povo negro nos circuitos da ação
cultural", afirmou Lopes.
Danilo
Miranda, diretor do Sesc-SP, disse ter inicialmente se assustado com o anúncio.
"Achei que seria inadequado para um país que respeita a igualdade. Mas,
depois, achei que se tratava de algo adequado para tornar o Brasil um país mais
justo."
LEGALIDADE
Para
o sociólogo Demétrio Magnoli, a medida é discriminatória porque viola a
igualdade constitucional entre os cidadãos, mas hoje "infelizmente" é
legal graças à decisão do Supremo Tribunal Federal a favor das cotas raciais no
vestibular da universidade de Brasília (UnB).
Em
agosto, a presidente Dilma Rousseff aprovou um sistema cotas sociais, mas não
raciais, na rede federal de ensino superior.
Sobre
o edital anunciado pelo MinC, o advogado Sebastião Ventura da Paixão Jr disse
que a medida pode ser "inconstitucional" caso o critério de seleção
seja racial.
"O
governo deve ter muito cuidado para que, na ânsia de resolver um problema
social, não faça um ato despido do necessário equilíbrio constitucional",
afirmou.
Gisele
Jordão, responsável por um estudo sobre a produção cultural no Brasil, diz que
o debate é anterior ao de raça: 63% dos produtores do país não conseguem viver
da profissão. Segundo ela, projetos com tema afro-brasileiro têm mais
dificuldade em captar recursos via Lei Rouanet que a média do país.
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